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Evolução das varizes esofagogástricas após anastomose esplenorrenal proximal versus esplenorrenal distal

Esophagogastric variceal evolution after proximal vs distal splenorenal shunt

Resumos

Avaliou-se, retrospectivamente, a evolução pós-operatória das varizes esofagogástricas em 40 pacientes submetidos a um dos seguintes procedimentos cirúrgicos: a (n=27) derivação esplenorrenal distal (ERD) e B (n=13) derivação esplenorrenal proximal (ERP). Todos os pacientes tinham hipertensão porta esquistossomótica com diagnóstico prévio de varizes do esôfago, presentes ou não no estômago, com um ou mais episódios de sangramento. Os pacientes foram submetidos a um dos procedimentos cirúrgicos de acordo com a preferência do cirurgião assistente. Foram realizadas, nesses pacientes, endoscopias no período pré-operatório e aos seis, 12 e 18 meses no pós-operatório. Os dados de cada endoscopia foram coletados e comparados entre os grupos, verificando-se a presença de varizes do esôfago e estômago nos diferentes períodos, comparando esses achados através do teste do qui-quadrado, com significância para p<0,05. Os resultados obtidos não mostraram casos de ressangramento até o 18º mês pós-operatório, nem casos de encefalopatia. Foram diagnosticadas varizes esofágicas, no pré-operatório, em 100% dos pacientes nos dois grupos. No período pós-operatório, houve redução significativa das varizes do esôfago, quando estudados os dois grupos conjuntamente, para 40% no sexto mês (p = 0,0002), 30% no 12º mês (p = 0,003) e 27,5% no 18º mês (p = 0,003). No sexto mês pós-operatório, a incidência de varizes do esôfago foi maior nos pacientes com ERD quando comparados àqueles com ERP (51,9% vs. 15,4%, p = 0,03). Quando estudadas as varizes aos 12 e 18 meses não foi observada diferença significativa entre pacientes submetidos a ERD ou ERP (12º mês, 37% vs. 15,4%; 18º mês, 25,9% vs. 30,8%). Foram vistas varizes gástricas em 37,5% dos pacientes, com redução significativa no sexto mês (2,5%, p = 0,005). Entretanto, quando comparada com a freqüência do sexto mês, houve aumento significativo no 12º mês (5%, p = 0,00001) e 18º mês (7,5%, p = 0,02). Quando comparados os grupos, no período pré-operatório, estas varizes estiveram presentes mais freqüentemente no grupo submetido a ERP (69,2% vs. 26%, p = 0,0005), sem diferença significativa no período pós-operatório (6º mês, 16,6% vs. 0%; 12º mês, 33,3% vs. 0%; 18º mês, 33,3% vs. 11,1%). Este trabalho demonstrou que os dois tipos de cirurgia têm resultado semelhante em relação à resolução das varizes do esôfago e estômago no 18º mês, mas os resultados indicam que a redução na incidência das varizes do esôfago se acompanha de aumento das varizes gástricas, provavelmente devido à abertura de novas vias colaterais de drenagem em casos de persistência de uma pressão porta aumentada ou mau funcionamento da derivação esplenorrenal.

Hipertensão porta; Esquistossomose; Derivação esplenorrenal


Bleeding due to esophagogastric varices is the major cause of death in patients with hepatic disease. The most frequent treatment of these varices in elective conditions are based in mechanisms that interrupt the connection between splancnic and systemic venous bed. Surgical procedures are divided into portosystemic shunts (selective and non-selective) and disconnection. In portasystemic shunt, the purpose is to derive the splancnic flux, diminishing the esophagogastric varices and prevent re-bleeding. But literature is controversial about the index of re-bleeding and hepatic encephalophaty after proximal or distal splenorenal shunts. We performed this study to evaluate the evolution of esophagogastric varices after proximal splenorenal (PS) or distal splenorenal (DS) shunt. Postoperative outcome of oesophageal and gastric varices were retrospectively evaluated in forty patients submitted to one of two following procedures: A (n=27), distal splenorenal shunt (DS), and B (n=13), proximal splenorenal shunt (PS). All patients had portal hypertension with oesophageal or gastric varices due to schistosomiasis, and a pre-operative history of variceal bleeding. Patients were submitted to the surgical procedure according to personal preference of the assistant surgeon, and preoperatively and after endoscopy was performed six, twelve and eighteen months after surgery. Endoscopy data were collected and compared bet were the two groups according the presence or absence of gastric and oesophageal varices in pre and postoperative period. Results showed no rebleeding in this group, and no of encephalopathy. The incidence of oesophageal varices was 100% in pre-operative period in two groups. There was a significative decrease in oesophageal varices after six (40%, p = 0,0002), twelve (30%, p = 0,003) and eighteen months (27.5%, p = 0,003). In the six months period, the incidence of oesophageal varices was higher in DS group, when compared with PS group (51.9% vs. 15.4%, p = 0,03). In twelve and eighteen months periods, there was no difference among these two groups in relation to the presence of oesophageal varices (twelve months, 37% vs. 15.4%; eighteen months, 25.9 vs. 30.8%). In relation to the gastric varices, there was an higher incidence of this type of varices in PS group in preoperative period when compared with DS group (26% vs. 69.2%, p = 0,005). However, in the six months period there was no difference between the groups (16,6% vs. 0%), which is also observed in twelve months period (33.3% vs. 0%) or in the eighteen months period (33.3% vs. 11.1%). The overall incidence of gastric varices was 37.5%, with a significative reduction in the six month period (2.5%, p=0.005), but with an increase in twelve month period (5%, p=0.00001) and eighteen month period (7.5%, p=0.02). In conclusion we observed both surgical techniques make similar results in relation to resolution of oesophageal and gastric varices after 18 months, but the results suggest that the decrease in oesophageal varices in both groups is accompanied by an increase in gastric varices, probably due to overture of new collateral vessels in cases of persistence of a higher portal pressure or splenorenal shunt failure.

Portal hipertension; Schistosomiasis; Splenorenal shunt


ARTIGO ORIGINAL

Evolução das varizes esofagogástricas após anastomose esplenorrenal proximal versus esplenorrenal distal

Esophagogastric variceal evolution after proximal vs distal splenorenal shunt

Raquel Aparecida Antunes; Ivana Duval-Araujo, ACBC-MG

Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Cirurgia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Ivana Duval-Araújo Rua Maranhão, 182/701 30150-330 – Belo Horizonte-MG

RESUMO

Avaliou-se, retrospectivamente, a evolução pós-operatória das varizes esofagogástricas em 40 pacientes submetidos a um dos seguintes procedimentos cirúrgicos: a (n=27) derivação esplenorrenal distal (ERD) e B (n=13) derivação esplenorrenal proximal (ERP). Todos os pacientes tinham hipertensão porta esquistossomótica com diagnóstico prévio de varizes do esôfago, presentes ou não no estômago, com um ou mais episódios de sangramento. Os pacientes foram submetidos a um dos procedimentos cirúrgicos de acordo com a preferência do cirurgião assistente. Foram realizadas, nesses pacientes, endoscopias no período pré-operatório e aos seis, 12 e 18 meses no pós-operatório. Os dados de cada endoscopia foram coletados e comparados entre os grupos, verificando-se a presença de varizes do esôfago e estômago nos diferentes períodos, comparando esses achados através do teste do qui-quadrado, com significância para p<0,05. Os resultados obtidos não mostraram casos de ressangramento até o 18º mês pós-operatório, nem casos de encefalopatia. Foram diagnosticadas varizes esofágicas, no pré-operatório, em 100% dos pacientes nos dois grupos. No período pós-operatório, houve redução significativa das varizes do esôfago, quando estudados os dois grupos conjuntamente, para 40% no sexto mês (p = 0,0002), 30% no 12º mês (p = 0,003) e 27,5% no 18º mês (p = 0,003). No sexto mês pós-operatório, a incidência de varizes do esôfago foi maior nos pacientes com ERD quando comparados àqueles com ERP (51,9% vs. 15,4%, p = 0,03). Quando estudadas as varizes aos 12 e 18 meses não foi observada diferença significativa entre pacientes submetidos a ERD ou ERP (12º mês, 37% vs. 15,4%; 18º mês, 25,9% vs. 30,8%). Foram vistas varizes gástricas em 37,5% dos pacientes, com redução significativa no sexto mês (2,5%, p = 0,005). Entretanto, quando comparada com a freqüência do sexto mês, houve aumento significativo no 12º mês (5%, p = 0,00001) e 18º mês (7,5%, p = 0,02). Quando comparados os grupos, no período pré-operatório, estas varizes estiveram presentes mais freqüentemente no grupo submetido a ERP (69,2% vs. 26%, p = 0,0005), sem diferença significativa no período pós-operatório (6º mês, 16,6% vs. 0%; 12º mês, 33,3% vs. 0%; 18º mês, 33,3% vs. 11,1%). Este trabalho demonstrou que os dois tipos de cirurgia têm resultado semelhante em relação à resolução das varizes do esôfago e estômago no 18º mês, mas os resultados indicam que a redução na incidência das varizes do esôfago se acompanha de aumento das varizes gástricas, provavelmente devido à abertura de novas vias colaterais de drenagem em casos de persistência de uma pressão porta aumentada ou mau funcionamento da derivação esplenorrenal.

Unitermos: Hipertensão porta; Esquistossomose; Derivação esplenorrenal

ABSTRACT

Bleeding due to esophagogastric varices is the major cause of death in patients with hepatic disease. The most frequent treatment of these varices in elective conditions are based in mechanisms that interrupt the connection between splancnic and systemic venous bed. Surgical procedures are divided into portosystemic shunts (selective and non-selective) and disconnection. In portasystemic shunt, the purpose is to derive the splancnic flux, diminishing the esophagogastric varices and prevent re-bleeding. But literature is controversial about the index of re-bleeding and hepatic encephalophaty after proximal or distal splenorenal shunts. We performed this study to evaluate the evolution of esophagogastric varices after proximal splenorenal (PS) or distal splenorenal (DS) shunt. Postoperative outcome of oesophageal and gastric varices were retrospectively evaluated in forty patients submitted to one of two following procedures: A (n=27), distal splenorenal shunt (DS), and B (n=13), proximal splenorenal shunt (PS). All patients had portal hypertension with oesophageal or gastric varices due to schistosomiasis, and a pre-operative history of variceal bleeding. Patients were submitted to the surgical procedure according to personal preference of the assistant surgeon, and preoperatively and after endoscopy was performed six, twelve and eighteen months after surgery. Endoscopy data were collected and compared bet were the two groups according the presence or absence of gastric and oesophageal varices in pre and postoperative period. Results showed no rebleeding in this group, and no of encephalopathy. The incidence of oesophageal varices was 100% in pre-operative period in two groups. There was a significative decrease in oesophageal varices after six (40%, p = 0,0002), twelve (30%, p = 0,003) and eighteen months (27.5%, p = 0,003). In the six months period, the incidence of oesophageal varices was higher in DS group, when compared with PS group (51.9% vs. 15.4%, p = 0,03). In twelve and eighteen months periods, there was no difference among these two groups in relation to the presence of oesophageal varices (twelve months, 37% vs. 15.4%; eighteen months, 25.9 vs. 30.8%). In relation to the gastric varices, there was an higher incidence of this type of varices in PS group in preoperative period when compared with DS group (26% vs. 69.2%, p = 0,005). However, in the six months period there was no difference between the groups (16,6% vs. 0%), which is also observed in twelve months period (33.3% vs. 0%) or in the eighteen months period (33.3% vs. 11.1%). The overall incidence of gastric varices was 37.5%, with a significative reduction in the six month period (2.5%, p=0.005), but with an increase in twelve month period (5%, p=0.00001) and eighteen month period (7.5%, p=0.02). In conclusion we observed both surgical techniques make similar results in relation to resolution of oesophageal and gastric varices after 18 months, but the results suggest that the decrease in oesophageal varices in both groups is accompanied by an increase in gastric varices, probably due to overture of new collateral vessels in cases of persistence of a higher portal pressure or splenorenal shunt failure.

Key words: Portal hipertension; Schistosomiasis; Splenorenal shunt.

INTRODUÇÃO

Em afecções como a cirrose, a esquistossomose e a obstrução venosa portal extra-hepática, as varizes esofagogástricas ocorrem devido à formação de uma circulação colateral entre o sistema porta e o sistêmico. A abertura de canais colaterais entre a veia gástrica esquerda e a veia ázigos é responsável pela formação das varizes no esôfago terminal, sendo que a morbi-mortalidade na hipertensão porta está associada, fundamentalmemte, com o risco de sangramento dessas varizes.1,2 O processo iniciador fundamental na hipertensão porta é o aumento da resistência ao fluxo venoso porta. A pressão portal aumenta como conseqüência dessa obstrução ao fluxo sangüíneo, levando à abertura de canais colaterais anômalos que se prestam à descompressão desse sistema venoso porta.1

Existem diversas opções terapêuticas para o tratamento dessa afecção. Do ponto de vista do propósito do tratamento da hemorragia proveniente das varizes do esôfago, a terapêutica pode ser dividida em sua interrupção (terapêutica aguda), prevenção da recidiva (terapêutica eletiva) e profilaxia. Dentre as condutas eletivas, os procedimentos cirúrgicos apresentam menor índice de ressangramento. Basicamente, esses tratamentos podem ser divididos em derivações portossistêmicas e desconexões. As primeiras podem ser do tipo seletivo, como a esplenorrenal distal (ERD), ou não-seletivos, como as anastomoses porto-cava e a esplenorrenal proximal (ERP).3 O objetivo dessas derivações é o de reduzir o número e calibre das varizes da submucosa do esôfago e estômago e, ao mesmo tempo, prevenir o ressangramento.4 Essas duas técnicas têm sido avaliadas nas últimas décadas, sendo consideradas efetivas na redução da pressão no território varicoso com preservação do fluxo hepático, com reduzido índice de recidivas hemorrágicas.5 Entretanto, alguns autores relatam maior incidência de novos sangramentos após realização das derivações seletivas (ERD), com baixo índice de encefalopatia, ao contrário do que ocorre na derivação não seletiva (ERP), onde o ressangramento ocorre com menor freqüência, mas onde existe alto índice de encefalopatia.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a evolução das varizes esofagogástricas, da recidiva hemorrágica e da encefalopatia até 18 meses de acompanhamento, comparando-se às técnicas seletiva (ERD) e não-seletiva (ERP) de derivação esplenorrenal.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliados retrospectivamente dados de 40 pacientes com hipertensão porta de etiologia esquistossomótica tratados cirurgicamente no serviço de Gastroenterologia, Nutrição e Cirurgia do Aparelho Digestivo (GEN-CAD) do Hospital das Clínicas da UFMG no período de 1983 a 1988. Foram avaliados somente pacientes com dados completos referentes a endoscopias pré-operatórias e aos seis, 12 e 18 meses no período pós-operatório. Os prontuários dos pacientes foram analisados e colhidos dados referentes a:

• Identificação (idade, sexo, cor)

• Tipo de cirurgia (esplenorrenal distal - ERD ou esplenorenal proximal - ERP)

• Presença ou não de varizes do esôfago e estômago nos seguintes períodos: pré-operatório, 6º mês pós-operatório; 12º mês pós-operatório; 18º mês pós-operatório

• Realização de escleroterapia pós-operatória

• Ressangramento até o 18º mês pós-operatório

• Encefalopatia hepática até o 18º mês pós-operatório

Os dados foram compilados em protocolos apropriados e comparados, no grupo de pacientes, quanto à evolução das varizes do esôfago e do estômago nos diferentes períodos de tempo e comparados também em relação à evolução dessas varizes nos diferentes tipos de cirurgia. Os dados foram comparados através do teste de qui-quadrado com correção de Fisher, considerando-se significativos valores de p<0,05.

RESULTADOS

Dos 40 pacientes estudados, 27 (67,5%) foram do sexo masculino e 13 (32,5%) do sexo feminino. Quanto à idade, esta variou de 15 a 63 anos, com média de 31,3 ± 13,3 anos. Dos 40 pacientes, 24 (64,9%) eram leucodermas, 9 (24,3%) feodermas e 4 (10,8%) melanodermas.

Do total de pacientes, 27 (67,5%) foram submetidos à ERD (cirurgia de Teixeira-Warren) e 13 (32,5%) à ERP. A média de idade dos pacientes submetidos à ERD foi de 32,4 ± 14,0 anos, e naqueles submetidos à ERP de 29,1 ± 11,8 anos.

Não houve casos de ressangramento ou encefalopatia até o 18º mês de observação pós-operatória.

Dentre os 40 pacientes, 100% apresentavam varizes do esôfago no período pré-operatório. Ao se examinar todos os pacientes, independente da técnica cirúrgica empregada, no sexto mês varizes de esôfago foram vistas em 16 casos (40%), reduzindo-se para 12 casos (30%) no 12º mês e sete pacientes (27,5%) no 18º mês. Houve redução significativa da incidência de varizes do esôfago aos 12 meses quando comparada àquela observada aos seis meses (p = 0,00002), bem como redução significativa aos 18 meses quando comparado aos 12 meses (p = 0,0003). Em relação ao tipo de cirurgia, observaram-se varizes do esôfago em 100% dos pacientes submetidos à ERD e ERP no período pré-operatório.

Considerando-se o total de pacientes em cada modalidade terapêutica como 100% (27 pacientes ERD = 100% e 13 pacientes ERP = 100%), aos seis meses, a presença de varizes no esôfago foi de 51,9% nos pacientes com ERD e 15,4% nos submetidos a ERP (p = 0,03). Aos 12 meses, essas varizes estavam presentes em 37,0% dos pacientes com ERD e 15,4% daqueles com ERP (p = N.S.), enquanto aos 18 meses foram diagnosticadas em 25,9% dos pacientes com ERD e 30,8% dos casos onde foi feita a ERP (p = N.S).

Quanto à evolução das varizes nas diferentes modalidades terapêuticas, na ERD houve redução para 51,9% aos seis meses, 37% aos 12 meses (p = 0,003) e 25,9% aos 18 meses (p = 0,004). Na ERP, aos seis meses as varizes de esôfago foram diagnosticadas em 15,4% dos casos, mantendo-se esse percentual aos 12 meses e com aumento para 30,8% aos 18 meses (p = 0,07) (Figura 1).


Ao se excluir os pacientes submetidos à escleroterapia pós-operatória, a evolução das varizes esofágicas mostrou o mesmo padrão que aquele observado quando foram avaliados os pacientes com e sem tratamento endoscópico (Tabela 1).

Observou-se que, dentre os 40 pacientes, as varizes gástricas foram diagnosticadas no pré-operatório em 15 (37,5%) dos pacientes. A evolução dessas varizes, no total de pacientes submetidos às duas diferentes técnicas, foi sua redução para um caso (2,5%) no sexto mês pós-operatório, com novo aumento para dois casos (5%) aos 12 meses de cirurgia (p=0,00001) e três casos (7,5%) aos 18 meses de cirurgia (p = 0,02).

Quando consideramos como 100% os pacientes das diferentes modalidades terapêuticas (27 pacientes ERD = 100% e 13 pacientes ERP = 100%), no sexto mês pós-operatório a incidência de varizes gástricas foi de um caso (3,7%) na ERD e nenhum caso (0%) na ERP (p=N.S.). Aos 12 meses, observaram-se varizes gástricas em dois casos (7,4%) na ERD e nenhum caso na ERP (p = N.S.), enquanto aos 18 meses estas se mantiveram em dois casos (7,4%) na ERD e houve o aparecimento de um caso (7,7%) na ERP (p = N.S.).

Quanto à evolução das varizes nas diferentes modalidades terapêuticas, na ERD houve redução de seis casos (100%) para um (16,6%) aos seis meses, dois (33,3%) aos 12 meses (p = N.S.) e manteve-se esse nível aos 18 meses (p=N.S.). Na ERP, de nove casos (100%), houve redução para nenhum aos seis e 12 meses pós-operatórios, com aparecimento de um único caso (11,1%) aos 18 meses (p = N.S. – Figura 2).


Quando excluímos aqueles pacientes submetidos à escleroterapia pós-operatória, a evolução das varizes gástricas não mostrou diferença em relação aos estudo onde foram avaliados os pacientes independente do tratamento endoscópico (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O sangramento secundário à ruptura de varizes do esôfago é a principal causa de mortalidade em pacientes com hipertensão porta,6,7 e o índice de ressangramento após um primeiro episódio por ruptura de varizes do esôfago pode ser estimado entre 50% e 80%.8 O sangramento dessas varizes ocorre em cerca de 30% dos pacientes em um seguimento de quatro anos, com um índice de mortalidade entre 25% e 50%.1

O objetivo das diferentes técnicas cirúrgicas propostas para tratamento das varizes do esôfago é prevenir o ressangramento sem induzir à morbidez ou mortalidade.9-11 Em função das complicações das anastomoses porto-cava, desenvolveram-se, na década de 60, as derivações esplenorrenal proximal e espleno-renal distal. Nessas cirurgias, a perda do fluxo hepático seria reduzida, o que diminuiria a incidência de encefalopatia hepática.8 Estudos mostraram que a ERD e a ERP estão associadas a um aumento não significativo da taxa de ressangramento, redução da mortalidade operatória e do número de casos de encefalopatia,8,13 sendo claramente superiores à farmacoterapia e à esclerose endoscópica na prevenção da recidiva hemorrágica.14,15

Dentre essas duas técnicas, a ERP ou esplenorrenal centralizada tem o incoveniente da perda do baço, com comprometimento da função imunitária16. Além disso, com o passar do tempo, o fluxo sangüíneo mesentérico passa a se utilizar da derivação, através da veia esplênica, fazendo com que haja perda do aporte sangüíneo hepático, fazendo com que essa cirurgia apresente o mesmo índice de encefalopatia que a anastomose porto-cava. Há também o relato de um alto índice de trombose da anastomose nessa técnica.17,18

A cirurgia de Teixeira-Warren,19,20 ou ERD, baseia-se em duas premissas: a primeira, que os compartimentos esplênico e mesentérico do leito porto-cava são funcionalmente separados; segundo, que a perfusão continuada do fígado com o sangue proveniente da veia mesentérica aumenta a eficiência metabólica hepática, prevenindo a tendência a perda progressiva da função hepática, o que pode ser visto com frequência quando o fluxo porta é desviado do fígado. Observou-se que, após 20 anos, a função hepática de pacientes submetidos a esta cirurgia encontrava-se preservada.21 Além disso, não há perda da capacidade imunitária fornecida pelo baço, pois o mesmo é preservado.16 Essa técnica fornece boa proteção contra o ressangramento com baixa incidência de encefalopatia, estando indicada principalmente para pacientes com boa função hepática.22 Outros estudos, entretanto, comparando essa técnica com outros tipos de derivação falharam em mostrar esse baixo índice de encefalopatia.17 A encefalopatia e a recidiva hemorrágica, nesses pacientes, se verificariam tardiamente, a primeira pela formação do chamado "sifão" pancreático, e a segunda pelos casos onde ocorre trombose da anastomose.11,23-25

Todavia, tanto uma quanto outra técnica vêm sendo estudadas em centros onde há predominância de pacientes cirróticos, nos quais há redução da função hepática. Na esquistossomose, entretanto, como há preservação da função hepática, os resultados a médio e longo prazo poderiam ser diferentes.

Em uma comparação entre a anastomose portossistêmica e a derivação espleno-renal distal, esta última associou-se a menor mortalidade operatória, mas com maior mortalidade tardia.26 Thomas (1994) demonstrou que, após três anos da cirurgia, houve desaparecimento das varizes no estômago e no esôfago, demonstrando que essa técnica foi eficaz no controle do sangramento.27 Entretanto, alguns estudos mostram que a ERD associa-se a maior incidência de encefalopatia e ressangramento do que as anastomoses porto-cava calibradas,26 enquanto outros trabalhos não demonstraram essa relação em uma comparação entre as mesmas técnicas.5,28

Na comparação entre os dois procedimentos, demonstrou-se que, em um acompanhamento a longo prazo de pacientes com esquistossomose submetidos a tratamento com três diferentes abordagens, a encefalopatia por disfunção hepática e a mortalidade foram significativamente maiores na ERP quando comparada à ERD, tornando esse procedimento proibitivo em pacientes com esquistossomose.29

Em nosso estudo, até o período de 18 meses após a cirurgia não houve casos de ressangramento, e não se observou encefalopatia até o 18º mês de observação pós-operatória.

Em relação à evolução das varizes, os nossos resultados mostraram sua redução progressiva e significativa no esôfago, independente do uso da terapêutica endoscópica no pós-operatório, dados que estão de acordo com a literatura.24 Essa redução, aos seis meses de cirurgia, foi mais significativa nos pacientes submetidos à ERP, mas sem diferença nos tempos posteriores da observação pós-operatória. Verificou-se também que, apesar da redução mais expressiva das varizes após a ERP, no último período de observação pós-operatória houve um aumento na sua incidência. Em nosso meio, Abdalla (1965) obteve resultados semelhantes, com regressão de 86,2% das varizes após a ERP e 66% após a ERD. Também a recidiva hemorrágica foi menor na ERP (5,5%) quando comparada à ERD (11,1%).30 Em nossos pacientes, aparentemente a esclerose endoscópica pós-operatória pareceu não afetar a evolução natural das varizes. Constatou-se também redução das varizes gástricas após a terapêutica cirúrgica, e a ERP mostrou, inicialmente, um resultado mais eficaz, com aparecimento de varizes no período mais tardio. Aparentemente, a esclerose endoscópica no esôfago também não afetou a evolução das varizes gástricas neste estudo.

A esclerose endoscópica persiste como método de primeira linha no tratamento de urgência dos vasos sangrantes do esôfago em pacientes com hipertensão porta.31 Entretanto, os resultados a longo prazo deste método não são regulares, pois não há um controle da recidiva hemorrágica em um percentual significativo dos pacientes e, em alguns casos, a erradicação das varizes do esôfago promove aumento e sangramento desses vasos no estômago.14,32 Entretanto, em alguns serviços a escleroterapia é utilizada como método complementar após a cirurgia de derivação, o que poderia reduzir a incidência de ressangramentos.9 Em nosso estudo, observamos que esta abordagem não modificou a história natural desta complicação da hipertensão porta.

Concluindo, a ERP mostrou-se mais eficaz no controle das varizes no pós-operatório imediato, mas os dois tipos de cirurgia têm resultado semelhante em relação a seu desaparecimento do esôfago e estômago no 18º mês pós-operatório. Os resultados também indicam que a sua redução no esôfago se acompanha de seu aumento no estômago, provavelmente devido à abertura de novas vias colaterais de drenagem em casos de persistência de uma pressão porta aumentada ou mau funcionamento da derivação esplenorrenal. O fato de não termos observado, neste estudo, casos de ressangramento e encefalopatia podem decorrer do tempo curto de observação, quando ainda não teriam se desenvolvido os fatores responsáveis por essas complicações em pacientes esquistossomóticos.

Recebido em 27/10/98

Aceito para publicação em 9/3/2000

Trabalho realizado no Serviço de Gastroenterologia, Nutrição e Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Ivana Duval-Araújo
    Rua Maranhão, 182/701
    30150-330 – Belo Horizonte-MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Recebido
      27 Out 1998
    • Aceito
      09 Mar 2000
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