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Edema pulmonar de reexpansão tratado com ventilação não invasiva: relato de caso

Reexpansion pulmonary edema treated with non-invasive ventilation: case report

Resumo

The authors report a case of Reexpansion Pulmonary Edema (RPE) seen at Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre 3 hours after drainage of spontaneous pneumothorax. The patient presented a unilateral pneumothorax with one-week duration. After pleural drainage respiratory failure occured being managed at the Intensive Care Unit with non-invasive positive pressure ventilation through facial mask. The patient had favorable outcome and was discharged asymtomatic after 72 hours.

Reexpansion pulmonary edema; Pleural drainage; Non-invasive ventilation


Reexpansion pulmonary edema; Pleural drainage; Non-invasive ventilation

RELATO DE CASO

Edema pulmonar de reexpansão tratado com ventilação não invasiva: relato de caso

Reexpansion pulmonary edema treated with non-invasive ventilation: case report

Amarilio Vieira de Macedo Neto, ACBC-RSI; Gémerson GabiattiII; Jair Garcia da SilvaII

IProfessor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFRGS. Preceptor responsável pela Equipe de Cirurgia Torácica – Programa de Residência em Cirurgia do Trauma do HPS-POA. Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

IICirurgião Geral. Residente em Cirurgia do Trauma do HPS-POA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Amarílio Vieira de Macedo Neto Hospital de Pronto-socorro de Porto Alegre Assessoria Científica – Res. Cirurgia do Trauma Largo Teodoro Hertz, S/N - 1º andar 90040-192 – Porto Alegre-RS E-mail: rcthps@hotmail.com

ABSTRACT

The authors report a case of Reexpansion Pulmonary Edema (RPE) seen at Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre 3 hours after drainage of spontaneous pneumothorax. The patient presented a unilateral pneumothorax with one-week duration. After pleural drainage respiratory failure occured being managed at the Intensive Care Unit with non-invasive positive pressure ventilation through facial mask. The patient had favorable outcome and was discharged asymtomatic after 72 hours.

Key words: Reexpansion pulmonary edema; Pleural drainage; Non-invasive ventilation.

INTRODUÇÃO

O edema pulmonar de reexpansão (EPR) constitui complicação potencialmente severa pós-drenagem pleural em determinadas situações. O reconhecimento precoce de suas manifestações e das situações que freqüentemente o desencadeiam é fundamental para reduzir a morbi-mortalidade associada.

RELATO DE CASO

Paciente masculino, branco, 34 anos foi atendido no Hospital de Pronto-socorro Municipal de Porto Alegre (HPS) queixando-se de dispnéia leve, dor torácica em hemitórax direito e tosse produtiva há uma semana. Negava episódio semelhante no passado e tabagismo. Ao exame, apresentava bom estado geral, encontrava-se eupnéico, acianótico e com sinais vitais normais. A ausculta pulmonar evidenciava importante diminuição do murmúrio vesicular em todo hemitórax direito. Uma radiografia de tórax demonstrava grande câmara de pneumotórax à direita (Figura 1).


O paciente foi submetido à drenagem pleural direita através de um dreno 36F conectado a um sistema em selo d'água. O procedimento transcorreu sem complicações. O estudo radiológico pós-drenagem evidenciava reexpansão pulmonar completa. Três horas após iniciou com agitação, dispnéia intensa, tosse e expectoração de secreção rósea. Recebeu oxigênio suplementar por cateter nasal a 3l/min, mas mesmo assim a oximetria de pulso identificava a saturação da hemoglobina entre 85% e 88%. Neste momento auscultavam-se estertores crepitantes difusos no pulmão direito e uma nova radiografia mostrava reexpansão pulmonar completa e infiltrado pulmonar difuso com importante diminuição da transparência homolateral (Figura 2). A gasometria arterial neste momento demonstrava pH de 7,35, pressão parcial arterial de oxigênio (paO2) de 44mmHg, saturação arterial da hemoglobina (SaO2) de 77% e pressão parcial arterial de dióxido de carbono (paCO2) de 36mmHg. Os sinais vitais eram os seguintes: freqüência cardíaca (FC) de 130 batimentos por minuto (bpm), pressão arterial de 100/80 milímetros de mercúrio (mmHg) , temperatura axilar de 37.6 graus Celsius (ºC) e freqüência respiratória (FR) de 40 movimentos por minuto (mpm). A drenagem até o momento havia sido de 100ml com aspecto sero-hemático e o hemograma demonstrava uma hemoglobina (Hb) de 20,6g/dl e leucócitos totais de 28.600 com 4% de bastões. Com a hipótese de edema pulmonar pós-reexpansão foi encaminhado para a UTI, onde foram instituídas as seguintes medidas: ventilação não invasiva por pressão positiva contínua na via aérea (CPAP) através de máscara facial com oclusão nasal e oral, conectada a ventilador. Foram administrados conjuntamente 5mg de morfina, 80mg de furosemida e 240mg de aminofilina intravenosa. Para analgesia foi aplicado via intramuscular 75mg de diclofenaco.


O quadro clínico manteve-se estável com boa tolerância do paciente à ventilação não invasiva, que permaneceu por 12 horas. Os sinais eram: pressão arterial 100/80mmHg com variações da FC de 90 a 110bpm e da FR de 20 a 24mpm, embora mantivesse hipoxemia ( gasometria = pH: 7,34, paO2: 50,3mmHg, SaO2: 82%, paCO2: 40mmHg). O hemograma mostrava: Hb: 21g/dl, Leucócitos: 34.200 com 1% de bastões. O quadro radiológico mantinha-se inalterado. O paciente evoluiu favoravelmente, tendo sido transferido para a enfermaria em 48 horas depois e teve alta hospitalar no 3º dia. Retornou para revisão ambulatorial duas semanas após, sem queixas. O radiograma de tórax de controle mostrava apenas pequenas áreas atelectásicas residuais.

DISCUSSÃO

O EPR constitui complicação rara da reexpansão de um pulmão colapsado 1. Tipicamente, ocorre após a drenagem de um grande derrame pleural ou pneumotórax, especialmente se o quadro estiver estabelecido por um longo período (mais de três dias) 2,3, embora possa ocorrer com menos tempo. Na maioria dos casos o EPR distribui-se difusamente sobre a área reexpandida, sendo rara a apresentação localizada. O EPR foi descrito inicialmente no século XIX como expectoração albuminosa após drenagem de derrame pleural. Em 1958, descreveu-se sua ocorrência após a evacuação de um pneumotórax. Sua incidência em algumas séries varia de zero a 27% 1 podendo determinar taxas de mortalidade ao redor de 20% 4. Portanto, é uma grave intercorrência, e deve ser tratada prontamente.

As manifestações clínicas do EPR variam desde a apresentação assintomática com anormalidades radiográficas isoladas até abrupta e grave insuficiência respiratória e comprometimento hemodinâmico. Em dois terços dos casos clinicamente manifesta-se por: dispnéia, taquipnéia, taquicardia, cianose, tosse seca ou com eliminação de secreção rosácea, hemoptise franca, dor torácica, hipotensão e sudorese iniciando até uma hora após a expansão pulmonar. Usualmente o quadro é autolimitado evoluindo com melhora espontânea em alguns dias. Ocasionalmente, a hipoxemia é intensa, podendo progredir para insuficiência respiratória grave, choque e parada cardíaca4.

A etiologia do EPR é controversa. Os mecanismos propostos incluem:

1. Aumento da pressão hidrostática devido à inundação vascular do pulmão reexpandido conseqüente à pressão negativa intrapleural;

2. Alteração da permeabilidade vascular devido ao estiramento da microcirculação pulmonar;

3. Alteração da tensão superficial alveolar secundário à diminuição de surfactante;

4. Alteração da permeabilidade da membrana vascular pulmonar devido à hipóxia no segmento atelectasiado.

Algumas evidências clínicas apontam para o último mecanismo como mais provável 1,2,3,4. Índices de proteínas no escarro comparados aos níveis séricos variam de 0,74 a 0,85, favorecendo a teoria do aumento da permeabilidade capilar em relação ao edema hidrostático, cuja taxa de proteína edema/soro seria menor, em torno de 0,6 4. Acredita-se que durante o período colapsado a hipóxia tecidual resulte em diminuição do oxigênio mitocondrial e aumento do metabolismo anaeróbico, ocasionando aumento nos níveis intracelulares de duas enzimas: xantina oxidase e aldeído oxidase. Estas enzimas, após a reexpansão e reintrodução do oxigênio nas zonas hipóxicas, produziriam um aumento na produção de radicais livres, os quais danificariam o epitélio alveolar endotelial, produzindo aumento da permeabilidade vascular 1,3,4.

Nos quadros leves, o oxigênio suplementar, aliado à restrição hídrica e salina e ao uso de diuréticos são as medidas terapêuticas necessárias no tratamento do EPR. Entretanto, nas situações mais graves, com hipoxemia acentuada, o objetivo do tratamento é o de reduzir o shunt intrapulmonar. O tratamento clássico envolve ventilação mecânica invasiva e pressão expiratória final positiva uma vez que esta limita o aumento de líquido pulmonar extravascular e aumenta o fluxo linfático através do ducto torácico. A ventilação mecânica não invasiva com pressão positiva aplicada através de máscaras, nasal ou facial é uma alternativa elegante e menos agressiva. Tem sido usada desde o inicio da década de 1990 para o tratamento de pacientes com edema pulmonar cardiogênico, tanto no tratamento da fase aguda da insuficiência respiratória como em domicílio em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. A ventilação por máscara é empregada através de um sistema de fluxo contínuo ou intermitente oferecido pelo próprio ventilador mecânico ou gerador de fluxo próprio para uso domiciliar. Usualmente a pressão positiva na via aérea é administrada de forma contínua (continuous positive airway pressure - CPAP) ou na ins e expiração (BIPAP). No caso apresentado, foi utilizada ventilação com pressão positiva contínua (CPAP) através da máscara facial conectada a ventilador. Ventilação não invasiva traz vantagens quando comparada com a forma invasiva desde que o paciente tenha boa adaptação 3,5.

A utilização de válvulas no sistema de drenagem torácica para controlar o fluxo, promovendo uma reexpansão pulmonar mais lenta é descrita como opção para reduzir a incidência do EPR. Entretanto não há evidências claras que sustentem tal proposição e inúmeros casos de EPR são descritos mesmo com a utilização de tal técnica 1,4. A reavaliação clínica periódica nas primeiras horas pós-drenagem torácica de grandes coleções com mais de 72 horas de evolução deve identificar aqueles com maior risco.

Recebido em 22/3/2000

Aceito para publicação em 17/7/2000

Trabalho Realizado no Hospital de Pronto-socorro de Porto Alegre (HPS-POA) - Residência em Cirurgia do Trauma.

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Amarílio Vieira de Macedo Neto
    Hospital de Pronto-socorro de Porto Alegre
    Assessoria Científica – Res. Cirurgia do Trauma
    Largo Teodoro Hertz, S/N - 1º andar
    90040-192 – Porto Alegre-RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2000
    • Aceito
      17 Jul 2000
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