Acessibilidade / Reportar erro

Fístulas enterocutâneas pós-operatórias: análise de 39 pacientes

Postoperative enterocutaneous fistulae: analysis of 39 patients

Resumos

OBJETIVO: As fístulas enterocutâneas podem ocorrer de forma espontânea ou no período pós-operatório. A fístula pós-operatória representa mais de 90% de todas as fístulas intestinais e estão quase sempre relacionadas com alguma das principais complicações da cirurgia do aparelho digestivo. De acordo com os fatores de risco e as características destas fístulas, têm sido propostas diferentes classificações prognósticas. Este estudo tem por objetivo analisar o resultado do tratamento de pacientes portadores de fístulas enterocutâneas pós-operatórias. MÉTODO: Foram analisados 39 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico que desenvolveram fístula enterocutânea. Havia 27 pacientes do sexo masculino (69,2%) e 12 do sexo feminino (30,8%) com média de idade de 45,8 anos. Os fatores de risco considerados foram sepse, nível da albumina sérica, débito da fístula, idade do paciente e cirurgia de emergência. RESULTADOS: Sepse esteve presente em 13 pacientes com 61,5% de mortalidade, fístula de alto débito em 23 pacientes com 30,4% de mortalidade, idade acima de 60 anos em 14 pacientes com 28,5% de mortalidade e a albumina sérica baixa na admissão também esteve relacionada com mortalidade. CONCLUSÃO: Os autores concluem que a presença de sepse não controlada foi o fator mais importante de mortalidade.

Fístula enterocutânea; Complicações; Letalidade


BACKGROUND: Enterocutaneous fistulae can occur spontaneouslly or in the postoperative period. Postoperative fistulae represents more than 90% of all intestinal fistulae and they are always related to some of the main complications of surgery of the alimentary tract. Different prognostics classifications of patients with postoperative enterocutaneous fistulae have been proposed, mainly based on the number of risk factors present and on the characteristics of the fistulae. The aim of the present study is to analyze prognostic indicators of lethality in patients with postoperative enterocutaneous fistulae. METHOD: Thirty-nine patients submitted to surgical procedures who developed enterocutaneous fistulae were studied. There were 27 male (69.2%) and 12 female (30.8%) and the average age was 45.8 years. The potential risk fators considered were sepsis, malnutrition, fistulae output, age,and emergency operation. RESULTS: Sepsis was present in 13 patients with 61.5% mortality , high output in 23 patients with 30.4% mortality, age over 60 years in 14 patients with 28.5 % mortality, and low serum albumin level was related to mortality. CONCLUSION: The authors concluded that sepsis was the most important factor related to mortality in patients with postoperative enterocutaneous fistulae.

Enterocutaneous fistulae; Complications; Lethality


Untitled1

ARTIGOS ORIGINAIS

Fístulas enterocutâneas pós-operatórias: análise de 39 pacientes

Postoperative enterocutaneous fistulae: analysis of 39 patients

Orlando Jorge Martins Torres, TCBC-MAI; Rosimarie Moraes SalazarII; Jeannie Valéria Gonçalves CostaIII; Flavia Carvalhal Frazão CorrêaIII; Osvaldo Malafaia, TCBC-PRIV

IProfessor Livre-Docente e Coordenador do Mestrado em Clínica Cirúrgica — UFMA

IIEspecialista em Medicina Intensiva (AMIB). Médica Intensivista — HUPD-UFMA

IIIEstudante de Medicina — UFMA

IVProfessor Titular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná — UFPR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Orlando Torres Rua Ipanema, 1 — Ed. Luggano, Bl I/ 204 — São Francisco 65076-060 — São Luís-MA E-mail: otorres@elo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: As fístulas enterocutâneas podem ocorrer de forma espontânea ou no período pós-operatório. A fístula pós-operatória representa mais de 90% de todas as fístulas intestinais e estão quase sempre relacionadas com alguma das principais complicações da cirurgia do aparelho digestivo. De acordo com os fatores de risco e as características destas fístulas, têm sido propostas diferentes classificações prognósticas. Este estudo tem por objetivo analisar o resultado do tratamento de pacientes portadores de fístulas enterocutâneas pós-operatórias.

MÉTODO: Foram analisados 39 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico que desenvolveram fístula enterocutânea. Havia 27 pacientes do sexo masculino (69,2%) e 12 do sexo feminino (30,8%) com média de idade de 45,8 anos. Os fatores de risco considerados foram sepse, nível da albumina sérica, débito da fístula, idade do paciente e cirurgia de emergência.

RESULTADOS: Sepse esteve presente em 13 pacientes com 61,5% de mortalidade, fístula de alto débito em 23 pacientes com 30,4% de mortalidade, idade acima de 60 anos em 14 pacientes com 28,5% de mortalidade e a albumina sérica baixa na admissão também esteve relacionada com mortalidade.

CONCLUSÃO: Os autores concluem que a presença de sepse não controlada foi o fator mais importante de mortalidade.

Descritores: Fístula enterocutânea; Complicações; Letalidade.

ABSTRACT

BACKGROUND: Enterocutaneous fistulae can occur spontaneouslly or in the postoperative period. Postoperative fistulae represents more than 90% of all intestinal fistulae and they are always related to some of the main complications of surgery of the alimentary tract. Different prognostics classifications of patients with postoperative enterocutaneous fistulae have been proposed, mainly based on the number of risk factors present and on the characteristics of the fistulae. The aim of the present study is to analyze prognostic indicators of lethality in patients with postoperative enterocutaneous fistulae.

METHOD: Thirty-nine patients submitted to surgical procedures who developed enterocutaneous fistulae were studied. There were 27 male (69.2%) and 12 female (30.8%) and the average age was 45.8 years. The potential risk fators considered were sepsis, malnutrition, fistulae output, age,and emergency operation.

RESULTS: Sepsis was present in 13 patients with 61.5% mortality , high output in 23 patients with 30.4% mortality, age over 60 years in 14 patients with 28.5 % mortality, and low serum albumin level was related to mortality.

CONCLUSION: The authors concluded that sepsis was the most important factor related to mortality in patients with postoperative enterocutaneous fistulae.

Key words: Enterocutaneous fistulae; Complications; Lethality.

INTRODUÇÃO

Define-se como fístula digestiva à comunicação anormal entre duas superfícies epiteliais. Pode ser classificada como interna quando se comunica com outras regiões do trato gastrointestinal ou órgãos adjacentes, podendo ser assintomáticas ou produzir sintomas mínimos como infecção recorrente; ou externa quando em contato com a superfície externa do corpo (pele), mais comumente após procedimento cirúrgico1,2.

As fístulas enterocutâneas podem ocorrer de causas relacionadas ou não a um procedimento cirúrgico. As causas não relacionadas à cirurgia são observadas em menos de 10% das fístulas enterocutâneas e incluem irradiação, doença inflamatória intestinal, doença diverticular, apendicite, isquemia intestinal, perfuração de úlcera péptica gastroduodenal, neoplasias ginecológicas e tuberculose1,3,4.

A fístula pós-operatória representa mais de 90% de todas as fístulas intestinais e estão sempre relacionadas com algumas das principais complicações da cirurgia do aparelho digestivo. Desde o trabalho clássico de Chapman, Foran e Dunphy, a mortalidade tem diminuído, e parece ter estabilizado1,3,5-7.

Atualmente, a maioria dos estudos sobre fístulas enterocutâneas pós-operatórias descreve seus resultados mostrando taxas de mortalidade que variam de 3% a 30%. Embora muitos fatores de risco local e geral tenham sido identificados, os fatores prognósticos são variáveis8-10.

Diferentes classificações prognósticas de pacientes com fístulas enterocutâneas pós-operatórias têm sido propostas, principalmente com base no número de fatores de risco presentes e nas características das fístulas11-13.

Neste estudo pretendemos analisar o resultado do tratamento de 39 pacientes portadores de fístulas enterocutâneas pós-operatórias.

MÉTODO

No período de janeiro de 1995 a março de 1999 foram atendidos na Disciplina de Clínica Cirúrgica III da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 39 pacientes portadores de fístulas enterocutâneas pós-operatórias. Foram excluídas do estudo as fístulas internas, aquelas não relacionadas a algum procedimento cirúrgico ou aquelas que ocorreram no pós-operatório em pacientes com intestino comprometido por doença inflamatória intestinal, diverticulite, tuberculose ou câncer. Todos os pacientes que necessitaram de medidas de suporte de órgãos e sistemas foram tratados em Unidade de Terapia Intensiva enquanto aqueles pacientes estáveis foram tratados em enfermaria geral. Os pacientes provenientes de outra instituição foram analisados também no que se refere ao tratamento inicial realizado e situação do paciente à admissão.

Havia 27 pacientes do sexo masculino (69,2%) e 12 do sexo feminino (30,8%), com idade variando de 12 a 82 anos (média de 45,8 anos). O diagnóstico da presença da fístula foi caracterizado clinicamente pela observação de secreção digestiva relacionada com um procedimento cirúrgico, dosagem bioquímica da amilase naqueles casos de suspeita de fístula pancreática e através de exames de imagem, principalmente para melhor definição do trajeto, presença de abscessos e condições que comprometam o fechamento da fístula. Os exames de imagem utilizados foram a ultra-sonografia, clister opaco e fistulografia.

Os pacientes foram estudados com a finalidade de se identificar fatores relacionados com a gravidade da doença, tais como:

1. Sepse — presença de foco séptico com pelo menos dois dos seguintes sinais: temperatura superior a 38°C; leucocitose > 12.000/mm3 ; índice cardíaco superior a 110 batimentos por minuto; hiperventilação maior que 24 incursões respiratórias por minuto.

2. Hipoalbuminemia — nível sérico de albumina inferior a 3,5g/dl.

3. Alto débito — volume de drenagem da fístula maior que 500ml de secreção por dia por um período igual ou superior a três dias.

4. Idade — paciente com idade superior a 60 anos.

5. Cirurgia de Emergência — se o procedimento cirúrgico inicial que originou a fístula foi realizado em condições de emergência ou de forma eletiva.

No manuseio do diagnóstico da fístula eram iniciados os cuidados com a pele, equilíbrio hidroeletrolítico e suporte nutricional. Os cuidados nutricionais foram conduzidos por todo período de estudo, estabelecendo a indicação para a nutrição enteral ou parenteral. No momento da internação daqueles pacientes procedentes de outra instituição eram solicitados os exames de rotina, avaliação nutricional, exames de imagem para identificar a fístula e definir a necessidade de procedimento auxiliar bem como cirurgia no período inicial de atendimento ao paciente. Nestes pacientes o tratamento consistiu em conduta não operatória e operatória. O tratamento não operatório foi realizado através de correção e manutenção de balanço hídrico e eletrolítico, suporte nutricional, controle da sepse, descompressão e/ou repouso do trato gastrointestinal, proteção da pele e tratamento de doenças associadas.

RESULTADOS

Todos os pacientes do estudo apresentaram a fístula externa em decorrência de um procedimento cirúrgico. As fístulas ocorreram no esôfago (dois pacientes), estômago (três pacientes), duodeno (cinco pacientes), intestino delgado, cólon/apendicite (13 pacientes), via biliar (13 pacientes) e pâncreas (três pacientes). A cirurgia eletiva foi responsável por 69,2 % das fístulas digestivas, enquanto a cirurgia de emergência foi responsável por 30,8 % (12 pacientes), sendo seis após apendicectomias e seis após lesão de intestino delgado por trauma abdominal. O tipo e a origem da fístula digestiva relacionada com a etiologia e a doença de base estão representados na Tabela 1.

A evolução do aparecimento da fístula variou de 2 a 90 dias (média 12,9 dias). O dreno de Penrose, utilizado em 30 pacientes (76,9%), foi o local único de drenagem da fístula em 17 pacientes (43,6%); outros 13 pacientes (33,3%) drenaram pelo dreno de Penrose e através da ferida operatória e em nove pacientes (23,1%) a drenagem ocorreu apenas pela ferida operatória.

Em relação ao débito da fístula, 23 pacientes (59,0%), apresentaram alto débito (drenagem superior a 500ml de secreção em 24 horas por três ou mais dias) e 16 (41,0%) apresentaram débito inferior a 500ml de secreção nesse período.

Os exames realizados com finalidade diagnóstica foram ultra-sonografia abdominal em 23 pacientes (59,0%), clister opaco em 12 pacientes (30,7%) e fistulografia em três pacientes (7,7 %). Os resultados do exame ultra-sonográfico demonstraram coleção abdominal na admissão em três pacientes, que foram submetidos a tratamento cirúrgico imediato. O clister opaco foi útil para definir uma fístula de cólon em paciente com hérnia diafragmática traumática e três pacientes com fístula de coto apendicular. A fistulografia evidenciou obstáculo distal em um paciente que foi submetido a tratamento cirúrgico.

O suporte nutricional foi utilizado em 33 pacientes e 22 destes (66,6%) receberam nutrição parenteral exclusiva, quatro (12,2%) receberam nutrição enteral através de sonda exclusiva e sete (21,2%) receberam a combinação de suporte nutricional enteral e parenteral. O tempo de utilização do suporte nutricional variou de 11 a 93 dias (média de 20,5 dias).

Trinta e quatro pacientes (87,1%) foram tratados inicialmente de forma não operatória, os outros cinco pacientes (12,9%) foram submetidos a tratamento cirúrgico inicial para manuseio de doenças associadas como abscessos intracavitários (dois pacientes), coleperitônio (um paciente) e peritonite generalizada (dois pacientes).

Dos pacientes submetidos a tratamento conservador não operatório inicial, em 15 (44,1%) ocorreu o fechamento da fístula sem a necessidade de outra operação. Os outros 19 pacientes foram submetidos a um ou mais procedimentos cirúrgicos. O tratamento operatório foi, portanto, realizado em 24 pacientes (61,5%). O fechamento espontâneo ocorreu em 15 pacientes (38,4%). O tempo médio de fechamento da fístula foi de 38 dias (variando de 12 a 121 dias).

A mortalidade observada nos pacientes do estudo foi de 23% (nove pacientes). Todos estes pacientes foram submetidos a algum tipo de tratamento cirúrgico, para tratamento de doenças associadas (três pacientes) ou após suporte nutricional (seis pacientes). A mortalidade ocorreu em pacientes nos quais a fístula nunca fechou (quatro pacientes) ou naqueles que apresentaram fístula recorrente (cinco pacientes). O valor médio da albumina sérica destes pacientes foi de 2,2g/dl (variação de 1,6 a 3,1g/dl).

Todos os pacientes provenientes de outro hospital foram submetidos a tratamento cirúrgico de emergência (12 pacientes) na instituição de origem. A taxa de mortalidade destes pacientes foi de 50,0%. Apenas três dos 27 pacientes (11,1 %) em que o procedimento inicial que originou a fístula foi realizado de forma eletiva morreram em conseqüência da fístula.

A mortalidade entre pacientes com fístula de alto débito (500ml/24hs) foi de 30,4% (sete pacientes) enquanto foi de 12,5% para aqueles com baixo débito. Em pacientes com idade superior a 60 anos a mortalidade foi de 28,5%.

A infecção intra-abdominal ou foco séptico persistente esteve presente em 13 pacientes (33,3 %), tendo sido observado na admissão (cinco pacientes) ou no decurso do tratamento (oito pacientes) e a mortalidade relacionada à sepse persistente foi de 61,5% (oito pacientes), contra 3,8% daqueles sem foco séptico (um paciente). A internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foi necessária em 23 pacientes (59,0 %) e a mortalidade foi de 39,5%.

DISCUSSÃO

Uma marcante redução nas taxas de mortalidade devido à fístula do trato gastrointestinal tem sido observada. Apesar de, no momento, a mortalidade estar estabilizada, o índice de fechamento espontâneo continua a aumentar, atribuído em algumas séries à intervenção cirúrgica precoce para o controle da sepse e suporte nutricional adequado. Em geral, a exploração abdominal deve ser realizada em pacientes com sepse que não respondem ao tratamento, mesmo se os resultados dos estudos diagnósticos não observarem abscessos. Após a erradicação da infecção, é freqüentemente difícil decidir quando abandonar a terapia conservadora. Em geral, 90% a 95% das fístulas terão resolução espontânea e o fechamento acontece em quatro a cinco semanas após a erradicação da infecção. Durante este período os princípios básicos de terapia da fístula devem ser os cuidados gerais e observação. Se alguma outra situação acontece que impede o fechamento espontâneo, tais como a presença de corpo estranho, epitelização do trajeto da fístula ou obstrução distal, a operação precoce está indicada1,8,14-17.

Devido à natureza heterogênea das fístulas enterocutâneas pós-operatórias a análise de resultados dá origem a uma grande quantidade de detalhes das características da fístula e condições gerais do paciente. Um método para superar este problema poderia ser a identificação de fatores de risco que influenciariam as taxas de mortalidade a fim de estabelecer prognósticos que possam ser utilizados como base comum na avaliação3,18,19.

A existência de infecção intra-abdominal é ainda o fator que mais compromete o prognóstico. Nesta situação a intervenção cirúrgica precoce é fundamental para reduzir as taxas de mortalidade. Alguns estudos têm demonstrado uma mortalidade de 90,0% naqueles pacientes em que a sepse e a desnutrição estavam presentes4,10,17,20.

A sepse representa um espectro de problemas que variam de abscesso unilocular localizado a abscessos multiloculares com uma membrana piogênica associada a celulite de parede abdominal e peritonite difusa. A sepse não controlada permanece como a principal causa de mortalidade. Isto exige a necessidade de drenagem cirúrgica adequada de foco séptico quando o paciente se apresenta para tratamento ou a qualquer momento durante o curso do tratamento conservador destas fístulas8,11,20-23.

Alguns estudos demonstraram que quando a sepse foi controlada dentro de um mês, o índice de fechamento espontâneo foi de 48,0%, enquanto naqueles pacientes a sepse nunca foi controlada, o índice de fechamento espontâneo foi de 6,0% e a mortalidade de 85,0%8,22,23. No presente estudo, a mortalidade relacionada à presença de foco séptico persistente foi de 61,5% contra 3,8% daqueles sem sepse. Portanto, o fracasso em controlar a sepse foi indicador de mau prognóstico.

A desnutrição permanece como principal problema em pacientes com fístulas enterocutâneas pós-operatórias, mesmo com um suporte nutricional agressivo. Existem pelo menos três fontes identificáveis de desnutrição nos pacientes com fístula enterocutânea de alto débito: a) a perda da capacidade de ingesta alimentar; b) o hipercatabolismo da sepse associada; e c) a perda de secreção energética protéica a partir da fístula24,25. A propriedade de ingesta é auto-explicativa, pois o alimento ingerido passando pelo intestino aumenta o débito da fístula de intestino delgado em estudos clínicos2,16. A detecção precoce de níveis de albumina baixos tem apresentado uma implicação terapêutica direta, sugerindo que todo esforço deve ser feito para corrigir a desnutrição o mais rápido possível no manuseio destes pacientes1,18,26,27. Kuvshinoff e cols. observaram que a transferrina sérica verdadeira, medida por exames confiáveis e regular ou no início da terapia quando o paciente é recebido e foi previamente submetido a suporte nutricional, ou ao final de três semanas com base em avaliação metabólica protéica, pode predizer o fechamento e diferenciar este grupo daqueles que não cicatrizarão22. Na presença de desnutrição, anemia e hipoalbuminemia, a taxa de mortalidade é superior a 50,0%8,10.

Em relação ao débito da fístula, tem sido observado que naqueles pacientes com fístula de alto débito a mortalidade é bem mais elevada10,18,22,28,29. Não é difícil imaginar que a perda de um litro ou dois de solução altamente complexa e rica em proteínas, eletrólitos e outros componentes pode resultar em distúrbio hidroeletrolítico. As fístulas localizadas alto no trato gastrointestinal em proximidade à junção duodenojejunal são particularmente difíceis de tratar. Invariavelmente estas estão associadas com grande perda de volume. As dificuldades relatadas não estão simplesmente ligadas à desnutrição, um acompanhante invariável de tais fístulas se não tratadas, mas também à manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico, proteção da pele, métodos de coleção adequada do efluente e consideração em relação às opções cirúrgicas. Apesar da mortalidade em fístulas enterocutâneas ser multifatorial, o aumento dos índices de mortalidade em fístulas de alto débito comparados com aquelas de baixo débito tem sido registrado1-3,11,13,29-31.

Quando a cirurgia é realizada em condições de emergência, o preparo pré-operatório do paciente normalmente não é satisfatório. Alguns estudos consideram a cirurgia de emergência como um fator de risco adicional relacionado com o aumento da mortalidade em fístulas enterocutâneas pós-operatórias, podendo ser superior a 15,0%21,33. Aqueles pacientes em que a operação inicial é realizada em instituição diferente daquela que está sendo tratado, tem sido observado como indicador de mortalidade32.

As particularidades relacionadas à fístula duodenal dizem respeito à localização. Apesar de alguns estudos demonstrarem que a fístula de coto duodenal, conseqüentemente excluída do trânsito intestinal, por apresentar menor débito, menor desequilíbrio hidroeletrolítico e menor incidência de sepse, apresentam melhor prognóstico, outros observaram mortalidade de 42,0% para fístula de coto duodenal contra 25,0% daqueles com fístula duodenal lateral10,21,32,33.

A utilização de inibidores de secreção como o octreotide, tem tido resultados satisfatórios. O fechamento espontâneo tem atingido índice de até 95,0%6,34,35.

Os princípios no manuseio com sucesso de fístulas enterocutâneas pós-operatórias têm sido descritos, entretanto é essencial que o local e a natureza sejam definidos precocemente e que qualquer condição que comprometa o fechamento espontâneo e eleve a taxa de mortalidade seja identificada, particularmente a presença de sepse.

Recebido em 22/03/2002

Aceito para publicação em 08/10/2002

Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Cirúrgica III — Hospital Universitário Presidente Dutra (HUPD) — Universidade Federal do Maranhão — UFMA

  • 1. Berry SM, Fischer JE. Enterocutaneous fistulas. Curr Probl Surg, 1994, 31: 474-567.
  • 2. Meguid MM, Campos ACL. Nutritional management of patients with gastrointestinal fistulas. Surg Clin North Am, 1996,76: 1035-1080.
  • 3. Webster MW JR, Casey LC. Fistulas of intestinal tract. Curr Probl Surg, 1976, 13: 1-65.
  • 4. Yesebaert D, Nan Hee R, Vaneerde W. Management of digestive fístulas. Scand J Gastroenterol, 1994, 207: 42-7.
  • 5. Chapman R, Foran R, Dunphy JE. Management of intestinal fistulas. Am J Surg, 1964, 188; 157-164.
  • 6. Spiliotis J, Briand D, Gouttebel MC et al. Treatment of fístulas of the gastrointestinal tract with total parenteral nutrition and octreotide in patients with carcinoma. Surg Gynecol Obstet, 1993, 176: 575-80.
  • 7. Sternquist JC, Bubrick MP, Hitchcock CR. Enterocutaneous fistulas. Dis Colon Rectum, 1978, 21: 578-81.
  • 8. Rose D, Yarborough MF, Canizaro PC et al. One hundred and fourteen fístulas of the gastrointestinal tract treated with total parenteral nutrition. Surg Gynecol Obstet, 1986, 163: 345-50.
  • 9. Soeters PB, Amin AM, Fischer JE. Review of 404 patients with gastrointestinal fístulas: impact of parenteral nutrition. Ann Surg, 1979, 190: 189-202.
  • 10. Tarazi R, Coutsoftides T, Steiger E et al. Gastric and duodenal cutaneous fistulas. World J Surg, 1983, 7: 463-73.
  • 11. Fazio VW, Coutsoftides T, Steiger E. Factors influencing the outcome of treatment of small bowel cutaneous fístula. World J Surg, 1983, 7: 481-88.
  • 12. Fischer JF. The management of high-output intestinal fístulas. Adv Surg, 1975, 9: 139-143.
  • 13. Halasz N. Changing paterns in the management of small bowel fistulas. Am J Surg, 1978,136:6-5.
  • 14. Irrang S, Bryant R. Management of the enterocutaneous fistulas. J Enter Ther, 1984, 11: 211- 25.
  • 15. Meehan P, Mayz E. Nursing management of an open abdominal wound. Crit Care Nurse, 1988, 8: 34-9.
  • 16. Meguid MM, Campos AC, Hammond WG. Nutritional support in surgical practice: current knowledge and research needs, part II. Am J Surg, 1990, 159: 427-43.
  • 17. Sitges-Serra A, Jaurrieta E, Sitges-Creus A. Management of postoperotive enterocutaneous fístulas: the role of parenteral nutrition and surgery. Br J Surg, 1982, 69: 147-50.
  • 18. Altomare DF, Serio G, Pannarale OC et al. Prediction of mortality by logistic regression analysis in patients with postoperative enterocutaneous fistula. Br J Surg, 1990,77: 450-53.
  • 19. Mcintyre PB, Ritchie JK, Hawley PR. Management of enterocutaneous fístulas: a review of 132 cases. Br J Surg, 1984, 71: 293-96.
  • 20. Hollender LF, Meyer C, Anet D. Postoperative fistulas of the small intestine: therapeutic principle. World J Surg, 1983, 7: 474-80.
  • 21. Garden OJ, Dykes EH, Carter DC. Surgical and nutritional management of postoperative duodenal fístula. Dig Dis Sci, 1988, 33:30-5
  • 22. Kuvshinoff BW, Brodish RJ, McFadden DW et al. Serum transferrin as a prognostic indicator of spontaneous closure and mortality in gastrointestinal cutaneous fístulas. Ann Surg, 1993, 217: 615-23.
  • 23. Levy E, Frileux P, Cugnenc PH, et al. High output external fistulas of the small bowel: management with continuous enteral nutrition. Br J Surg, 1989,79: 676-79.
  • 24. Campos ACL, Paluzzi M, Meguid MM. The clinical use of total nutritional admixture. Nutrition, 1990, 6: 347-56.
  • 25. Edmunds LH, Williams GH, Welch CE. External fístulas arising from the gastrointestinal tract. Ann Surg, 1960, 152: 445-71.
  • 26. Hill GL, Bambach CP. A technique for the operative closure of persistent external small bowel fistulas. Aust N Z J Surg, 1981, 51:477-85.
  • 27. Torres OJM, Malafaia O, Dietz UA et al. Translocação bacteriana: efeito de dieta imunoestimuladora em ratos com oclusão intestinal. Rev Col Bras Cir, 1999, 26: 1-6.
  • 28. Lipsett PA, Cameron JL. Internal pancreatic fistulas. Am J Surg, 1992, 163: 216-20.
  • 29. Prickett D, Montgomery R, Cheadle WG. External fistulas arising from the digestive tract. South Med J, 1991, 84: 736-39.
  • 30. Pearlstein L, Jones CE, Polk HC Jr. Gastrocutaneous fistulas: etiology and management . Ann Surg, 1978, 187: 223 - 26.
  • 31. Rossi I, Sollenberger LL, Reger RV et al. External duodenal fistula: causes, complications and treatment. Arch Surg, 1986, 121: 908-12.
  • 32. Schein M, Decker GAG. Postoperative external alimentary tract fistulas. Am J Surg, 1991, 163: 435-38.
  • 33. Malangoni MA, Madura JA, Jesseph JE. Management of lateral duodenal fIstulas: a study of 14 cases. Surgery, 1981, 90: 645-51.
  • 34. Nubiola P, Badia JM, Martinez-Rodenas F. Treatment of 27 postoperative enterocutaneous fístulas with the long-acting somatostatin analogue SMS 201-995. Ann Surg, 1990, 211: 246-50.
  • 35. Paran H, Neufeld D, Kaplan O et al. Octreotide for treatment of postoperative alimentary tract fistulas. World J Surg, 1995, 19: 430-34.
  • Endereço para correspondência:

    Orlando Torres
    Rua Ipanema, 1 — Ed. Luggano, Bl I/ 204 — São Francisco
    65076-060 — São Luís-MA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2002
    • Aceito
      08 Out 2002
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br