Avaliação do tempo de trânsito colônico com marcadores radiopacos: estudo com voluntários assintomáticos

Evaluation of colonic transit time with radiopaque markers: a study in asymptomatic volunteers

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do tempo de trânsito colônico com marcadores radiopacos: estudo com voluntários assintomáticos

Evaluation of colonic transit time with radiopaque markers: a study in asymptomatic volunteers

Carlos Walter Sobrado, TCBC-SP^I; Carlos Eduardo Fonseca Pires^II; Angelita Habr-Gama, TCBC-SP^III; Desidério Roberto Kiss, ECBC-SP^IV

^IProfessor Assistente Doutor da Disciplina de Coloproctologia pela FMUSP

^IIResidente de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da FMUSP

^IIIProfessora Titular da Disciplina de Coloproctologia da FMUSP

^IVProfessor Livre Docente pela FMUSP; Chefe da Disciplina de Coloproctologia da FMUSP

^{Endereço para correspondência}

RESUMO

OBJETIVO: Com a introdução de marcadores radiopacos para avaliação do tempo de trânsito intestinal, tornou-se possível mensurar não apenas o tempo de trânsito total, como também o segmentar. Visando a simplificação da técnica, especialmente no que diz respeito à diminuição da exposição à irradiação, foi descrito novo método com número menor de radiografias. Os autores apresentam estudo do tempo de transito colônico total e segmentar em indivíduos normais.

MÉTODO: Quinze voluntários adultos e assintomáticos, oito do sexo feminino e sete do masculino, foram submetidos a exame radiológico com marcadores radiopacos para medida do tempo de trânsito colônico total e segmentar (cólon direito, esquerdo e retossigmóide).

RESULTADOS: A média do tempo de trânsito colônico total foi de 36,61 ± 3,48 horas. Dos tempos de trânsito segmentares obtivemos as médias de 11,51 ± 2,28 horas para o cólon direito; de 12,14 ± 2,19 horas para o cólon esquerdo; e de 12,96 ± 2,23 horas para o retossigmóide.

CONCLUSÕES: A técnica descrita é método simples e útil para a avaliação do tempo de trânsito colônico total e segmentar e quando aplicada a indivíduos assintomáticos reproduziu resultados comparáveis aos da literatura e aos obtidos a partir de outras técnicas.

Descritores: Trânsito Gastrointestinal; Constipação; Cólon/Radiografia; Fatores de Tempo.

ABSTRACT

BACKGROUND: Using the method for evaluation of gut transit times using radiopaque markers it has been possible to measure not only total colonic transit time but also segmental colonic transit. A modified method, making it more simple and reducing the number of radiographs was described. The aim of this study was to evaluatie the total and segmental colonic transit time of asymptomatic volunteers.

METHODS: Total and segmental colonic transit has been measured through the ingestion of radiopaque markers in fifteen asymptomatic adult volunteers, eight females and seven males.

RESULTS: Mean total colonic transit time was 36.61 ± 3.48 hours. Segmentar colonic transit time was 11.51 ± 2.28 hours for the right colon, 12.14 ± 2.19 hours for the left colon, and, 12.96 ± 2.23 hours for the rectosigmoid.

CONCLUSION: The technique described is a simple and useful method for the evaluation of colonic transit time. Our results in asymptomatic volunteers were comparable to those described in the literature, even when obtained by other methods.

Key words: Gastrointestinal Transit; Constipation; Colon/Radiography; Time Factor

INTRODUÇÃO

A constipação intestinal é um sintoma comum em várias doenças, constituindo-se em uma das principais causas que leva o paciente a procurar atendimento médico. Nos EUA aproximadamente 5% da população tem queixa relacionada a este sintoma. A prevalência da constipação intestinal aumenta com a idade: em pacientes com mais de 65 anos é da ordem de 4,5% e acima dos 75 anos chega a 10,2%. Vale ainda lembrar que as mulheres queixam- se mais de constipação do que os homens, assim como os não caucasianos são mais acometidos do que os caucasianos. O sintoma de constipação intestinal pode adquirir diferentes conceitos conforme o indivíduo, de modo que um determinado número de evacuações num certo período pode ser considerado normal para uns e anormal para outros^1-3.

Uma avaliação médica objetiva deste subjetivo sintoma não constitui tarefa fácil, e vários autores se referem a pacientes com queixas de constipação e exame de trânsito intestinal normal^4-7. Portanto, para definir a constipação intestinal deve ser levada em conta não apenas a freqüência evacuatória, mas também a consistência da matéria fecal, o grau de esforço evacuatório e a presença ou não de dor.

Por tratar-se de sintoma subjetivo e de difícil mensuração pelos pacientes, o estudo de tempo de trânsito com marcadores torna-se método de grande utilidade para avaliação da motilidade intestinal. Estudos prévios baseados nesse exame foram capazes de diferenciar pacientes verdadeiramente obstipados daqueles portadores de obstipação fictícia, permitindo também classificar os constipados em dois grandes grupos: os portadores de inércia colônica, em que os marcadores ficam distribuídos por todo o cólon, e os com obstrução distal, ou seja, que apresentavam disfunção anorretoperineal que dificultava ou impedia a exoneração intestinal⁴.

O propósito deste estudo foi avaliar e mensurar o tempo de trânsito intestinal total e segmentar em 15 voluntários normais e assintomáticos com a utilização de marcadores radiopacos e radiografias seriadas do abdome.

MÉTODO

Foram estudados 15 indivíduos, sendo oito do sexo feminino, no período de janeiro de 1998 a março de 1999. A idade variou de 19 a 55 anos, sendo a média de 31 anos. O trabalho foi aprovado pelo conselho de ética em pesquisa e todos os indivíduos eram voluntários assintomáticos, e aceitaram participar do estudo após explicação detalhada e com consentimento pós-informado.

Os critérios de inclusão foram:

- freqüência máxima de duas evacuações por dia até o mínimo de três por semana;

- fezes de consistência normal;

- ausência de esforço evacuatório intenso;

- ausência de cirurgias pélvicas;

- ausência de afecções anorretais que alterem a defecação e,

- exame de Machado-Guerreiro negativo.

A avaliação do tempo de trânsito colônico total e segmentar foi realizada como descrito previamente por Chaussade et al, em 1986.⁸ Os pacientes ingeriram uma cápsula de gelatina, pela manhã, que continha 20 marcadores radiopacos (SITZMARKS®, Konsyl Pharmaceuticals Inc., Fort Worth, Texas USA), imediatamente após o desjejum, por três dias consecutivos. Posteriormente foram realizadas radiografias do abdome no 4º e 7º dias, ou a cada três dias até a completa eliminação dos marcadores. Os marcadores foram identificados e contados diretamente nas radiografias, que foram subdivididas em três regiões, a saber: cólon direito, cólon esquerdo e retossigmóide, como descrito por Martelli et al ⁹. Essas três regiões foram identificadas nas radiografias através de uma linha imaginária traçada sobre os processos espinhosos da coluna até a 5ª lombar, e posteriormente duas linhas simétricas que se dirigiam em direção ao contorno da pequena bacia – Figura 1.

O tempo de trânsito total e segmentar foi então calculado usando a seguinte fórmula:

onde N é o número de marcadores ingeridos, n é o número de marcadores presentes na radiografia revelada no tempo t_i, t(i+1)-(i-1)/2 é o intervalo de tempo entre as sucessivas radiografias e j é o número de radiografias realizadas.

Com a técnica utilizada de múltiplos marcadores, a fórmula acima pôde ser simplificada multiplicando-se 1,2 pelo número de marcadores num determinado segmento colônico (ou em toda a radiografia, no caso do tempo de trânsito colônico total). Assim, por exemplo, o número de marcadores encontrados na radiografia do 4° dia no segmento do cólon direito é somado ao número encontrado na radiografia do 7° dia neste mesmo segmento. Esse total multiplicado por 1,2 resulta no tempo de trânsito do cólon direito, em horas.

Os resultados foram estudados estatisticamente utilizando- se do teste de Mann-Whitney para avaliação da diferença do tempo de trânsito entre grupos divididos quanto ao sexo.

RESULTADOS

Os 15 pacientes completaram o estudo, sendo que a média do tempo de trânsito colônico total foi de 36,61 ± 3,48 horas. Com relação ao tempo de trânsito segmentar, foi de 11,51 ± 2,28 horas no cólon direito, de 12,14 ± 2,19 horas no cólon esquerdo e de 12,96 ± 2,23 horas no retossigmóide. Analisando em separado, os indivíduos do sexo masculino e feminino, obtivemos os resultados descritos na Tabela 1. Não houve diferença estatística significativa com relação à idade entre os grupos masculino e feminino (p>0,10). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os gêneros quanto ao tempo de transito total e segmentar (p>0,10) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

A medida do tempo de trânsito intestinal tem despertado o interesse de vários autores desde o início do século, sempre com o objetivo de estudar as alterações da motilidade intestinal. Pioneiramente, Rieder ¹⁰, em 1904, mostrou que o bismuto era bem tolerado no trato digestivo sendo eliminado com as fezes. Posteriormente, diversos outros marcadores foram estudados: bismuto, sulfato de bário, sementes, corante carmine, cromium 51, cápsula radiotelemétrica, radioisótopos Indium 131, tiocianato de cobre, entre outros^{11, 12}.

Todos esses métodos foram abandonados devido às características físico-químicas desses marcadores, que de alguma forma alteravam a velocidade do trânsito intestinal. Após essa série de experiências iniciais, chegou-se a conclusão que o marcador ideal deve possuir as seguintes características: ser inerte, não ser absorvido ou secretado, ser recuperado totalmente nas fezes, ter peso e gravidade específica semelhante ao das fezes, ser facilmente quantificável e ter baixo custo.

Hinton e Lennard-Jones⁶, em 1969, estudaram 25 voluntários normais utilizando marcadores radiopacos especialmente desenvolvidos com as características acima mencionadas, e concluíram que os primeiros marcadores são eliminados em até 72 horas, e no 5º dia mais de 80% dos marcadores ingeridos devem ter sido eliminados. Realizaram tal estudo através de exame radiológico das fezes ⁶. Martelli et al ⁹ em 1978 , repetiram o estudo com marcadores radiopacos, e a mensuração do trânsito intestinal realizada por meio de radiografias do abdome. Com este método conseguia-se diferenciar, de modo objetivo e quantitativo, os pacientes verdadeiramente obstipados (não conseguiam eliminar 80% dos marcadores até o 5º dia) dos insatisfeitos, ou seja, portadores de obstipação fictícia ou psicológica.

Grande avanço ocorreu em 1981 quando Arhan et al⁴ propuseram método quantitativo através de uma fórmula matemática, em que a leitura é feita pela análise da permanência dos marcadores nos diversos segmentos colônicos, através da contagem dos marcadores em radiografias seriadas do abdome. A contagem dos marcadores é feita diretamente nas radiografias que são subdivididas em três segmentos (representativos do cólon direito, esquerdo e retossigmóide), por meio de uma linha imaginária que passa pelos processos espinhosos das vértebras até a apófise transversa da 5º vértebra lombar. Daí partem duas linhas simétricas que delimitam o estreito superior da pelve (Figura 1). Assim tornou-se possível não apenas o estudo do tempo de trânsito colônico total, como também o segmentar, definindo dessa maneira qual seria o segmento responsável pela estase intestinal nos indivíduos obstipados. Com esta técnica, conseguiu-se estabelecer do ponto de vista fisiopatológico, os dois principais tipos de disfunções motoras envolvidas na gênese da obstipação: inércia colônica e obstrução distal. Na inércia colônica observase os marcadores distribuídos por todos os segmentos cólicos, principalmente cólon direito, demonstrando alteração difusa da motilidade colônica. Na obstrução terminal ou distal o acúmulo de marcadores se dá no retossigmóide, sendo a disfunção anorretoperineal o principal fator fisiopatológico responsável pela dificuldade evacuatória.

No entanto, os limites para definição e trânsito intestinal lento têm sido questionados. Wald et al ^13,14 subdividem os adultos constipados em dois grupos: 1)trânsito intestinal normal – tempo de trânsito colônico total (TTCT) menor do que 70 horas 2) trânsito lento, se maior que 70 horas.

Os inconvenientes do método de Arhan⁴ são principalmente relacionados à excessiva radiação, uma vez que são necessárias cinco ou mais radiografias de todo o abdome. Além disso, dispensa maior custo e desconforto para o paciente. Em 1986, Chaussade et al ⁸ objetivando simplificar o estudo do tempo de trânsito intestinal e principalmente diminuir a radiação, propõem novo método em que, por três dias consecutivos, os pacientes são orientados a ingerir a cada 24 horas cápsulas de gelatina contendo 20 marcadores radiopacos. Uma radiografia abdominal é realizada 24 horas após a última tomada dos marcadores (4º dia: Rx4) e, então, repete-se a radiografia a cada três dias (Rx7, Rx10, etc) até completa eliminação dos marcadores. Os marcadores são contados no cólon direito, esquerdo, e retossigmóide e, posteriormente, os cálculos do tempo de trânsito colônico total e segmentar são feitos baseados na fórmula descrita anteriormente por Arhan⁴.

Essa técnica foi utilizada em nossos pacientes, pela simplicidade de execução, e também pela menor exposição à radiação. Chaussade⁸ estudando 22 voluntários normais, encontraram os seguintes resultados: cólon direito tempo médio de 6,9 ± 15,6 horas; cólon esquerdo 9.1 ± 20.6; e retossigmóide 18,4 ± 25. Metcalf et al ¹⁵ utilizando técnica similar em voluntários normais encontraram: cólon direito tempo de 11,3 ± 1,1; cólon esquerdo 11,4 ± 1,4; retossigmóide 12,4 ± 1,1; e cólon total 35 ± 2,1 horas.

Procurando simplificar ainda mais o estudo do tempo de trânsito, novas técnicas foram descritas, bem como novos estudos com grupos controles normais foram realizados. A análise dos resultados observados em nosso material são comparáveis aos descritos por outros autores como se pode observar na Tabela 2. Pode-se também perceber que mesmo utilizando-se técnicas diversas em indivíduos normais, os resultados são similares, desde que se utilize marcadores com as mesmas características físico-químicas. Sabe-se há muitos anos que a gravidade específica de um marcador é um fator importante na determinação da velocidade do trânsito intestinal.

Assim com relatado por outros autores, não observamos em nossos pacientes diferença estatística significante com relação ao sexo ^{5, 15, 16}. No entanto, alguns estudos tem mostrado diferenças o que tem sido atribuído à presença de síndrome do intestino irritável não diagnosticado previamente^{3, 8}.

A utilização da técnica descrita por Chaussade ⁸ é método simples e útil para a avaliação do tempo de trânsito colônico total e segmentar, além de expor os pacientes a menor irradiação. Os dados obtidos neste trabalho com voluntários assintomáticos são comparáveis àqueles descritos na literatura.

Dr. Carlos Walter Sobrado

Rua Itapeva, 500 – 7B.

Bela Vista

01332-000 – São Paulo - SP

Fone: (11) 3253-1616

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

• 1. Sonnenberg A, Koch TR Epidemiology of constipation in the United States. Dis Colon Rectum, 1989, 32(1):1-8.
• 2. Johanson JF, Sonnenberg A, Koch TR Clinical epidemiology of chronic constipation. J Clin Gastroenterol, 1989, 11(5):525-536.
• 3. Hinds JP, Stoney B, Wald A Does gender or the menstrual cycle affect colonic transit? Am J Gastroentol, 1989, 84(2):123-126.
• 4. Arhan P, Devroede G, Jehannin B, et al Segmental colonic transit time. Dis Colon Rectum, 1981, 24(8):625-629.
• 5. Bouchoucha M, Devroede G, Arhan P, et al What is the meaning of colorectal transit time measurement? Dis Colon Rectum, 1992, 35(8):773-782.
• 6. Hinton JM, Lennard-Jones JE, Young AC A new method for studying gut transit times using radioopaque markers. Gut, 1969, 10(10):842-847.
• 7. Lanfranchi GA , Bazzocchi G, Brignola C, et al Different patterns of intestinal transit time and anorectal motility in painful and painless constipation. Gut, 1984, 25(12):1352-1357.
• 8. Chaussade S, Roche H, Khyari A, et al Mesure du temps de transit colique (TTC): description et validation d'une nouvelle technique. Gastroenterol Clin Biol, 1986, 10(5):385-389.
• 9. Martelli H, Devroede G, Arhan P, et al - Some parameters of large bowel motility in normal man. Gastroenterology, 1978, 75(4):612- 618.
• 10. Rieder A, Skinner EH - The X-ray investigation of habitual constipation. Surg Gynecol Obstet, 1913, 157:259-264.
• 11. Barcelos IK "Investigação radiológica na constipação intestinal funcional". In Almeida EA Anais de atualização médica. 1Ş Edição. São Paulo. Medical Master, 2000, pp. 67-73.
• 12. Jorge JMN, Habr-Gama, A Tempo de trânsito colônico total e segmentar: análise crítica dos métodos e estudo em indivíduos normais com marcadores radiopacos. Rev Bras Colo-proctol, 1991, 11(2):55-60.
• 13. Wald A Colonic transit time and anorectal manometry in chronic idiopathic constipation. Arch Intern Med, 1986, 146(9):1713- 1716.
• 14. Wald A, Hinds JP, Caruana BJ Psychological and physiological characteristics of patients with severe idiopathic constipation. Gastroenterology, 1989, 97(4):932-937.
• 15. Metcalf AM, Phillips SF, Zinsmeister AR, et al Simplified assessment of segmental colonic transit time. Gastroenterology, 1987, 92(1):40-47.
• 16. Santos SL, Barcelos IK, Mesquita MA Total and segmental colonic transit time in constipated patients with Chagasis Disease without megaesophagus or megacolon. Braz J Med Biol Res, 2000, 33(1):43-49.

Endereço para correspondência

Recebido em 14/09/2004

Aceito para publicação em 04/01/2005

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Nov 2005
• Data do Fascículo
  Jun 2005

Histórico

• Recebido
  14 Set 2004
• Aceito
  04 Jan 2005