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Ensino e pesquisa em hospitais não-universitários

EDITORIAL

Ensino e pesquisa em hospitais não-universitários

Fabio Schmidt Goffi, ECBC-SP

Professor Emérito e ex-Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor da Divisão de Ensino e Pesquisa do Hospital do Servidor Público Estadual - FMO, São Paulo

Nosso país sofreu um verdadeiro "boom" a partir de 1965 no que se refere à criação de novas escolas médicas. A partir dessa época nada menos que quatro dezenas de unidades surgiram por força de decreto governamental, atendendo, ora a motivos válidos de demanda, mas quase sempre apenas por interesses políticos regionais. Com elogiáveis exceções, elas têm se ressentido de acentuada escassez de pessoal docente com titulação acadêmica, e suas bibliotecas são carentes de livros e periódicos. Mais ainda, elas não possuem infra-estrutura hospitalar e número de leitos que propiciem aprendizado satisfatório no ciclo clínico de graduação. Resulta que nem sempre o produto ao final da elaboração, o médico, está preparado para o consumo.

O hospital de ensino com reduzido número de leitos só possibilita a aquisição de conhecimentos práticos básicos. A especialização, tal como é exigida pelo mercado de trabalho, não pode ser alcançada através de estágios em hospitais gerais de pequeno porte.

Eis aí um desafio inadequadamente enfrentado pelos hospitais públicos não-universitários, os quais possuem, quase sempre, volumosa e diversificada atividade assistencial, paralelamente a uma capacidade docente ociosa. Eles devem estruturar-se no que hoje fazem improvisada e esporadicamente. Alguns deles podem, mesmo, se constituir em centros de aprimoramento médico pós-graduado no sentido amplo do termo. Até, porque, possuindo tradicionalmente programas de residência médica, devem manter seu corpo clínico permanente atualizado e credenciado para transferir ensinamentos.

Essa é uma justificativa para que alguns centros hospitalares, ainda que não ligados à formação graduada, por suas qualidades de excelência possam desenvolver programas de pós-graduação senso strictu. Programas que, se de um lado se destinam a burilar seu próprio corpo clínico, de outro abrem oportunidade a docentes de novas escolas médicas que não contam com possibilidades locais de obterem titulação acadêmica.

Por isso, hospitais com apreciável número de leitos, bem equipados e dispondo de corpo docente categorizado, representam uma opção válida no que se refere ao aprimoramento médico pós-graduado, podendo atuar como verdadeiras "grand-ecoles". Conta-nos Laurent Schwartz em seu precioso opúsculo Pour sauver l' Université, que, em França, a "grande escola" surgiu como alternativa para suprir as insuficiências da Univer- sidade em matéria de formação prática. Esse é um quadro que se assemelha ao nosso, onde, embora tenhamos universidades inteiramente comprometidas com a docência e a pesquisa, a maioria se ocupa de lançar no mercado de trabalho profissionais inteiramente despreparados.

Tenho afirmado muitas vezes que um hospital público assistencial precisa tanto de ensino e da pesquisa clínica quanto a terra seca e árida necessita de água e de fertilizantes. Este conceito nada tem de novo. Sir William Osler, scholar e Professor Honorário de Medicina na Johns Hopkins University, no início do século advertia: "Nenhum hospital pode desempenhar completamente sua missão se não for um centro de instrução de médicos e de estudantes". O estímulo constante à atualização técnico-científica do corpo clínico só pode resultar em benefícios para o atendimento dos pacientes. São o ensino e a pesquisa que dão alento ao hospital assistencial.

Mas não apenas hospitais públicos de grande porte devem se envolver no aprimoramento médico pós- graduado. Alguns hospitais privados sem fins lucrativos, bem poucos, é verdade, mas bem equipados, possuidores de corpo clínico titulado e comprometido com a transmissão de conhecimentos técnico-científicos, devem- se estruturar com a mesma finalidade.

É preciso que as autoridades dos Ministérios da Saúde e da Educação e dos Desportos atentem para esses fatos e oficializem um status que em parte existe oficiosamente. Algo já foi feito nesse sentido. Em recente deliberação - dezembro de 1998 - a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação permitiu que empresas e associações devidamente credenciadas pelo governo ou por universidades criem e concedam certificados de especialização.

Por outro lado, alguns setores universitários, felizmente em minoria, devem se desvencilhar de sentimentos corporativos, reconhecendo que fora da Universidade há alguns hospitais com credenciais para proporcionar ensino de pós-graduação, até mesmo stricto sensu, de bom nível.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 1999
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