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Uso da laparoscopia no manejo das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal

Laparoscopy in the management of catheter related complications of peritoneal dyalisis

Resumos

O presente estudo tem como objetivo analisar os métodos utilizados para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal , avaliando-se o uso das vias aberta e laparoscópica. Vinte pacientes apresentaram 35 complicações relacionadas ao cateter de diálise (obstrução 60%, peritonite 34,3% e infecção do trajeto 5,7%) e foram tratados cirurgicamente. Para o tratamento das complicações, foram realizados 22 procedimentos por via aberta (laparotomia) e 13 por via laparoscópica. Através do método laparoscópico, foi possível desobstruir e manter o cateter em 80% dos cateteres obstruídos, ao passo que 100% foram trocados ou retirados quando a via aberta foi utilizada. O tempo necessário para reutilização completa do mesmo após o procedimento foi maior pelo método aberto. Os dados apresentados sugerem que a laparoscopia é um método eficaz como opção terapêutica para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal, pela visualização direta da cavidade peritoneal e possibilidade de reposicionamento ou desobstrução do mesmo, não sendo portanto necessária a sua troca e diminuindo também o tempo necessário para reutilização completa do cateter.

Cateter complicações; Diálise; Peritoneal diálise; Laparoscopia


Peritoneal dialysis is a good and safe method to handle end-stage renal diseases while waiting arteriovenous fistula for hemodalysis or a renal transplantation. However, there are some catheter related complications such as obstruction and peritonitis. Those complications are usually treated by laparotomy, but with the increasing use of the minimally invasive surgery, laparoscopy became a therapeutic option. The aim of the present study is to evaluate the open vs. the laparoscopic approach in the management of the related catheter complications of peritoneal dialysis. Twenty patients developed 35 catheter related events treated surgically (obstruction 60%, peritonitis 34,3% and tunnel infection in 5,7%). The open procedure was used 22 times and the laparoscopic 13. Through laparoscopy, it was possible to remove the obstruction and keep the catheter in 80%, while when the open approach was used 100% had to be replaced or removed. Peritoneal dyalysis was restarted later in the open method. Our data suggest that laparoscopy is an effective and safe method for the management of the catheter related complications of peritoneal dialysis, allowing direct visualization and manipulation of the peritoneal cavity and decreasing of the time span until resuming full utilization of the cateter.

Catheter complications; Dialysis; Peritoneal dialysis; Laparoscopy


ARTIGO ORIGINAL

Uso da laparoscopia no manejo das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal

Laparoscopy in the management of catheter related complications of peritoneal dyalisis

Márcio Lopes MirandaI; Antonio Gonçalves de Oliveira Filho, TCBC-SPI; Jussara Olivo Pinheiro AlvesII; Vera Maria Santoro BelangeroIII; Joaquim Murray Bustorff-SilvaIV

IProfessor Auxiliar da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

IIResidente do Departamento de Cirurgia da FCM – UNICAMP

IIIChefe da Disciplina de Nefrologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da FCM – UNICAMP

IVChefe da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da FCM – UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Antonio Gonçalves de Oliveira Filho Rua Dr. Shigeo Mori, 303 – Cidade Universitária 13084-080 – Campinas-SP E-mail: oliveirag@uol.com.br

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar os métodos utilizados para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal , avaliando-se o uso das vias aberta e laparoscópica. Vinte pacientes apresentaram 35 complicações relacionadas ao cateter de diálise (obstrução 60%, peritonite 34,3% e infecção do trajeto 5,7%) e foram tratados cirurgicamente. Para o tratamento das complicações, foram realizados 22 procedimentos por via aberta (laparotomia) e 13 por via laparoscópica. Através do método laparoscópico, foi possível desobstruir e manter o cateter em 80% dos cateteres obstruídos, ao passo que 100% foram trocados ou retirados quando a via aberta foi utilizada. O tempo necessário para reutilização completa do mesmo após o procedimento foi maior pelo método aberto. Os dados apresentados sugerem que a laparoscopia é um método eficaz como opção terapêutica para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal, pela visualização direta da cavidade peritoneal e possibilidade de reposicionamento ou desobstrução do mesmo, não sendo portanto necessária a sua troca e diminuindo também o tempo necessário para reutilização completa do cateter.

Unitermos: Cateter complicações; Diálise, Peritoneal diálise; Laparoscopia.

ABSTRACT

Peritoneal dialysis is a good and safe method to handle end-stage renal diseases while waiting arteriovenous fistula for hemodalysis or a renal transplantation. However, there are some catheter related complications such as obstruction and peritonitis. Those complications are usually treated by laparotomy, but with the increasing use of the minimally invasive surgery, laparoscopy became a therapeutic option. The aim of the present study is to evaluate the open vs. the laparoscopic approach in the management of the related catheter complications of peritoneal dialysis. Twenty patients developed 35 catheter related events treated surgically (obstruction 60%, peritonitis 34,3% and tunnel infection in 5,7%). The open procedure was used 22 times and the laparoscopic 13. Through laparoscopy, it was possible to remove the obstruction and keep the catheter in 80%, while when the open approach was used 100% had to be replaced or removed. Peritoneal dyalysis was restarted later in the open method. Our data suggest that laparoscopy is an effective and safe method for the management of the catheter related complications of peritoneal dialysis, allowing direct visualization and manipulation of the peritoneal cavity and decreasing of the time span until resuming full utilization of the cateter.

Key words: Catheter complications; Dialysis, Peritoneal dialysis; Laparoscopy.

INTRODUÇÃO

A diálise peritoneal através de cateteres de longa permanência é muito usada no tratamento de pacientes com insuficiência renal aguda, crônica e terminal, geralmente em um estágio anterior à hemodiálise e ao transplante renal, podendo ser realizada de modo ambulatorial contínuo (CAPD), intermitente (IPD) ou cíclico contínuo (CCPD). O sucesso de qualquer um destes métodos, depende basicamente de um cateter peritoneal bem posicionado, com bom funcionamento e uma cavidade peritoneal em condições adequadas para a ação do líquido de diálise.1 Várias técnicas para inserção ou revisão do cateter foram descritas: cirurgia aberta, via percutânea, assistida com peritoneoscopia e laparoscopia.2,3 Embora a técnica mais usada seja a via aberta, o método ideal é ainda discutível.4,5 As complicações relativas ao uso do cateter, como infecção do túnel subcutâneo, vazamento pericateter, obstrução ao fluxo e peritonite, por vezes impõem que seja realizado o reposicionamento, a desobstrução, a troca ou a retirada do cateter.2,6

O presente estudo tem como objetivo analisar os métodos utilizados para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal, avaliando-se as abordagens aberta e laparoscópica, bem como o período necessário para reutilização completa do mesmo.

PACIENTE E MÉTODOS

No período de janeiro de 1996 a dezembro de 1998, 33 pacientes foram submetidos à colocação de cateteres de longa permanência para realização de diálise peritoneal no Serviço de Uronefropediatria da FCM – UNICAMP. A análise retrospectiva dos prontuários mostrou que 13 pacientes (36,4%) não apresentaram qualquer tipo de complicação após a inserção do cateter, sendo que seis (46,2%) foram submetidos à retirada após a realização de transplante renal bem-sucedido e sete (53,8%) pacientes continuam em diálise peritoneal, não fazendo portanto parte desta análise. Vinte pacientes apresentaram mal funcionamento do cateter e foram submetidos a tratamento cirúrgico das complicações por via aberta ou laparoscópica, constituindo a base deste estudo. A idade, o sexo e a causa da insuficiência renal crônica (IRC) dos 33 pacientes estão resumidos na Tabela 1, bem como a abordagem nos pacientes que necessitaram de tratamento das complicações. O tempo médio de acompanhamento de utilização dos cateteres foi de 6-35 meses (mediana =19,5).

Todos os pacientes foram submetidos aos procedimentos sob anestesia geral. Na abordagem laparoscópica foi realizado o pneumoperitônio com insuflação de CO2 através de agulha de Veress colocada na cicatriz umbilical até uma pressão de 10 a 15mmHg. Um trocarte de 10mm foi introduzido na cicatriz umbilical para passagem da ótica de 30º e um trocarte de 5mm foi inserido no flanco oposto ao que se encontrava o cateter para colocação da pinça de manipulação do peritônio. Na abordagem aberta, fez-se incisão sobre a cicatriz anterior e procedeu-se a retirada, a troca ou a desobstrução do cateter.

Após a cirurgia, tão logo o paciente se recuperasse do procedimento, o cateter voltava a ser usado com infusão de menor volume de líquido (reutilização parcial), evoluindo-se até a utilização completa com infusão do volume preconizado para cada paciente (reutilização total).

Os dados obtidos foram analisados com relação à manutenção (desobstrução) ou necessidade de troca ou retirada do cateter, bem como ao tempo de retorno para a utilização parcial e completa mesmo após a reexploração cirúrgica. Na avaliação do tempo necessário para as utilizações parcial e total do cateter, foram analisados somente os casos nos quais houve troca ou desobstrução do mesmo.

RESULTADOS

Vinte pacientes apresentaram 35 complicações, sendo que 22 (62,8%) foram tratadas por via aberta e 13 (37,2%) por via laparoscópica (Tabela 2). No grupo tratado por via aberta (n = 12 ), três, quatro e cinco pacientes foram submetidos respectivamente a três, dois e um procedimentos. No grupo submetido à abordagem laparoscópica (n = 8), um, dois e cinco pacientes foram submetidos respectivamente a quatro, dois e um procedimentos. As complicações tratadas com cirurgia aberta foram: 11 casos de obstrução (50%), nove de peritonite (40,9%) e dois de infecção do trajeto (9,1%). As intervenções laparoscópicas foram realizadas em dez casos de obstrução (76,9%) e três de peritonite (23,1%). Nos casos de obstrução, foi possível realizar a desobstrução e manter o cateter em oito casos (80%) tratados por via laparoscópica e em nenhum caso tratado por via aberta. A desobstrução e a manutenção do cateter foram possíveis, pois, através da laparoscopia, conseguimos realizar a retirada de epíploo que estava aderido no seu interior, verificar o fluxo de líquido injetado sob pressão, bem como reposicionar o cateter sob visão direta no melhor local possível. Nos casos de peritonite, nove cateteres (100%) foram retirados quando tratados por via aberta. Em três casos de peritonite que foram submetidos à laparoscopia para avaliação da cavidade peritoneal antes da retirada do cateter, foi observado, em um paciente, que a infecção estava controlada e o cateter obstruído. Foi realizada a desobstrução, lavagem da cavidade e o cateter pôde ser mantido, apresentando um bom funcionamento na evolução. As opções de tratamento, em cada um dos grupos, nos casos de obstrução, estão demonstradas na Figura 1. Em um caso de obstrução do cateter tratado por abordagem laparoscópica, houve perfuração de alça intestinal ao se tentar realizar o descolamento do cateter ao qual se encontrava fortemente aderida. A lesão foi prontamente diagnosticada, a cirurgia foi convertida para laparotomia, a lesão suturada e o cateter retirado. O paciente apresentou boa evolução pós-operatória.


Em relação ao tempo necessário para as reutilizações parcial e total do cateter, no procedimento aberto, o tempo médio para utilização parcial foi de 3,6 horas (2,5-6) e o total foi de 6,4 dias (4-10), enquanto na laparoscopia, os tempos para as utilizações parcial e total foram de 3,2 horas (1–5) e 2,8 dias (1– 6), respectivamente (Figura 2).


DISCUSSÃO

Para o tratamento continuado da IRC, é indispensável o funcionamento adequado do cateter de diálise peritoneal. Apesar das vantagens da cirurgia laparoscópica já terem sido bem demonstradas em um grande número de procedimentos, este método ainda vem sendo realizado de forma alternativa para o manejo dos cateteres de diálise peritoneal.

A principal vantagem do uso da laparoscopia para o tratamento das complicações, relacionadas aos cateteres, é a possibilidade de desobstrução do cateter e a manutenção do mesmo 6-10, sendo que, quando se realiza o procedimento aberto, é sempre necessária a sua troca ou retirada, resultando em um maior índice de complicações e em maior custo. Na presente casuística, nas explorações por abordagem aberta devidas à infecção (peritonite ou infecção do trajeto), foi realizada a retirada do cateter em todos os casos. Com a abordagem laparoscópica foi possível a manutenção do cateter após a desobstrução do mesmo e a limpeza da cavidade. Nos casos de obstrução, houve retirada ou troca de cateter em todos os casos em que foi utilizada a abordagem aberta, enquanto que na laparoscópica foi possível a desobstrução e a manutenção em 80% dos casos (Figura 1).

A possibilidade de avaliação direta do peritônio e da presença ou não de septações secundárias às aderências peritoneais, que podem ser responsáveis pela formação de cavidades não comunicantes e funcionamento inadequado do cateter, confere à laparoscopia mais uma grande vantagem, podendo-se nestes casos realizar a lise das aderências, bem como melhor reposicionamento e desobstrução do cateter.

No serviço de Uronefropediatria do HC Unicamp, a infusão de líquido para diálise peritoneal é iniciada assim que o paciente retorna do procedimento e está clinicamente estável. Desse modo, é esperado que o tempo parcial de infusão seja semelhante em qualquer tipo de procedimento, como foi observado. A infusão do volume total de líquido de diálise, no entanto, depende da aceitação do paciente com relação à dor abdominal e da cicatrização após o procedimento. Quando se compararam as abordagens aberta e a laparoscópica, pôde-se observar a reutilização total do cateter mais precocemente na segunda, o que pode ser justificado pelo menor trauma cirúrgico.

Os dados apresentados sugerem que o uso da laparoscopia como opção terapêutica é eficaz para o tratamento das complicações relacionadas ao cateter de diálise peritoneal pela visualização direta de toda a cavidade peritoneal, possibilitando o reposicionamento ou desobstrução do mesmo, bem como a diminuição do tempo necessário para reutilização completa do cateter, diminuindo-se, assim, os custos do manejo das complicações e melhorando o tratamento dos pacientes com insuficiência renal crônica.

Recebido em 24/8/99

Aceito para publicação em 14/4/2000

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Antonio Gonçalves de Oliveira Filho
    Rua Dr. Shigeo Mori, 303 – Cidade Universitária
    13084-080 – Campinas-SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Recebido
      24 Ago 1999
    • Aceito
      14 Abr 2000
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