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Papel da laparoscopia no trauma abdominal penetrante

The role of laparoscopy in penetrating abdominal trauma

Resumos

OBJETIVO: O papel da laparoscopia na redução da taxa de laparotomias não-terapêuticas e da morbidade em pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante tem sido amplamente discutido durante os últimos anos. O objetivo do presente estudo é relatar a experiência inicial de um hospital universitário no manejo laparoscópico de pacientes com trauma abdominal penetrante. MÉTODO: Durante um período de três anos, a laparoscopia foi realizada em 37 pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante, hemodinamicamente estáveis. Os prontuários médicos foram revisados e os parâmetros analisados foram as indicações do procedimento, lesões associadas, necessidade de conversão, tempo de permanência hospitalar e complicações. RESULTADOS: Houve 18 (48,6%) casos de laparoscopias diagnósticas (LD) positivas e 19 (51,4%) negativas. Dos pacientes com LD positiva, oito (44,4%) foram submetidos à laparotomia exploradora com finalidade terapêutica ou para melhor delineamento da lesão. Houve 10 (55,6%) LD positivas nas quais não foi realizada conversão para cirurgia aberta. Quatro pacientes apresentaram lesões reparáveis laparoscopicamente, sendo realizado hepatorrafia (n=2) e frenorrafia (n=2). Os outros seis pacientes apresentavam lesões isoladas sem sangramento ativo, e a laparotomia não-terapêutica foi evitada. Os pacientes receberam dieta no primeiro dia de pós-operatório e o tempo médio de hospitalização foi de 3,8 dias. CONCLUSÕES: Nossa experiência inicial confirma que a laparoscopia é um bom método de avaliação e tratamento no trauma penetrante. A morbidade relacionada à laparotomias desnecessárias pode ser minimizada quando o procedimento é bem indicado, e o tratamento pode ser realizado com sucesso em casos selecionados.

Laparoscopia; Ferimentos por arma de fogo; Ferimentos perfurantes; Ferimentos penetrantes; Laparotomia; Procedimentos desnecessários


BACKGROUND: The role of laparoscopy in reducing the rate of non-therapeutic laparotomies and the morbidity in patients sustaining penetrating abdominal trauma has been widely discussed over the last years. The aim of this article is to report the initial experience from a university hospital in the laparoscopic management of penetrating abdominal traumas. METHODS: In a 3-year period, laparoscopy was performed in 37 patients who were hemodynamically stable and sustained penetrating abdominal trauma. Medical records were reviewed and the evaluation was conducted to determine indications for laparoscopy, associated injuries, the need for exploration, lenght of hospital stay and complications. RESULTS: There were 18 (48.6%) positive and 19 (51.4%) negative diagnostic laparoscopies (DL). In patients with positive DL, 8 (44.4%) underwent exploratory laparotomy. In this group, all of them had either therapeutic laparotomy or laparotomy for better lesion identification. There were 10 (55.6%) positive DLs, in whom laparotomy was not performed. Four of them had their injuries repaired laparocopically, hepatorraphy (n=2) and diaphragmatic repairs (n=2). The other ones had isolated nonbleeding injuries, and nontherapeutic laparotomy was successfully avoided. Patients were allowed a diet in the first postoperative day and the mean postoperative hospital stay was 3.8 days. CONCLUSION: Our initial experience confirms that laparoscopy is a good method of evaluation and treatment for penetrating trauma. The morbidity from an unnecessary laparotomy may be minimized when the procedure is well indicated, and treatment can be performed successfully in selected cases.

Laparoscopy; Wounds, gunshot; Wounds, stab; Wounds, penetrating; Laparotomy; Unnecessary procedures


ARTIGO ORIGINAL

Papel da laparoscopia no trauma abdominal penetrante

The role of laparoscopy in penetrating abdominal trauma

Luiz Carlos Von Bahten, TCBC-PRI; Benjamin Smaniotto, TCBC-PRII; William Kondo, AsCBC-PRIII; Cynthia Neves de VasconcelosIV; Marlon Rangel, ACBC-PRI; Gerson Luiz Laux, TCBC-PRI

ICirurgião Geral do Hospital Universitário Cajuru

IICirurgião Geral e Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Cajuru

IIIResidente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Cajuru e da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (Aliança Saúde – PUC-PR)

IVResidente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Cajuru

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 21/12/2004 Aceito para publicação em 18/02/2005

RESUMO

OBJETIVO: O papel da laparoscopia na redução da taxa de laparotomias não-terapêuticas e da morbidade em pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante tem sido amplamente discutido durante os últimos anos. O objetivo do presente estudo é relatar a experiência inicial de um hospital universitário no manejo laparoscópico de pacientes com trauma abdominal penetrante.

MÉTODO: Durante um período de três anos, a laparoscopia foi realizada em 37 pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante, hemodinamicamente estáveis. Os prontuários médicos foram revisados e os parâmetros analisados foram as indicações do procedimento, lesões associadas, necessidade de conversão, tempo de permanência hospitalar e complicações.

RESULTADOS: Houve 18 (48,6%) casos de laparoscopias diagnósticas (LD) positivas e 19 (51,4%) negativas. Dos pacientes com LD positiva, oito (44,4%) foram submetidos à laparotomia exploradora com finalidade terapêutica ou para melhor delineamento da lesão. Houve 10 (55,6%) LD positivas nas quais não foi realizada conversão para cirurgia aberta. Quatro pacientes apresentaram lesões reparáveis laparoscopicamente, sendo realizado hepatorrafia (n=2) e frenorrafia (n=2). Os outros seis pacientes apresentavam lesões isoladas sem sangramento ativo, e a laparotomia não-terapêutica foi evitada. Os pacientes receberam dieta no primeiro dia de pós-operatório e o tempo médio de hospitalização foi de 3,8 dias.

CONCLUSÕES: Nossa experiência inicial confirma que a laparoscopia é um bom método de avaliação e tratamento no trauma penetrante. A morbidade relacionada à laparotomias desnecessárias pode ser minimizada quando o procedimento é bem indicado, e o tratamento pode ser realizado com sucesso em casos selecionados.

Descritores: Laparoscopia; Ferimentos por arma de fogo; Ferimentos perfurantes; Ferimentos penetrantes; Laparotomia; Procedimentos desnecessários.

ABSTRACT

BACKGROUND: The role of laparoscopy in reducing the rate of non-therapeutic laparotomies and the morbidity in patients sustaining penetrating abdominal trauma has been widely discussed over the last years. The aim of this article is to report the initial experience from a university hospital in the laparoscopic management of penetrating abdominal traumas.

METHODS: In a 3-year period, laparoscopy was performed in 37 patients who were hemodynamically stable and sustained penetrating abdominal trauma. Medical records were reviewed and the evaluation was conducted to determine indications for laparoscopy, associated injuries, the need for exploration, lenght of hospital stay and complications.

RESULTS: There were 18 (48.6%) positive and 19 (51.4%) negative diagnostic laparoscopies (DL). In patients with positive DL, 8 (44.4%) underwent exploratory laparotomy. In this group, all of them had either therapeutic laparotomy or laparotomy for better lesion identification. There were 10 (55.6%) positive DLs, in whom laparotomy was not performed. Four of them had their injuries repaired laparocopically, hepatorraphy (n=2) and diaphragmatic repairs (n=2). The other ones had isolated nonbleeding injuries, and nontherapeutic laparotomy was successfully avoided. Patients were allowed a diet in the first postoperative day and the mean postoperative hospital stay was 3.8 days.

CONCLUSION: Our initial experience confirms that laparoscopy is a good method of evaluation and treatment for penetrating trauma. The morbidity from an unnecessary laparotomy may be minimized when the procedure is well indicated, and treatment can be performed successfully in selected cases.

Key words: Laparoscopy; Wounds, gunshot; Wounds, stab; Wounds, penetrating; Laparotomy; Unnecessary procedures.

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos do uso da videolaparoscopia em pacientes com trauma penetrante foram de Gazzaniga et al.1 e de Carnevale et al.2. Nessa época, os ferimentos abdominais por arma de fogo eram indiscriminadamente tratados por laparotomia exploradora devido à elevada expectativa de lesões intra-abdominais3,4, alcançando índices de 96 a 98%5-7.

O papel da laparoscopia diagnóstica no manejo de pacientes estáveis com trauma abdominal penetrante tem sido amplamente estudado nos últimos anos5,8-10 e, progressivamente, a literatura reconhece a videolaparoscopia como um método seguro, com valor comparável ao lavado peritoneal diagnóstico, à ultra-sonografia e à tomografia computadorizada de abdome, na propedêutica do trauma abdominal11. Sua habilidade para avaliar adequadamente o diafragma em lesões tóraco-abdominais8 e sua acurácia na determinação de presença de penetração peritoneal, tanto em ferimentos por arma branca5,12,13 quanto em ferimentos por arma de fogo cuja trajetória intra-abdominal não está descartada5,14,15, a tornam uma modalidade diagnóstica bastante atrativa em pacientes com trauma abdominal penetrante. Sua indicação em pacientes selecionados parece diminuir a taxa de laparotomias não-terapêuticas, levando também à redução da morbidade pós-operatória. Para alguns autores, reduz também o tempo de permanência hospitalar e seus custos5,10,16-22.

O objetivo deste artigo é relatar a experiência laparoscópica inicial de um serviço universitário em pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante.

MÉTODO

Os prontuários médicos de todos os pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante submetidos à laparoscopia diagnóstica e/ou terapêutica foram revisados retrospectivamente durante o período de abril de 2002 a maio de 2004.

A laparoscopia foi utilizada como uma opção diagnóstica e/ou terapêutica em um grupo seleto de pacientes, e incluíram: (1) ferimento por arma branca tóraco-abdominal, para descartar a presença de lesão diafragmática, (2) ferimento abdominal por arma branca com incerteza quanto à violação peritoneal, e (3) ferimento por arma de fogo abdominal tangencial. Para a inclusão do paciente no protocolo de laparoscopia, o mesmo deveria estar hemodinamicamente estável18, sem sinais de franca peritonite, sem evidências de lesões orgânicas (hematúria macroscópica, sangue na sonda nasogástrica) e de violação peritoneal (evisceração, entrada do projétil anteriormente sem orifício de saída e trajetória ântero-posterior do projétil). A presença de irritação peritoneal no local de entrada da ferida e no trajeto da lesão não foi considerada contra-indicação para a laparoscopia.

A laparoscopia foi realizada no centro cirúrgico, com os pacientes sob anestesia geral balanceada, após introdução de sonda nasogástrica e sonda vesical. Apenas um monitor foi utilizado para a avaliação laparoscópica dos pacientes traumatizados em nossa série. O pneumoperitôneo foi criado através de uma incisão supra-umbilical usando a técnica aberta, e a saída de ar através das feridas por arma branca foi controlada através de suturas, quando necessário. A pressão intra-abdominal foi monitorada e mantida em cerca de 14mmHg. O trocarte de 10mm foi introduzido e a ótica de 30º utilizada para a exploração da cavidade abdominal, procurando possíveis lesões diafragmáticas e orifícios de violação peritoneal, seguido de exploração sistemática das estruturas intra-abdominais usando entre uma e três punções acessórias, de acordo com a necessidade (Figura 1). A laparoscopia foi considerada negativa se não ocorreu penetração peritoneal, e positiva se houve presença de violação peritoneal, identificação de hemoperitônio ou lesão de órgão.


O procedimento foi considerado terapêutico nos casos em que foi possível o tratamento de lesões abdominais significativas (sangramento ativo proveniente do fígado, grande omento ou mesentério, necessitando de suturas para devido controle) e não terapêutico nos pacientes com lesões abdominais que não necessitaram de reparo cirúrgico (lacerações a órgãos sólidos, omento maior e mesentério sem sangramento ativo).

As indicações para conversão incluíram lesões de órgãos não plausíveis de reparo laparoscópico e visualização inadequada de potenciais órgãos lesados ou possíveis fontes de sangramento. Nos casos em que lesões possivelmente reparáveis por via laparoscópica foram identificadas, com exclusão de lesões associadas, a laparoscopia foi utilizada como uma ferramenta terapêutica no tratamento definitivo desses pacientes.

As evoluções clínicas foram revisadas e os seguintes parâmetros foram analisados: idade, sexo, mecanismo de trauma, indicações para laparoscopia, lesões extra-abdominais associadas, achados intra-operatórios, necessidade de conversão, início de dieta, tempo de hospitalização e complicações.

RESULTADOS

Durante o período de estudo foram identificados trinta e sete pacientes submetidos à laparoscopia no trauma abdominal penetrante. Trinta e três (89,2%) eram do sexo masculino e a média de idade foi de 28,6 anos (variando de 11 a 54 anos). Dezenove pacientes (51,4%) apresentavam ferimentos por arma de fogo e 18 (48,6%), ferimentos por arma branca.

Dezenove pacientes (51,4%) referiam dor abdominal no exame de admissão na sala de emergência, e dois destes (5,4%) apresentavam sinais de irritação peritoneal. A Tabela 1 mostra as indicações para o procedimento cirúrgico laparoscópico.

O diagnóstico foi definido laparoscopicamente em todos os casos. Em 19 pacientes (51,4%) a laparoscopia foi negativa (não houve penetração peritoneal), e esses pacientes foram conduzidos sem laparotomia exploradora. Isto ocorreu em 11 de 19 pacientes portadores de ferimentos por arma de fogo (57,9%) e em oito de 18 pacientes portadores de ferimentos por arma branca (44,4%).

Dezoito dos 37 pacientes (48,6%) apresentaram laparoscopia positiva (Tabela 2), sendo oito de 19 pacientes portadores de ferimentos por arma de fogo (42,1%) e 10 de 18 pacientes portadores de ferimentos por arma branca (55,6%). Seis deles apresentavam lesão intra-abdominal que não necessitaram de reparo cirúrgico (laparoscopia não-terapêutica). Em quatro casos a laparoscopia foi terapêutica, sendo realizada a hepatorrafia em dois pacientes e a frenorrafia em dois casos. Oito pacientes (21,6%) foram submetidos à conversão para laparotomia exploradora para tratamento ou melhor definição da lesão. A laparotomia foi indicada devido à lesão de alças intestinais (n=2), lesão hepática com sangramento ativo (n=3), lesão de vasos em omento maior (n=1) e hematoma de retroperitônio (n=1) e de mesocólon transverso (n=1). Estes dois últimos pacientes apresentaram laparotomias não-terapêuticas, pois não havia lesão retroperitoneal e de cólon transverso, respectivamente.

Seis pacientes (16,2%) apresentaram hemo/ pneumotórax e necessitaram de drenagem torácica. Três destes possuíam lesão diafragmática associada, e em dois casos foi possível sutura por via laparoscópica. Apenas um paciente necessitou de conversão devido à presença associada de lesão hepática com sangramento ativo.

A alimentação ocorreu em média no primeiro dia de pós-operatório (variando desde o pós-operatório imediato até o 2º dia), e o tempo de internamento médio dos pacientes foi de 3,8±1,6 dias (variando de dois a nove dias). Os pacientes com laparoscopia negativa permaneceram em média 3,5±1,8 dias internados. Nenhuma complicação proveniente do procedimento laparoscópico foi identificada em nossa série.

DISCUSSÃO

As técnicas laparoscópicas têm sido utilizadas com maior freqüência para o diagnóstico e manejo de traumas abdominais23. Embora a laparoscopia seja uma intervenção cirúrgica, tem se revelado uma modalidade diagnóstica essencial na redução de laparotomias desnecessárias em pacientes com trauma abdominal penetrante e, conseqüentemente, na diminuição da morbidade relacionada às laparotomias não-terapêuticas16,22,24, como atelectasias, pneumonia, infecção de sítio cirúrgico, infecção urinária, abscesso intra-abdominal, tromboembolismo pulmonar e oclusão intestinal por aderências25. A taxa de complicações das laparotomias não-terapêuticas varia de 7 a 19%17,25, com uma mortalidade de 1,6%25.

O procedimento laparoscópico necessita de anestesia geral e insuflação da cavidade para visualizar o conteúdo abdominal, permitindo o exame das estruturas de um modo minimamente invasivo26. O cólon pode ser mobilizado e o omento menor, inspecionado. Sangue pode ser aspirado, secreção gastrointestinal identificada, e lesões tratadas, se possível21. As limitações incluem o acesso ao retroperitônio e a visualização do diafragma posterior. Além disso, pode ser difícil inspecionar toda a extensão do delgado e do cólon, e lesões dessas estruturas podem passar despercebidas principalmente nos casos de ferimentos por arma de fogo.

Alguns autores utilizam a laparoscopia apenas como método diagnóstico para identificar a presença ou não de penetração peritoneal nos traumas abdominais penetrantes12-14. Caso haja violação do peritônio, laparotomia exploradora é indicada para explorar completamente a cavidade abdominal e reparar as lesões27. Se não houver penetração peritoneal, uma laparotomia desnecessária é evitada.

As vantagens da laparoscopia incluem incisões menores, recuperação mais rápida, menor dor pós operatória, redução do tempo de permanência hospitalar18,27, menor morbidade, redução da taxa de laparotomias não-terapêuticas5,18-21, possibilidade de tratamento conservador em lesões menores de vísceras parenquimatosas e identificação precoce de lesões intra-abdominais evitando o diagnóstico tardio18, especialmente em pacientes com feridas tóraco-abdominais e tangenciais18,22.

Dos 37 pacientes avaliados em nossa série, 51,4% não apresentaram sinais de violação peritoneal enquanto que 27% tiveram suas lesões identificadas laparoscopicamente e manejadas sem necessidade de conversão para laparotomia. Em 10,8% a lesão foi reparada via laparoscópica e em 16,2% não foi necessária intervenção, pois o sangramento havia cessado espontaneamente. Conseqüentemente a laparotomia foi evitada em 78,4% dos pacientes. Quando a laparotomia foi indicada (21,6%), em 75% dos casos (seis de oito pacientes) a indicação se fez para tratamento específico da lesão previamente identificada. Os dois casos (25%) de laparotomias nãoterapêuticas em nossa série incluíram aqueles cuja indicação se fez para melhor identificação da lesão.

Em um estudo multicêntrico, Zantut et al.5 avaliaram 510 pacientes submetidos à laparoscopia no trauma, identificando ausência de penetração peritoneal em 113 de 194 casos (58,2%) de ferimentos por arma de fogo, e em 164 de 316 casos (51,9%) de ferimentos por arma branca. Dos 233 pacientes com violação peritoneal, laparoscopia terapêutica foi possível em 26 casos (11,2%). O restante dos pacientes foi submetido à laparotomia exploradora, com uma taxa de laparotomias nãoterapêuticas de 25,1%. Para Sosa et al.6, a ausência de violação peritoneal ocorreu em 79 de 121 pacientes (65%) vítimas de ferimento abdominal por arma de fogo.

Os pacientes que foram submetidos à laparoscopia terapêutica apresentavam pequenas lesões hepáticas com sangramento ativo ou lesões diafragmáticas, e foram poupados da laparotomia, dados consistentes com relatos da literatura5,8,12,13. A laparoscopia para o reparo definitivo de lesões deve ser utilizada cautelosamente por um cirurgião com grande experiência em laparoscopia e em trauma. Algumas aplicações relatadas na literatura incluem lesões diafragmáticas, vesicais e de órgãos sólidos, mas sua freqüência de ocorrência não é alta. O uso para reparo de lesões intestinais não é um consenso uma vez que há um alto risco de lesões despercebidas21.

Muitas das lesões com sangramentos menores podem cicatrizar sem necessidade de intervenção, e poderiam seguramente ser manejadas por simples observação. No entanto, a grande vantagem da laparoscopia é que as lesões são identificadas e podem ser corretamente tratadas conservadoramente9, evitando lesões despercebidas. Em nossa casuística o tratamento conservador não cirúrgico acarretaria duas lesões despercebidas de diafragma, que não têm a capacidade de cicatrização espontânea28, e provavelmente seriam diagnosticadas tardiamente sob a forma de hérnia diafragmática complicada, acarretando elevada morbi-mortalidade29.

Os maiores riscos da utilização da laparoscopia em pacientes estáveis vítimas de trauma abdominal incluem demora no tratamento definitivo, lesões despercebidas e complicações relacionadas ao procedimento21. No entanto, a segurança da laparoscopia é uma consideração importante e vêm sendo confirmada nos últimos anos. Em nossa série, assim como em várias outras6,16, não houve nenhuma lesão despercebida ou laparotomia indicada tardiamente.

As complicações específicas da laparoscopia no trauma incluem lesão de delgado, lesão de vasos intra-abdominais, insuflação de dióxido de carbono extra-peritoneal, lesão de artéria epigástrica durante a introdução do trocarte e laceração de vasos do omento5. Outras complicações relatadas são o aumento da pressão intracraniana devido ao pneumoperitônio30, a embolização de dióxido de carbono e a redução do débito cardíaco por compressão da veia cava inferior18.

A lesão diafragmática é de importância particular, pois há o potencial de a laparoscopia produzir ou agravar um pneumotórax pré-existente20,23. O cirurgião deve estar atento a essa possibilidade durante a insuflação da cavidade e deve estar preparado para o rápido tratamento desta complicação.

O tempo médio de permanência hospitalar em torno de cinco dias e a morbidade de 20%15,25 em pacientes com laparotomias negativas, sem lesões associadas, comprova que esta não é a melhor estratégia de manejo dos pacientes com trauma abdominal penetrante15. Um dos grandes benefícios trazidos pela laparoscopia é a significativa redução do tempo de permanência hospitalar desses pacientes sem lesões intraabdominais, conforme relatado por Simon et al.22 (2,2 dias) e Ivatury et al.14 (2,1 dias).

Concluímos que a laparoscopia pode beneficiar os pacientes com trauma abdominal penetrante, reduzindo a taxa de laparotomias não-terapêuticas e o tempo de permanência hospitalar desses pacientes, com uma mínima morbi-mortalidade. Além disso, em casos selecionados, pode propiciar o reparo cirúrgico sem a necessidade de conversão para a via aberta.

Dr. William Kondo

Avenida Getúlio Vargas, 3163 ap. 21

80240-041 - Curitiba – PR – Brasil

Telefone: (41) 244-8618

E-mail: williamkondo@yahoo.com

Trabalho reralizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Cajuru, Curitiba, Paraná.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 21/12/2004
    Aceito para publicação em 18/02/2005
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2005
    • Recebido
      21 Dez 2004
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