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Efeito da ventilação com diferentes frações inspiradas de oxigênio e do alopurinol na isquemia-reperfusão pulmonar em ratos

Effects of ventilation with different inspired oxygen concentrations and of allopurinol on lung ischaemia-reperfusion injury in rats

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o efeito da ventilação associada a frações inspiradas de oxigênio a 0,21 e 1,00 e do alopurinol (antioxidante) na isquemia-reperfusão pulmonar. MÉTODO: Foram utilizados 60 ratos Wistar, distribuídos aleatoriamente em seis grupos. O grupo 1 foi o controle; no grupo 2 os animais foram ventilados durante a isquemia-reperfusão pulmonar com FiO2 de 0,21; e no grupo 3, com FiO2 de 1,00. Os três grupos restantes 1A, 2A e 3A foram medicados com 100 mg/kg de alopurinol no pré-operatório e submetidos a procedimentos semelhantes aos grupos 1, 2 e 3, respectivamente. O modelo utilizado foi de isquemia-reperfusão normotérmica, in situ. O tempo de isquemia foi de 30 minutos, e o de reperfusão, de 10 minutos. Como parâmetros de avaliação foram utilizados a pressão arterial média sistêmica (PAM), a relação da pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2), a dosagem das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) no tecido pulmonar e a relação entre peso pulmonar úmido e peso pulmonar seco. RESULTADOS: Em relação à PAM, ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 1, 2 x 2A e 3 x 3A. Na PaO2/FiO2 ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 2 e 3 x 3A. Nas TBARS ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 3A. Na relação peso pulmonar úmido/seco ocorreu aumento significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 2, 2 x 2A e 3 x 3A. CONCLUSÕES: A ventilação com oxigênio a 21%, quando comparada à ventilação com oxigênio a 100%, apresentou diminuição menos acentuada da PAM, melhor relação entre PaO2/FiO2, e menor edema pulmonar. O uso de alopurinol no pré-operatório mostrou uma diminuição menos acentuada da PAM, melhor relação entre PaO2/FiO2, menor produção de TBARS e menor edema pulmonar, quando comparado aos resultados dos grupos que não o utilizaram.

Reperfusão; Radicais livres de oxigênio; Pulmão; Alopurinol


BACKGROUND: To evaluate the effects on lung ischaemia-reperfusion injury of ventilation with inspired oxygen concentrations of 0.21 and 1.00, and of allopurinol (an antioxidant). METHODS: Sixty Wistar rats were randomly allocated to six groups. Group I was the control group, while Groups II and III comprised the animals ventilated during ischaemia-reperfusion with 0.21 and 1.00 FiO2, respectively. The three remaining groups IA, IIA and IIIA were pre-treated with 100 mg/kg allopurinol and submitted to similar procedures as groups I, II and III respectively. The model used was normothermic ischaemia-reperfusion in situ. The duration of ischaemia was 30 minutes and that of reperfusion 10 minutes. Outcome measures included mean systemic arterial pressure (MAP), the partial pressure of oxygen/inspired fraction of oxygen (PaO2/FiO2) ratio, the level of thiobarbituric acid reactive substances (TBARS) in the lung tissue and the lung wet/dry weight ratio. RESULTS: There was a significant (p<0.05) decrease in the MAP among groups III x I, II x IIA and III x IIIA. With regard to the PaO2/FiO2 there was a significant (p<0.05) decrease between groups III x II and III x IIIA. The TBARS level showed a significant (p<0.05) reduction in group III compared to group IIIA. Meanwhile, there was a significant (p<0.05) increase in the lung wet/dry weight ratio comparing groups III x II, II x IIA and III x IIIA. CONCLUSION: Ventilation with 21% oxygen (FiO2=0.21), when compared to ventilation with 100% oxygen (FiO2 =1.0), resulted in a smaller decrease in MAP, an improved PaO2/FiO2 ratio and less pulmonary oedema. Compared to non-treated groups, the pre-treatement with allopurinol lead to a lower MAP decrease, an improved PaO2/FiO2 ratio, lower TBARS production and less pulmonary oedema.

Reperfusion; Oxygen free radicals; Lung; Allopurinol


ARTIGO ORIGINAL

Efeito da ventilação com diferentes frações inspiradas de oxigênio e do alopurinol na isquemia-reperfusão pulmonar em ratos

Effects of ventilation with different inspired oxygen concentrations and of allopurinol on lung ischaemia-reperfusion injury in rats

Fábio May da SilvaI; Rafael José SilveiraII; Ana Luiza de Lima Curi HallalIII; Danilo Wilhelm FilhoIV; João José de Deus Cardoso, ACBC-SCV; Luiz Eduardo Villaça Leão, TCBC-SPVI

IMestre em Cirurgia Torácica pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Cirurgião Torácico da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina

IIMestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Santa Catarina; Cirurgião Torácico da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina

IIIMestre em Epidemiologia pela Faculdade de Saúde Pública e Epidemiologista da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Santa Catarina

IVProfessor Titular do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina

VProfessor Adjunto, Doutor, Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica e do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Santa Catarina

VIProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 16/10/2003 Aceito para publicação em 28/04/2004

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito da ventilação associada a frações inspiradas de oxigênio a 0,21 e 1,00 e do alopurinol (antioxidante) na isquemia-reperfusão pulmonar.

MÉTODO: Foram utilizados 60 ratos Wistar, distribuídos aleatoriamente em seis grupos. O grupo 1 foi o controle; no grupo 2 os animais foram ventilados durante a isquemia-reperfusão pulmonar com FiO2 de 0,21; e no grupo 3, com FiO2 de 1,00. Os três grupos restantes 1A, 2A e 3A foram medicados com 100 mg/kg de alopurinol no pré-operatório e submetidos a procedimentos semelhantes aos grupos 1, 2 e 3, respectivamente. O modelo utilizado foi de isquemia-reperfusão normotérmica, in situ. O tempo de isquemia foi de 30 minutos, e o de reperfusão, de 10 minutos. Como parâmetros de avaliação foram utilizados a pressão arterial média sistêmica (PAM), a relação da pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2), a dosagem das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) no tecido pulmonar e a relação entre peso pulmonar úmido e peso pulmonar seco.

RESULTADOS: Em relação à PAM, ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 1, 2 x 2A e 3 x 3A. Na PaO2/FiO2 ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 2 e 3 x 3A. Nas TBARS ocorreu diminuição significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 3A. Na relação peso pulmonar úmido/seco ocorreu aumento significante (p<0,05) entre os grupos 3 x 2, 2 x 2A e 3 x 3A.

CONCLUSÕES: A ventilação com oxigênio a 21%, quando comparada à ventilação com oxigênio a 100%, apresentou diminuição menos acentuada da PAM, melhor relação entre PaO2/FiO2, e menor edema pulmonar. O uso de alopurinol no pré-operatório mostrou uma diminuição menos acentuada da PAM, melhor relação entre PaO2/FiO2, menor produção de TBARS e menor edema pulmonar, quando comparado aos resultados dos grupos que não o utilizaram.

Descritores: Reperfusão; Radicais livres de oxigênio; Pulmão; Alopurinol.

ABSTRACT

BACKGROUND: To evaluate the effects on lung ischaemia-reperfusion injury of ventilation with inspired oxygen concentrations of 0.21 and 1.00, and of allopurinol (an antioxidant).

METHODS: Sixty Wistar rats were randomly allocated to six groups. Group I was the control group, while Groups II and III comprised the animals ventilated during ischaemia-reperfusion with 0.21 and 1.00 FiO2, respectively. The three remaining groups IA, IIA and IIIA were pre-treated with 100 mg/kg allopurinol and submitted to similar procedures as groups I, II and III respectively. The model used was normothermic ischaemia-reperfusion in situ. The duration of ischaemia was 30 minutes and that of reperfusion 10 minutes. Outcome measures included mean systemic arterial pressure (MAP), the partial pressure of oxygen/inspired fraction of oxygen (PaO2/FiO2) ratio, the level of thiobarbituric acid reactive substances (TBARS) in the lung tissue and the lung wet/dry weight ratio.

RESULTS: There was a significant (p<0.05) decrease in the MAP among groups III x I, II x IIA and III x IIIA. With regard to the PaO2/FiO2 there was a significant (p<0.05) decrease between groups III x II and III x IIIA. The TBARS level showed a significant (p<0.05) reduction in group III compared to group IIIA. Meanwhile, there was a significant (p<0.05) increase in the lung wet/dry weight ratio comparing groups III x II, II x IIA and III x IIIA.

CONCLUSION: Ventilation with 21% oxygen (FiO2=0.21), when compared to ventilation with 100% oxygen (FiO2 =1.0), resulted in a smaller decrease in MAP, an improved PaO2/FiO2 ratio and less pulmonary oedema. Compared to non-treated groups, the pre-treatement with allopurinol lead to a lower MAP decrease, an improved PaO2/FiO2 ratio, lower TBARS production and less pulmonary oedema.

Key words: Reperfusion; Oxygen free radicals; Lung; Allopurinol.

INTRODUÇÃO

O transplante de pulmão tornou-se uma opção terapêutica em pacientes portadores de estágios finais de doenças pulmonares em vários centros especializados1-3. Embora tenha alcançado bons resultados, continua havendo fatores limitantes para a sua realização, entre eles a dificuldade de obtenção do enxerto e a rejeição, a infecção e a preservação do órgão. Observa-se que 10% a 20% dos pacientes desenvolvem falência primária do enxerto, que é o principal responsável pela alta mortalidade no pós-operatório imediato4. A falência primária do enxerto é caracterizada por uma grave alteração funcional e manifesta-se com edema e diminuição da complacência pulmonar. Essa situação é provavelmente conseqüência da lesão de isquemia-reperfusão, que é fortemente influenciada pela preservação do órgão4-6.

Durante o período de preservação pulmonar, a isquemia do pulmão leva a uma queda da produção energética da célula e se estabelece o metabolismo anaeróbio. A reperfusão, necessária para a recuperação do metabolismo celular normal, paradoxalmente, pode aumentar a lesão celular pela reintrodução do oxigênio molecular e a conseqüente liberação excessiva de espécies reativas de oxigênio, que estão diretamente relacionadas à lesão de isquemia-reperfusão7. No sentido de diminuir a lesão de isquemia-reperfusão, estudos estão sendo direcionados para determinação da temperatura ideal de preservação (hipotermia), soluções de preservação, padrão ventilatório e utilização de substâncias que bloqueiem a ação das espécies reativas de oxigênio.

Quanto ao padrão ventilatório, estudos clínicos e experimentais têm demonstrado a sua importância durante a preservação pulmonar, em que a insuflação pulmonar mostrou-se superior à atelectasia8-10. Outros estudos consideram um efeito protetor a manutenção da ventilação durante o período de isquemia11-13. A fração inspirada de oxigênio ideal ainda não foi determinada e apresenta dados conflitantes na literatura. Weder et al.14 utilizaram insuflação com nitrogênio e verificaram grande dificuldade de trocas gasosas após a preservação. Akashi et al.15 obtiveram efeito protetor contra o dano celular com a insuflação com oxigênio a 21%. Enquanto isso, Date et al.16 sugeriram uma melhor preservação com a utilização de insuflação pulmonar estática com oxigênio a 100%. Em nosso meio, Silveira17 referiu menor lesão da isquemia-reperfusão em ratos ventilados com oxigênio a 21%.

Do mesmo modo, as substâncias antioxidantes têm sido objeto de estudo, levando-se em consideração a atuação prejudicial do excesso de espécies reativas de oxigênio formadas e liberadas durante o período de preservação e logo após a reperfusão do órgão transplantado3.

Nesse sentido, o alopurinol, que age como inibidor da produção e varredor de espécies reativas de oxigênio, mostrou-se eficaz na prevenção da lesão de isquemia-reperfusão no cérebro18, coração19, intestino20, fígado21, rim22 e pulmão23.

Considerando-se os aspectos polêmicos da ventilação associada a diferentes frações inspiradas de oxigênio e do alopurinol na isquemia-reperfusão pulmonar, o objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito da ventilação com frações inspiradas de oxigênio a 0,21 e 1,00 e do alopurinol na isquemia-reperfusão pulmonar.

MÉTODO

Foram utilizados 60 ratos (Rattus norvegicus albinus) da linhagem Wistar, machos, adultos, com peso individual entre 300g e 350 gramas (g), procedentes do Biotério Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O experimento foi realizado no Laboratório de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Clínica Cirúrgica da UFSC, depois de o projeto ter sido aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais em Pesquisa.

Os animais passaram por um período mínimo de adaptação de oito dias, recebendo água e ração ad libitum até o início do experimento, e foram distribuídos aleatoriamente em seis grupos, descritos a seguir.

GRUPO 1: (n = 10) Animais submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21) e toracotomia.

GRUPO 2: (n = 10) Animais submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21), toracotomia e pinçamento parcial do hilo pulmonar esquerdo (artéria-veia) com micropinças vasculares. Os pulmões foram ventilados com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21) durante o período de isquemia-reperfusão.

GRUPO 3: (n = 10) Animais submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21), toracotomia e pinçamento parcial do hilo pulmonar esquerdo (artéria-veia) com micropinças vasculares. Os pulmões foram ventilados com oxigênio a 100% (FiO2 = 1,00) durante o período de isquemia-reperfusão.

GRUPO 1A: (n = 10) Animais medicados com alopurinol no pré-operatório e submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21) e toracotomia.

GRUPO 2A: (n = 10) Animais medicados com alopurinol no pré-operatório e submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21), toracotomia e pinçamento parcial do hilo pulmonar esquerdo (artéria-veia) com micropinças vasculares. Os pulmões foram ventilados com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21) durante o período de isquemia-reperfusão.

GRUPO 3A: (n = 10) Animais medicados com alopurinol no pré-operatório e submetidos à ventilação com oxigênio a 21% (FiO2 = 0,21), toracotomia e pinçamento parcial do hilo pulmonar esquerdo (artéria-veia) com micropinças vasculares. Os pulmões foram ventilados com oxigênio a 100% (FiO2 = 1,00) durante o período de isquemia-reperfusão.

Os animais receberam como medicação pré-anestésica a atropina na dose de 0,25 miligramas por quilo (mg/kg), por via subcutânea, e foram anestesiados com uma mistura de pentobarbital sódico a 3% e cloridrato de 2-(2,6-xilidino)-5,6- dihidro-4H-1,3-tiazina, na proporção de 10:1. Foram administrados 0,10 mililitros (ml)/100g de peso da mistura, por via intramuscular, na face interna da pata traseira. O animal foi considerado anestesiado quando da perda do reflexo córneopalpebral e ausência da reação motora pela preensão do coxim adiposo da pata dianteira.

Realizou-se traqueostomia cervical, intubação traqueal com cateter de polietileno n.º 6, e iniciou-se a ventilação mecânica com o aparelho Harvard – 683, numa freqüência de 80 movimentos respiratórios por minuto e volume de ar corrente, calculado por meio da curva Kleinmann & Radford.

Efetuou-se laparotomia mediana para a cateterização da aorta abdominal com cateter de silicone n.º 0, que foi utilizado para a heparinização do animal, medida da pressão arterial média sistêmica (PAM) e colheita de sangue para análise da pressão parcial de oxigênio arterial (PO2). A heparinização sistêmica do animal se fez por meio da administração de 0,50 ml de uma solução de cloreto de sódio a 0,9% contendo 0,02 ml de heparina na concentração de 5.000 unidades (U)/ml.

Efetuou-se toracotomia anterior bilateral com secção transversal do esterno no seu 1/3 médio. Com auxílio do microscópio de luz D. F. Vasconcelos MC-5 em aumento de oito vezes, utilizando-se técnica microcirúrgica, dissecou-se o hilo pulmonar esquerdo e individualizaram-se a artéria e a veia pulmonares esquerdas, que foram mantidas pinçadas nos grupos 2, 3, 2A e 3A durante o período de isquemia.

Administrou-se o alopurinol na dose de 100 mg/kg, por gavagem, 24 horas antes do experimento nos animais dos grupos 1A, 2A e 3A.

O pulmão esquerdo foi submetido a um período de 30 minutos de isquemia e 10 minutos de reperfusão in situ. A temperatura da sala operatória variou entre 19 e 24 graus Celsius. Durante o período de isquemia-reperfusão, os pulmões foram ventilados com diferentes frações inspiradas de oxigênio (FiO2), conforme o grupo estudado. No tempo denominado de "finalização do ato operatório", efetuou-se a irrigação pulmonar com solução de cloreto de sódio a 0,9%. Para isso, procedeu-se à ligadura das veias cavas superiores e inferior, secção parcial do arco aórtico, cateterismo do átrio direito e injeção lenta de 10,00 ml de solução de cloreto de sódio a 0,9% à temperatura ambiente. Em seguida, foram realizadas as pneumonectomias esquerda e direita, o que resultou na morte do animal.

A representação esquemática dos procedimentos efetuados em cada grupo é mostrada na Figura 1.


Os métodos de avaliação utilizados foram:

1. Medida da pressão arterial média sistêmica (PAM) realizada nos tempos zero (T0) – imediatamente antes do pinçamento parcial do hilo pulmonar esquerdo; trinta (T30) – 30 minutos após o início da isquemia e imediatamente antes do despinçamento do hilo pulmonar esquerdo; e quarenta (T40) – 10 minutos após o início da reperfusão, por meio de um manômetro aneróide, sendo os seus valores expressos em mmHg;

2. Medida da relação da pressão parcial de oxigênio arterial/fração inspirada de oxigênio (PO2/FiO2) realizada nos tempos T0, T30 e T40. A medida da PO2 arterial foi realizada por meio de gasometria arterial no Laboratório Central do Hospital Universitário da UFSC e teve seus valores expressos em mmHg;

3. Dosagem no tecido pulmonar das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS): realizada em amostras de pulmão submetido à isquemia-reperfusão, por meio de espectrofotometria no laboratório de Ecofisiologia Respiratória da UFSC. A porção do parênquima pulmonar retirada foi pesada para a preparação dos homogenizados, obtidos em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4, contendo 0,1% de Triton X-100 e 150 mM de cloreto de sódio (1:20 p/v). A homogeneização foi realizada a 4ºC, com cerca de 20 impactos em homogeneizador Potter-Elvehjem, seguidos de centrifugação a 10.000 g (gravidade) durante 10 minutos. Os sobrenadantes foram mantidos a –20 ºC até a sua utilização para as análises das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e as avaliações dessas substâncias foram realizadas em triplicatas, por meio da detecção em A535 nm, dos derivados de seus produtos de oxidação, considerando as substâncias que reagem com o ácido tiobarbitúrico (malondialdeído), e que produzem uma base de Shiff de coloração rosa. Os homogenizados foram precipitados com ácido tricloroacético (TCA) a 12% e agitados vigorosamente. Em seguida, foram incubados em tampão Tris-HCl 60 mM 7,4 (0,1 mM DPTA) e ácido tiobarbitúrico (TBA) 0,73%, durante 60 minutos a 100 ºC. Depois, o material foi resfriado durante 30 minutos a 5 ºC e centrifugado (5 min a 10.000 g), e a absorvância do cromóforo medida em 535 nm, sendo os valores expressos em nmol g-1.

4. Medida da relação do peso pulmonar úmido e peso pulmonar seco: realizada por meio da pesagem de uma porção do pulmão esquerdo (pulmão submetido à isquemia-reperfusão) in natura (peso úmido) e sua relação com a mesma porção após secagem em estufa a 60 ºC por 4 horas (peso seco), utilizando-se uma balança de alta precisão, com os seus valores expressos em gramas (g).

Para análise dos resultados utilizaram-se os seguintes testes estatísticos:

1 – análise de variância não paramétrica por postos de Kruskal-Wallis, quando se comparam possíveis diferenças entre os grupos (1 x 2 x 3 e 1A x 2A x 3A); e

2 – quando o teste de Kruskal-Wallis apresentou significância estatística, ele foi complementado pelo teste de comparações múltiplas de Mann-Whitney (1 x 2, 1 x 3, 2 x 3, 1A x 2A, 1A x 3A, 2A x 3A).

Quando se compararam possíveis diferenças entre os grupos (1 x 2 x 3 e 1A x 2A x 3A) no tempo zero, a variável foi usada com o seu valor absoluto.

Quando se compararam possíveis diferenças entre os grupos (1 x 2 x 3 e 1A x 2A x 3A) no tempo quarenta, preferiu-se utilizar as variáveis:

Quanto ao sinal, ele foi positivo quando signiq u um aumento da variável, e negativo quando significou uma diminuição de acordo com o sentido biológico do fenômeno.

Em todos os casos o nível de rejeição da hipótese de nulidade foi sempre fixado em um nível de confiança de 95%, ou seja, com um valor igual ou menor do que 0,05 (5%).

Quando os cálculos estatísticos apresentavam um valor significante, usou-se um asterisco (*) para caracterizá-lo.

As médias foram calculadas apenas a título de informação e serviram para a confecção de gráficos.

RESULTADOS

Medida da pressão arterial média

Ocorreu diminuição significante da PAM do tempo zero para o tempo quarenta minutos no grupo submetido à isquemia-reperfusão com oxigênio a 100% sem alopurinol quando comparado ao grupo controle sem alopurinol (3 x 1).

Ocorreu diminuição significante do tempo zero para o tempo quarenta minutos da PAM nos grupos sem alopurinol, quando comparados aos grupos com alopurinol (2 x 2A e 3 x 3A) (Gráfico 1).


Medida da relação PO2/FiO2

Ocorreu diminuição significante da relação PO2/FiO2 do tempo zero para o tempo quarenta minutos no grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% sem alopurinol, quando comparado ao grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 21% sem alopurinol (3 x 2).

Ocorreu diminuição significante do tempo zero para o tempo quarenta minutos da relação PO2/FiO2 no grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% sem alopurinol quando comparado ao grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% com alopurinol (3 x 3A).

Não ocorreu diminuição significante da relação PO2/ FiO2 do tempo zero para o tempo quarenta minutos nos grupos submetidos à isquemia-reperfusão com alopurinol (2A, 3A) (Gráfico 2).


Dosagem das TBARS

Não ocorreu diferença significante das TBARS nos pulmões dos grupos submetidos à isquemia-reperfusão sem alopurinol (2 e 3).

Ocorreu uma diminuição significante das TBARS nos pulmões do grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% com alopurinol, quando comparado aos pulmões do grupo submetido a isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% sem alopurinol (3A x 3).

Não ocorreu diferença significante das TBARS nos pulmões dos grupos submetidos à isquemia-reperfusão com alopurinol (2A e 3A) (Gráfico 3).


Relação peso pulmonar úmido/seco

Ocorreu aumento significante na relação peso pulmonar úmido/seco nos pulmões do grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 100% sem alopurinol, quando comparado aos pulmões do grupo submetido à isquemia-reperfusão ventilado com oxigênio a 21% sem alopurinol (3 x 2).

Ocorreu aumento significante na relação peso pulmonar úmido/seco nos pulmões dos grupos submetidos à isquemia-reperfusão sem alopurinol, quando comparados aos pulmões dos grupos submetidos à isquemia-reperfusão com alopurinol (2 x 2A e 3 x 3A) (Gráfico 4).


DISCUSSÃO

A falência primária do enxerto no pós-operatório imediato do transplante pulmonar, responsável por uma alta mortalidade precoce, deve-se, principalmente, a alterações metabólicas conseqüentes da lesão de isquemia-reperfusão2-6. A partir da retirada do órgão, durante o período de preservação pulmonar, inicia-se o processo da isquemia. Com isso ocorre a interrupção no suprimento de oxigênio e nutrientes que impedem a fosforilação oxidativa da glicose na mitocôndria. Iniciase o metabolismo anaeróbio, incapaz de gerar energia suficiente para a manutenção da função celular. A queda da energia manifesta-se com déficit de trifosfato de adenosina e quebra do gradiente iônico da membrana celular, o que leva a um acúmulo de sódio e cálcio no meio intracelular. Com isso ocorre um aumento da difusão de água para o meio intracelular, provocando edema e desintegração das organelas com liberação de enzimas que podem levar à morte celular24.

Do mesmo modo, a degradação dos estoques de trifosfato de adenosina leva a um aumento da hipoxantina intracelular. Paralelamente, durante a isquemia, ocorre um aumento do cálcio citosólico, que irá catalisar a conversão da enzima xantina-desidrogenase em xantina-oxidase na célula. Com a reperfusão tecidual, ocorre a reintrodução do oxigênio molecular, que irá reagir com a hipoxantina, por ação da xantinaoxidase, e levará à liberação de substâncias chamadas de espécies reativas de oxigênio (EROs), consideradas as principais responsáveis pela lesão celular7,25. As EROs diretamente envolvidas na lesão de isquemia-reperfusão são o ânion superóxido, o peróxido de hidrogênio e o radical hidroxila26. Quando a liberação de EROs ultrapassa as defesas endógenas, ocorre o estresse oxidativo, que propiciará a interação destas com os fosfolípides da membrana celular. Ocorre uma reação em cadeia, chamada de peroxidação lipídica, que é responsável pela disfunção e destruição da membrana celular o que poderá culminar com a morte da célula7,26. Essa reação com os fosfolipídios da membrana celular e das organelas forma reagentes, oxidantes instáveis, mediadores inflamatórios e produtos tóxicos, que possuem uma meia-vida mais longa do que a das EROs, tendo a capacidade de se propagar a distância, e de exercer efeitos lesivos27.

Estudos experimentais são direcionados ao controle do estresse oxidativo, em que se destaca o uso de antioxidantes e agentes varredores de radicais livres para o controle da lesão de isquemia-reperfusão. Entre eles, citam-se as vitaminas C e E28, deferroxamina29, dimetiluréia30, superóxido dismutase31, lazaróide32 e o alopurinol33. A atuação do alopurinol como protetor tecidual da lesão de isquemia-reperfusão tem sido demonstrada experimentalmente19,20,22,23. O alopurinol apresenta uma estrutura análoga à da hipoxantina, agindo como inibidor da xantina-oxidase, o que leva a uma menor produção do radical superóxido, um dos iniciadores do estresse oxidativo. Além disso, o oxipurinol, seu maior metabólito, mostrou-se um potente "varredor" do radical hidroxila33, que é o principal responsável pela peroxidação lipídica da membrana celular.

O estado da insuflação pulmonar durante o período de isquemia parece ser outro fator diretamente relacionado à lesão de isquemia-reperfusão pulmonar. Veith et al.8 mostraram que pulmões atelectasiados, quando comparados a pulmões insuflados, durante a isquemia, apresentam pior qualidade do enxerto no pós-operatório em cães submetidos a transplante pulmonar. Do mesmo modo, Fukuse et al.10 observaram que os pulmões atelectasiados apresentam uma maior deterioração funcional quando comparados aos pulmões hiperinsuflados durante o período de isquemia. Por outro lado, efeitos benéficos da ventilação durante o período de isquemia quando comparados à hiperinsuflação estática, têm sido demonstrados em trabalhos experimentais. Observou-se que a ventilação levou a uma redução do edema pulmonar23 e à manutenção da integridade vascular12,13 e do surfactante, que está relacionado com a integridade da membrana alvéolocapilar34. Em nosso meio, Cardoso35 mostrou maiores níveis de pressão arterial média sistêmica e pressão parcial de oxigênio arterial e menores níveis de lactato tecidual pulmonar em pulmões de ratos ventilados, quando comparados aos hiperinsuflados.

O efeito da ventilação como protetora da lesão de isquemia-reperfusão tem sido demonstrado independentemente da fração inspirada de oxigênio; porém, quando essa é levada em consideração,os dados são controversos. Koyama et al.36 observaram menor edema pulmonar em pulmões ventilados com nitrogênio quando comparados àqueles ventilados com oxigênio a 21% e 100%. Badellino et al.37 mostraram diminuição da lesão de isquemia-reperfusão em pulmões ventilados com oxigênio a 21%. Hamvas et al.11 verificaram melhor função pulmonar em pulmões ventilados com oxigênio a 40% em cães. Esses achados diferem das considerações de Hennington et al.38, que verificaram uma melhor função pulmonar pós-isquemia-reperfusão com a ventilação com oxigênio a 100%, quando comparada a com oxigênio a 21%.

O modelo experimental de isquemia –reperfusão utilizado neste estudo segue o padrão desenvolvido por Eppinger et al39 e Cardoso35 .Em relação à isquemia, levou-se em consideração o estudo de De Leyn et al.40 que demonstraram que o tempo de isquemia normotérmica de 15 minutos resultou numa diminuição dos níveis de ATP em pulmões de coelhos, e o estudo de McCord7, que referiu que a conversão da xantinadesidrogenase em xantina-oxidase em pulmões de ratos requer aproximadamente 30 minutos de isquemia. Do mesmo modo, Al-MehdI et al.41 observaram peroxidação lipídica já com 30 minutos de isquemia em ratos.

Em relação à reperfusão, Mills et al.42 demonstraram alterações estruturais do endotélio vascular com perda de continuidade entre as células com cinco minutos de reperfusão em cães. Pierre et al.43 estudaram pulmões de ratos em isquemia normotérmica e relataram manifestações de lesão de isquemia-reperfusão após dez minutos de reintrodução do fluxo sanguíneo. Halldorsson et al.44 verificaram atenuação das manifestações da lesão de isquemia-reperfusão após cinco a dez minutos de reperfusão, com o controle da pressão de reperfusão pulmonar, o que sugere que a lesão de reperfusão inicia-se neste período.

O alopurinol foi usado com antioxidante exógeno, pois se considerou a xantina-oxidase tecidual a maior fonte de liberação de espécies reativas de oxigênio no pós-reperfusão imediato3,7. Além disso, o animal estudado apresenta altas concentrações de xantina-oxidase tecidual no brônquio e alvéolos45, o que facilita a observação do fenômeno.

O alopurinol foi utilizado em baixas doses no intuito de promover uma inibição parcial da produção de espécies reativas de oxigênio, para que se pudesse avaliar um eventual efeito associado das diferentes frações inspiradas de oxigênio, além de servir como grupo-controle positivo.

A medida da pressão arterial média (PAM) foi realizada a fim de se avaliarem efeitos sistêmicos da isquemia-reperfusão pulmonar. Isso porque a lesão de isquemia-reperfusão promove a liberação de substâncias vasoativas como os metabólitos do ácido araquidônico, produtos do complemento e outros produtos tóxicos que são lançados na circulação sanguínea após a reperfusão. Essas substâncias determinam diminuição da resistência vascular periférica e, por conseqüência, diminuição da PAM46.

Os resultados do experimento não mostraram diferença significante das medidas da PAM entre os grupos no tempo zero, o que sugere uma homogeneização dos grupos até esse momento. Ocorreu uma diminuição da PAM nos grupos submetidos à isquemia-reperfusão, sendo esta diminuição significante no grupo ventilado com alta fração inspirada de oxigênio (oxigênio a 100%). Este achado está de acordo com Haniuda et al.30, que verificaram que a ventilação com altas frações inspiradas de oxigênio durante a isquemia-reperfusão pulmonar apresentou uma maior peroxidação lipídica. Essa observação sugere uma maior formação de espécies reativas de oxigênio, maior dano tecidual e maior liberação de substâncias vasoativas.

O uso do alopurinol nos grupos submetidos à isquemia-reperfusão proporcionou uma menor diminuição da PAM, de modo significante, quando comparados aos grupos sem alopurinol. Assim, o alopurinol provavelmente preveniu a liberação de EROs nos grupos submetidos à isquemia-reperfusão, bem como atenuou o efeito nocivo da alta fração inspirada de oxigênio associada à ventilação.

Outro parâmetro da avaliação foi a pressão parcial de oxigênio, que é um dos principais indicadores da função pulmonar pós-transplante e que demonstra a integridade da membrana alvéolo-capilar1,47,48. Desse modo, a pressão parcial de oxigênio reflete de forma global as alterações decorrentes da lesão de isquemia-reperfusão, no que se refere à função primordial do pulmão, que é a troca gasosa.

No presente estudo, optou-se pela análise da relação PO2/FiO2, a fim de obter-se uma melhor comparação entre os grupos ventilados com diferentes frações inspiradas de oxigênio. Os resultados do estudo mostraram que não houve diferença significante na relação entre PO2 e FiO2 entre o grupo submetido à isquemia-reperfusão com oxigênio a 21% (FiO2=0,21) e o grupo-controle. Isso sugere o benefício da ventilação pulmonar com baixa fração inspirada de oxigênio, provavelmente devido à manutenção da integridade da membrana álveolo-capilar, cujas células necessitam de níveis de ATP próximos ao ideal para a manutenção do gradiente iônico da membrana citoplasmática5.

Por outro lado, observou-se nos animais submetidos à isquemia-reperfusão que ocorreu uma diminuição significante da relação PO2/FiO2 no grupo ventilado com oxigênio a 100% (FiO2=1,00), quando comparado ao grupo ventilado com oxigênio a 21% (FiO2=0,21). Esse achado corrobora com Koyama et al.36 e com Haniuda et al.30, que sugeriram que altas frações inspiradas de oxigênio levam a uma maior liberação de espécies reativas de oxigênio com maior dano celular, piorando a função do enxerto.

O uso do alopurinol fez desaparecer a diferença significante observada entre os pulmões ventilados com alta e baixa frações inspiradas de oxigênio. Isso sugere que essa diferença é conseqüente da grande liberação de EROs, sendo parcialmente equilibrada pelo uso do antioxidante. O mesmo foi demonstrado por Zhao et al.49, que também observaram a ação protetora do alopurinol em pulmões de ratos.

A dosagem das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) quantifica a substância malondialdeído, que é o produto final da peroxidação lipídica da membrana celular. É um dos métodos mais comumente utilizados no estudo da lesão de isquemia-reperfusão tecidual17,22,29,32,49. O presente estudo mostrou uma tendência de aumento nos valores das TBARS nos pulmões submetidos à isquemia-reperfusão sem alopurinol. Esse aumento mostrou uma relação direta com a elevação das frações inspiradas de oxigênio na ventilação pulmonar. Esse dado é semelhante aos de Ayene et al.29 e Haniuda et al.30, que em estudos experimentais em pulmões de ratos também observaram uma correlação direta entre o aumento das TBARS e o aumento da fração inspirada de oxigênio utilizada durante a isquemia-reperfusão.

Quando se compararam os grupos que não utilizaram alopurinol com os que o utilizaram, observou-se uma menor liberação de TBARS nos grupos medicados com alopurinol, sendo essa diferença significante no grupo ventilado com oxigênio a 100% (FiO2=1,00). O efeito protetor do alopurinol contra a peroxidação lipídica também foi demonstrado por Nezu et al.50 em soluções de preservação pulmonar.

A relação peso pulmonar úmido/seco reflete o edema pulmonar secundário à lesão de isquemia-reperfusão e está relacionada com o aumento da permeabilidade capilar pulmonar, devido a uma disfunção do endotélio, em conseqüência da diminuição do ATP, liberação de metabólitos tóxicos do oxigênio e mediadores inflamatórios locais, como a interleucina 1 e o fator de necrose tumoral39.

No presente estudo ocorreu um aumento significante na relação do peso pulmonar úmido/seco nos pulmões ventilados com oxigênio a 100% (FiO2=1,00) sem alopurinol, quando comparados aos pulmões ventilados com oxigênio a 21% (FiO2=0,21) sem alopurinol. Esse aumento do edema pulmonar, associado à ventilação com altas frações inspiradas de oxigênio, também foi demonstrado por Fukuse et al.51. Por outro lado, o uso do alopurinol no pré-operatório preveniu de maneira significante o edema pulmonar, tanto no grupo ventilado com oxigênio a 21% (FiO2=0,21) quanto no grupo ventilado com oxigênio a 100% (FiO2=1,0). Esse achado é semelhante ao de Okuda et al.23, que demonstraram atenuação da lesão de isquemia-reperfusão e menor edema pulmonar com o uso do alopurinol.

Numa análise global, verificou-se que a ventilação com oxigênio a 21% promoveu menor lesão de isquemia-reperfusão pulmonar do que a ventilação com oxigênio a 100%. Do mesmo modo, o uso associado de um antioxidante (alopurinol) mostrou-se capaz de prevenir parcialmente essa lesão, provavelmente pela menor liberação de espécies reativas de oxigênio. Um dado aparentemente contraditório foi a observação de melhores resultados no grupo ventilado com oxigênio a 100% e que utilizou o antioxidante, sugerindo que o efeito deletério da alta concentração de oxigênio associada à ventilação durante a isquemia-reperfusão pulmonar deve-se basicamente ao estresse oxidativo, parecendo que, quando este é bloqueado, o oxigênio em concentração tem algum efeito benéfico.

Estudos futuros podem ser direcionados a este achado, bem como ao estudo da resposta inflamatória coexistente, também relacionada à toxicidade do oxigênio em alta concentração.

Fábio May da Silva

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Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 16/10/2003
    Aceito para publicação em 28/04/2004
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      28 Abr 2004
    • Recebido
      16 Out 2003
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