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Avaliação histoquímica quantitativa do colágeno na fascia transversalis e na bainha anterior do músculo reto abdominal em doentes com hérnia inguinal

Quantitative histochemical analysis of colagen in fascia transversalis and anterior rectum sheath of patients with inguinal hernias

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a participação do colágeno na etiopatogenia das hérnias inguinais, através da análise quantitativa histoquímica do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis MÉTODO: Foram operados quarenta doentes do sexo masculino, na faixa etária entre 20 e 60 anos, portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus e realizadas autópsias em dez cadáveres frescos, na mesma faixa etária. Em ambos os grupos, amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis foram colhidas, coradas pela técnica histoquímica do picrocírius e submetidas a análise morfométrica quantitativa através de sistema computadorizado com a finalidade de identificar possíveis alterações quantitativas do colágeno, em cada um dos dois tipos de hérnias em comparação com indivíduos sem hérnias. RESULTADOS: Encontramos maior concentração do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal, em comparação a fascia transversalis em todos os grupos estudados, embora esta diferença tenha sido estatisticamente significante apenas no grupo controle. Não encontramos diferenças na concentração do colágeno, na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis, entre os doentes com hérnias tipo II e tipo IIIA de Nyhus. Não encontramos diferenças na concentração do colágeno quando comparamos os grupos com hérnias com o grupo controle. CONCLUSÃO: Não encontramos diferenças na quantidade do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis entre os pacientes portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus em comparação com indivíduos sem hérnias.

Hérnia Inguinal; Colágeno; Fáscia; Análise quantitativa


BACKGROUND: To evaluate the role of colagen in etiopathogeny of inguinal hernias through quantitative histochemical analysis of the abdominal rectum sheaths and fascia transversalis. METHODS: Forty male patients with Nyhus type II and IIIa inguinal hernias, were operated, age ranged from 20 to 60 years, and ten control subjects with the same age were autopsied. Samples were collected from rectum sheaths and fascia transversalis from each group, and collored by the histochemical technique Picrocirius and morphometric analysis, which was carried out by using the image representation technique. These studies focused mainly on identify the possible quantitative changes in collagen in each of the two types of hernias compared to individuals without hernias. RESULTS: We found an increased collagen concentration in rectum sheath when compared to fascia transversalis in all groups studied. These diferences, however, was only estatistically significant in control group. We found no difference in collagen concentration in rectum sheaths and fascia transversalis from pacients with Nyhus type II or IIIa hernias. No diference in collagen concentration was found in hernias'group compared to control group. CONCLUSION: There was no statistically significant difference between the amount of collagen of abdominal rectum sheaths and of the fascia transversalis among patients with Nyhus type II and IIIa inguinal hernias and the amounts found in individuals without hernias.

Inguinal hernia; Collagen; Fascia; Quantitative analysis


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação histoquímica quantitativa do colágeno na fascia transversalis e na bainha anterior do músculo reto abdominal em doentes com hérnia inguinal

Quantitative histochemical analysis of colagen in fascia transversalis and anterior rectum sheath of patients with inguinal hernias

Rogério de Oliveira Gonçalves, TCBC-RJI; Evandro de Moraes e Silva, TCBC-RJII; Tatiana Cunha Marques, ACBC-RJIII; Gaspar de Jesus Lopes Filho, TCBC-SPIV

IMestre em Gastroenterologia Cirúrgica pela UNIFESP - EPM; Professor Assistente da Disciplina de Clínica Cirúrgica da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda - UNIFOA

IIMestre em Gastroenterologia Cirúrgica pela UNIFESP - EPM; Professor Assistente do Departamento de Morfologia e Anatomia da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda-UNIFOA

IIIProfessora Assistente do Departamento de Morfologia e Anatomia da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda-UNIFOA

IVProfessor Livre Docente da Disciplina de Gastoenterologia Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Rogério de Oliveira Gonçalves Rua das Nogueiras, 81; Condomínio Village Sul ,Jardim Belvedere, Volta Redonda (RJ) CEP: 27258-150 e-mail: r.gov@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a participação do colágeno na etiopatogenia das hérnias inguinais, através da análise quantitativa histoquímica do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis

MÉTODO: Foram operados quarenta doentes do sexo masculino, na faixa etária entre 20 e 60 anos, portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus e realizadas autópsias em dez cadáveres frescos, na mesma faixa etária. Em ambos os grupos, amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis foram colhidas, coradas pela técnica histoquímica do picrocírius e submetidas a análise morfométrica quantitativa através de sistema computadorizado com a finalidade de identificar possíveis alterações quantitativas do colágeno, em cada um dos dois tipos de hérnias em comparação com indivíduos sem hérnias.

RESULTADOS: Encontramos maior concentração do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal, em comparação a fascia transversalis em todos os grupos estudados, embora esta diferença tenha sido estatisticamente significante apenas no grupo controle. Não encontramos diferenças na concentração do colágeno, na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis, entre os doentes com hérnias tipo II e tipo IIIA de Nyhus. Não encontramos diferenças na concentração do colágeno quando comparamos os grupos com hérnias com o grupo controle.

CONCLUSÃO: Não encontramos diferenças na quantidade do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis entre os pacientes portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus em comparação com indivíduos sem hérnias.

Descritores: Hérnia Inguinal; Colágeno; Fáscia; Análise quantitativa.

ABSTRACT

BACKGROUND: To evaluate the role of colagen in etiopathogeny of inguinal hernias through quantitative histochemical analysis of the abdominal rectum sheaths and fascia transversalis.

METHODS: Forty male patients with Nyhus type II and IIIa inguinal hernias, were operated, age ranged from 20 to 60 years, and ten control subjects with the same age were autopsied. Samples were collected from rectum sheaths and fascia transversalis from each group, and collored by the histochemical technique Picrocirius and morphometric analysis, which was carried out by using the image representation technique. These studies focused mainly on identify the possible quantitative changes in collagen in each of the two types of hernias compared to individuals without hernias.

RESULTS: We found an increased collagen concentration in rectum sheath when compared to fascia transversalis in all groups studied. These diferences, however, was only estatistically significant in control group. We found no difference in collagen concentration in rectum sheaths and fascia transversalis from pacients with Nyhus type II or IIIa hernias. No diference in collagen concentration was found in hernias'group compared to control group.

CONCLUSION: There was no statistically significant difference between the amount of collagen of abdominal rectum sheaths and of the fascia transversalis among patients with Nyhus type II and IIIa inguinal hernias and the amounts found in individuals without hernias.

Key words: Inguinal hernia; Collagen; Fascia; Quantitative analysis.

INTRODUÇÃO

Estudos epidemiológicos desenvolvidos nos E.U.A, nas décadas de 80 e 90, demostraram que a hérnia inguinal é uma doença freqüente, representando cerca de 15% das operações em cirurgia geral, e constituindo um total de 700mil procedimentos anuais 1.

Fatores etiopatogênicos predisponentes, descritos como defeitos anátomo-funcionais, bem como fatores desencadeantes,que são capazes de acarretar aumento da pressão intra abdominal , não explicam totalmente a etiologia desta afecção2.

A hérnia inguinal das crianças tem etiologia congênita e decorre da persistência do conduto peritônio vaginal. A hérnia inguinal do adulto, direta ou indireta,no entanto é de etiologia adquirida e decorre de alterações estruturais na fascia transversalis.

A fascia transversalis é formada por tecido conjuntivo denso,cuja principal célula é o fibroblasto que produz qrande quantidade de fibras colágenas e elásticas e também uma abundante matriz extracelular, rica em proteoglicanas e glicoproteínas, na qual ficam imersas essas fibras3 , 4.

Diversos trabalhos realizados a partir da década de 70, utilizando exames bioquímicos, histoquímicos e imunohistoquímicos procuraram associar a presença da hérnia inguinal adquirida com anormalidades no tecido conjuntivo e demonstram haver alterações quantitativas e qualitativas nos componentes deste tecido nos doentes portadores de hérnia inguinal4 -6. Baseados em estudos observacionais que demostraram haver uma maior incidência de hérnias inguinais nos portadores de doenças do tecido conjuntivo 7- 9, assim como nos portadores de doenças que sabidamente afetam o tecido conjuntivo 10 ,11, objetivamos com esse trabalho realizar o estudo histoquímico comparativo de amostras da fascia transversalis e da bainha anterior do músculo reto abdominal, de adultos do sexo masculino, portadores de hérnias inguinais tipo II ou IIIA de Nyhus12 ,13, procurando identificar possíveis alterações quantitativas do colágeno em cada um dos dois tipos de hérnias, em comparação com indivíduos sem hérnia.

MÉTODO

Foram utilizados fragmentos da fascia transversalis e da bainha anterior do músculo reto abdominal, obtidos durante intervenções cirúrgicas para a correção de hérnias inguinais e durante autópsias realizadas no Hospital São João Batista da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda, no período de dezembro de 1997 a junho de 2000. Este estudo foi avaliado e aprovado pela comissão de ética Médica da Universidade Federal de São Paulo.

Foram constituídos três grupos:

Grupo I - Vinte doentes do sexo masculino, com idade entre vinte e sessenta anos, com hérnia inguinal tipo II de Nyhus e com risco cirúrgico ASA I ou ASA II.

Grupo II - Vinte doentes do sexo masculino, com idade entre vinte e sessenta anos, com hérnia inguinal tipo IIIA de Nyhus e com risco cirúrgico ASA I ou ASA II.

Grupo III - Dez cadáveres frescos, do sexo masculino, com idade entre vinte e sessenta anos, não portadores de hérnia inguinal.

Excluímos os doentes com doenças do sistema conjuntivo, idade menor que 18 anos e maior que 60 anos, o sexo feminino, os fumantes, os com risco cirúrgico asa III ou IV, bem como doentes em que a hérnia inguinal não se enquadrava na classificação II e IIIA de Nyhus.

As amostras dos grupos I e II foram obtidas através da retirada de 1cm2 da fascia transversalis da parede posterior do triângulo inguinal e também da bainha anterior do músculo reto abdominal do mesmo lado; as amostras do grupo III foram retiradas do mesmo local das dos grupos I e II, após a dissecção bilateral da região inguinal e a constatação de inexistência de saco hérniário. Retiradas as amostras, estas eram imediatamente lavadas em solução salina a 0,9% e fixadas em solução constituída de paraformaldeído a 10% (2,5ml), Phosfate Buffer Solution (PBS) concentrado (5ml) e água destilada (2ml), e armazenadas à temperatura de quatro graus Celsius durante duas horas. Após a fixação, a solução fixadora era desprezada com pipeta, e se adicionava 1ml de PBS concentrado e 9ml de água destilada, mantendo-se resfriado a quatro graus Celsius por mais 24h. As amostras obtidas eram incluídas em parafina e submetidas à cortes seriados transversais em micrótomo de modo a se obterem cortes na espessura de cinco micrômetros, que eram colocados sobre lâminas de vidro e postos a secar em estufas a 40ºC de 12 a 24 horas. Todos os preparados histológicos, obtidos a partir dos cortes da bainha do músculo reto abdominal e da fascia transversalis, foram corados pelo método de picrosírius com a seguinte técnica:

- os cortes eram desparafinados em três banhos sucessivos de xilol (um minuto cada), hidratados em soluções de concentrações decrescentes de etanol (absoluto, 90%, 70% - um minuto cada) e água; eram então corados, com solução de picrosírirus durante 50 minutos e lavados em água destilada. A seguir, foi usada a solução de hematoxilina de Delafield (por quatro minutos), lavados em água corrente (cinco minutos) e água destilada (um minuto) e corados com eosina aquosa (um minuto) para, finalmente, serem desidratados em soluções crescentes de etanol (70%, 90% e dois banhos de absoluto - um minuto cada), clarificados em três banhos de xilol (um minuto cada) e montados com lamínula, usando bálsamo do Canadá artificial. Esta técnica foi utilizada para revelar as fibras do sistema colágeno.

- as amostras coradas foram submetidas a análise morfométrica, no laboratório de Ginecologia Experimental da Disciplina de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo, através de sistema computadorizado com software de processamento e análise de imagem acoplado a microscópio com aumento de 400X - IMAGELAB (SOFTIUM INFORMÁTICA LTDA). Para a quantificação das áreas representativas do colágeno, uma vez que as imagens eram sistematicamente uniformes, foram digitalizados apenas três campos por lâminas e cada campo digitalizado correspondeu à área de 395 micras de largura por 300 micras de altura na imagem real. Antes do processo de quantificação propriamente dito, todas as imagens foram digitalizadas padronizando-se a objetiva, a intensidade da luz do microscópio e a altura do condensador.

- as áreas de colágeno foram identificadas na imagem, utilizando-se a distribuição de cor como parâmetro discriminante. O intervalo de cor foi definido de forma empírica através de tentativa e erro entre uma faixa de cor que foi sendo ajustada até separar as áreas representativas do colágeno na imagem. Na etapa seguinte, calculou-se a área ocupada pelo colágeno em cada um dos campos, sendo os resultados expressos em porcentagem.

Foram aplicados os teste de Wilcoxon para análise intra-grupos e o teste de Mann-Whitney para análise inter-grupos e o nível de significância adotado foi de 0,05 ou 5%, assinalando-se com asterisco (*) os valores significantes.

RESULTADOS

Uma maior concentração de colágeno foi encontrado na bainha anterior do músculo reto abdominal quando comparado com a fascia transversalis em todos os grupos estudados, embora esta diferença tenha sido estatisticamente significante apenas no grupo controle (Figura 1).


Quando comparamos as concentracões do colágeno da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis entre os grupos I e II não houve diferença estatisticamente significante (Tabela 1), o que nos permitiu agrupar os valores de concentração do colágeno, da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis, nos grupos com hérnias (I e II) e os comparamos com os valores da concentração do colágeno da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis com grupo controle (III), e não encontramos diferenças estatisticamente significantes (Figura 2).


DISCUSSÃO

Baseados em estudos que demonstraram aumento da atividade elastolítica sérica de fumantes com hérnia inguinal, em comparação com os não fumantes sem hérnia 14 ,15 e em estudos que demonstraram diminuição da hidroxilação da prolina, com conseqüente prejuízo na síntese do colágeno e na cicatrização de feridas nos doentes com hábito de fumar cigarros16, optamos pela exclusão deste grupo em nosso estudo, e também limitamos a faixa etária dos nossos doentes entre 20 e 60 anos, com intuito de excluir as alterações do tecido conjuntivo próprias do envelhecimento6 17.

O diabetes melito induz a várias alterações no metabolismo das macromoléculas presentes na matriz extracelular. Entre essas, ocorre a diminuição na síntese do colágeno, determinando alterações na proporção entre o colágeno tipo I e o colágeno tipo III, presentes nos tendões e fáscias18, o que também foi fator determinante na exclusão destes doentes.

A fascia transversalis é constituída por tecido conjuntivo, onde a principal célula observada é o fibroblasto. Os mastócitos são raros e os linfócitos, o plasmócitos e o neutrófilos são observados sobretudo em processos inflamatórios. Estas células estão mergulhadas em uma proporção relativamente grande de matriz extracelular, constituída por elementos fibrosos, que são as fibras colágenas e elásticas, e também por macromoléculas, as proteoglicanas e as glicoproteínas. A organização e a interação desses constituintes da matriz é que determinam a função estrutural e a estabilização física da fascia transversalis19 -21. O colágeno é o principal constituinte histológico fibroso desta fascia, que é constituída de fibras grossas dispostas em um mesmo plano e em diferentes direções, o que fornece a força tênsil e resistência a esta estrutura14.

As alterações morfológicas na fascia transversalis parecem ser condições predisponentes para o aparecimento de hérnias, portanto buscar alterações quantitativas do colágeno na fascia transversalis de portadores de hérnias diretas e indiretas, bem como compará-las com a presença de alterações quantitativas do colágeno na bainha anterior do músculo reto do abdome, na tentativa de evidenciar se estas alterações são locais ou sistêmicas, nos pareceu uma maneira de compreender a etiopatogenia das hérnias inguinais. O colágeno representa um dos constituintes fibrosos da matriz extracelular, também constituída por substância amorfa, composta por proteoglicanas e glicoproteínas, podendo a etiologia das hérnias inguinais estar relacionada com alterações quantitativas ou morfológicas de uma ou mais dessas substâncias.

Avaliação das fibras colágenas através da dosagem bioquímica da hidroxiprolina, demonstraram diminuição desta nos pacientes com hérnia inguinal 22. Análises ultra-estruturais evidenciam mudanças qualitativas e quantitativas nas microfibrilas do colágeno na região da hérnia inguinal23. Esses resultados podem ser comparados com os encontrados em pacientes portadores de desordens do sistema conjuntivo localizadas em outros órgãos9

Em nosso estudo, realizamos a análise de um dos constituintes fibrilar da matriz extracelular, através de método histoquímico, utilizando a coloração de Picrosírius que seleciona exclusivamente as fibras colágenas 24 sendo estas quantificadas através de um sistema de processamento de imagem por computador, IMAGELAB 25

Vários trabalhos não classificam o tipo de hérnia inguinal avaliada, provavelmente utilizam biópsias de fascia transversalis que poderiam apresentar alterações decorrentes da presença de sacos herniários inguino-escrotais volumosos, o que impossibilitaria determinar se estas alterações ultra-estruturais são conseqüêntes a presença da hérnia ou a causa desta.

Nesse trabalho, selecionamos pacientes com hérnias diretas e indiretas, em que não houvesse destruição total da parede posterior do canal inguinal. Para tanto, utilizamos a classificação de Nyhus para hérnias inguinais e selecionamos apenas as hérnias tipo II e tipo IIIA dessa classificação12 ,13.

Os grupos controles, utilizados pelos trabalhos2,3,5 , analisaram amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal obtidas com incisões infra-umbilicais medianas para o tratamento de afecções que também apresentam desordens do sistema conjuntivo, como os portadores de aneurismas de aorta abdominal3, tornando inadequada tal comparação. Em nosso experimento, o grupo controle foi constituído por cadáveres não portadores de hérnia inguinal, o que possibilitou que as amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fascia transversalis fossem colhidas diretamente da região inguinal.

Em discordância com os trabalhos anteriores, que realizaram análises ultra-estruturais e bioquímicas da fascia transversalis de doentes com hérnias inguinais2, e analisaram características biomecânicas dessa estrutura4, não evidenciamos diferenças significantes entre os doentes com hérnias inguinais, quando comparados com doentes sem hérnias inguinais.

As dificuldades na análise desses trabalhos estão, inicialmente na seleção do tipo de hérnias, pois foram utilizados indiscriminadamente pacientes com hérnias tipo II, IIIA, IIIB e IIIC e na utilização de doentes de ambos os sexos, uma vez que as mulheres podem apresentar alterações do sistema conjuntivo relacionadas com distúrbios hormonais determinados pela gravidez26. Além disso, a utilização de idosos também pode interferir nos resultados desses trabalhos, uma vez que existem alterações das fibras colágenas e elásticas acima dos 60 anos.

Por outro lado, trabalhos com culturas de fibroblastos in vitro, mostram alterações quantitativas decrescentes dos fibroblastos, nos portadores de hérnia inguinal indireta e hérnia inguinal direta, quando comparados a um grupo controle sem hérnia inguinal. Estas alterações seriam responsáveis pelo menor conteúdo de colágeno nos doentes com hérnias27,28. Na verdade, estas alterações também poderiam ser responsáveis pela diminuição de outros constituintes fibrilares, tais como as fibras elásticas e também os constituintes protéicos da matriz extracelular, como as proteoglicanas.

Em nosso trabalho, a análise morfométrica computadorizada do colágeno na bainha anterior do músculo reto abdominal e na fascia transversalis em comparação com a análise do grupo controle, não mostrou alterações estatisticamente significantes. No entanto, avaliamos as fibras colágenas de uma forma global e não quantificamos separadamente os colágenos tipo I e tipo III, que, estando em concentrações alteradas não interfeririam na concentração total do colágeno e sim nas concentrações relativas do mesmo7 .

Outros estudos, utilizando métodos bioquímicos, imunohistoquímico e ultra-estruturais deveriam ser realizados, não só para avaliação das fibras colágenas, mas também de outros constituintes da matriz extracelular como as fibras elásticas, as glicoproteinas e as proteoglicanas, os quais podem estar envolvidos na etiopatogenia das hérnias inguinais no adulto.

Recebido em 26/04/2002

Aceito para publicação em 15/04/2003

Trabalho realizado no Hospital São João Batista da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda e no Laboratório de Ginecologia Experimental da Universidade Federal de São Paulo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 2003
    • Recebido
      26 Abr 2002
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