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Obstrução intestinal após uso de infliximab no tratamento de fístula êntero-cutânea na doença de Crohn

Intestinal obstruction following the use of infliximab in the treatment of enterocutaneous fistula in Crohn's disease

Resumo

Crohn's disease is often complicated by the development of fistulas. Infliximab, a monoclonal antibody that binds tumor necrosis factor a have shown to be successful in the treatment of fistulizing Crohn's disease. It's possible complications and side effects have not been completely elucidated. Our objective is to report a case of a patient who developed intestinal obstruction after treatment of fistulizing Crohn's disease with infliximab. A 50 years-old female with Crohn's disease presented with spontaneous enterocutaneous fistula. She was successfully treated with the infusion of 5mg/kg infliximab at weeks 0, 2, and 6, with complete closure of the fistula after the first infusion. Eight weeks after treatment she developed small bowel obstruction secondary to stenosis of the ileum. She was subjected to exploratory laparotomy and resection of the stenotic ileum. The patient had good recovery, with no complications, and was discharged on the 5th postoperative day. Although a faster and complete healing of enterocutaneous fistula was induced by infliximab, this treatment may have caused intestinal obstruction in this case.

Crohn disease; Abnormalities, drug-induced; Fistula; Intestinal obstruction


Crohn disease; Abnormalities, drug-induced; Fistula; Intestinal obstruction

RELATO DE CASO

Obstrução intestinal após uso de infliximab no tratamento de fístula êntero-cutânea na doença de Crohn

Intestinal obstruction following the use of infliximab in the treatment of enterocutaneous fistula in Crohn's disease

Carolina Gomes GonçalvesI; Júlio Cezar Uili Coelho-TCBC-PRII; Heda Maria Braska dos Santos AmaranteIII

IMédica Residente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Nossa Senhora das Graças

IIChefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Nossa Senhora das Graças e Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná

IIIMédica Gastroenterologista do Hospital Nossa Senhora das Graças

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Júlio C. U. Coelho Rua Bento Viana, 1140 – Apt. 2202 80240–110 – Curitiba – PR Fone/Fax: (41) 322-3789

ABSTRACT

Crohn's disease is often complicated by the development of fistulas. Infliximab, a monoclonal antibody that binds tumor necrosis factor a have shown to be successful in the treatment of fistulizing Crohn's disease. It's possible complications and side effects have not been completely elucidated. Our objective is to report a case of a patient who developed intestinal obstruction after treatment of fistulizing Crohn's disease with infliximab. A 50 years-old female with Crohn's disease presented with spontaneous enterocutaneous fistula. She was successfully treated with the infusion of 5mg/kg infliximab at weeks 0, 2, and 6, with complete closure of the fistula after the first infusion. Eight weeks after treatment she developed small bowel obstruction secondary to stenosis of the ileum. She was subjected to exploratory laparotomy and resection of the stenotic ileum. The patient had good recovery, with no complications, and was discharged on the 5th postoperative day. Although a faster and complete healing of enterocutaneous fistula was induced by infliximab, this treatment may have caused intestinal obstruction in this case.

Key words: Crohn disease; Abnormalities, drug-induced; Fistula/drug therapy; Intestinal obstruction.

INTRODUÇÃO

A doença de Crohn é uma enfermidade inflamatória de origem desconhecida, a qual é caracterizada por inflamação segmentar e transmural associada a lesões granulomatosas na mucosa intestinal. Esta doença tem como complicação freqüente a ocorrência de fístulas1,2.

O antagonista de fator de necrose tumoral, infliximab, recentemente aprovado para uso clínico nos Estados Unidos e no Brasil, tem sido utilizado com bons resultados na cicatrização de fístula decorrentes da doença de Crohn1. Entretanto, apesar de apresentar um perfil de segurança aceitável, têm sido observadas reações adversas e complicações em mais de 60% dos pacientes com o uso do infliximab, as quais ainda não estão completamente elucidadas1,3. É descrito o caso de uma paciente com fístula entero-cutânea decorrente de doença de Crohn, que apresentou oclusão intestinal tardia após tratamento infliximab.

RELATO DE CASO

Paciente de 50 anos, sexo feminino, com histórico de 24 meses do diagnóstico inicial de doença de Crohn evoluiu com os sintomas de febre, inapetência e eliminação espontânea de secreção purulenta em moderada quantidade por orifício na pele da região supra-púbica. Não apresentava alteração no hábito intestinal e urinário. Os exames laboratoriais revelaram anemia microcítica discreta, porém sem alterações significativas na contagem diferencial de células sangüíneas. A tomografia computadorizada de abdome demonstrava fístula de alça intestinal de delgado para a parede abdominal anterior, em hipogástrio, com sinais de processo inflamatório nos planos musculares e adiposos da parede. Foi realizado o exame radiológico de trânsito e morfologia do intestino delgado que confirmou presença de fístula de intestino delgado com longo trajeto para a parede anterior do abdome, com íleo terminal de aspecto normal.

Quatro dias após o diagnóstico de fístula ênterocutânea decorrente de doença de Crohn, foi iniciado o tratamento clínico com dieta sem resíduos, metronidazol endovenoso e infliximab. O infliximab foi utilizado na dose de 5 mg/kg na forma diluída em três doses (semana 0, 2 e 6). A paciente apresentou boa evolução, sem reações adversas evidentes após a infusão do infliximab, e diminuição progressiva do débito da fístula, tendo alta no 8º dia de internamento com drenagem mínima de secreção sero-purulenta pelo orifício fistuloso. Após 13 dias da dose inicial de infliximab a fístula fechou.

A paciente reinternou duas e seis semanas após a dose inicial de infliximab para completar o tratamento (semana 0, 2 e 6; 5mg/kg em cada infusão). Não apresentou sintomas de febre, alteração do hábito intestinal ou dor abdominal, permanecendo o orifício da fístula fechado e sem sinal de qualquer drenagem de secreção.

Quatorze semanas após a primeira dose de infliximab e oito semanas após a administração da última dose, a paciente iniciou com sintomas de dor abdominal difusa, distensão abdominal e parada da eliminação de flatos ou fezes com 24 horas de evolução. Negava febre ou alterações urinárias. A radiografia abdominal demonstrou dilatação acentuada das alças de jejuno proximal, com estase líquida acentuada em sua luz, compatível com processo oclusivo. A paciente evoluiu com piora da dor e da distensão abdominal, sendo então submetida à laparotomia exploradora. No intra-operatório foi observado grande quantidade de aderências na parede abdominal e presença de processo inflamatório importante com sobreposição de alças de intestino delgado, com estenose comprometendo cerca de 30 cm do íleo, incluindo o antigo orifício fistuloso o qual apresentava-se fibrosado e preenchido por tecido inflamatório, havendo distensão importante das alças proximalmente ao processo inflamatório. Foi realizada enterectomia da área comprometida, incluindo a região da fístula prévia, com enteroanastomose términoterminal.

A paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com re-início da dieta no segundo dia de pós-operatório e recebeu alta em bom estado geral no 5º. dia de pós-operatório.

DISCUSSÃO

Fistulas são muito comuns na doença de Crohn, podendo ocorrer em ate um terço dos pacientes1. As fistulas podem ser internas (ex. entero-entericas, entero-vesicais ou retovaginais) ou entero-cutaneas (extendendo através da parede abdominal ou dentro do períneo). Estas fistulas raramente apresentam fechamento espontâneo ou com tratamento clinico, sendo que freqüentemente necessitam de tratamento cirúrgico2.

Sabe-se que a produção local de fator de necrose tumoral a (FNTa) tem um papel importante na iniciação e na propagação da doença de Crohn, de forma que a neutralização do FNTa parece ter efeitos importantes na doença de Crohn ativa ou complicada por fístulas1,3.

Infliximab e um anticorpo monoclonal geneticamente construído que se liga ao FNTa, inibindo suas atividades biológicas. Em agosto de 1998, a Food and Drug Administration dos Estados Unidos aprovou o uso de infliximab para pacientes com doença de Crohn ativa ou com fístulas1. A infusão de infliximab na dose de 5 mg/kg nas semanas 0, 2 e 6, tem demonstrado redução no debito de fistulas decorrentes de doença de Crohn em 62% dos pacientes e o fechamento completo em 46%3. Entretanto, a maioria dos estudos existentes descrevem períodos de acompanhamento de apenas três meses, de forma que ainda ha pouca informação a respeito dos seus efeitos colaterais e complicações a longo prazo. Novos modelos de tratamento ainda estão sob investigação e incluem o retratamento com o infliximab a cada oito semanas, o que teoricamente deveria prolongar os efeitos seus benéficos4.

O presente caso utilizou o infliximab de acordo com o esquema relatado por Present et al.3 sendo infundido infliximab na dose de 5 mg/kg nas semanas 0, 2 e 6, com a obtenção do fechamento da fistula apos a primeira dose da medicação.

A cicatrização rápida e importante da mucosa que ocorre com o uso do infliximab parece ser contraditória à natural tendência de recorrências existente na doença de Crohn. Sendo que a diminuição do débito ou o fechamento das fístulas geralmente é apenas avaliado por achados externos ou escores clínicos nos estudos até agora relatados.

Os efeitos colaterais da terapia com infliximab incluem infecção do trato respiratório superior, dor abdominal, mialgias, náusea e fadiga. Reações de hipersensibilidade retardada podem ocorrer, sendo que em um estudo, 25% dos pacientes desenvolveram reações severas com novas infusões após intervalos de dois a quatro anos da infusão inicial5.

No presente relato, não foram observados efeitos colaterais importantes no período de administração da medicação, havendo boa evolução no período precoce após a infusão de infliximab, entretanto, cerca de 14 semanas após a primeira dose de infliximab administrada, a paciente evoluiu com quadro de oclusão intestinal.

Um estudo recente2 sugeriu que apesar da resposta impressionante vista com o infliximab, a maioria dos pacientes precisa de tratamento cirúrgico em algum momento da sua evolução, seja pela resposta incompleta do tratamento ou pela presença de outras complicações associadas ao infliximab como estenoses e abscessos. Neste estudo, três dos quatorze pacientes que foram submetidos à cirurgia foram operados não pela persistência da fístula, mas por obstrução2.

Estes dados reforçam a hipótese do infliximab ter sido a causa da obstrução intestinal, sendo esta, possivelmente, resultado da formação de tecido fibrótico e estenoses associadas à rápida cicatrização promovida pelo infliximab.

Ainda são necessários estudos prospectivos com maior tempo de acompanhamento para o conhecimento e elucidação das complicações e da efetividade a longo prazo.

Recebido em 16/06/2004

Aceito para publicação em 03/08/2004

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Nossa Senhora das Graças.

  • 1. Kornbluth A. Infliximab approved for use in Crohn's disease: a report on the FDA GI Advisory Committee conference. Inflamm Bowel Dis. 1998;4(4):328-9.
  • 2. Poritz LS, Rowe WA, Koltun WA. Remicade® does not abolish the need for surgery in fistulizing Crohn's disease. Dis Colon Rectum. 2002;45(6):771-5.
  • 3. Present DH, Rutgeerts P, Targan S, et al Infliximab for the treatment of fistulas in patients with Crohn's disease. N Engl J Med. 1999;340(18):1398-405.
  • 4. Rutgeerts P, D'Haens G, Targan S, et al Efficacy and safety of retreatment with anti-tumour necrosis factor antibody (infliximab) to maintain remission in Crohn's disease. Gastroenterology.1999;117(4):761-9.
  • 5. Sandborn WJ, Hanauer SB. Antitumor necrosis factor therapy for inflammatory bowel disease: a review of agents, pharmacology, clinical results, and safety. Inflamm Bowel Dis. 1999; 5(2):119-33.
  • Endereço para correspondência

    Dr. Júlio C. U. Coelho
    Rua Bento Viana, 1140 – Apt. 2202
    80240–110 – Curitiba – PR
    Fone/Fax: (41) 322-3789
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      03 Ago 2004
    • Recebido
      16 Jun 2004
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