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Microgastria: congenital microgastria

Resumo

The authors report a case of an one-year-old girl with growth retardation, vomiting, aspiration pneumonias and malnutrition presenting gastroesopheal reflux and microgastria. The child was underwent a double lumen Roux-en-Y jejunal reservoir (Hunt-Lawrence pouch). This treatment improved nutritional status and growth. No others anomalies were detected. Congenital microgastria is a rare anomaly which is usually associated with other malformations. The authors reviewed the literature and recommend the gastric augmentation for the treatment for microgastria.

Microgastria; Gastroesophageal reflux; Hunt-Lawrence pouch


Microgastria; Gastroesophageal reflux; Hunt-Lawrence pouch

RELATOS DE CASOS

Microgastria

Congenital microgastria

Nilton Crepaldi VicenteI; Ana Paula Campos-Melro, RCBC-SPII; Cirilo Pardo Meo Muraro, TCBC-SPIII

IMédico Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do HMCP-PUC-Campinas

IIMédica do Serviço de Cirurgia Pediátrica do HMCP-PUC-Campinas

IIIProfessor Titular de Clínica Cirúrgica da PUC-Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Ana Paula Campos-Melro Rua: Rafael Sales, 145/31 13070-020 — Campinas-SP E-mail: cmelro@uol.com.br

ABSTRACT

The authors report a case of an one-year-old girl with growth retardation, vomiting, aspiration pneumonias and malnutrition presenting gastroesopheal reflux and microgastria. The child was underwent a double lumen Roux-en-Y jejunal reservoir (Hunt-Lawrence pouch). This treatment improved nutritional status and growth. No others anomalies were detected. Congenital microgastria is a rare anomaly which is usually associated with other malformations. The authors reviewed the literature and recommend the gastric augmentation for the treatment for microgastria.

Key words: Microgastria, Gastroesophageal reflux, Hunt-Lawrence pouch.

INTRODUÇÃO

A microgastria congênita representa uma anomalia rara e freqüentemente está associada a outras alterações como asplenia, má rotação intestinal, e mal formações renais, cardiopulmonares e esqueléticas, ânus imperfurado, fístula traqueoesofágica e outras. O primeiro caso foi descrito em 1894 por Dide e, até o momento, existem apenas 40 casos relatados na literatura2. A microgastria resulta da falência do desenvolvimento do mesogástrio dorsal durante a quinta semana de vida intra-uterina, formando um estômago pequeno tubular sem diferenciação entre fundo, corpo e antro. Clinicamente, a criança portadora desta malformação apresenta-se com vômitos recorrentes, desnutrição, pneumonias aspirativas de repetição e falência do desenvolvimento pôndero-estatural. O tratamento pode ser clínico (dietas fracionadas, sonda nasoenteral) ou cirúrgico através da ampliação gástrica, transformando o estômago em um reservatório com íleo1.

Os autores relatam o caso de uma criança portadora de microgastria como anomalia isolada e analisam a cirurgia de ampliação do estômago com íleo como tratamento de escolha.

RELATO DO CASO

Criança do sexo feminino, de um ano e quatro meses, de raça negra. Encaminhada ao serviço de Cirurgia Pediátrica com quadro clínico de broncoespasmo e refluxo gastroesofágico (RGE). Durante a anamnese foram relatados seis episódios de pneumonia, vômitos recorrentes pós-prandiais, chiado no peito persistente e deficiência de crescimento. Estava em acompanhamento ambulatorial (Centro de Saúde) tratando irregularmente o refluxo gastroesofágico com cisaprida. Ao exame físico: criança em regular estado geral, descorada, hidratada, taquidispnéica, afebril, acianótica, desnutrida grau III (marasmática). FC – 100, FR – 40, afebril, peso 5.200 gramas, estatura de 67cm. Aparelho cardiorrespiratório: murmúrio vesicular simétrico, com sibilos e roncos disseminados. Abdome e genitais sem alterações. Solicitada radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno (EED) com pesquisa de RGE, que revelou esôfago dilatado com segmento estenótico em sua porção distal, concêntrico e associado a espessamento das pregas; estômago tubular, fusiforme na linha média com redução global de suas dimensões e presença de RGE grau III persistente, sem sinais de aspiração brônquica ou nasofaringe (Figura 1). Hemograma com 4x106/uL glóbulos vermelhos, hemoglobina de 7,0 /dl e série branca sem alterações.


Endoscopia digestiva alta (EDA) mostrou esôfago com volume e distensibilidade preservados, com mucosa endoscopicamente normal, sem estenose; estômago com distensibilidade preservada, pequeno volume e hipotonia do cárdia. As biópsias em 1/3 distal do esôfago apresentavam-se com hiperplasia epitelial, expansão da camada basal, hemorragia focal e congestão vascular (esofagite crônica); estômago com discreta congestão capilar. A ultra-sonografia de abdome total não apresentava alterações.

A criança foi submetida à laparotomia mediana supra-umbilical e evidenciada a presença de estômago de pequenas dimensões, medindo cerca de 5cm de extensão e 3cm de largura. Nenhuma outra anomalia foi encontrada. Realizada gastrostomia na grande curvatura e ampliação gástrica através de anastomose com alça jejunal em J invertido medindo 7cm, formando um reservatório à Y de Roux — Técnica de Hunt-Lawrence (Figura 2–A). A criança evoluiu bem, tendo sido iniciada dieta oral no 5º dia PO e alta no 13º dia .


No acompanhamento pós-operatório foi avaliado o ganho de peso, a estatura, a aceitação alimentar, as alterações pós-alimentares (dumping), crises de broncoespasmo, pneumonia e solicitado exame contrastado do EED. A criança apresentou ganho de peso (5.300g) e crescimento estatural (13cm) gradativo. No início ( até 3º mês PO) apresentou episódios esporádicos de sudorese e vômitos pós-alimentares, com melhora espontânea. Até a presente data (14º mês PO) a criança apresentou uma internação por quadro de broncoespasmo. No exame radiográfico de controle (março/99) observou-se diminuição da dilatação esofágica, ausência de RGE e bolsa jejunal ampla com bom esvaziamento do contraste (Figura 2-B). EDA (junho/99) sem alterações.

A cintilografia gástrica (junho/99) com estudo do esvaziamento mostrou presença de refluxo gastroesofágico até terço distal do esôfago de quatro segundos de duração e esvaziamento gástrico em 30 minutos.

DISCUSSÃO

A microgastria é uma anomalia congênita rara especialmente quando se apresenta como entidade isolada2. Acredita–se que esta malformação resulte de uma alteração no desenvolvimento normal do intestino primitivo. O estômago origina-se de uma dilatação do intestino primitivo na 4ªsemana da embriogênese e, na 5ªsemana, alcança seu contorno e forma normais1,3. No mesmo momento, ocorre diferenciação do mesogástrio dorsal para a formação do baço. É comum a associação entre microgastria e asplenia, porque ambas são derivadas do mesogástrio dorsal. A presença de outras malformações tais como renais, musculoesqueléticas, cardíacas, traqueoesofágicas, do trato gastrointestinal e vertebrais, é atribuída a uma alteração ou dano precoce durante o desenvolvimento do mesoderma, provavelmente em torno da 5ªsemana de vida intra-uterina. No entanto, a etiologia é desconhecida. De 40 casos relatados na literatura apenas dois não apresentavam outras anomalias associadas2.

O quadro clínico da microgastria caracteriza-se por vômitos recorrentes, retardo do crescimento, desnutrição e pneumonias aspirativas1. Pode também apresentar-se como crises de cianose, síndrome do estresse respiratório e intolerância alimentar nos recém-nascidos. O diagnóstico é facilmente feito pela radiografia contrastada de esôfogo-estômago e duodeno, onde se observa estômago pequeno, de forma tubular ou sacular, na linha média, com RGE intenso devido à incompetência da cárdia e esôfago dilatado secundário ao refluxo1. Neifeld et al.3 mostraram que, após o tratamento cirúrgico, o esôfago adquire tamanho normal, assim como a peristalse e a atividade do esfíncter inferior do esôfago. Este aumento do esôfago é considerado compensatório devido à ausência do reservatório gástrico. No período pré-natal, o diagnóstico pode ser suspeitado pela ausência ou a presença de pequeno estômago e poliidrâmnio na ultra-sonografia2.

O tratamento da microgastria varia de acordo com o grau de acometimento1. Em pacientes com microgastria leve, o tratamento conservador com dieta fracionada, várias vezes, ao dia pode trazer algum resultado. No entanto, nos casos mais graves o tratamento cirúrgico é o de escolha. Gastrostomia, jejunostomia e gastroenteroanastomose foram utilizadas com sucesso limitado1-3. Em 1980, Neifeld et al. utilizaram a bolsa jejunal com duplo lúmen à Y de Roux, conhecida como bolsa de Hunt-Lawrence, para criar um reservatório gástrico em paciente com microgastria,1,4,5. A bolsa jejunal aumenta o tamanho do estômago, permitindo a resolução do refluxo gastroesofágico e das alterações esofágicas. A maioria dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico com a bolsa de Hunt-Lawrence apresentou algum retardo no ganho de peso e desenvolvimento estatural em grau moderado, secundariamente aos danos causados pelos problemas nutricionais precoces. No entanto, esses pacientes apresentaram melhora do desenvolvimento pondo-estatural, parada dos vômitos e dos episódios de pneumonia. São necessários cuidados no pós-operatório, tais como iniciar com dieta fracionada, avaliar a presença de dumping e administração de vitamina B12 mensalmente1.

Nos casos em que se confirma o diagnóstico de microgastria, o tratamento inicial pode ser conservador com dieta fracionada. Nos casos de insucesso, o tratamento cirúrgico precoce deve ser realizado para permitir o desenvolvimento pondo-estatural adequado e evitar as complicações (pneumonias aspirativas, desnutrição grave etc.).

Recebido em 20/3/2000

Aceito para publicação em 18/1/2001

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica e Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo I do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas-SP.

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  • 4. Hunt CJ. Constrution of food pouch from segment of jejunum as substitute for stomach in total gastrectomy. Arch Surg 1952, 64:601-608.
  • 5. Lawrence W. Reservoir Constrution after Total Gastrectomy: An Instructive Case. Ann Surg 1962, 155:191-198.
  • Endereço para correspondência:

    Dra. Ana Paula Campos-Melro
    Rua: Rafael Sales, 145/31
    13070-020 — Campinas-SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2001

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2000
    • Aceito
      18 Jan 2001
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