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Câncer gástrico precoce: revisão de 47 casos do instituto nacional de câncer nos últimos cinco anos

Early gastric cancer: a review of 47 cases from intituto nacional de câncer in the last five years

Resumos

OBJETIVO: O presente estudo visa estudar as características dos tumores gástricos precoces diagnosticados em um grande centro de referência no tratamento do câncer gástrico em nosso país, o Instituto Nacional de Câncer. MÉTODO: Analisamos retrospectivamente os casos de câncer gástrico precoce da Seção de Cirurgia Abdominopélvica do Hospital do Câncer I no período de 1995 a 1999. Resgatamos 47 prontuários de pacientes portadores de câncer gástrico precoce, dos 296 pacientes submetidos à ressecção gástrica neste período. RESULTADOS: Em nosso hospital a incidência corresponde a cerca de 15,8% dos pacientes submetidos a gastrectomias por câncer gástrico. Constatamos uma incidência de 1,1:1 com relação ao sexo F/M e com morbidade de 19,1% e mortalidade de 4,2%. Houve uma predominância do tipo IIc + III e com 27,6% de positividade para o Helicobacter pylori. CONCLUSÃO: O câncer gástrico precoce representa o melhor estágio para a ressecção nos tumores do estômago, porém, infelizmente, ainda é pouco diagnosticado em nosso meio, apesar dos avanços nos métodos de diagnóstico.

Câncer gástrico precoce; Gastrectomia


BACKGROUND: The aim of the present study is to evaluate the behaviour of early gastric cancer at a reference institution, the Instituto Nacional de Câncer. METHODS: This is a retrospective study of 47 patients from 296 treated with gastric resection for gastric cancer between 1995 and 1999. RESULTS: In our hospital the incidence of early gastric cancer is 15.8% of patients submited to gastrectomies for gastric cancer. A female/male rate of 1.1:1, was observed, with morbidity and mortality rates of 19.1% and 4.2%, respectively. The most common macroscopic type was IIc +III and 27.6% of patients were positive for Helicobacter pylori. CONCLUSIONS: Despite the increase in quality of diagnosic methods, the rate of patients with early gastric cancer the best stage to treat these tumors is still low on west countries.

Early gastric cancer; Gastrectomy


ARTIGO ORIGINAL

Câncer gástrico precoce: revisão de 47 casos do instituto nacional de câncer nos últimos cinco anos

Early gastric cancer: a review of 47 cases from intituto nacional de câncer in the last five years

Carlos Eduardo Pinto, TCBC-RJI; Odilon de Sousa Filho, ACBC-RJII; José Humberto Simões Correa, TCBC-RJIII; Fábio Machado Landim, ACBC-RJIV; Bernardo Ryuji KurodaIV; Ivanir Martins de OliveiraV

IDoutor e Mestre em Cirurgia pela UFRJ, Cirurgião do INCa e Chefe da Cirurgia da Policlínica de Botafogo

IIVice-Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, Chefe do Grupo de Estômago do INCa, Professor da Universidade Gama Filho

IIIChefe do Serviço de Cirurgia Abdominopélvica do HC-INCa. Professor da Universidade Gama Filho

IVResidente do INCa

VPatologista do Serviço de Anatomia Patológica do INCa

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Carlos Eduardo Pinto Instituto Nacional de Câncer Cirurgia Abdomino-Pélvica Praça da Cruz Vermelha, 23/5º andar 20230-130 – Rio de Janeiro-RJ

RESUMO

OBJETIVO: O presente estudo visa estudar as características dos tumores gástricos precoces diagnosticados em um grande centro de referência no tratamento do câncer gástrico em nosso país, o Instituto Nacional de Câncer.

MÉTODO: Analisamos retrospectivamente os casos de câncer gástrico precoce da Seção de Cirurgia Abdominopélvica do Hospital do Câncer I no período de 1995 a 1999. Resgatamos 47 prontuários de pacientes portadores de câncer gástrico precoce, dos 296 pacientes submetidos à ressecção gástrica neste período.

RESULTADOS: Em nosso hospital a incidência corresponde a cerca de 15,8% dos pacientes submetidos a gastrectomias por câncer gástrico. Constatamos uma incidência de 1,1:1 com relação ao sexo F/M e com morbidade de 19,1% e mortalidade de 4,2%. Houve uma predominância do tipo IIc + III e com 27,6% de positividade para o Helicobacter pylori.

CONCLUSÃO: O câncer gástrico precoce representa o melhor estágio para a ressecção nos tumores do estômago, porém, infelizmente, ainda é pouco diagnosticado em nosso meio, apesar dos avanços nos métodos de diagnóstico.

Descritores: Câncer gástrico precoce; Gastrectomia.

ABSTRACT

BACKGROUND: The aim of the present study is to evaluate the behaviour of early gastric cancer at a reference institution, the Instituto Nacional de Câncer.

METHODS: This is a retrospective study of 47 patients from 296 treated with gastric resection for gastric cancer between 1995 and 1999.

RESULTS: In our hospital the incidence of early gastric cancer is 15.8% of patients submited to gastrectomies for gastric cancer. A female/male rate of 1.1:1, was observed, with morbidity and mortality rates of 19.1% and 4.2%, respectively. The most common macroscopic type was IIc +III and 27.6% of patients were positive for Helicobacter pylori.

CONCLUSIONS: Despite the increase in quality of diagnosic methods, the rate of patients with early gastric cancer the best stage to treat these tumors is still low on west countries.

Key words: Early gastric cancer; Gastrectomy.

INTRODUÇÃO

O câncer gástrico é a segunda causa de morte por câncer no mundo1-6 e apresenta grande incidência em nosso meio, porém a melhor conduta terapêutica permanece sem consenso e sua taxa de sobrevida é inferior à satisfatória. A eficácia das modalidades de tratamento adjuvantes continua a ser investigada e a abordagem cirúrgica permanece como sendo a única com potencial curativo7,8. Câncer gástrico precoce foi primeiramente definido pela Sociedade Japonesa de Endoscopia Gastroenterológica em 1962 como o adenocarcinoma restrito à mucosa e à submucosa gástrica, sem levar em consideração ok comprometimento linfonodal, e, neste estágio, os pacientes tratados podem ter sobrevida em cinco anos superior a 90%1,2,5. Ao contrário da experiência japonesa, não realizamos exames endoscópicos periódicos no Brasil em pacientes com sintomatologia dispéptica e, devido a isso, diagnosticamos poucos pacientes neste estágio da doença. O presente trabalho visa estudar as características dos tumores gástricos precoces diagnosticados em um grande centro de referência no tratamento do câncer gástrico no país, o Instituto Nacional de Câncer.

MÉTODO

Analisamos retrospectivamente os pacientes que foram submetidos à ressecção gástrica por adenocarcinoma, com intuito curativo, no período de 1995 a 1999, na Seção de Cirurgia Abdominopélvica do Instituto Nacional de Câncer, em conjunto com a Seção de Anatomia Patológica. Identificamos 47 casos de câncer gástrico precoce, todos tratados com cirurgia convencional. Submetemos estes prontuários a questionário, onde coletamos dados referentes a sexo, idade, tamanho da lesão, classificação macroscópica, número de linfonodos comprometidos, tratamento cirúrgico e morbimortalidade relacionados ao tratamento.

RESULTADOS

Do total de 296 pacientes submetidos à ressecção gástrica, resgatamos 47 casos que correspondem a 15,8% de tumores precoces. Vinte e cinco pacientes eram do sexo feminino e 22 do sexo masculino, relação 1.1:1 (f:m), com média de idade 60 anos, variando entre 33 e 87 anos (Figura 1).


Em 42 casos (89,4%) a lesão foi descrita como distal e em cinco casos (10,6%) como proximal. Quanto à classificação macroscópica, o tipo predominante foi IIc + III em 18 casos, seguindo-se do tipo IIc em oito casos e em 12 casos não foi feita descrição quanto à classificação quer pelo patologista quer pelo endoscopista. Os tumores tiveram como medida média 5,1x3,8cm, sendo classificados como indiferenciados em 57,4%, moderadamente diferenciados em 31,9% e bem diferenciados em 10,6% (Figura 2), estando 26 (55,3%) restritos à mucosa e 21 (54,7%) invadindo a submucosa. Em 27,6% detectamos positividade para Helicobacter pylori.


A maioria dos pacientes foi submetida à gastrectomia subtotal com linfadenectomia D2 (35 pacientes), sete pacientes foram submetidos à gastrectomia subtotal a D1 e cinco pacientes à gastrectomia total a D2. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 10,1 dias (6 – 27d) e o tempo médio de cirurgia foi de 4h e 25 min. A morbidade geral foi de 19,1% e a mortalidade foi de 4,2%, sendo a morbidade semelhante para D1 e D2 em gastrectomias subtotais. A mortalidade para D1 foi de 14,2% comparada a 2,8% em D2 para gastrectomias subtotais (Figura 3). Este aumento na mortalidade relacionada à linfadenectomia D1 possivelmente se deu pelo menor número de pacientes que receberam esta técnica e pela opção por linfadenectomia a D1 em nosso serviço estar relacionada aos pacientes com maior risco operatório e com uma performance status (PS) elevada. Houve um paciente com fístula (2,1%), um com estenose da anastomose esofagojejunal, um com evisceração e dois pacientes com abscesso subfrênico como complicações de maior magnitude.


A média de linfonodos ressecados foi de 25,6, variando de oito a 75 linfonodos. Destes pacientes, sete tiveram linfonodos positivos, o que equivale a 14,8%; sendo todos classificados como N1 (até seis linfonodos positivos)2; na qual seis eram indiferenciados e um era moderadamente diferenciado. Em 57% dos tumores com linfonodos positivos, havia invasão da submucosa e em 43% havia comprometimento apenas da mucosa (Figura 4).


DISCUSSÃO

O câncer gástrico permanece como uma das principais causas de morte por câncer no mundo, apesar dos avanços nos métodos diagnósticos, técnicas cirúrgicas, anestésicas e terapias adjuvantes, fazendo com que sua sobrevida ainda permaneça abaixo da satisfatória. Em 1962, a Sociedade Japonesa de Endoscopia Gastroenterológica criou o conceito de câncer gástrico precoce para o tumor que invade a mucosa e a submucosa, sem, no entanto, fazer menção à presença ou não de comprometimento linfonodal. O termo "precoce" se refere à possibilidade de ressecção completa, com uma perspectiva de tratamento com melhor sobrevida e com resultados finais muito superiores aos alcançados nos tumores avançados 9.

Desde 1960, através de exames de screening em grupos de risco, no Japão, tem-se diagnosticado cada vez mais este tipo de lesão, sendo relatados índices acima de 50% de todos os casos diagnosticados6,3. Quando considerados os pacientes submetidos à ressecção, cerca de 62% são tumores precoces, porém esta estatística não se repete nos países ocidentais onde não são realizados exames endoscópicos de rotina em pacientes com dispepsia e com isso os índices caem para 10 a 15% na maioria dos trabalhos da literatura médica. Em nosso serviço a realidade é semelhante à experiência do Ocidente, onde apenas 15,8% dos pacientes submetidos à ressecção cirúrgica são portadores de lesões precoces2, o que traduz o diagnóstico tardio levando a uma menor chance de cura.

Nesta série houve um discreto predomínio do sexo feminino sobre o sexo masculino, o que difere da literatura onde o sexo masculino predomina numa incidência de 2:1. Houve maior incidência em torno da sexta e sétima décadas de vida, correspondendo aos achados da literatura mundial. Quanto ao tipo predominante, preponderou o tipo IIc + III (Figura 5), o que diverge da maioria dos trabalhos que indica o tipo IIc como o mais freqüente.2,10 Provavelmente esta divergência se deve ao tamanho médio das lesões estar em torno de 5,1x 3,8cm, quando a tendência é o diagnóstico deste tipo ser apenas nas lesões pequenas, menores do que 10mm. Para o câncer gástrico precoce, a maioria dos tumores é descrita como bem diferenciado, porém na casuística aqui apresentada predominou o tipo indiferenciado.


Apesar da definição de câncer gástrico precoce não incluir o status linfonodal, metástases para linfonodos são descritas, variando no Japão de 0% a 17% para o carcinoma intramucoso e 13% a 30% para o submucoso, sendo na Europa de 1,5% a 7% e 4% a 12,3% respectivamente1,10. Neste trabalho obtivemos 11% e 19% de linfonodos positivos para a mucosa e a submucosa respectivamente. A taxa de metástase nodal parece ter correlação com o tamanho da lesão, presença de ulceração e com o grau de diferenciação do tumor, já que nesta série todos os tumores são maiores do que 4cm e a maioria é indiferenciado e macroscopicamente foram classificados entre IIc e IIc + III.

O tratamento instituído foi a gastrectomia subtotal para os tumores distais e total para os tumores proximais e sempre com margem adequada de ressecção (5cm para os bem diferenciados e 7cm para os indiferenciados), sendo só indicada a pancreatectomia e/ou a esplenectomia concomitante, quando existe invasão direta destes órgãos. Realizou-se sempre a linfadenectomia a D2; porém nos pacientes em que o risco cirúrgico foi fator limitante, optou-se pela D1 4. Este é um ponto de controvérsia em todo o mundo, porém acreditamos que a linfadenectomia a D2 tem uma morbimortalidade aceitável e oferece maior chance de cura para este tipo de lesão. A mortalidade aceita para este tipo de procedimento deve ser inferior a 5%, com taxas de morbidade variando de 10% a 30%.

O tratamento endoscópico está ocupando cada vez mais espaço na terapêutica do câncer gástrico precoce, porém as indicações, limitadas pela dificuldade em se esclarecer quais pacientes têm ou não linfonodos positivos, mesmo com o uso da endo-sonografia, fazem com que esta modalidade terapêutica permaneça restrita a prévio consentimento do paciente. Como sabemos, em condições excepcionais nas quais os pacientes com câncer gástrico precoce, menor do que 10mm, bem diferenciados, sem úlcera, ou cicatriz de úlcera, quando em localização favorável, ou em pacientes com risco proibitivo à cirurgia, esta modalidade pode vir a ser utilizada2.

O câncer gástrico precoce ainda é pouco diagnosticado em nosso meio e traz consigo uma melhor chance de cura com sobrevida em cinco anos superior a 90%. O tratamento cirúrgico é o de eleição para estes casos, porém há discordância quanto à extensão da linfadenectomia e, devido a isto, rotineiramente optamos por linfadenectomia a D2, estando o tratamento endoscópico reservado a casos selecionados. Não temos experiência com o tratamento laparoscópico, podendo este ser uma opção no futuro quando aprimorarmos a técnica e definirmos melhor os limites ideais para a linfadenectomia.

Recebido em 18/8/2000

Aceito para publicação em 18/1/2001

Trabalho realizado no Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer – INCa.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Carlos Eduardo Pinto
    Instituto Nacional de Câncer
    Cirurgia Abdomino-Pélvica
    Praça da Cruz Vermelha, 23/5º andar
    20230-130 – Rio de Janeiro-RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Recebido
      18 Ago 2000
    • Aceito
      18 Jan 2001
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