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Tratamento cirúrgico do ameloblastoma com reconstrução de mandíbula com enxerto de crista ilíaca não vascularizado: estudo de sete casos

Surgical treatment of the ameloblastoma of the mandible and reconstruction with non vascularized iliac crest graft: study of seven cases

Resumos

OBJETIVO: Determinar a validade do enxerto autólogo de crista ilíaca não vascularizado no tratamento cirúrgico do ameloblastoma de mandíbula. MÉTODO: Nos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Semiologia Bucal do Complexo Hospitalar Heliópolis, de 1980 a 2000, foram tratados 31 pacientes com ameloblastoma de mandíbula, dos quais sete receberam enxerto de crista ilíaca autólogo, fixos com placa de titânio do sistema A-0 (quatro casos) e aço inox (três casos), sendo portadores da variedade folicular (seis casos) e plexiforme (um caso). RESULTADOS: Nesta análise, foi utilizado o Teste de Hipótese para a média populacional com a variança desconhecida, houve exposição da placa em três casos (40%) quando a neoplasia ultrapassava a linha média e em quatro casos (60%) não incidiu nenhuma complicação. CONCLUSÕES: Apesar da incidência de exposição de placa, o método é indicado na reconstrução da mandíbula de pacientes com ameloblastoma.

Ameloblastoma; Crista ilíaca; Reconstrução; Placas


BACKGROUND: To determine of the real validity of non vascularized iliac crest graft in the surgical treatment of ameloblastoma of the mandible. METHODS: From 1980 to 2000, at the Head and Neck and Oral Semiology Services of Heliópolis Hospital, 29 patients were submitted to differents approaches, from which 7 received a non-vascularized autologus iliac crest graft fixed with A-0 titanium (4 cases) or inox (3 cases) systems plates for folicular (6 cases) and plexiform (1 case) ameloblastomas. RESULTS: We used a test of hypothesis for the population mean with unknown in variance. There was plate exposition in 3 cases (40%), when the tumor overpass midline, and complete sucess in 4 cases (60%) with no complications of this reconstructive approach for mandible ameloblastoma. CONCLUSIONS: In spite of the incidence of plate expesure, this technique is indicated for mandible reconstruction in patients with amelablastoma.

Ameloblastoma; Iliac crest; Reconstruction; Plates


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico do ameloblastoma com reconstrução de mandíbula com enxerto de crista ilíaca não vascularizado - estudo de sete casos

Surgical treatment of the ameloblastoma of the mandible and reconstruction with non vascularized iliac crest graft - study of seven cases

Daniela Venturoli LunardiI;Antonio Sérgio FavaII; Rui Henriques MartinsI; Maria da Graça Naclério HomemIII; Abrão Rapoport, TCBC-SPIV; Marcos Brasilino de CarvalhoV

IMestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis

IICirurgião do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis

IIIChefe do Serviço de Semiologia Bucal do Complexo Hospitalar Heliópolis e Docente Livre em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia da USP

IVCoordenador do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis e Docente Livre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Faculdade de Medicina da USP

VChefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Abrão Rapoport Praça Amadeu Amaral, 47 – cj. 82 01327-010 – São Paulo - SP

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a validade do enxerto autólogo de crista ilíaca não vascularizado no tratamento cirúrgico do ameloblastoma de mandíbula.

MÉTODO: Nos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Semiologia Bucal do Complexo Hospitalar Heliópolis, de 1980 a 2000, foram tratados 31 pacientes com ameloblastoma de mandíbula, dos quais sete receberam enxerto de crista ilíaca autólogo, fixos com placa de titânio do sistema A-0 (quatro casos) e aço inox (três casos), sendo portadores da variedade folicular (seis casos) e plexiforme (um caso).

RESULTADOS: Nesta análise, foi utilizado o Teste de Hipótese para a média populacional com a variança desconhecida, houve exposição da placa em três casos (40%) quando a neoplasia ultrapassava a linha média e em quatro casos (60%) não incidiu nenhuma complicação.

CONCLUSÕES: Apesar da incidência de exposição de placa, o método é indicado na reconstrução da mandíbula de pacientes com ameloblastoma.

Descritores: Ameloblastoma; Crista ilíaca; Reconstrução; Placas.

ABSTRACT

BACKGROUND: To determine of the real validity of non vascularized iliac crest graft in the surgical treatment of ameloblastoma of the mandible.

METHODS: From 1980 to 2000, at the Head and Neck and Oral Semiology Services of Heliópolis Hospital, 29 patients were submitted to differents approaches, from which 7 received a non-vascularized autologus iliac crest graft fixed with A-0 titanium (4 cases) or inox (3 cases) systems plates for folicular (6 cases) and plexiform (1 case) ameloblastomas.

RESULTS: We used a test of hypothesis for the population mean with unknown in variance. There was plate exposition in 3 cases (40%), when the tumor overpass midline, and complete sucess in 4 cases (60%) with no complications of this reconstructive approach for mandible ameloblastoma.

CONCLUSIONS: In spite of the incidence of plate expesure, this technique is indicated for mandible reconstruction in patients with amelablastoma.

Key words:Ameloblastoma; Iliac crest; Reconstruction; Plates.

INTRODUÇÃO

O termo ameloblastoma foi utilizado pela primeira vez1 em 1930 quando foi descrito um tumor odontogênico com formação de múltiplos cordões e lâminas celulares interconectadas, de origem epitelial e homólogas com a lâmina dentogengival do início da odontogênese. A classificação desta neoplasia pela WHO (Word Health Organization) situa como tumor derivado do epitélio odontogênico sem ectomesênquima2 . A despeito das tentativas de uniformização da sua classificação, historicamente a subdivisão em folicular, plexiforme e cístico é a que prevalece3, apesar da existência da variedade desmoplásica4, sendo todas de localização predominantemente mandibular5, 6.

Quanto ao tratamento cirúrgico destas neoplasias, este é norteado pelo tipo clínico (sólido ou cístico) e pela variedade histológica, sendo conservador (enucleação ou curetagem)7 ou não (ressecção marginal ou segmentar), esta última através de enxerto ósseo autógeno de crista ilíaca ou fíbula8, vascularizado ou não9. Para a estabilização do enxerto, discutem-se as vantagens de placas do sistema A-0, de titânio ou inox10.

MÉTODOS

Nos Serviços de Estomatologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, Hosphel, São Paulo, de 1980 a 2000, foram diagnosticados 31 ameloblastomas da mandíbula, e destes, 22 foram submetidos à cirurgia conservadora ou não. O sexo mais atingido foi o feminino em 54,5% dos casos (p=0,05), e a faixa etária para o tipo folicular (13 casos) foram as das 3as e 4as décadas, e para os tipos plexiforme (seis casos), e unicísticos (três casos) (p<0,9), foi a 3a década. Quanto à raça, houve o predomínio da branca em 68% da casuística.

Quanto à localização do ameloblastoma de mandíbula, seis eram anteriores cruzando a linha média (cinco foliculares e um plexiforme), cinco de corpo (três plexiforme e dois unicísticos), seis de corpo e ângulo (quatro foliculares, um plexiforme e um unicístico) e cinco de corpo, ângulo, ramo vertical e côndilo (quatro foliculares e um plexiforme) (Figura 1).


Quanto ao tratamento, este foi conservador em três casos onde foi feita enucleação ou curetagem (para a variedade unicística), sete ressecções marginais (três foliculares, quatro plexiformes) e 12 segmentares (dez foliculares e duas plexiformes).

No que diz respeito à reconstrução, esta foi indicada em sete pacientes (Tabela 1).

Para a utilização do enxerto (Tabela 2), foi utilizado o sistema A-0 de titânio com 2,4mm (em quatro pacientes com o tipo folicular) e de aço inox de 2,7mm (em três pacientes, sendo dois foliculares e um plexiforme) ambas fixas com parafuso ao remanescente mandibular. Figuras 2 e 3.



Para a análise estatística, foi utilizado o Teste de Hipótese para a média popoulacional com variância desconhecida de Latorre (1977).

RESULTADOS

O enxerto de crista ilíaca foi feito em sete dos 22 pacientes, sendo utilizadas as placas de estabilização do sistema A-0 (Tabela 2).

Quanto ao emprego das placas segundo à extensão da neoplasia, o critério de escolha foi feito considerando os cotos mandibulares remanescentes e as características texturais do osso onde a placa foi fixada. Dos sete casos, a exposição da placa foi a complicação mais comum, acompanhada de perda dos parafusos (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A escolha do tratamento (conservador ou não) é em função do tamanho, tipo de lesão, localização e histopatologia11. Para a conduta radical, a mandibulectomia segmentar deve incluir uma margem cirúrgica óssea de 1 a 2cms na mandíbula, sem prejuízo da radicalidade, com inclusão de todas as porções da mandíbula até a desarticulação12, sem todavia considerarmos que a não reconstrução leva os pacientes para deformidades estéticas e distúrbios funcionais da mastigação, deglutição e fonação13 .

As ressecções segmentares implicam a fixação obrigatória do enxerto ósseo aos cotos remanescentes da mandíbula, visto que a mesma se movimenta por ação da musculatura mastigatória. Assim, o bloqueio intermaxilar, para evitar rotação dos côndilos, que se compõe com barras ou amarrias, e com miniplacas e parafusos para pacientes dentados e para pacientes edêntulos, goteiras acrílicas confeccionados no pré-operatório, como fizemos em nossos pacientes, é necessário no transoperatório. O critério fundamental para o uso de enxerto autógeno não vascularizado como o que usamos em sete casos foi a presença de um leito de tecido mole para revascularizar a reconstrução, e a possibidade de cobertura do enxerto com retalhos de proteção14.

Em nossa casuística de 22 ameloblastomas, seis do tipo folicular e um plexiforme receberam enxerto não vascularizado de crista ilíaca, escolha feita ao considerarmos a possibilidade de estabilizar uma espessura óssea equivalente à perda mandibular, o que se torna problemático ao considerarmos as outras opções como a fíbula, o rádio e a costela. Entretanto, deve-se levar em conta que este tipo de enxerto tem uma reabsorção mínima de 50%, o que requer cuidados operatórios imediatos de cinco a seis semanas15.

Para a fixação dos enxertos, utilizamos placas de reconstrução do sistema A-0 de titânio ou aço inox, utilizando quatro parafusos em cada lado dos cotos ósseos, o que permitiu, em nossos pacientes, uma estabilidade adequada da placa, impedindo a sua fratura. Cabe lembrar que a placa de titânio que utiliza parafuso perfurado e oco (sistema Thorp), é vantajosa em relação à que utilizamos (sistema A-0), visto que a osteointegração se faz melhor quando utilizamos o primeiro, mas não é disponível para uso rotineiro entre nós16.

Quanto às complicações (três em nossos sete casos), a exposição da placa independe do material utilizado, enquanto que a fratura e a perda de parafusos são mais comuns no sistema A-0 por nós empregado em relação ao Thorp referido na literatura9,15 e 16. Quando há exposição extra-oral, a perda de parafusos é concomitante e a retirada da placa é imediata, fato ocorrido em duas de nossas três complicações. No 3º caso, onde evidenciou-se a exposição intra-oral, a placa foi removida somente três anos depois. Nesta situação, a tentativa de recolhimento da placa é desejável através de retalhos intra-orais, apesar da exposição reincidir usualmente como ocorreu em nosso paciente.

Em síntese, o tratamento cirúrgico dos ameloblastomas através de reconstrução com enxerto autólogo de crista ilíaca deve ser tentado, considerando os baixos índices de complicação em nossa experiência com os não vascularizados, bem como nos microcirúrgicos relatados na literatura.

Recebido em 26/7/2000

Aceito para publicação em 11/10/2000

Trabalho realizado nos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Semiologia Bucal do Complexo Hospitalar Heliópolis, Hosphel – São Paulo-SP.

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  • Endereço para correspondência:

    Prof. Dr. Abrão Rapoport
    Praça Amadeu Amaral, 47 – cj. 82
    01327-010 – São Paulo - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Aceito
      11 Out 2000
    • Recebido
      26 Jul 2000
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