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Cirurgia de resgate no carcinoma de canal anal

Salvage surgery in anal canal carcinoma

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a sobrevida dos pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal submetidos a cirurgia de resgate, por recidiva ou falha do tratamento radioquimioterápico inicial. MÉTODO: Análise retrospectiva dos pacientes portadores de carcinoma epídermóide do canal anal submetidos a cirurgia de resgate, de outubro de 1986 a setembro de 2000. RESULTADOS: Foram matriculados 93 pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal no período, e 21 (22,5%) foram submetidos a resgate cirúrgico. Em 19 pacientes (91%) foi realizada amputação abdominoperineal do reto (operação de Miles), em um paciente exenteração pélvica total e em um paciente excisão local. Não houve mortalidade operatória. A sobrevida média do grupo após resgate cirúrgico foi de 24 meses. CONCLUSÕES: Após recidiva e/ou falha da radioquimioterapia, a cirurgia de resgate é importante no controle locorregional do carcinoma epidermóide do canal anal.

Canal anal; Cirurgia; Carcinoma


BACKGROUND: Carcinoma of the anal canal is a rare neoplasia, the treatment of wich is based on chemoradiation Surgery is recommended alter treatment failure and recurrence. METHOD: A retrospective review from October 1986 to September 2000 of all patients who underwent salvage surgery alter chemoradiotherapy failure. Patients were reviewed as to time until recurrence and overall survival. RESULTS: Ninety-three patients with epidermoid carcinoma of the anal canal were reviewed. Twenty-one patients (22,5%) with residual or recurrent disease underwent salvage surgery. 19 patients (91%) underwent abdomino-perineal resection, 1 patient underwent pelvic exenteration and local resection was performed in 1 patient. There was no operative mortality. The overall survival was 24 months. CONCLUSIONS: Salvage surgical resection for anal canal carcinoma can be expected te yieid a number of survivors from residual/recurrent disease.

Anal canal carcinoma; Salvage surgery


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ARTIGOS ORIGINAIS

Cirurgia de resgate no carcinoma de canal anal

Salvage surgery in anal canal carcinoma

Carlos A. C. Rangel de CastroI; Viviane RezendeI; Rafael AlbagliII; Gilson Davi StevãoI; Luiz Augusto Maltoni Jr., TCBC-RJII; Reinaldo Rondineli, ACBC-RJIII

IMédico oncologista, ex-residente em oncologia cirúrgica, INCa-RJ

IIMédico staff do serviço de Cirurgia Abdominopélvica, Hospital do Câncer II, INCa-RJ

IIIChefe do serviço de Cirúrgica Abdominopélvica, Hospital do Câncer II, INCa-RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos A. C. Rangel de Castro SHIN Ql 10, conjunto 05, casa 13 — Lago Norte 71525-050 — Brasília-DF E-mail: carancastro@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a sobrevida dos pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal submetidos a cirurgia de resgate, por recidiva ou falha do tratamento radioquimioterápico inicial.

MÉTODO: Análise retrospectiva dos pacientes portadores de carcinoma epídermóide do canal anal submetidos a cirurgia de resgate, de outubro de 1986 a setembro de 2000.

RESULTADOS: Foram matriculados 93 pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal no período, e 21 (22,5%) foram submetidos a resgate cirúrgico. Em 19 pacientes (91%) foi realizada amputação abdominoperineal do reto (operação de Miles), em um paciente exenteração pélvica total e em um paciente excisão local. Não houve mortalidade operatória. A sobrevida média do grupo após resgate cirúrgico foi de 24 meses.

CONCLUSÕES: Após recidiva e/ou falha da radioquimioterapia, a cirurgia de resgate é importante no controle locorregional do carcinoma epidermóide do canal anal.

Descritores: Canal anal; Cirurgia; Carcinoma.

ABSTRACT

BACKGROUND: Carcinoma of the anal canal is a rare neoplasia, the treatment of wich is based on chemoradiation Surgery is recommended alter treatment failure and recurrence.

METHOD: A retrospective review from October 1986 to September 2000 of all patients who underwent salvage surgery alter chemoradiotherapy failure. Patients were reviewed as to time until recurrence and overall survival.

RESULTS: Ninety-three patients with epidermoid carcinoma of the anal canal were reviewed. Twenty-one patients (22,5%) with residual or recurrent disease underwent salvage surgery. 19 patients (91%) underwent abdomino-perineal resection, 1 patient underwent pelvic exenteration and local resection was performed in 1 patient. There was no operative mortality. The overall survival was 24 months.

CONCLUSIONS: Salvage surgical resection for anal canal carcinoma can be expected te yieid a number of survivors from residual/recurrent disease.

Key words: Anal canal carcinoma; Salvage surgery.

INTRODUÇÃO

Os tumores malignos do canal anal são neoplasias raras, correspondendo a menos de 5% dos tumores do trato gastrintestinal, sendo 20 a 30 vezes menos comuns que os tumores do cólon. Existe nítida predominância do sexo feminino, sendo cinco vezes mais comum neste sexo1.

Tradicionalmente os tumores do canal anal eram tratados com cirurgia radical (que incluía a ressecção esfincteriana), até que os trabalhos de Nigro e cols.2 revolucionaram o tratamento, demonstrando que a radioquimioterapia obtinha melhor controle local que a cirurgia radical isoladamente A associação de quimioterápicos (como 5-fluorouracil e mitomicina C) à radioterapia tornou-se tratamento de escolha3,4 com menores taxas de recidiva e melhor controle local que a radioterapia isoladamente5.

Embora restrita na abordagem inicial dos tumores do canal anal, a cirurgia mantém papel importante no manuseio da doença. Suas principais indicações estão na falha do tratamento radioquimioterápico inicial e no controle da recidiva tumoral (cirurgia de resgate), oferecendo possibilidade de controle local da doença em até 50% destes paciente6.

O objetivo principal deste trabalho foi observar a sobrevida dos pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal submetidos a resgate cirúrgico, por recidiva ou falha ao tratamento radioquimioterápico.

MÉTODO

Foi realizado estudo retrospectivo dos pacientes tratados com diagnóstico de tumor maligno do canal anal no Hospital do Câncer II — Instituto Nacional do Câncer — INCa, no período de outubro de 1986 a setembro de 2000.

Após matrícula na instituição, todos os pacientes tiveram o diagnóstico histopatológico de neoplasia maligna do canal anal confirmado por biopsia e estadiamento adequado, conforme descrito pela AJCC.

O tratamento inicial de escolha era a radioterapia, pura ou combinada à quimioterapia, conforme avaliação do médico responsável.

Ao término do tratamento, entre a quarta e oitava semanas, os pacientes eram submetidos a nova avaliação através de biopsia. A presença macroscópica ou microscópica de tumor era critério para realização de cirurgia de resgate (falha inicial à radioquimioterapia).

Após tratamento cirúrgico de resgate, os pacientes foram mantidos em seguimento ambulatorial rigoroso, com avaliação física a cada três a quatro meses nos dois primeiros anos, a cada seis meses até o quinto ano e anualmente após o quinto ano. Em caso de detecção de nova recidiva, os pacientes eram avaliados para nova ressecção. Os pacientes com resposta inicial total à radioquimioterapia foram mantidos ambulatorialmente conforme descrito e, caso diagnosticada recidiva, avaliados para tratamento cirúrgico.

RESULTADOS

Ao todo, 93 pacientes foram matriculados por neoplasia maligna do canal anal, todos com diagnóstico histopatológico de carcinoma epidermóide, sendo necessário resgate cirúrgico em 21 pacientes (22,5 %).

Para os 21 pacientes operados, a idade média foi de 59 anos (32-79), sendo 20 mulheres e um homem. Para este grupo, o tratamento inicial foi radioterapia exclusiva em cinco e em 16 radioquimioterapia. A dose radioterápica variou de 4.500 a 5.040cGy. Os esquemas quimioterápicos usados foram fluorouracil + cisplatina em oito pacientes, fluorouracil + mitomicina C em um paciente e esquema MOBE (metotrexato, vincristina, bleomicina, etoposídeo) em sete pacientes.

O estadiamento dos 21 pacientes está apresentado na Tabela 1.

As indicações cirúrgicas foram por resposta tumoral incompleta em 16 pacientes e recidiva tumoral em cinco pacientes. Em 19 pacientes (91%) foi realizada amputação abdominoperineal do reto (operação de Miles), em um paciente exenteração pélvica total e em um paciente ressecção local da lesão (Tabela 2). Em todos os casos, a cirurgia foi realizada com intuito curativo, com margens cirúrgicas livres. Não houve mortalidade operatória. Importante salientar que todos os pacientes com resposta incompleta à radioquimioterapia apresentavam lesões mais avançadas que os pacientes com recidiva tumoral (Tabela 3).

Em quatro pacientes, foi detectada nova recidiva ressecávei após resgate cirúrgico inicial, sendo três recidivas linfonodais inguinais, tratadas com esvaziamento inguinal e uma recidiva em vulva, tratada com vulvectomia parcial. O tempo médio de recidiva foi de 17 meses (7-38 meses). Deste grupo, três pacientes faleceram, com sobrevida média de 41 meses (19-58 meses) e um paciente encontra-se vivo e sem evidência de doença, com seguimento de 13 meses.

Até setembro de 2000, nove pacientes encontravam-se vivos e sem evidência de recidiva, com sobrevida média de 21 meses (1-79 meses) e 12 pacientes haviam falecido, com sobrevida média de 27 meses (8-44 meses). A sobrevida média global de todos os pacientes submetidos a cirurgia de resgate foi de 24 meses. Os pacientes operados por recidiva tumoral apresentaram, em média, sobrevida cinco meses maior que os pacientes operados por falha inicial à radioquimioterapia.

DISCUSSÃO

A radioquimioterapia é o tratamento inicial de escolha nos pacientes portadores de carcinoma epidermóide do canal anal, com taxas de sobrevida de 80-90% em cinco anos4-11. No entanto, até 20% dos pacientes apresentarão falha inicial ao tratamento, dependendo da extensão e grau de diferenciação tumoral. A falha ao tratamento chega a 50% se considerados pacientes com tumores maiores que 5cm5.

Existem controvérsias quanto à melhor forma de resgate dos pacientes com recidiva ou falha ao tratamento inicial. Alguns autores recomendam que seja realizado um segundo curso de radioquimioterapia. Normalmente, utilizam-se esquemas à base de platina para esta finalidade. Entretanto, menos de 30% dos pacientes assim tratados apresentarão remissão e controle da doença6, tornando-se o resgate cirúrgico a única possibilidade de tratamento locorregional adequado.

Após tratamento com radioquimioterapia, parece haver diferenças na sobrevida dos grupos com recidiva ou falha inicial7. Normalmente, os pacientes com resposta inicial incompleta apresentam tumores maiores ou mais agressivos, tendo prognóstico mais reservado. Em nosso estudo, foi observado que pacientes operados por falha inicial ao tratamento apresentaram sobrevida menor.

Embora alguns pacientes possam beneficiar-se com a excisão local Ou algum procedimento cirúrgico mais conservador, a amputação abdominoperineal do reto parece ser a operação mais adequada9, mesmo que alguns recomendem a associação de radioterapia complementar à cirurgia12-14. Em nosso estudo, a amputação abdominoperineal do reto foi procedimento de escolha, sendo realizada em 91% dos pacientes resgatados cirurgicamente. É importante salientar que este tipo de operação deve ser sempre realizada com fins curativos, não estando indicada paliativamente, pela morbidade e mortalidade que podem estar associadas ao procedimento.

A maioria dos autores concorda que o resgate cirúrgico oferece controle local em pelo menos 50% dos pacientes, sendo a melhor forma de tratamento após falha da radioquimioterapia8,9. Em nosso estudo, a sobrevida média dos pacientes resgatados cirurgicamente foi de 24 meses. É importante salientar que quatro pacientes foram submetidos a nova cirurgia de resgate após ressecção abdominoperineal, com sobrevida média de 41 meses, demonstrando a importância do controle cirúrgico neste grupo.

A radioquimioterapia é o tratamento inicial de escolha nos portadores de carcinoma epidermóide do canal anal. A cirurgia mantém papel importante no controle local da doença, nos pacientes em que houve falha ou recidiva após tratamento radioquimioterápico.

Recebido em 07/12/2001

Aceito para publicação em 20/08/2002

Trabalho realizado no serviço de Cirurgia Abdomino-pélvica, Hospital do Câncer II, Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro.

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  • Endereço para correspondência:

    Carlos A. C. Rangel de Castro
    SHIN Ql 10, conjunto 05, casa 13 — Lago Norte
    71525-050 — Brasília-DF
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      07 Dez 2001
    • Aceito
      20 Ago 2002
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