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Efeito do metronidazol na morfologia intestinal e na ocorrência de translocação bacteriana em ratos na vigência ou não de obstrução intestinal

Effect of metronidazol on the intestinal morphology and occurrence of bacterial translocation in rats in the presence or absence of intestinal obstruction

Resumos

OBJETIVO: Translocação bacteriana (TB) é fenômeno associado a bactérias aeróbicas e, assim, drogas anaerobicidas poderiam favorecer a ocorrência deste fenômeno. Avaliar o efeito do metronidazol na morfologia intestinal e na ocorrência de TB na vigência ou não de obstrução intestinal. MÉTODO: Oitenta ratos Wistar foram randomizados para dois grupos: Metronidazol (n=40) e Soro Fisiológico (n=40). Cada grupo foi subdividido em quatro subgrupos de dez animais, denominados sem laparotomia, com laparotomia, com obstrução do íleo e com obstrução do sigmóide. Os animais receberam metronidazol ou soro fisiológico por 72h sendo os procedimentos de cada subgrupo realizados após 48h do início da medicação. Após a morte dos animais, os linfonodos mesentéricos, baço, fígado e sangue portal foram enviados para pesquisa de TB. Biópsias do jejuno, íleo e sigmóide foram avaliadas histomorfometricamente. RESULTADOS: Houve maior mortalidade no grupo controle dentre os animais com obstrução intestinal. Não houve repercussões morfológicas com a utilização do metronidazol. A TB no grupo metronidazol (8/40; 20%) foi maior que nos controles (1/40; 2,5%; p=0.028) no subgrupo sem laparotomia. No subgrupo com obstrução ileal ocorreu mais translocação no grupo soro fisiológico quando comparado com o metronidazol (27/40; 67,5% vs. 7/40; 17,5%; p<0.001). Ocorreu mais translocação para linfonodos no grupo metronidazol com obstrução do sigmóide. CONCLUSÕES: Os achados sugerem que bactérias anaeróbicas protegem o organismo contra TB em ratos com trânsito intestinal preservado. Em animais com obstrução intestinal o local da obstrução influencia a translocação com uso do metronidazol. Na vigência de obstrução, o uso de metronidazol diminui a mortalidade dos animais.

Translocação bacteriana; Metronidazol


BACKGROUND: Aerobic flora is associated with bacterial translocation (BT). The anaerobic flora may have a role in the occurrence of this phenomenon. The aim of this study was to investigate the effect of metronidazol on the intestinal morphology and on the occurrence of BT in the presence or absence of intestinal obstruction. METHODS: Eighty wistar rats were randomized to two groups: group metronidazol (n=40) and group saline (n=40). They received the correspondent medication for 72h. Each group comprised four subgroups of 10 rats each as follows: without laparotomy, with laparotomy, ileal and sigmoideal obstruction. After receiving the solutions for 48h, the rats underwent different operative procedures depending on the subgroups except for subgroup without laparotomy in which no operation was carried out. They were killed after 72h and the mesenteric lymph nodes, liver, spleen and blood samples were cultured. Biopsies of the jejunum, ileum and sigmoide were collected and sent to histomorphometric measurements. RESULTS: A significantly higher mortality was observed in group saline in obstructed animals. There was no important morphological differences between the groups. In metronidazol group the incidence of BT (8/40; 20%) was significantly higher (p =0.028) than in controls (1/40; 2,5%) in non-operated animals. In the subset of ileum obstruction, the rate of BT was higher in controls than in metronidazol group (27/40; 67,5% vs. 7/40; 17,5%; p<0.001). However, there was greater translocation to lymph nodes in metronidazol group compared with controls in sigmoid obstructed rats. CONCLUSIONS: Metronidazol favors the occurrence of BT under basal conditions. There is no important morphological alteration induced by metronidazol. Intestinal obstruction enhances BT and the site of obstruction influences the rate of translocation associated with metronidazol. However, mortality is lower when metronidazol is used in obstructed animals.

Bacterial translocation; Metronidazol


ARTIGO ORIGINAL

Efeito do metronidazol na morfologia intestinal e na ocorrência de translocação bacteriana em ratos na vigência ou não de obstrução intestinal

Effect of metronidazol on the intestinal morphology and occurrence of bacterial translocation in rats in the presence or absence of intestinal obstruction

Adalberto Ferreira da SilvaI; José Eduardo de Aguilar-Nascimento, TCBC-MTII

IProfessor Auxiliar do Departamento de Cirurgia da FCM-UFMT

IIProfessor Adjunto, Doutor em Medicina, do Departamento de Cirurgia da FCM-UFMT

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Adalberto Ferreira da Silva Rua Sírio Libaneza, 60/801 78045-710 - Cuiabá - MT Tel: (65) 623-5238

RESUMO

OBJETIVO: Translocação bacteriana (TB) é fenômeno associado a bactérias aeróbicas e, assim, drogas anaerobicidas poderiam favorecer a ocorrência deste fenômeno. Avaliar o efeito do metronidazol na morfologia intestinal e na ocorrência de TB na vigência ou não de obstrução intestinal.

MÉTODO: Oitenta ratos Wistar foram randomizados para dois grupos: Metronidazol (n=40) e Soro Fisiológico (n=40). Cada grupo foi subdividido em quatro subgrupos de dez animais, denominados sem laparotomia, com laparotomia, com obstrução do íleo e com obstrução do sigmóide. Os animais receberam metronidazol ou soro fisiológico por 72h sendo os procedimentos de cada subgrupo realizados após 48h do início da medicação. Após a morte dos animais, os linfonodos mesentéricos, baço, fígado e sangue portal foram enviados para pesquisa de TB. Biópsias do jejuno, íleo e sigmóide foram avaliadas histomorfometricamente.

RESULTADOS: Houve maior mortalidade no grupo controle dentre os animais com obstrução intestinal. Não houve repercussões morfológicas com a utilização do metronidazol. A TB no grupo metronidazol (8/40; 20%) foi maior que nos controles (1/40; 2,5%; p=0.028) no subgrupo sem laparotomia. No subgrupo com obstrução ileal ocorreu mais translocação no grupo soro fisiológico quando comparado com o metronidazol (27/40; 67,5% vs. 7/40; 17,5%; p<0.001). Ocorreu mais translocação para linfonodos no grupo metronidazol com obstrução do sigmóide.

CONCLUSÕES: Os achados sugerem que bactérias anaeróbicas protegem o organismo contra TB em ratos com trânsito intestinal preservado. Em animais com obstrução intestinal o local da obstrução influencia a translocação com uso do metronidazol. Na vigência de obstrução, o uso de metronidazol diminui a mortalidade dos animais.

Descritores : Translocação bacteriana; Metronidazol

ABSTRACT

BACKGROUND: Aerobic flora is associated with bacterial translocation (BT). The anaerobic flora may have a role in the occurrence of this phenomenon. The aim of this study was to investigate the effect of metronidazol on the intestinal morphology and on the occurrence of BT in the presence or absence of intestinal obstruction.

METHODS: Eighty wistar rats were randomized to two groups: group metronidazol (n=40) and group saline (n=40). They received the correspondent medication for 72h. Each group comprised four subgroups of 10 rats each as follows: without laparotomy, with laparotomy, ileal and sigmoideal obstruction. After receiving the solutions for 48h, the rats underwent different operative procedures depending on the subgroups except for subgroup without laparotomy in which no operation was carried out. They were killed after 72h and the mesenteric lymph nodes, liver, spleen and blood samples were cultured. Biopsies of the jejunum, ileum and sigmoide were collected and sent to histomorphometric measurements.

RESULTS: A significantly higher mortality was observed in group saline in obstructed animals. There was no important morphological differences between the groups. In metronidazol group the incidence of BT (8/40; 20%) was significantly higher (p =0.028) than in controls (1/40; 2,5%) in non-operated animals. In the subset of ileum obstruction, the rate of BT was higher in controls than in metronidazol group (27/40; 67,5% vs. 7/40; 17,5%; p<0.001). However, there was greater translocation to lymph nodes in metronidazol group compared with controls in sigmoid obstructed rats.

CONCLUSIONS: Metronidazol favors the occurrence of BT under basal conditions. There is no important morphological alteration induced by metronidazol. Intestinal obstruction enhances BT and the site of obstruction influences the rate of translocation associated with metronidazol. However, mortality is lower when metronidazol is used in obstructed animals.

Key words: Bacterial translocation; Metronidazol.

INTRODUÇÃO

A translocação bacteriana tem sido o objeto de estudo em muitos trabalhos da literatura médica nos últimos anos. Wolochow et al.1 usaram o termo translocação bacteriana para designar a passagem de bactérias através da parede intestinal. Berg & Garlington2 acrescentaram ao termo translocação bacteriana, a passagem de bactérias viáveis da área gastrointestinal através da mucosa e lâmina própria para tecidos habitualmente estéreis, como linfonodos mesentéricos e outros órgãos. O termo tornou-se mais abrangente ao incluir a penetração de bactérias não viáveis e de produtos bacterianos como endotoxinas, partículas inertes, macromoléculas e fungos3,4.

Embora os mecanismos envolvidos na translocação bacteriana não sejam totalmente compreendidos, os modelos experimentais sugerem a existência de pelo menos três fatores fisiopatológicos básicos: 1) comprometimento estrutural da barreira mucosa, 2) comprometimento do mecanismo imunológico e 3) comprometimento da microbiota nativa intestinal.

Denomina-se barreira intestinal, a capacidade do intestino de impedir que germens e substâncias potencialmente antigênicas, tóxicas ou carcinogênicas penetrem no organismo e alcancem o meio interno5. O mecanismo de defesa imunológico contra a translocação envolve um complexo sistema. A produção de IgA presente tanto na bile quanto nas secreções intestinais auxilia no reconhecimento de antígenos não apropriados para a absorção intestinal6. O tecido linfóide associado ao intestino (sistema GALT) formado por linfócitos, macrófagos, placas de Payer e linfonodos mesentéricos7 e o tecido linfóide difuso não agregado (sistema DLT) constituído por um grupo heterogêneo de células B, T, macrófagos, monócitos e um grande número de células plasmáticas são as partes mais importantes dessa defesa8. Apoiando todo esse sistema defensivo, agem as células de Kupffer, localizadas no fígado e no baço, atuando na captura de bactérias e neutralizando toxinas que, eventualmente, ultrapassem o epitélio intestinal e os linfonodos mesentéricos9.

O ecossistema da luz intestinal é também bastante importante na ocorrência de translocação bacteriana.10 A microbiota intestinal normal contém uma população estável de mais de 500 espécies de bactérias11. Essa população não só é estável, como também auxilia na prevenção de colonização da luz intestinal por bactérias patogênicas. Assim, vários trabalhos anteriores já demonstraram que o uso indiscriminado de antimicrobianos pode facilitar a proliferação e colonização intestinal de bactérias nocivas à saúde12,13. Na fisiopatologia da translocação bacteriana, sabe-se que as bactérias aeróbicas Gram-negativas são as que mais translocam e que as bactérias anaeróbicas raramente o fazem, sendo competitivas com as primeiras e, talvez, por isso, possam exercer um papel benéfico na prevenção da translocação bacteriana.

Um dos medicamentos mais utilizados no combate de peritonites e em cirurgias colorretais para o tratamento das bactérias anaeróbicas é o metronidazol14. O precursor desse quimioterápico (o 5-nitroimidazol) foi descoberto por Nakamura apud Rollo15. Suas propriedades foram sendo descobertas após 1956, sendo inicialmente usado na clínica para tratamento da tricomoníase16.

Pode-se especular então que o uso de anaerobicidas possa exercer desequilíbrio no ecossistema intraluminal e favorecer a proliferação de bactérias aeróbicas Gram-negativas, predispondo a ocorrência de translocação bacteriana. A literatura nesse aspecto é pobre e trabalhos que investiguem essa hipótese seriam importantes.

Na obstrução intestinal, ocorre profunda alteração da microbiota intestinal, com crescimento e desequilíbrio da mesma, associado a importantes alterações da permeabilidade intestinal, e queda da capacidade de defesa imunológica17. Nesse contexto, vários trabalhos têm documentado um incremento da translocação na obstrução intestinal e, por isso, o modelo experimental de obstrução tem sido empregado para avaliar esse fenômeno.

Assim, o objetivo deste trabalho foi o de investigar experimentalmente o efeito do metronidazol na morfologia intestinal e na ocorrência de translocação bacteriana em ratos com ou sem obstrução intestinal.

MÉTODOS

O desenho do estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética de pesquisa em animais do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso. Para responder ao objetivo deste trabalho foram constituídos de forma aleatória simples dois grupos de 40 ratos Wistar machos. O primeiro grupo recebeu o medicamento metronidazol (grupo metronidazol) e o segundo recebeu soro fisiológico (grupo-controle) por 72h. Cada grupo foi subdividido em quatro subgrupos de 10 animais, assim constituídos: subgrupo sem laparotomia, com laparotomia, com obstrução do íleo e, finalmente, subgrupo com obstrução do sigmóide. Após receberem por 48h a medicação, foram praticados os procedimentos operatórios de laparotomia apenas (subgrupo laparotomia), laparotomia seguida de obstrução do íleo com náilon 4-0, 2cm acima da válvula íleo cecal (subgrupo obstrução do íleo) e laparotomia seguida de obstrução do sigmóide com mesmo material 2cm acima da reflexão peritoneal do reto (subgrupo obstrução do sigmóide). O fechamento da parede foi feito em todos os animais operados em dois planos com nylon 4-0. No quarto subgrupo não se praticou nenhuma intervenção (subgrupo sem laparotomia).

Após 72h do início do experimento, em ambos os grupos, e nos diversos subgrupos, os animais foram mortos para retirada dos sítios extra-intestinais (fígado, baço e nódulos linfáticos mesentéricos), que após homogeneizados em câmara de fluxo laminar de ar, previamente esterilizada com raios ultravioleta por 30 minutos, eram inoculados em meio ágar Mac-Conkey, por 24-48h, e mantidos em estufa à 35ºC18. O sangue portal foi colhido (2mL) e imediatamente semeado em meio de cultura seletivo para Gram-negativos e Gram-positivos. Realizaram-se as provas bioquímicas para identificação da espécie bacteriana pela técnica de Rugai e Araújo modificada19. Biópsias do jejuno, íleo e sigmóide foram colhidas e lâminas contendo cortes sagitais foram coradas pela hematoxilina-eosina para avaliação morfológica. As variáveis consideradas neste estudo histológico foram as medidas da profundidade de cripta, espessura de parede, espessura do vilo e número de vilos20. O estudo histomorfométrico foi realizado por um observador que desconhecia qualquer dado sobre o grupo ou subgrupo dos animais. Utilizou-se uma escala graduada, dividida em 100 unidades, adaptada à ocular do microscópio óptico com aumento de 100 vezes para as mensurações. Foi considerado como: a) profundidade de cripta - a distância da fosseta do vilo da mucosa até a lamina basal; b) espessura de parede – como sendo a distância da serosa à luz do intestino; c) espessura de vilo – a espessura no terço médio do vilo; d) número de vilos – foi obtido pela contagem do número de vilos no tamanho da escala graduada. Todas as medidas foram obtidas pela média aritmética de cinco medidas no segmento intestinal examinado, escolhendo-se sempre as glândulas melhor orientadas em cada corte.

Os animais do grupo metronidazol (n=40) receberam metronidazol, na dosagem de 30mg/kg/dia no volume 0,3mL por via intramuscular, de 12/12h por 72h. Os animais do grupo soro fisiológico (n=40), receberam solução de cloreto de sódio a 0,9% no volume também de 0,3mL de 12/12h, por via intramuscular e pelo mesmo período.

Após o procedimento, os animais retornaram para suas gaiolas e foram mantidos com alimentação padrão e com água filtrada ad libitum. Os dados qualitativos foram acondicionados em tabelas 2x2 e analisados pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher21. Para os dados quantitativos utilizou-se inicialmente o teste de Levene22 para testar a homogeneidade das amostras. Quando homogêneas, aplicou-se o teste t de Student. Caso contrário, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney22,23. Estabeleceu-se em 5% (p < 0,05) o nível de significância estatística. Os resultados foram apresentados como média ± desvio padrão ou mediana (variação) conforme o teste estatístico utilizado.

RESULTADOS

Foram utilizados 89 animais, sendo que nove morreram durante o experimento e, por isso, foram excluídos. Todos os que morreram pertenciam ao grupo soro fisiológico, sendo quatro animais do subgrupo obstrução do íleo e cinco animais do subgrupo obstrução do sigmóide. Não se observou óbito no grupo metronidazol. Estatisticamente, essa diferença entre os dois grupos foi significante (p=0,003). A necropsia nesses animais não revelou sinais macroscópicos de peritonite ou de necrose de alça intestinal.

No estudo histológico, poucas diferenças foram observadas entre os dois grupos. Na avaliação morfológica do jejuno, não se observou diferença estatística quanto à profundidade de cripta entre os grupos metronidazol e soro fisiológico em nenhum dos subgrupos estudados. No subgrupo com obstrução do sigmóide, observou-se maior espessura da parede no grupo soro fisiológico quando comparado ao grupo metronidazol e, da mesma forma, no subgrupo com laparotomia, os vilos estavam mais espessos no grupo metronidazol com diferença estatística (Tabela 1).

Já no íleo, não se observou nenhuma diferença estatística entre os grupos metronidazol e soro fisiológico, em nenhuma variável histológica, com exceção do subgrupo obstrução do sigmóide, que apresentou um menor número de vilos no grupo metronidazol (Tabela 2).

No sigmóide não foram observadas diferenças significativas entre o grupo metronidazol e soro fisiológico em nenhuma das variáveis estudadas nos diversos subgrupos, conforme pode se ver na Tabela 3.

Na Tabela 4, encontram-se os resultados da totalização das amostras de translocação bacteriana nos órgãos (baço, fígado, linfonodos e sangue) nos dois grupos e em cada subgrupo. No subgrupo sem laparotomia, observou-se apenas um caso (2,5%) de translocação bacteriana no grupo soro fisiológico, enquanto ocorreram oito (20%) casos no grupo metronidazol. Essa diferença foi estatisticamente significante (p= 0,028). Já no subgrupo com laparotomia, não ocorreu diferença estatística. No subgrupo com obstrução do íleo, verificou-se a presença de translocação bacteriana em 27 (67,5%) amostras na vigência do soro fisiológico e em sete (17,5%) amostras na vigência do medicamento metronidazol (p<0,001). No entanto, no subgrupo com obstrução do sigmóide, ocorreu translocação bacteriana em 22 amostras (55%) na vigência do uso de metronidazol, e, somente, em 16 amostras (40%) no grupo soro fisiológico (p > 0,05). Contudo, quando se compararam apenas os dados de translocação bacteriana para os linfonodos, observou-se que a ocorrência de translocação bacteriana nesse último subgrupo foi significantemente maior nos ratos que receberam tratamento com metronidazol (Tabela 5).

Comparando-se a TB nos subgrupos sem laparotomia e com laparotomia na vigência do uso de soro fisiológico, verificou-se que não houve diferença estatística (p=0,36). Já na comparação dos subgrupos sem laparotomia e obstrução do íleo, sem laparotomia e obstrução do sigmóide, obstrução do íleo e obstrução do sigmóide, laparotomia e obstrução do íleo e, finalmente, laparotomia e obstrução do sigmóide, o estudo mostrou significância estatística com maior incidência de translocação bacteriana nos grupos com obstrução e, dentre eles, com maior intensidade no grupo com obstrução do íleo (Tabela 6).

Já no grupo metronidazol, comparando-se os subgrupos sem laparotomia e com laparotomia; sem laparotomia e obstrução do íleo; laparotomia e obstrução do íleo, não houve diferença estatística entre eles quanto à presença de TB. No entanto, na comparação entre os subgrupos sem laparotomia e obstrução do sigmóide, com laparotomia e obstrução do sigmóide, e, finalmente, obstrução do íleo com obstrução do sigmóide, existiu diferença estatística, conforme demonstrado na Tabela 6.

DISCUSSÃO

O conjunto dos resultados do estudo histológico, infere que o metronidazol não determina alterações importantes à luz do microscópio ótico comum na barreira mucosa, em qualquer uma das situações estudadas. Isto é particularmente importante na medida em que a translocação bacteriana é dependente do comprometimento intestinal da barreira mucosa, do estado imunológico do indivíduo e, finalmente, da microbiota existente na luz intestinal7. Assim, esses achados diminuem a possibilidade da ocorrência de translocação ligada ao metronidazol ser de fruto alterações estruturais da barreira mucosa.

O presente experimento deixou de realizar a cultura de bactérias anaeróbicas. Importante para documentar a colonização intestinal por estes germes, com ou sem metronidazol, e, ainda, nos diferentes tipos de obstrução. Embora isso fosse importante, o estudo incorporou a pressuposta ação anaerobicida do metronidazol já descrita e bem documentada na literatura10,33.

A ocorrência de translocação bacteriana em situação de normalidade tem sido descrita numa freqüência de 5%, tanto em animais quanto em seres humanos, sem contudo esse fenômeno levar à infecção ou à disfunção de múltiplos órgãos2,24,27,28,31,34. Isso ocorreu em 2,5% dos animais controles neste experimento. Acredita-se que a translocação bacteriana possa ser fisiológica, sendo importante a entrada de uma pequena quantidade de bactérias ou endotoxinas pela barreira intestinal para sensibilizar o organismo nos mecanismos de defesa25.

O uso do metronidazol nos ratos em condições basais foi significantemente associado à ocorrência de translocação bacteriana. Embora em cada órgão isolado os percentuais verificados não tenham atingido a significância estatística (dados não apresentados), a totalização de casos de translocação bacteriana foi maior com o uso deste quimioterápico. Esse aumento na ocorrência de translocação bacteriana pode ser explicado pela ação antimicrobiana seletiva do metronidazol para germens anaeróbicos12,29. A quebra do microssistema ecológico da luz intestinal, favorável ao crescimento dos germens aeróbicos sem a competição dos anaeróbicos, foi, com muita possibilidade, a causa deste resultado. Estes resultados pressupõem então que o uso indiscriminado de anaerobicidas em condições basais pode promover a translocação bacteriana.

Os resultados observados nos animais laparotomizados, também mostraram, embora não significativamente, um maior percentual de casos de translocação bacteriana no grupo metronidazol. Contudo, houve aumento também nos animais de controle. Provavelmente, a associação do trauma operatório e sua conseqüente reação inflamatória sistêmica determinaram alterações fisiológicas da barreira mucosa com acréscimo da permeabilidade5,7, aumentando, assim, os casos de translocação bacteriana nos dois grupos. Nessa nova situação então, onde o trauma também atuou como indutor da translocação, a ação sinérgica do metronidazol não foi sensível ao teste estatístico.

A obstrução intestinal, definitivamente, tanto em condições experimentais17,27,28,32 quanto em condições clínicas24,26,29-31, está associada à translocação bacteriana. As razões para isso vão desde o aumento da permeabilidade da barreira mucosa ao crescimento bacteriano na luz intestinal31. Neste estudo, incluíram-se dois subgrupos, um com obstrução em nível do íleo terminal e outro com obstrução em nível do sigmóide para se estudar a ocorrência de translocação bacteriana nestas duas situações extremas e, também, qual influência a utilização de um anaerobicida poderia acarretar. Os resultados mostraram que na obstrução do íleo terminal nos ratos em uso de soro fisiológico, a incidência de translocação foi maior quando comparada à verificada em condições normais. Estes achados são semelhantes aos que diversos outros autores já reportaram anteriormente31. Entretanto, nos animais que receberam o metronidazol, a taxa de translocação bacteriana foi significantemente menor, que a observada no grupo soro fisiológico. Isto parece significar que, nesta situação de urgência, o valor da ação antimicrobiana, embora voltada apenas para os anaeróbicos, foi importante para minimizar o fenômeno da translocação. Isso também poderia explicar o menor número de óbitos nesse grupo. Na verdade, o que se observa em termos numéricos e percentuais na obstrução do íleo é que, enquanto a taxa de translocação bacteriana aumenta nos animais do grupo soro fisiológico, ela não se modifica nos animais do grupo metronidazol. Em outras palavras, enquanto que nos animais do soro fisiológico a ocorrência de translocação bacteriana aumenta significantemente indo de uma taxa baixíssima (2,5%) para uma taxa elevadíssima (67,5%) na vigência de obstrução do íleo, nos animais tratados com metronidazol ela que já é alta em condições basais (20%) não se modifica com o acréscimo da obstrução do íleo terminal (17,5%).

Da mesma maneira, a incidência de translocação bacteriana aumentou nos ratos com obstrução do sigmóide, quando comparados aos estudados em condições basais. Assim, esta taxa que foi de 2,5% nos animais do grupo soro fisiológico sem laparotomia aumentou para 40% quando submetidos à obstrução do sigmóide. Nos animais que receberam metronidazol esse aumento de casos de translocação bacteriana também ocorreu, indo de 20% dos casos sem laparotomia para 55% nos casos de obstrução. Entretanto, a análise comparativa entre os dois grupos não mostrou diferença significativa entre eles. Isto se deveu, em parte, ao grande aumento da taxa de translocação bacteriana dos animais grupo soro fisiológico. Contudo, nos linfonodos mesentéricos houve mais translocação com uso de metronidazol. Este achado está em consonância com a hipótese de que a diminuição da microbiota anaeróbica pelo metronidazol tenha ocasionado um aumento dos aeróbios Gram-negativos. Tendo em vista que, segundo a literatura, os Gram-negativos são as bactérias que mais translocam12,28,33, a redução da microbiota anaeróbica que compete com essas bactérias, talvez tenha sido a responsável por esse aumento de translocação bacteriana.

Em conclusão, os achados suportam a hipótese de que bactérias anaeróbicas protegem o organismo contra translocação bacteriana em situação de normalidade, competindo com bactérias facultativas aeróbicas, com equilíbrio da flora intestinal. No entanto, nos casos de obstrução, o uso de metronidazol diminuiu a mortalidade. O local de obstrução parece influenciar na ocorrência de maior ou menor translocação associada ao metronidazol. Enquanto que na obstrução do íleo diminui com o uso deste quimioterápico, na obstrução do sigmóide, pelo menos para os linfonodos, ela aumenta.

Recebido em 12/9/2000

Aceito para publicação em 18/1/2001

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso – FCM-UFMT.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Aceito
      18 Jan 2001
    • Recebido
      12 Set 2000
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