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Qualidade de águas subterrâneas captadas em fontes em função da presença de proteção física e de sua posição na paisagem

Quality of ground water taken from sources in function of the presence of physical protection and the position in the landscape

Resumos

No meio rural, a água de consumo humano é frequentemente captada por meio de sistemas precários. O objetivo do trabalho foi o de monitorar parâmetros físicos, químicos e microbiológicos da qualidade de água subterrânea captada em fontes para uso doméstico, relacionando suas posições na paisagem e à presença de proteção física. Trinta e cinco fontes de água subterrânea, localizadas na pequena bacia hidrográfica-PBH do Arroio Lino, área rural do Município de Agudo - RS, foram amostradas e classificadas quanto à proteção física e à posição na paisagem. Monitoraram-se, de janeiro a agosto de 2002, os seguintes parâmetros da água: pH, cor, carbono orgânico solúvel total (COST), N-NO3, N-NH3 e fósforo total (PT), Escherichia coli e coliformes totais. Em geral, os parâmetros variaram com a época de coleta, ficando ora acima, ora abaixo dos Valores Máximos Permissíveis previstos pelo Ministério da Saúde do Brasil. A posição das fontes nas cotas mais altas da paisagem da PBH mostrou-se determinante unicamente para a cor e o PT. A proteção rudimentar mostrou-se eficaz para o PT nas fontes posicionadas em cotas altas, no entanto apresentou respostas discrepantes na parte baixa da paisagem, considerando-se os parâmetros COST e N-NO3. A fonte drenada coletiva, sistema recomendado pela assistência técnica oficial, mostrou-se a mais eficaz em evitar a contaminação por Escherichia coli, restringindo também coliformes totais, fósforo total e N-NO3 em relação à fonte individual. A posição das fontes na paisagem e a presença de proteção física rudimentar podem ser utilizadas como critério parcial ao uso de fontes para captação de água.

abastecimento rural; manejo do solo; saúde pública; contaminação da água


In rural areas, water for human consumption is often captured by insecure systems. The objective of this work was monitoring some parameters of the quality of groundwater taken from sources, pointing out their position in the landscape and the presence of physical protection. For this , 36 sources in the watershed of Arroio Lino, a rural area of Agudo, RS, Brazil, were sampled and classified according their physical protection and position in the landscape. A monitoring program, from January to August 2002, was carried out to analyze the following parameters: pH, color, total soluble organic carbon - TSOC, N-NO3, N-NH3 and total phosphorus, E. coli and total coliforms. The parameters values changed with the time of collection and were often above the Maximum Allowable values provided by the Brazilian Ministry of Health. A rudimentary protection was efficient to the PT of the sources located in high levels; however it has present discrepant results for the low part of the landscape, considering the parameters TSOC e N-NO3. The collective drained source, system recommended by the official technical assistance, was the most efficient to avoid contamination by Escherichia coli, restricting also the levels of total coliforms, total phosphorus and N-NO3 as compared to the individual sources. The sources position in the landscape and the presence of a rudimentary physical protection can be employed as a partial criterion to accept that a water source be used for collecting water.

rural supplies; soil management; health public; water contamination


ARTIGOS CIENTÍFICOS

ENGENHARIA DE ÁGUA E SOLO

Qualidade de águas subterrâneas captadas em fontes em função da presença de proteção física e de sua posição na paisagem1 1 Trabalho apoiado financeiramente pelo programa RS-RURAL, CNPq, FAPERG.

Quality of ground water taken from sources in function of the presence of physical protection and the position in the landscape

Danilo dos S. RheinheimerI; Celso S. GonçalvesII; Edson C. BortoluzziIII; João B. R. PellegriniIV; José L. S. da SilvaV; Cláudia PetryVI

IEngº Agrônomo, Doutor, Pesquisador CNPq PQ 1D, CCR-UFSM, Santa Maria - RS, danilo@ccr.ufsm.br

IIEngº Agrônomo, Doutor, Professor, IFET, São Vicente do Sul - RS, celsocefet@gmail.com

IIIEngº Agrônomo, Doutor, Pesquisador CNPq PQ 2, FAMV-UPF, Passo Fundo - RS, edson.bortoluzzi@pq.cnpq.br

IVEngº Agrônomo, Doutor, Professor, IFET-UNED, Júlio de Castilhos - RS, jbpellegrini@yahoo.com.br

VGeólogo, Doutor, Pesquisador CNPq PQ 2, UFSM, Santa Maria - RS, silverioufsm@gmail.com

VIEngº Agrônomo, Doutor, Professor, FAMV-UPF, Passo Fundo - RS, petry@upf.br

RESUMO

No meio rural, a água de consumo humano é frequentemente captada por meio de sistemas precários. O objetivo do trabalho foi o de monitorar parâmetros físicos, químicos e microbiológicos da qualidade de água subterrânea captada em fontes para uso doméstico, relacionando suas posições na paisagem e à presença de proteção física. Trinta e cinco fontes de água subterrânea, localizadas na pequena bacia hidrográfica-PBH do Arroio Lino, área rural do Município de Agudo - RS, foram amostradas e classificadas quanto à proteção física e à posição na paisagem. Monitoraram-se, de janeiro a agosto de 2002, os seguintes parâmetros da água: pH, cor, carbono orgânico solúvel total (COST), N-NO3, N-NH3 e fósforo total (PT), Escherichia coli e coliformes totais. Em geral, os parâmetros variaram com a época de coleta, ficando ora acima, ora abaixo dos Valores Máximos Permissíveis previstos pelo Ministério da Saúde do Brasil. A posição das fontes nas cotas mais altas da paisagem da PBH mostrou-se determinante unicamente para a cor e o PT. A proteção rudimentar mostrou-se eficaz para o PT nas fontes posicionadas em cotas altas, no entanto apresentou respostas discrepantes na parte baixa da paisagem, considerando-se os parâmetros COST e N-NO3. A fonte drenada coletiva, sistema recomendado pela assistência técnica oficial, mostrou-se a mais eficaz em evitar a contaminação por Escherichia coli, restringindo também coliformes totais, fósforo total e N-NO3 em relação à fonte individual. A posição das fontes na paisagem e a presença de proteção física rudimentar podem ser utilizadas como critério parcial ao uso de fontes para captação de água.

Palavras-chave: abastecimento rural, manejo do solo, saúde pública, contaminação da água.

ABSTRACT

In rural areas, water for human consumption is often captured by insecure systems. The objective of this work was monitoring some parameters of the quality of groundwater taken from sources, pointing out their position in the landscape and the presence of physical protection. For this , 36 sources in the watershed of Arroio Lino, a rural area of Agudo, RS, Brazil, were sampled and classified according their physical protection and position in the landscape. A monitoring program, from January to August 2002, was carried out to analyze the following parameters: pH, color, total soluble organic carbon - TSOC, N-NO3, N-NH3 and total phosphorus, E. coli and total coliforms. The parameters values changed with the time of collection and were often above the Maximum Allowable values provided by the Brazilian Ministry of Health. A rudimentary protection was efficient to the PT of the sources located in high levels; however it has present discrepant results for the low part of the landscape, considering the parameters TSOC e N-NO3. The collective drained source, system recommended by the official technical assistance, was the most efficient to avoid contamination by Escherichia coli, restricting also the levels of total coliforms, total phosphorus and N-NO3 as compared to the individual sources. The sources position in the landscape and the presence of a rudimentary physical protection can be employed as a partial criterion to accept that a water source be used for collecting water.

Keywords: rural supplies, soil management, health public, water contamination.

INTRODUÇÃO

Águas subterrâneas são consideradas imprescindíveis ao consumo humano, principalmente para 19% da população brasileira que a utilizam por meio de instalações precárias de captação. Em pequenas bacias hidrográficas de cabeceiras (PBH), a água subterrânea verte por meio de nascentes incrustadas em morros cobertos com ampla cobertura florestal, apresentando normalmente padrão de potabilidade (BRASIL, 2004). Contudo, a ação antrópica em áreas rurais (DONADIO et al., 2005; ANDRADE et al., 2007), por meio de ações como: cultivo em áreas inapropriadas ou de preservação (RHEINHEIMER et al., 2003; MINELLA et al., 2007), uso de agrotóxicos (BORTOLUZZI et al., 2006 e 2007; GRÜTZMACHER et al., 2008; FERNANDES NETO & SARCINELLI, 2009), substituição da mata nativa por espécie exótica (BUENO et al., 2005), adubação fosfatada (ANDRADE et al., 2007) e ausência de tratamento de dejetos (SANTOS et al., 2007) alteram os parâmetros de potabilidade das águas, conferindo à atividade agrícola um grande potencial poluidor. Somente no Rio Grande do Sul, estima-se que cerca de 90 mil pequenas propriedades podem enquadrar-se nessa configuração de exploração.

Inúmeros estudos têm apontado para a necessidade de diminuir a pressão antrópica sobre as áreas rurais como modo de preservar a qualidade das águas (RHEINHEIMER et al., 2003; MERTEN & MINELLA, 2006; ANDRADE et al., 2007; MINELLA et al., 2007). Por outro lado, medidas emergenciais, como a construção de fontes nas partes mais elevadas do relevo e com proteção em alvenaria, podem ser eficazes na manutenção da potabilidade da água (RHEINHEIMER et al., 2003). Entre as alternativas baratas e eficazes, destaca-se a implantação de fontes drenadas que captam a água subterrânea do lençol freático, filtram-na por meio de areia e brita graduada, armazenando-a em reservatórios.

Apesar dessas iniciativas, a eficiência de sistemas de proteção de fontes de água é controversa (AMARAL et al., 2003), necessitando de uma avaliação. O monitoramento da qualidade da água pode ser uma importante ferramenta de avaliação, indicando se proteções em fontes são eficazes se práticas agrícolas têm relação com a qualidade da água (PIZZELLA & SOUZA, 2007; BUENO et al., 2005). Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivos: a) determinar espacial e temporalmente parâmetros físicos, químicos e microbiológicos da qualidade de água subterrânea captada em fontes, e b) relacionar esses parâmetros quanto à posição das fontes na paisagem e à presença de proteção física. Visa-se com isso a contextualizar as práticas de proteção de fontes frente ao uso do solo em uma pequena bacia hidrográfica e à necessidade de planejamento de solos e ambiental em microbacias hidrográficas.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado na pequena bacia hidrográfica de cabeceira do Arroio Lino, localizada no Distrito de Nova Boêmia, município de Agudo - RS. Com 480 ha de área, a PBH apresenta a litologia composta por rochas vulcânicas da Formação Serra Geral e por arenitos em interderrames da Formação Botucatu. Os solos são do tipo Argissolos, Planossolos, Cambissolos, Neossolos e Chernossolos. A vegetação natural é a floresta estacional decídua, porém grandes áreas estão florestadas por matas secundárias, indicando que outrora a área fora cultivada. Existem 46 unidades de produção familiar que cultivam fumo em sistema de integração com a indústria. As lavouras localizadas em áreas suscetíveis à erosão são preparadas com lavrações e gradagens, onde o uso de agrotóxicos e fertilizantes é uma constante.

Localizou-se na área um total de 36 fontes de água destinadas ao abastecimento humano por meio de fotos aéreas e de carta do exército. As fontes foram georreferenciadas com uso de receptor GPS de navegação e classificadas quanto a sua localização na paisagem e à presença de proteção física, instalações, benfeitorias e uso do solo em suas adjacências (Figura 1). Cada fonte consiste em um poço escavado para acesso da água subterrânea. Nelas, amostras de água foram coletadas com frequência mensal, entre os meses de janeiro e agosto de 2002, e encaminhadas ao Laboratório de Análises de Águas Rurais da Universidade Federal de Santa Maria.


Para a coleta das amostras destinadas à análise microbiológica, foram usados frascos de vidro do tipo "snap-cap", com capacidade para 100 mL, previamente lavados com HCl 0,1 mol L-1 e esterilizados em autoclave, sob uma atmosfera e 121 ºC. Para as amostras destinadas ás análises físicas e químicas, utilizaram-se frascos de plástico com capacidade para 300 mL, igualmente limpos com a mesma solução. O procedimento de coleta constou da abertura e submersão dos frascos na água das fontes entre 15 e 20 cm de profundidade, de modo a completá-los até atingirem 3/4 de sua capacidade, posteriormente tampados e acondicionados em caixa térmica com gelo.

No laboratório, as determinações microbiológicas consistiram na estimativa do número mais provável (NMP) de coliformes totais e de Escherichia coli, expresso em NMP 100 mL-1, seguindo o método cromogênico-fluorogênico (APHA, 1992). Nas amostras de água, determinaram-se: a cor; o pH; a condutividade elétrica - CE; a concentração mg L-1 de sólidos totais dissolvidos - STD, de nitrato - N-NO3; de N-amoniacal - N-NH3; carbono orgânico solúvel total - COST, e fósforo total - PT (APHA, 1992).

As fontes de água subterrâneas da PBH foram agrupadas em seis subgrupos: A1, A2, B1, B2, C1 e C2 (Tabela 1), conforme a posição na paisagem e a presença de proteção. As fontes do grupo A são locadas nas cotas mais baixas do terreno (paisagem de baixada), entre 160 e 350 m de altitude, sendo passíveis de receberem água do deflúvio superficial; as fontes do subgrupo A1 não possuem proteção física, enquanto as do A2 as possuem. As fontes do grupo B estão nas cotas superiores do terreno, entre 310 e 400 m de altitude (paisagem de encosta), em áreas menos propícias à atividade humana. As fontes dos subgrupos B1 não possuem proteção física, enquanto as do subgrupo B2 as possuem. A proteção física presente nas fontes A1 e B1 consiste em estruturas de alvenaria que tentam isolar as fontes à entrada de água e materiais externos. Constituem-se também em tubos de concreto circundando a fonte, reservatórios em alvenaria e caixas de água de fibrocimento, ou mesmo de amianto, onde a água imediatamente após seu afloramento é direcionada para o reservatório.

As fontes do grupo C são de drenagem e apresentam uma proteção mais elaborada que as anteriores; a fonte C1 abastece uma família e foi construída pelo próprio agricultor sem nenhum apoio técnico, e a C2 é de uso coletivo de dez propriedades e foi construída com apoio técnico oficial da EMATER/ASCAR/RS (Tabela 1, Figura 1).

Essas fontes apresentam proteção física na parte externa, feitas a partir de blocos de rochas de arenito ou basalto. A proteção ajuda a captar o fluxo de água da vertente para dentro de reservatórios contendo sucessivas camadas de areia (diâmetro entre 2 - 0,062 mm) e agregados de pedras britadas de pequeno diâmetro (dimensões entre 4,8 a 9,5 mm), cuja função é de filtração de particulados de tamanho silte (0,062 a 0,002 mm), argila (< 0,002 mm) e de material orgânico.

Os resultados médios das épocas de coleta foram confrontados com os padrões de qualidade de água para consumo humano, estabelecidos pela portaria 518/2004 e a resolução 357/2005 (BRASIL, 2004). Utilizou-se o teste t, a 5%, para comparar: i) as médias das épocas de coleta (n=8) entre proteções (1 x 2), ou seja, A1vsA2, B1vsB2 e C1vsC2; ii) as médias das épocas de coleta em cada grupo (n=16), ou seja, AvsB; AvsC e BvsC. Os valores de coliformes totais foram transformados pela expressão log Y+1 por não apresentarem valores com distribuição normal.

Na discussão, adotar-se-á a seguinte nomenclatura: fontes A (paisagem de Baixada), onde A1 são as fontes sem proteção e A2 com proteção; fontes B (paisagem de Encosta), onde B1 são sem proteção e B2 com proteção; fontes C (fontes drenadas), onde C1 é uma fonte drenada rudimentar para abastecimento de uma residência e C2 fonte drenada elaborada nas normas técnicas para abastecimento coletivo de 10 residências.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todas as águas amostradas apresentarem valores de conteúdo de sais dissolvidos inferiores a 500 mg L-1 e a condutividade elétrica variou de 4 a 347 µS cm-1, o que as caracterizam como água doce de acordo com a Resolução nº 357/2005.

Na Tabela 2, a cor variou de 33,5 a 108,3 uH entre as épocas de amostragem. Nenhuma época de avaliação apresentou água com valores inferiores ao valor máximo permitido (VMP) para cor, fixado em 15 uH pela Portaria 518/2004 (BRASIL, 2004), para águas de consumo humano. Contudo, em geral, os valores observados nos meses de verão, entre janeiro e abril, tenderam a ser menores que aqueles observados nos meses de inverno (maio a agosto), estando associados a menor pluviosidade no verão, logo menor probabilidade de presença de sólidos suspensos. Em média, a cor apresentou valor de 87 uH para a água do grupo A (Baixadas), 74 uH para o grupo B (Encosta) e 47 uH para o grupo C. As fontes drenadas, com proteção mais elaborada, representadas pelo subgrupo C1, apresentaram, na média, valor inferior às demais, o que indica maior proteção com relação às demais para esse parâmetro (Tabela 1). O uso de proteções, mesmo rústicas, mostrou-se determinante com relação a esse parâmetro nas fontes do subgrupo B (Tabela 1).

O teor de carbono orgânico solúvel total não mostrou diferenças entre os subgrupos A, B e C (Tabela 1). Já o subgrupo B de fontes com proteção (B2) apresentou menor teor de COST, como também a fonte individual (C1). Isso se deve, provavelmente, a maior produção de sedimentos nas partes altas do relevo, quando associadas a sistemas agrícolas (MERTEN & MINELLA, 2006). A entrada de material sólido nas fontes é apontada por ANDRADE et al. (2007) como fator principal responsável pela diminuição da qualidade de águas superficiais. Assim, ao entrar sedimentos nas fontes, os valores de cor e de compostos orgânicos solúveis podem ser incrementados.

Na Tabela 2, a presença de coliformes totais variou de zero a 8.300 NMP 100 mL-1, estando presentes em todas as fontes, independentemente da época de avaliação, seguindo a tendência para as duas variáveis anteriores, que foram maiores nos meses de inverno. No entanto, a posição na paisagem das fontes A, B e C não foi determinante na qualidade da água para esse parâmetro, apresentando-se com médias não diferentes estatisticamente entre si e entre as fontes protegidas e não protegidas (1 e 2).

Em geral, as concentrações de E. coli foram menores que as de coliformes totais, que variaram de zero a 47 NMP 100 mL-1. Esse parâmetro apresentou grandes discrepâncias entre as épocas de coleta, principalmente entre a última e as demais (Tabela 1). De acordo com os padrões de potabilidade da água (BRASIL, 2004), apenas a fonte C2 apresentou-se isenta de E. coli; logo, potável, segundo esse parâmetro. Apesar de a análise estatística não mostrar diferenças entre as médias das fontes com e sem proteção, do ponto de vista qualitativo, percebe-se menor probabilidade de contaminação microbiológica nas fontes protegidas drenadas, principalmente a coletiva, C2.

Na Tabela 3, o pH das amostras de água variou de 4,8 e 7,0, indicando um caráter de ácido a neutro. As épocas de coleta apresentaram valores de pH que tendem a ser menores para o verão (meses de janeiro a abril) que para os meses de maio e junho. Isto pode estar associado ao maior tempo de contato sedimento-água, favorecendo a liberação de prótons na água por parte de partículas sólidas. Entre os subgrupos relativos à proteção (1 e 2), apenas as fontes drenadas (C1 e C2) diferiram entre si. A fonte C2 apresentou pH 5,3, e foi em média inferior a C1 (pH 6,6), e a média desses não diferiu em relação aos outros subgrupos A e B com pH de 6,1 e 6,3. Esses valores podem ser considerados de pouca amplitude, mas são inferiores aos encontrados por BUENO et al. (2005) para águas superficiais. Esse parâmetro é importante para a microbiologia, respondendo de forma inversa a parâmetros como coliformes totais (ANDRADE et al., 2007).

O fósforo total - PT, variou em média de 0,01 a 0,71 mg L-1, sem diferir entre as épocas de coleta (Tabela 3). A posição na paisagem mostrou-se efetiva apenas para os subgrupos A e C, onde se observaram, respectivamente, os valores de 0,14 mg L-1 e 0,24 mg L-1 . As fontes do subgrupo posicionado nas baixadas não diferiram dos subgrupos A2 e B2 (Tabela 3). A fonte C1 apresentou, na média, o maior teor de fósforo total (0,39 mg L-1), comparado a C2 e ao grupo A (Tabela 3). O P, por estar associado à fração sólida, as fontes não protegidas têm maior probabilidade de receberem material externo e apresentarem valores altos de P na água. Contudo, as fontes que compõem o subgrupo C apresentou PT elevado, o que sugere que grande parte do P presente nessas amostras se encontre em estado solúvel, como observaram PELLEGRINI et al. (2010). Uma vez que a Portaria n518/2004 não fixou padrões de potabilidade em relação a este elemento, buscou-se complementação na Resolução n357/2006 do CONAMA (BRASIL, 1986), considerando-se as águas das fontes alternativas de abastecimento da zona rural como sendo de ambiente lótico.

A concentração de nitrogênio nas águas na forma de N-amoniacal (N-NH3) variou de zero a 2,66 mg L-1 . Os valores médios de N-NH3 encontram-se ora superiores, ora inferiores ao VMP determinado pela portaria 518/2004 como sendo 1,5 mg L-1. Valores acima do VMP ocorreram no subgrupo (B1) sem proteção, em 25% das amostras no período de outono-inverno e no subgrupo (C2) drenada, em 13% das amostras de outono. Para o N-NH3, não foram observadas diferenças entre os subgrupos A, B e C nem entre as fontes protegidas e não protegidas. Entre as épocas de coleta somente as médias dos meses de fevereiro e junho mostraram-se discrepantes. Isso denota que pode ter havido uma contaminação pontual no tempo, sem relação com o período de chuvas.

A concentração de nitrogênio nas água,s na forma de N-nitrato (N-NO3), variou de 0,14 a 4,89 mg L-1. No entanto, esses valores encontram-se abaixo de 10 mg L-1 determinado pela portaria 518/2004 como sendo o valor máximo permitido (BRASIL, 2004). A localização das fontes na paisagem não se mostrou determinante para esse parâmetro. As fontes do subgrupo B mostraram-se diferentes quanto à contaminação de Nitrato, ou seja, as fontes não protegidas apresentaram, em média, maior teor de N-NO3. Já o maior teor na fonte C1, em comparação à C2, pode estar associada à vazão diferenciada entre uma e outra fonte.

A presença de N-NO3 está relacionada às práticas de fertilização nítrica na cultura do fumo e, segundo KAISER (2006), as altas concentrações de N-NO3 (> 120 mg L-1) medidas na água superficial podem ser atribuídas à adubação nitrogenada na cultura do fumo.

Em resumo, as fontes drenadas que compõem os subgrupos C1 e C2 apresentaram menor valor para a cor e maior para PT. Apesar de não apresentarem diferenças estatísticas, as fontes C1 e C2 apresentaram-se com valores, na média, inferiores às demais para E. coli, coliformes totais, COST, pH, cor e N-NH3 o que demonstra qualitativamente uma efetividade em evitar contaminação. Vale ressaltar que apenas a fonte C2 apresenta valores de E. coli em acordo com os padrões de potabilidade (BRASIL, 2004).

Da mesma forma, as fontes do subgrupo A apresentaram para PT valores menores que para o subgrupo C. O tempo de permanência da água no interior das fontes drenadas, principalmente a C1, que é individual, é maior. Isso pode ter aumentado a probabilidade de contaminação cumulativa da água, com reflexos em alguns parâmetros.

Pode-se inferir quanto à época de coleta que todos os parâmetros, com exceção da E. coli, tenderam a variar seus teores entre os meses de coleta. É provável que isso possa estar associado ao regime hídrico e às práticas agrícolas de fertilização. Por exemplo, os teores de coliformes totais foram maiores em períodos chuvosos (meses de inverno), enquanto o P total tendeu a ser menor nos meses secos, visto que o carregamento superficial de P particulado ou biodisponível é maior em unidades paisagísticas mais antropizadas e nos períodos de maior pluviometria (PELLEGRINI et al., 2008). No caso do aumento dos teores de N (NH3 e NO3), as práticas culturais na área da pequena bacia hidrográfica parecem determinar a variação temporal, concordando com observações de KAISER (2006).

Para as 12 fontes locadas na baixada (A), houve tendência de as mesmas apresentarem, em média, valor menor de fósforo total, em relação ao subgrupo C, no entanto é importante ressaltar que a proteção rudimentar para essas fontes mostrou-se eficiente para o PT. Para as fontes do grupo B, pode-se dizer o mesmo, para a cor, COST e Nitrato. Esta interpretação discorda em parte das observações realizadas por AMARAL et al. (2003), que verificaram uma preservação da qualidade da água em fontes locadas nas cotas mais altas do relevo. A razão disso é que, nas 14 fontes desse estudo, mesmo estando na posição de encosta com proteção, elas se encontravam em posição de drenagem e de recebimento de material externo. A entrada de contaminantes via subsuperficial é apontada por ANDRADE et al. (2007) como o fator responsável por 1/3 da contaminação de águas superficiais.

Nesse sentido, pôde-se inferir que a proteção física construída de forma rudimentar pelos agricultores ao redor das fontes (A2 e B2) não garantiu a qualidade da água. A ineficiência dessas estruturas quanto ao isolamento é notória frente à entrada de água superficial e de contaminantes. A proteção mais eficaz foi do tipo fonte drenada construída nas normas técnicas (C2), principalmente quando utilizamos o atributo microbiológico, cujos parâmetros E. coli e coliformes totais mostraram maior qualidade das águas avaliadas (Tabela 2). A ausência de benfeitorias construídas nas proximidades das fontes C1 e C2 (Tabela 1) pode também ter contribuído para a menor pressão de poluição e contaminação dessas águas e também pode a demanda coletiva de água da fonte C2 ter minimizado os níveis de contaminação decorrente do efeito de diluição.

Portanto, mesmo que o uso de dispositivos de proteção das fontes seja eficaz, trata-se de uma ação paliativa aos efeitos negativos da ação antrópica no ambiente. Os resultados desse trabalho convergem com aqueles obtidos por BALDISSERA (2002), onde apenas 14,5% de 1.340 amostras de água superficial no meio rural, em Santa Catarina, foram consideradas próprias para o consumo humano. Assim, o planejamento em escala de pequenas e microbacias hidrográficas de cabeceiras é fundamental, a fim de diminuir a pressão de poluição em áreas de nascentes. Entretanto, ações que mitigam a contaminação do solo e das águas, como a presença de cinturão verde com espécies florestais nativas no entorno de mananciais (DONADIO et al., 2005; BORTOLUZZI et al., 2006), o adequado tratamento de dejetos (SANTOS et al., 2007), a diminuição da área de cultivo e da pressão de poluição da ação antrópica (PELLEGRINI et al., 2008) são necessárias, principalmente em pequenas bacias hidrográficas de cabeceiras.

CONCLUSÕES

As águas das fontes de captação apresentam variações temporais em seus parâmetros físico-químicos e microbiológicos, devido ao clima e às práticas agrícolas, ora permanecendo acima dos padrões de potabilidade, ora abaixo.

A fonte drenada coletiva, sistema recomendado pela assistência técnica oficial, mostrou-se a mais eficaz em evitar a contaminação por Escherichia coli, restringindo também coliformes totais, fósforo total e N-NO3 em relação à fonte individual. A posição das fontes na paisagem e a presença de proteção física rudimentar podem ser utilizadas como critério parcial ao uso de fontes para captação de água.

Recebido pelo Conselho Editorial em: 3-4-2009

Aprovado pelo Conselho Editorial em: 3-9-2010

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    Trabalho apoiado financeiramente pelo programa RS-RURAL, CNPq, FAPERG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      03 Abr 2009
    • Aceito
      03 Set 2010
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