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Expressão da proteína P53 no adenocarcinoma gástrico: correlação clínica, anatomopatológica e significância prognostica

P53 expression in gastric adenocarcinoma: clinicopathological correlation and prognostic significance

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a expressão da proteína p53 no adenocarcinoma gástrico e correlacioná-la com variáveis clínicas e anatomopatológicas, tais como: idade, sexo, infiltração da parede gástrica (T), tipo histológico (Laurén), grau de diferenciação histológica, comprometimento linfonodal, estadiamento (TNM) e sobrevida. MÉTODO: Foram analisados os registros médicos e reestudadas as lâminas de peças cirúrgicas de 45 doentes com adenocarcinomas gástricos submetidos à gastrectomia parcial e total no Serviço de Cirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió-AL e no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas, no período de 1991 a 2002. A expressão da proteína p53 foi avaliada pelo método imunohistoquímico com o anticorpo monoclonal DO-7 e comparada com idade, sexo, infiltração na parede gástrica, tipo histológico, grau de diferenciação, comprometimento linfonodal, estadiamento e sobrevida. RESULTADOS: Dos 45 doentes, 27 eram do sexo masculino (60%). A média das idades foi 53,9 anos (26 - 75 anos), e mediana de 57 anos. Em 40 doentes (88,9%) o tumor foi classificado como bem diferenciado. Quanto à infiltração na parede gástrica, em 28 doentes (62,2%) foram classificados como profundos. Em 25 doentes (55,6%) não havia comprometimento linfonodal. O estudo histológico revelou que 29 doentes (64,4%) apresentavam tumores classificados como tipo intestinal de Laurén. O estadiamento TNM demonstrou que 33 (73,3%) doentes apresentavam tumores avançados. Quanto à expressão da p53, 18 doentes (40%) foram considerados positivos. O tempo médio de seguimento foi de 1020,4 dias (63 - 3920 dias) e mediana de 798 dias. Trinta e um (68,9%) doentes evoluíram para óbito. As variáveis: idade, estadiamento, comprometimento linfonodal e infiltração do tumor na parede gástrica, foram fatores prognósticos relacionados à sobrevida com significado estatístico (p<0,05). Não houve correlação estatística significativa da proteína p53 com as variáveis estudadas. A análise estatística multivariada identificou apenas o comprometimento linfonodal como fator prognóstico independente. CONCLUSÕES: Os autores concluíram que dezoito (40%) dos doentes expressaram a reação imunohistoquímica para p53. Não houve correlação estatística significativa da expressão da proteína p53 com os fatores prognósticos estudados. A expressão da proteína p53 não foi fator prognóstico independente.

Adenocarcinoma gástrico; Proteína p53; Imunohistoquímica; Prognóstico


BACKGROUND: To study the expression of p53 protein in gastric adenocarcinoma and its relationship to clinicopathological parameters such as, age, sex, infiltration of the gastric wall (T), histological type of Lauren's classification, histological differenciation, lymph node involvement, stage (TNM) and patient longevity. METHODS: Forty-five patients with the diagnosis of gastric carcinoma submitted to a sub-total gastrectomy or a total gastrectomy in the Surgical Oncology Department at the Santa Casa de Misericórdia Hospital in Maceió, Alagoas and the University Hospital of the Federal University of Alagoas, Brazil during the period of January 1991 to May 2002 were analysed.The expression of the p53 protein was evaluated by an immunohistochemistry method, and compared to age, sex, infiltration of the gastric wall, histological type, histological differenciation, lymph node involvement, stage (TNM) and patient longevity. RESULTS: In the total number of patients, 27 were male (60%). The age range of all patients was 26 - 75 years (mean = 53.9 years). Forty patients (88.9%) were classified as well differenciated. As far as infiltration of the gastric wall, 28 patients (62.2%) were classified as having deep infiltration. In 25 patients (55.6%) the lymph nodes were free of disease. The histological study revealed that 29 patients (64.4%) were classified as the intestinal type of Lauren's classification. The stage (TNM) showed that 33 patients (73.3%) presented an advanced tumor. In the immunohistochemistry analysis, 18 patients (40%) were considered positive.The follow-up varied between 63 to 3920 days, with the average time being 1020.4 days. The statistical method of univariate analysis of Mantel identified the variables: age, stage, lymph node involvement and the tumor infiltration of the gastric wall as prognostic factors related to the patient with a significant statistical longevity (p<0.05). Multivariate analysis showed that only lymph node involvement was an independent prognostic factor. CONCLUSION: The author concluded that 18 (40%) of the total number of 45 patients with gastric carcinoma showed an immunohistochemistry reaction. There was no significant statistical relationship between expression of p53 protein and prognostic factors studied. Expression of p53 protein was not an independent prognostic factor.

Gastric adenocarcinoma; p53 protein; Immunohistochemistry; Prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Expressão da proteína P53 no adenocarcinoma gástrico: correlação clínica, anatomopatológica e significância prognostica

P53 expression in gastric adenocarcinoma: clinicopathological correlation and prognostic significance

Frederico Theobaldo Ramos Rocha, TCBC – ALI; Laercio Gomes Lourenço, ACBC – SPII; Mário Jorge Jucá, TCBC – AL.III; Antenor Teixeira Leal IV; Antônio Mário Duarte Coelho da PazV

IMestre em Gastroenterologia Cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP; Cirurgião Oncologista da Seção de Oncologia da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital Escola Dr. José Carneiro, Maceió - AL.

IIProf. Adjunto da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP.

IIIProf. Adjunto da Disciplina de Cirurgia Geral da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

VIProf. da Disciplina de Patologia da Fundação Universitária de Ciências da Saúde de Alagoas Gov. Lamenha Filho (UNCISAL) / Escola de Ciências Médicas de Alagoas.

VCirurgião Oncologista da Seção de Cirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió – AL.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 19/08/2003 Aceito para publicação em 27/04/2004

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a expressão da proteína p53 no adenocarcinoma gástrico e correlacioná-la com variáveis clínicas e anatomopatológicas, tais como: idade, sexo, infiltração da parede gástrica (T), tipo histológico (Laurén), grau de diferenciação histológica, comprometimento linfonodal, estadiamento (TNM) e sobrevida.

MÉTODO: Foram analisados os registros médicos e reestudadas as lâminas de peças cirúrgicas de 45 doentes com adenocarcinomas gástricos submetidos à gastrectomia parcial e total no Serviço de Cirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió-AL e no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas, no período de 1991 a 2002. A expressão da proteína p53 foi avaliada pelo método imunohistoquímico com o anticorpo monoclonal DO-7 e comparada com idade, sexo, infiltração na parede gástrica, tipo histológico, grau de diferenciação, comprometimento linfonodal, estadiamento e sobrevida.

RESULTADOS: Dos 45 doentes, 27 eram do sexo masculino (60%). A média das idades foi 53,9 anos (26 – 75 anos), e mediana de 57 anos. Em 40 doentes (88,9%) o tumor foi classificado como bem diferenciado. Quanto à infiltração na parede gástrica, em 28 doentes (62,2%) foram classificados como profundos. Em 25 doentes (55,6%) não havia comprometimento linfonodal. O estudo histológico revelou que 29 doentes (64,4%) apresentavam tumores classificados como tipo intestinal de Laurén. O estadiamento TNM demonstrou que 33 (73,3%) doentes apresentavam tumores avançados. Quanto à expressão da p53, 18 doentes (40%) foram considerados positivos. O tempo médio de seguimento foi de 1020,4 dias (63 – 3920 dias) e mediana de 798 dias. Trinta e um (68,9%) doentes evoluíram para óbito. As variáveis: idade, estadiamento, comprometimento linfonodal e infiltração do tumor na parede gástrica, foram fatores prognósticos relacionados à sobrevida com significado estatístico (p<0,05). Não houve correlação estatística significativa da proteína p53 com as variáveis estudadas. A análise estatística multivariada identificou apenas o comprometimento linfonodal como fator prognóstico independente.

CONCLUSÕES: Os autores concluíram que dezoito (40%) dos doentes expressaram a reação imunohistoquímica para p53. Não houve correlação estatística significativa da expressão da proteína p53 com os fatores prognósticos estudados. A expressão da proteína p53 não foi fator prognóstico independente.

Descritores: Adenocarcinoma gástrico; Proteína p53; Imunohistoquímica; Prognóstico.

ABSTRACT

BACKGROUND: To study the expression of p53 protein in gastric adenocarcinoma and its relationship to clinicopathological parameters such as, age, sex, infiltration of the gastric wall (T), histological type of Lauren's classification, histological differenciation, lymph node involvement, stage (TNM) and patient longevity.

METHODS: Forty-five patients with the diagnosis of gastric carcinoma submitted to a sub-total gastrectomy or a total gastrectomy in the Surgical Oncology Department at the Santa Casa de Misericórdia Hospital in Maceió, Alagoas and the University Hospital of the Federal University of Alagoas, Brazil during the period of January 1991 to May 2002 were analysed.The expression of the p53 protein was evaluated by an immunohistochemistry method, and compared to age, sex, infiltration of the gastric wall, histological type, histological differenciation, lymph node involvement, stage (TNM) and patient longevity.

RESULTS: In the total number of patients, 27 were male (60%). The age range of all patients was 26 – 75 years (mean = 53.9 years). Forty patients (88.9%) were classified as well differenciated. As far as infiltration of the gastric wall, 28 patients (62.2%) were classified as having deep infiltration. In 25 patients (55.6%) the lymph nodes were free of disease. The histological study revealed that 29 patients (64.4%) were classified as the intestinal type of Lauren's classification. The stage (TNM) showed that 33 patients (73.3%) presented an advanced tumor. In the immunohistochemistry analysis, 18 patients (40%) were considered positive.The follow-up varied between 63 to 3920 days, with the average time being 1020.4 days. The statistical method of univariate analysis of Mantel identified the variables: age, stage, lymph node involvement and the tumor infiltration of the gastric wall as prognostic factors related to the patient with a significant statistical longevity (p<0.05). Multivariate analysis showed that only lymph node involvement was an independent prognostic factor.

CONCLUSION: The author concluded that 18 (40%) of the total number of 45 patients with gastric carcinoma showed an immunohistochemistry reaction. There was no significant statistical relationship between expression of p53 protein and prognostic factors studied. Expression of p53 protein was not an independent prognostic factor.

Key words: Gastric adenocarcinoma; p53 protein; Immunohistochemistry; Prognosis.

INTRODUÇÃO

O câncer gástrico é caracterizado como uma doença de acometimento mundial porém, de distribuição geográfica heterogênea e a segunda causa de óbito por câncer.1,2

A infiltração do tumor na parede gástrica, o comprometimento peritoneal, as margens da ressecção e a propagação linfática regional constituem fatores relacionados ao prognóstico3, porém, nem sempre os parâmetros prognósticos clássicos refletem o comportamento biológico tumoral, necessitando estudos de novos fatores prognósticos com o intuito de melhor entender os fenômenos biomoleculares. O recente crescimento do estudo de inúmeros marcadores biomoleculares como instrumento importante no estudo do câncer gástrico, trouxe como um dos seus elementos principais a proteína p53, à qual foi atribuída um papel significativo na carcinogênese.

A proteína p53 é codificada por um gene situado no cromossomo de número 17, o qual, leva o mesmo nome (gene p53), em razão de seu peso molecular de 53 Kd. A sua principal função está relacionada à preservação da integridade do código genético em cada célula, ou seja, a manutenção da mesma seqüência de nucleotídeos ao longo da cadeia de toda molécula do DNA, igualmente presente em cada célula humana.4 A sua forma ativa (wild type) tem vida média muito curta (em torno de 6 minutos), devido à sua rápida degradação, o que torna extremamente difícil a sua detecção pelos métodos imunohistoquímicos.5 Ao contrário, as formas mutadas ou inativas, devido à maior estabilidade molecular e maior tempo de degradação, tendem a acumular-se no núcleo das células, permitindo que a expressão da proteína p53 seja usada como indicador indireto da mutação do gene p53.6,7 Durante o ciclo de divisão celular, a proteína p53 faz uma verificação quanto à eventual ocorrência de uma mutação na seqüência do código genético em decorrência de uma duplicação defeituosa do DNA. Caso seja verificada a existência de uma mutação, é função da proteína p53, através do desdobramento de uma cascata de reações, impedir que esta célula entre em processo de mitose e complete a divisão celular. Para isto, dois caminhos poderão ser seguidos: a correção da mutação através da ativação de proteínas de reparo ou a indução da morte celular através da apoptose.8,9

Por exercer esta função de detecção de alterações no DNA e conseqüente correção ou morte celular, a proteína p53 é considerada como uma guardiã do genoma, e é um importante elemento na prevenção do desenvolvimento de tumores, sendo seu gene codificador, classificado como gene supressor de tumor.5

A Proteína p53 detectada por imunohistoquímica é na maioria das vezes produto da mutação do gene p53, sendo indicador de pior prognóstico em carcinomas do cólon, pulmão e mama10,11. Entretanto, as características biológicas dos tumores são em geral determinadas pelas alterações genômicas12. O papel da expressão da proteína p53 como indicador prognóstico no câncer gástrico é controverso.13-18

Baseado nas razões acima referidas e o fato da literatura sobre o assunto ser escassa no Brasil e nula no estado de Alagoas, levou-nos a avaliar a significância prognóstica da expressão da proteína p53, sua correlação com fatores prognósticos clínicos e anatomopatológicos, tais como: idade, sexo, infiltração na parede gástrica "T", grau de diferenciação histológica, tipo histológico de Laurén, estadiamento e comprometimento linfonodal em doentes portadores de adenocarcinomas gástricos submetidos a gastrectomias total e parcial.

Esta pesquisa foi aprovada pelas comissões de ética das instituições envolvidas, conforme resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde.

MÉTODO

Foram analisados os registros médicos e reestudadas as lâminas das peças cirúrgicas de 45 doentes portadores de adenocarcinomas gástricos submetidos a gastrectomias parcial e total, realizadas no período de janeiro de 1991 a maio de 2002 na Santa Casa de Misericórdia de Maceió e no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas. Foram excluídos os seguintes casos: 1 - os casos com metástases à distância (estádio IV), assim como, os casos com comprometimento da margem de ressecção tanto proximal quanto distal. 2 – os casos que evoluíram para óbito nos primeiros 30 dias de pós-operatório. 3 – os casos que evoluíram para óbito por outras causas que não o câncer gástrico e as suas complicações. 4 – os casos com história prévia de câncer. 5 – os casos submetidos à tratamento químio e radioterápico e 6 – os casos nos quais os blocos da parafina não apresentavam condições para que se pudesse fazer o estudo imunohistoquímico.

Exame anatomopatológico

1 – Primeira etapa (coloração pela hematoxilina-eosina): Através do exame microscópico foram feitos: A) avaliação do grau de diferenciação histológica, segundo a Organização Mundial de Saúde (1983), em bem, moderadamente ou pouco diferenciados e indiferenciados. Para efeito de análise, agruparam-se os tumores bem e moderadamente diferenciados em um grupo chamado de bem diferenciados e os tumores pouco diferenciados, uma vez que não houve casos de tumores indiferenciados, em outro grupo chamado de pouco diferenciados. B) avaliação do tipo histológico que segundo Laurén 19, os tumores eram de padrão intestinal, difuso e os não classificados. C) avaliação da infiltração do tumor na parede gástrica (T). Seguiu-se a classificação proposta pela União Internacional Contra o Câncer (1989)20. Também para efeito de análise os tumores T1 e T2 foram chamados de superficiais e os tumores T3 e T4 de profundos. D) avaliação do comprometimento linfonodal. Dividiu-se a amostra em dois grupos: positivo para a presença de metástases e negativo para a ausência de comprometimento linfonodal. E) avaliação do estadiamento. Seguiu-se o estadiamento da UICC (1989)20. Na avaliação do parâmetro "N" deste estadiamento, seguiu-se o método descrito por Possik 21, sendo os 45 casos subdivididos em dois grupos: inicial, que correspondeu aos casos de tumores com estadiamento 1A e 1B; e avançado, que reuniu os casos com estadiamento 2, 3A e 3B.

2 - Segunda etapa (imunohistoquímica): Blocos de peças cirúrgicas de adenocarcinomas fixadas em formalina e embebidas em parafina foram selecionadas para exame imunohistoquímico pela técnica da Estrepto-Avidina-Biotina-Peroxidase com o anticorpo monoclonal mouse Anti-Human p53 Protein, clone DO-7 (Dako® A/S – Denmark). A técnica de imunohistoquímica já foi descrita anteriormente. 22 Basicamente foram efetuados cortes histológicos de 3 micrômetros de espessura em lâminas previamente tratadas com 3- aminopropyl triethoxy silano (Sigma A – 3648 USA®) conforme protocolo do laboratório de patologia da Santa Casa de Misericórdia de Maceió-AL. O controle negativo foi processado sem o anticorpo primário e o controle positivo foi obtido de adenocarcinoma mamário que já sabidamente expressava níveis elevados da proteína p53.

Avaliação da imunohistoquímica

Utilizou-se para a contagem de 500 células, um microscópio óptico marca Leitz – Laborlux S, com aumento de 400 vezes, sendo realizado o exame por patologista da Santa Casa, sem conhecimento prévio da evolução dos doentes. A positividade para p53 foi considerada quando 20% ou mais das células, evidenciavam coloração nuclear – marron escuro.16,18

Evolução ambulatorial

O acompanhamento ambulatorial foi semestral, quando da marcação da consulta. Exames eram solicitados para a detecção de recidivas (endoscopia digestiva alta; radiografia do tórax e ultra-sonografia do abdome total). Os doentes que não compareciam aos controles, foram contactados por carta, por telefone e alguns até por visita médica domiciliar.

Método estatístico

A influência de cada variável na sobrevida dos doentes foi avaliada pelo teste estatístico de Mantel.23 As variáveis estatisticamente associadas com o desfecho desfavorável na análise univariada foram selecionadas para análise multivariada de Cox.24 A análise da associação entre fatores prognósticos e a positividade da p53 foi realizada pelo teste Qui-quadrado. Para hipótese de nulidade foi fixado p menor que 5% ou 0,05. Foi colocado um asterisco (*) nos casos com significância estatística. O programa estatístico empregado para a análise das tabulações e freqüências foi o Epi Info®, versão 2000 (Center for Disease Control and Prevention). Para as análises uni e multivariada, foi utilizado o programa SPSS®, versão 6.0.

RESULTADOS

Pacientes e características tumorais: Do total de 45 doentes, 27 eram do sexo masculino (60%) e 18 do feminino (40%). A média das idades foi 53,9 anos (26 – 75 anos), e mediana de 57 anos. Quarenta tumores (88,9%) foram classificados como bem diferenciados e cinco (11,1%) como pouco diferenciados. Quanto à infiltração na parede gástrica, 17 tumores (37,8%) foram classificados como superficiais e 28 (62,2%) como profundos. Em 20 doentes (44,4%) havia comprometimento linfonodal e em 25 (55,6%) os linfonodos estavam livres de doença. O estudo histológico revelou que 29 tumores (64,4%) foram classificados como tipo intestinal e 16 (35,6%) como tipo difuso de Laurén. O estadiamento TNM demonstrou que 12 (26,7%) doentes apresentavam tumor inicial e 33 (73,3%) tumores avançados.

Imunohistoquímica para p53: Na análise imunohistoquímica, 18 doentes (40%) foram considerados positivos e 27 (60%) negativos. A detecção imunohistoquímica da proteína p53 revelou um padrão variável de coloração, desde completamente ausente até distribuição difusa e com forte reatividade (Figura 1). Não se evidenciou associação estatística significativa entre a expressão da proteína p53 e as variáveis clínicas e anatomopatológicas estudadas.


Relação da expressão da p53 e a sobrevida: O tempo de seguimento variou de 63 a 3920 dias, com média de 1020,4 dias e mediana de 798 dias. Trinta e um (68,9%) doentes evoluíram para óbito. Dos 14 (31,1%) doentes restantes, quatro (8,9%) foram acompanhados durante cinco anos e 10 (22,2%) acompanhados durante tempo variável inferior a cinco anos. As variáveis: idade, estadiamento, comprometimento linfonodal e infiltração tumoral na parede gástrica foram fatores prognósticos relacionados à sobrevida com significado estatístico (p<0,05), na análise univariada (Tabela 1). A análise estatística multivariada (Tabela 2) identificou apenas o comprometimento linfonodal como fator prognóstico independente.

DISCUSSÃO

Na casuística representada por 45 doentes portadores de adenocarcinoma gástrico, submetidos Figura 1 - Fotomicrografia de adenocarcinoma pouco diferenciado. Núcleos bem evidenciados pela imunohistoquímica para p53 (Estrepto-Avidina-Biotina-Peroxidade, 400x). a tratamento cirúrgico na Santa Casa de Misericórdia e Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas, 73,3% foram classificados como estadiamento cirúrgico avançado, achado este, semelhante aos 78,9% encontrado por Lourenço.25 Possik21 analisando 301 doentes, observou somente 13,3% de adenocarcinomas iniciais. Já no Japão, 65% dos adenocarcinomas gástricos são do tipo precoce.26

A idade, a infiltração tumoral na parede gástrica, o comprometimento linfonodal e o estadiamento foram importantes quando analisados individualmente na sobrevida através da análise estatística univariada (Tabela 1). Nosso estudo mostrou uma significância estatística (p = 0,02) de pior prognóstico nos doentes com idade acima de 64 anos, como também observaram Kubota et al. e Popiela et al.27,28

O prognóstico mais favorável nos pacientes mais jovens pode ser explicado pelo melhor estado imunológico.

A infiltração tumoral na parede gástrica foi um dos principais fatores prognósticos, constatado neste estudo na análise univariada de sobrevida (Tabela 1), fato este, também verificado por Yokota et al.29 Os adenocarcinomas quando invadem as camadas mais profundas da parede gástrica, atingem estruturas mais vascularizadas do ponto de vista hematológico e linfático havendo conseqüentemente uma maior probabilidade de disseminação metastática.

O comprometimento linfonodal é relatado como fator prognóstico independente em vários estudos. 13,18,27,29-31 . Em nosso estudo o comprometimento linfonodal foi fator prognóstico significativo na análise univariada (Tabela 1) e na análise multivariada, o comprometimento linfonodal foi o único fator prognóstico independente de sobrevida (Tabela 2).

Os pacientes com estadiamentos iniciais em nosso material (26,7%), semelhantemente aos encontrados por Lourenço25 , sobreviveram mais em relação aos casos de estadiamento avançado. Esta variável foi fator prognóstico de sobrevida em análise univariada.

Nos últimos 20 anos o produto do gene p53, tem sido exaustivamente pesquisado. A análise laboratorial da proteína p53 pode ser realizada principalmente através da detecção sorológica de anticorpos circulantes anti-proteína p53 alterada e através da observação direta da proteína pela imunohistoquímica.

Foi utilizado neste estudo o método imunohistoquímico com o anticorpo monoclonal DO-7 que tem sido mais específico para a detecção da expressão da proteína p53 que os anticorpos PAb 1801 e o CM-1, segundo Baas et al 32. Encontrouse expressão da proteína p53 em 18 casos de um total de 45 doentes (40%). Este achado é compatível com expressões que variaram de 23% a 60% de pesquisadores que também utilizaram o mesmo anticorpo monoclonal DO-7, em peças cirúrgicas parafinadas e previamente fixadas em formalina a 10%.14,16,18,33-35

Percentuais que variaram de 34% a 57%, utilizando o anticorpo policlonal CM-1, foram encontrados por vários pesquisadores.36-38

Estas variações encontradas na expressividade da proteína p53 poderá ser explicada pelos diferentes tipos de anticorpos utilizados e pela maneira como foi quantificada a positividade da reação. Por tratar-se de uma reação imunológica a recuperação do antígeno depende do estado de conservação dos blocos parafinados e adequadamente fixados em formalina tamponada. A demora na fixação do espécime cirúrgico ou uso de soluções inadequadas de formalina podem bloquear os sítios de ligação da proteína com o anticorpo, não permitindo a recuperação antigênica. Os anticorpos utilizados reagem em sítios específicos da proteína p53. Outro aspecto que deve ser considerado é que como a expressividade da reação para p53 reflete de maneira indireta a mutação no gene p53 e como temos estudos em doentes de países diversos não é difícil imaginar que poderemos estar avaliando tumores de padrão genético diferente.

No cotejo entre a expressão da proteína p53 e os demais fatores prognósticos estudados, nenhuma associação estatística significativa foi evidenciada, semelhante aos resultados encontrados por Mönig et al.; Liu et al. e Takeno et al.16,18,35

Neste estudo a expressão da proteína p53 também não foi fator prognóstico de sobrevida (Tabelas 1 e 2).

Outros pesquisadores utilizando anticorpos diferentes do que foi utilizado neste estudo, afirmam que a expressão da proteína p53 tem valor preditivo negativo na sobrevida dos pacientes operados de adenocarcinoma gástrico.36-38

As razões para estas variações nos resultados são desconhecidas. Uma possível explicação para falta de significância na sobrevida da expressão da p53 avaliada por método imunohistoquímico, poderá ser o fato da concordância entre a mutação do gene e o acúmulo da proteína não ser perfeita. O acúmulo da proteína p53 pode não necessariamente indicar a presença de mutação no gene e nem toda mutação no gene produz acúmulo da proteína p53. Adicionalmente, a proteína p53 (wild type) pode acumular no núcleo celular em resposta aos estímulos estressantes, tais como, dano ao DNA. Conseqüentemente a análise apenas da expressão da proteína p53 pode falhar em sua significância prognóstica.

Inconsistências nas análises da expressão da proteína p53 no adenocarcinoma gástrico como fator prognóstico isoladamente impedem a sua utilização na prática clínica. Estudos multicêntricos com padronização da técnica da imunohistoquímica e critérios na interpretação dos resultados poderão reduzir as variações encontradas. Muitas questões sobre a função da p53, as proteínas e sinais envolvidos nesta via, ainda não estão plenamente esclarecidas, necessitando que não apenas a proteína p53 e sim a sua investigação com outros marcadores desta mesma via ou não, possam resultar na identificação de doentes que se beneficiem de formas adicionais de tratamento, tais como, a terapia gênica com o uso de drogas que possam resgatar a função da proteína mutante ou mesmo outras formas de tratamento adjuntivo.

Por fim, os autores concluíram que: A) Quarenta por cento dos doentes analisados expressaram a reação pelo método imunohistoquímico (Estrepto- Avidina-Biotina-Peroxidase); B) Não houve correlação estatística significativa entre a expressão da proteína p53 com as variáveis clínicas e anatomopatológicas (idade, sexo, grau de diferenciação, tipo histológico de Laurén, infiltração na parede gástrica, comprometimento linfonodal e o estadiamento TNM); C) A expressão da proteína p53 quando analisada individualmente e em conjunto com os demais fatores prognósticos, não se revelou fator prognóstico de sobrevida.

Frederico Theobaldo Ramos Rocha.

Rua Rubens Canuto 234, apt. 502

Edf. Tarumã, Ponta Verde, Maceió – AL. CEP: 57035 – 200.

E-mail: rochafrederico@uol.com.br

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió e no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 19/08/2003
    Aceito para publicação em 27/04/2004
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2004
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