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Anastomose duodenoduodenal na pancreatoduodenectomia por pancreatite crônica

Duodenumduodenal anastomosis in pancreatoduodenectomy for chronic pancreatitis

Resumo

Literature has been showing a tendency of reducing the limits of Whipple's resection. The main technical advance was the pylorus preserving resection, technique proposed by Traverso and Longmire in 1978. The pancreticoduodenectomy for chronic pancreatitis, is probably the best opportunity to apply this type of procedure. In these specific patients, the author preserved the pylorus and the third portion of the duodenum. The gastrointestinal transit was reconstructed by the duodenumduodenal anastomosis and the bile duct and the pancreas were drained in a Roux-en-way loop . Follow-up showed no important complication, with no problems related to gastric emptying and without pain.

Whipple Procedure; Pylorus-preserving pancreaticoduodenectomy; Duodenumduodenal anastomosis


Whipple Procedure; Pylorus-preserving pancreaticoduodenectomy; Duodenumduodenal anastomosis

NOTA PRÉVIA

Anastomose duodenoduodenal na pancreatoduodenectomia por pancreatite crônica

Duodenumduodenal anastomosis in pancreatoduodenectomy for chronic pancreatitis

Olívio Louro Costa, TCBC-ES

Professor Livre-Docente do Centro Biomédico (CBM) da UFES

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Olívio Louro Costa Rua Horácio Andrade de Carvalho, 210 29052-620 — Vitória-ES E-mail: olivio@terra.com.br

ABSTRACT

Literature has been showing a tendency of reducing the limits of Whipple's resection. The main technical advance was the pylorus preserving resection, technique proposed by Traverso and Longmire in 1978. The pancreticoduodenectomy for chronic pancreatitis, is probably the best opportunity to apply this type of procedure. In these specific patients, the author preserved the pylorus and the third portion of the duodenum. The gastrointestinal transit was reconstructed by the duodenumduodenal anastomosis and the bile duct and the pancreas were drained in a Roux-en-way loop . Follow-up showed no important complication, with no problems related to gastric emptying and without pain.

Key words: Whipple Procedure; Pylorus-preserving pancreaticoduodenectomy; Duodenumduodenal anastomosis.

INTRODUÇÃO

A ressecção de Whipple vem sendo executada desde 1935 para tratar as neoplasias periampolares e - mais recentemente - utilizada em certos casos de pancreatite crônica, quando há dor intratável e as alterações anatômicas predominam na cabeça do pâncreas e não se pode esperar melhoras pelas operações de derivação1. É nessas circunstâncias que mais se aplica a preservação do piloro, proposta por Traverso e Longmire2 . Frey3 propõe para estes pacientes a ressecção da cabeça do pâncreas, com preservação do duodeno, complementada com pancreatojejunostomia longitudinal. O próprio autor, no entanto, afirma que não há uma única operação para tratar alterações anatômicas e outras complicações associadas à pancreatite crônica. Beger et al4, propõem a ressecção subtotal da cabeça do pâncreas, preservando o duodeno, o que se faria em três fases: 1. Exposição da cabeça do pâncreas; 2. Ressecção subtotal; 3. Reconstrução com alça isolada em Y de Roux. No presente estudo, o autor preferiu uma outra alternativa, ou seja, ressecou a cabeça do pâncreas, preservando o piloro e a terceira porção do duodeno e fez a reconstrução do trânsito pela anastomose duodenoduodenal. O objetivo do presente relato é discutir a simplificação da pancreatoduodenectomia pela preservação do piloro, segundo a tendência da literatura e pela anastomose duodenoduodenal, proposta pelo autor e utilizada em dois pacientes.

RELATO DE CASOS

Paciente nº 1, de 40 anos, etilista por 20 anos, tendo atingido nos últimos quatro anos a média de ingestão de uma garrafa de aguardente por dia.Tinha dor epigástrica incontrolável e icterícia que persistiu por cinco meses antes da internação. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) demonstrou dilatação moderada do Wirsung, sem que se conseguisse visualizar a via biliar. Indicada a cirurgia após a tentativa frustrada de tratamento clínico da dor. Macroscopicamente, havia massa tumoral da cabeça do pâncreas e toda a víscera endurecida como soi acontecer na pancreatite crônica. Considerando-se que as derivações são operações de menor risco, optou-se pela pancreatojejunostomia e derivação biliodigestiva em 05/02/99. Houve recuperação da icterícia, mas o paciente não obteve melhora da dor e foi reinternado para estudo em junho de 1999, quando uma ultra-sonografia reafirmou a presença de massa na cabeça do pâncreas. O paciente foi reoperado em 24/06/99 e foi realizada a pancreatoduodenectomia. Completada a ressecção, não havia ducto pancreático pérvio, em vista do processo obstrutivo e/ou da derivação prévia e o pâncreas foi suturado por chuleio contínuo, com fio de nylon 000. Neste caso, interrompeu-se a dissecção do duodeno na transição da segunda para a terceira porção, em vista da fibrose intensa e foi feita a anastomose duodenoduodenal em dois planos, portanto com preservação da terceira porção do duodeno, que se apresentava bem vascularizada (Figura 1). Não foi necessária a mobilização da terceira porção do duodeno para realizar a anastomose, que se fez sem tensão. A drenagem do ducto pancreático já fora realizada em intervenção anterior e a mesma alça foi utilizada para a derivação da via biliar. A evolução foi favorável, não houve problema de esvaziamento gástrico e o paciente teve alta no 7º dia pós-operatório.


Paciente nº 2, de 54 anos, etilista por 17 anos, fora operado duas vezes por crises de agudização de pancreatite crônica, em serviços de urgência. Internado, após tentativa de tratamento clínico das dores, que se mostraram incapacitantes, por mais de seis meses. A ultra-sonografia e a tomografia computadorizada demonstraram aumento da cabeça do pâncreas, sem dilatação do ducto pancreático, mas o ducto biliar estava dilatado. Optou-se pela duodenopancreatectomia, que foi realizada em 24/11/99. Também neste caso foram preservados o piloro e a terceira porção do duodeno. Os cotos estavam bem vascularizados e foi realizada a anastomose duodenoduodenal em dois planos. Neste caso foi isolada uma alça em Y de Roux para a derivação término-lateral do ducto biliar e do pâncreas (Figura 2). As anastomoses foram feitas em chuleio contínuo, com nylon 000, em plano único. Também aqui a evolução foi favorável, não houve problema de esvaziamento gástrico e o paciente teve alta no 7º dia pós-operatório. Em ambos os casos, após duas semanas da operação, o estudo radiológico, demonstrou que o segmento duodenal anastomosado assumia a conformação do arco duodenal, como se não houvera ressecção. Os pacientes não têm tido queixas de dor até o momento.


DISCUSSÃO

A primeira controvérsia existe em relação ao limite superior, quando se discute a preservação do piloro ou a gastrectomia associada2,5. Traverso e Longmire propuseram a operação com preservação do piloro em 1978, quando assim procederam em dois pacientes, sendo um portador de pancreatite crônica e outro de câncer de duodeno2. Desde então este procedimento vem sendo executado sempre com maior freqüência, principalmente nas lesões benignas, porque evita a ressecção gástrica, com ou sem vagotomia, e simplifica a reconstrução do trânsito, além de reduzir o tempo operatório2,5 . Nos casos em pauta, foi preservado o piloro, também por se tratar de doença benigna.

A segunda controvérsia ocorre em relação ao tratamento do coto pancreático, que pode ser por sutura ou derivado para o jejuno. No primeiro paciente, o coto pancreático foi suturado porque não havia ducto visível, provavelmente porque já estava estenosado antes da primeira operação. A sutura também foi possível porque a anastomose pancreatojejunal foi preservada e a mesma alça desta anastomose serviu para derivar o ducto biliar. No segundo caso o pâncreas foi anatomosado à alça jejunal isolada porque não havia derivação prévia.

A terceira controvérsia existe em relação ao limite inferior, quando se discute a ressecção ou não da terceira e quarta porções do duodeno. Nos pacientes em pauta, preservou-se o duodeno à direita dos vasos mesentéricos e isto permitiu a anastomose duodenoduodenal, em vista da preservação do piloro. A grande preocupação é com a vascularização dos cotos, proximal e distal, porque não há vasos muito bem definidos, que garantam a irrigação. Contudo não houve necessidade de liberação do duodeno, senão o suficiente para a anastomose, porque após a ressecção as bordas se aproximavam sem dificuldades e não havia evidência de isquemia. É fato que se tem suturado lesões traumáticas importantes do duodeno e se tem anastomosado o duodeno com o jejuno, em intervenção eletivas, sempre com maior freqüência e pode-se portanto inferir que a anastomose duodenoduodenal seja igualmente segura. No primeiro paciente, arriscada mesmo seria a ressecção da terceira porção, que se encontrava intimamente aderida ao restante do pâncreas. Nos dois casos não havia evidência de irrigação insuficiente, pois as bordas sangravam normalmente.

Não se tentou a operação de Frey ou Beger, porque no primeiro paciente já se havia feito uma pancreatojejujostomia longitudinal em ducto pouco dilatado e o resultado não foi bom. No segundo caso, o ducto pancreático não estava dilatado, mas havia dilatação do biliar, portanto em nenhum dos dois pacientes havia possibilidade de se realizar qualquer derivação do canal pancreático, o que faz parte dos procedimentos acima referidos. Além disto a técnica praticada parece de mais fácil execução do que as de Frey e Beger.

Tem havido esforço para simplificar as ressecções cefálicas do pâncreas; principalmente na pancreatite crônica e nos casos relatados a anastomose duodenoduodenal foi realizada com segurança, não houve complicação pós-operatória e os pacientes tiveram alta uma semana após a operação. Entende-se que a reconstrução perfeitamente anatômica do trânsito foi um fator muito favorável ao bem-estar dos pacientes no pós-operatório. Em ambos os casos, o estudo radiológico demonstrou que o trânsito se dava como se não houvera ressecado um segmento do duodeno. A simplificação da operação tem sido sempre mais defendida na literatura, tanto para doença benigna quanto maligna e este tipo de anastomose foi adequado nas duodenopancreatectomias por pancreatite crônica nestes casos relatados, onde havia alterações anatômicas predominantes da cabeça do pâncreas.

Recebido em 6/6/2000

Aceito para publicação em 19/10/2000

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM-UFES)

  • 1. Whipple AO, Parsons WB, Mullins CR- Treatment of carcinoma of the ampulla of Vater. Ann Surg, 1935, 102: 762-779
  • 2. Traverso LW, Longmire WP Jr Preservation of the pylorus in pancreticoduodenectomy. Surg Gynecol Obstet, 1978, 146:959-962
  • 3. Frey CF-The Surgical Management of Chronic Pancreatitis: The Frey Procedure. In Cameron JL- Advances in Surgery. St Louis. Mosby, 1999, pp.41-85.
  • 4. Beger HG, Schlosser W, Siech M et al- The Surgical Management of Chronic Pancreatitis: Duodenum-Preserving Pancreatectomy. In Cameron JL- Advances in Surgery. St Louis. Mosby, 1999, pp.87-104.
  • 5. Zerbi, A.; Balzano, G.; Patuzzo, R.; Calori, G.; Braga, M. & Di Carlo, V. Comparison between pylorus-preserving and Whipple pancreatoduodenectomy, Br J Surg, 1995, 82:975-9.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Olívio Louro Costa
    Rua Horácio Andrade de Carvalho, 210
    29052-620 — Vitória-ES
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2001

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2000
    • Recebido
      06 Jun 2000
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