Acessibilidade / Reportar erro

Sobrevida após recidiva intratável do carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço

Survival after unsalvageable recurrence of head and neck cancer

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a sobrevida em pacientes com câncer de cabeça e pescoço recidivado e sem possibilidade de tratamento curativo. MÉTODO: Foram revisados os prontuários dos pacientes com carcinoma epidermóide de boca, orofaringe, hipofaringe e laringe tratados cirurgicamente (tumor primário e esvaziamento cervical) entre 1978 e 2001, e selecionados 140 com recidiva da doença acompanhados até o óbito pelo câncer. Após 1999, 30 pacientes receberam cuidados paliativos de uma equipe multidisciplinar. Foi avaliado o intervalo de tempo entre a recidiva não resgatável e o óbito, considerando o sítio primário, estadiamento inicial, sobrevida livre de doença e cuidados paliativos. Os resultados foram expressos em medianas e médias, com os respectivos quartis e percentis. RESULTADOS: A sobrevida livre de doença apresentou média de 30 semanas. A sobrevida média após a recidiva foi de 17 semanas (Q25-75% = 8 a 34 semanas). Dezessete pacientes (12%) sobreviveram por mais de 12 meses após a recidiva. O sítio primário, estadiamento inicial, local da recidiva, sobrevida livre de doença e os cuidados paliativos não influenciaram a sobrevida após a recidiva. CONCLUSÃO: A sobrevida após uma recidiva não resgatável é similar ao relatado para os pacientes não tratados. Os cuidados paliativos não aumentaram a sobrevida destes pacientes.

Neoplasias de cabeça e pescoço; Carcinoma de células escamosas; Recidiva; Assistência paliativa


BACKGROUND: To assess survival after squamous cell carcinoma (SCC) recurrence in surgical patients with head and neck cancer METHODS: Files of patients submitted to loco-regional treatment (primary tumor and neck dissection) of SCC of the mouth, oropharynx, hypopharynx and larynx between 1978 and 2001 were reviewed. One hundred-forty patients who developed disease recurrence were followed until death. After 1999, 30 of them received a multidisciplinary palliative care. Time interval between an unsalvageable recurrence and death was analyzed in front of primary site, initial stage of disease, disease-free survival and palliative care. Results were expressed as median and mean values, with their respective quartiles and percentiles. RESULTS: Median disease-free survival in this group was 30 weeks. The median survival after recurrence was 17 weeks (Q25-75% = 8 to 34 weeks). Seventeen patients (12%) survived more than 52 weeks after recurrence. The primary site, initial stage, recurrence site, disease-free survival and palliative care had no significant impact on survival after recurrence. CONCLUSION: Survival after unsalvageable recurrence of head and neck SCC is similar to reported in untreated patients. Palliative care do not increase survival of these patients.

Head and neck neoplasms; Carcinoma; squamous Cell; Recurrence; Palliative care


ARTIGO ORIGINAL

Sobrevida após recidiva intratável do carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço

Survival after unsalvageable recurrence of head and neck cancer

Ali Amar; Daniel K. Ortellado; Sergio A. Franzi; Otávio A. Curioni, TCBC-SP; Abrão Rapoport, ECBC-SP

Cirurgião do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Prof. Dr. Abrão Rapoport Rua Iramaia, nº 136 – Jd. Europa CEP: 01450–020 – São Paulo - SP

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a sobrevida em pacientes com câncer de cabeça e pescoço recidivado e sem possibilidade de tratamento curativo.

MÉTODO: Foram revisados os prontuários dos pacientes com carcinoma epidermóide de boca, orofaringe, hipofaringe e laringe tratados cirurgicamente (tumor primário e esvaziamento cervical) entre 1978 e 2001, e selecionados 140 com recidiva da doença acompanhados até o óbito pelo câncer. Após 1999, 30 pacientes receberam cuidados paliativos de uma equipe multidisciplinar. Foi avaliado o intervalo de tempo entre a recidiva não resgatável e o óbito, considerando o sítio primário, estadiamento inicial, sobrevida livre de doença e cuidados paliativos. Os resultados foram expressos em medianas e médias, com os respectivos quartis e percentis.

RESULTADOS: A sobrevida livre de doença apresentou média de 30 semanas. A sobrevida média após a recidiva foi de 17 semanas (Q25-75% = 8 a 34 semanas). Dezessete pacientes (12%) sobreviveram por mais de 12 meses após a recidiva. O sítio primário, estadiamento inicial, local da recidiva, sobrevida livre de doença e os cuidados paliativos não influenciaram a sobrevida após a recidiva.

CONCLUSÃO: A sobrevida após uma recidiva não resgatável é similar ao relatado para os pacientes não tratados. Os cuidados paliativos não aumentaram a sobrevida destes pacientes.

Descritores: Neoplasias de cabeça e pescoço; Carcinoma de células escamosas; Recidiva; Assistência paliativa.

ABSTRACT

BACKGROUND: To assess survival after squamous cell carcinoma (SCC) recurrence in surgical patients with head and neck cancer

METHODS: Files of patients submitted to loco-regional treatment (primary tumor and neck dissection) of SCC of the mouth, oropharynx, hypopharynx and larynx between 1978 and 2001 were reviewed. One hundred-forty patients who developed disease recurrence were followed until death. After 1999, 30 of them received a multidisciplinary palliative care. Time interval between an unsalvageable recurrence and death was analyzed in front of primary site, initial stage of disease, disease-free survival and palliative care. Results were expressed as median and mean values, with their respective quartiles and percentiles.

RESULTS: Median disease-free survival in this group was 30 weeks. The median survival after recurrence was 17 weeks (Q25-75% = 8 to 34 weeks). Seventeen patients (12%) survived more than 52 weeks after recurrence. The primary site, initial stage, recurrence site, disease-free survival and palliative care had no significant impact on survival after recurrence.

CONCLUSION: Survival after unsalvageable recurrence of head and neck SCC is similar to reported in untreated patients. Palliative care do not increase survival of these patients.

Key words: Head and neck neoplasms; Carcinoma, squamous Cell; Recurrence; Palliative care.

INTRODUÇÃO

Os carcinomas epidermóides das vias aerodigestivas superiores avançados (estádio III e IV) se caracterizam por freqüentes recidivas loco-regionais e metástases à distância1,2. Entre os pacientes com doença recidivada, muitos não apresentam condições para um novo tratamento curativo, uma vez que já se submeteram às ressecções extensas e tratamento irradiante. Todavia, se para alguns pacientes existe a possibilidade de retratamento, os resultados são desapontadores, o que impõe uma reflexão sobre a tentativa de cura a qualquer custo2. A opção pelo não tratamento pode ser difícil em alguns casos, quando a proposta terapêutica apresenta elevada morbi-mortalidade e mínima expectativa de cura. Embora o sucesso terapêutico seja representado quantitativamente na forma de curvas de sobrevida atuarial, os aspectos relacionados à qualidade de vida adquirem cada vez mais importância. Diante da incurabilidade, este grupo de pacientes necessita de apoio multidisciplinar, contemplando os aspectos emocionais, bioéticos, analgesia, nutrição e curativos, considerando as características dos tumores desta região. O presente estudo tem por objetivo avaliar a sobrevida dos pacientes com carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço recidivado e considerados incuráveis, assim como o efeito dos cuidados paliativos sobre a sobrevida.

MÉTODO

Foram revisados os prontuários de 140 pacientes com carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores submetidos a tratamento cirúrgico, com ou sem radioterapia pós-operatória, entre 1978 e 2001, e selecionados os pacientes com recidiva da doença que foram acompanhados até o óbito pelo câncer. No período de 1978 a 1998, os pacientes mantiveram acompanhamento ambulatorial regular, e a partir de 1999 aqueles com doença recidivada receberam os cuidados de uma equipe multidisciplinar de cuidados paliativos (médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais).

Foram avaliadas as relações entre os intervalos de tempo desde o tratamento inicial até a primeira recidiva, e do diagnóstico da última recidiva (intratável) até o óbito, com cálculo da sobrevida a partir do diagnóstico da recidiva nãoresgatável ou resgatada sem sucesso. Adicionalmente, foi avaliada a relação entre o estadiamento inicial, sítio primário, intervalo livre de doença e recebimento de cuidados paliativos com a sobrevida pós-recidiva.

A casuística foi composta por 129 homens e 11 mulheres, sendo 60 casos com neoplasia de boca, 24 de orofaringe, 25 de hipofaringe, 28 de laringe e três pacientes com metástase cervical de tumor primário oculto, com média de idade de 54 anos (22 a 92). Quanto ao tipo da recidiva, 53 pacientes apresentaram recidivas locais, 31 regionais, 25 locoregionais, um regional e à distância. As metástases à distância foram detectadas em 22 pacientes e em um caso não foi determinado o local da recidiva. Um segundo tumor primário foi a causa da morte em sete pacientes. Os resultados foram expressos em medianas, com os respectivos quartis (25 e 75) e percentis (10 e 90). As diferenças entre as variáveis quantitativas foram avaliadas pelo teste de Mann-Whitney e pelo teste de Kruskal-Wallis. A correlação entre variáveis quantitativas empregou o teste de Spearman.

RESULTADOS

A sobrevida pós-recidiva apresentou mediana de 17 semanas (Q25-75% = 8 a 34 semanas). Dezessete pacientes (12%) apresentaram sobrevida superior a um ano e três (2%) pacientes sobreviveram mais de dois anos após a recidiva. A sobrevida livre de doença apresentou mediana de 30 semanas e não apresentou relação com a sobrevida pós-recidiva (Figura 1, r = 0,04 e p = 0,57).


A sobrevida pós recidiva apresentou mediana de 14 semanas nos tumores da boca, 14 semanas nos da orofaringe, 17 semanas nos da hipofaringe e 25 nos da laringe (Figura 2, p = 0,30). As recidivas locais, regionais e à distância apresentaram sobrevida pós-recidiva de 17, 17 e 20 semanas respectivamente (Figura 3, p = 0,91). Os pacientes com tumor inicial no estádio T1 ou T2 apresentaram sobrevida pós-recidiva de 17 semanas, enquanto que aqueles no estádio T3 ou T4 apresentaram sobrevida de 15 semanas (Figura 4, p = 0,28). Os pacientes que integraram o grupo de cuidados paliativos apresentaram sobrevida pós-recidiva de 16 semanas, enquanto que os demais apresentaram sobrevida de 17 semanas (Figura 5, p = 0,35).





DISCUSSÃO

A sobrevida nos pacientes com doença recidivada incurável é similar à observada nos pacientes não submetidos a tratamento3. Assim, o benefício do tratamento pode ser medido pelo intervalo livre de doença, que neste grupo apresentou média de sete meses, incluindo o tempo despendido no tratamento e na reabilitação. Considerando que o tratamento pode se estender por aproximadamente três meses (cirurgia e radioterapia pós-operatória) e que a qualidade de vida nos primeiros meses após a cirurgia pode ser inferior à observada no pré-tratamento, alguns pacientes parecem não se beneficiar com um tratamento agressivo4.

Apesar da curta sobrevida média, 12% dos pacientes alcançaram sobrevida superior a um ano. Embora fosse esperada menor sobrevida após uma recidiva precoce, considerando um possível comportamento mais agressivo do tumor, não foi observada relação entre o intervalo livre de doença e a sobrevida pós-recidiva. Da mesma forma, o estadiamento inicial também não mostrou relação com a sobrevida pós-recidiva As recidivas em diferentes localizações mostraram sobrevida similar, embora as metástases à distância possam ter um diagnóstico mais tardio1. Quanto ao sítio primário, a maior sobrevida foi observada nos tumores da laringe, embora o número reduzido de pacientes não tenha permitido a obtenção de diferenças estatisticamente significativas. O estado geral do paciente influencia não apenas a sobrevida, mas também a possibilidade de um tratamento dirigido ao tumor5. O papel da quimioterapia ainda não está estabelecido neste grupo de pacientes, mas apenas aqueles com resposta completa parecem ter aumento na sobrevida6. Assim, a resposta completa parece ser um fator prognóstico, mas não é o objetivo principal na quimioterapia paliativa, e não se justifica o uso de esquemas com elevada toxicidade. A reirradiação em um mesmo campo é um assunto controverso, devido ao risco de complicações graves e reduzida probabilidade de controle da doença7,8.

Como esperado, os cuidados paliativos não alteraram o tempo de sobrevida. A manutenção da via aérea (traqueostomia) e digestiva (sonda nasoenteral ou gastrostomia) é fundamental, embora seja facultado ao paciente o direito de recusar estas intervenções. O principal objetivo do cuidado paliativo é promover uma melhor qualidade de vida, considerando as expectativas do paciente.

Recebido em 19/04/2005

Aceito para publicação em 22/09/2005

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo, Brasil.

  • 1. Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8
  • 2. Eckardt A, Barth EL, Kokemueller H, et al Recurrent carcinoma of the head and neck: treatment strategies and survival analysis in a 20-year period. Oral Oncol. 2004;40(4):427-32.
  • 3. Kowalski LP, Carvalho AL. Natural history of untreated head and neck cancer. Eur J Cancer. 2000;36(8):1032-7.
  • 4. Hammerlid E, Silander E, Hörnestam L, et al Health-related quality of life three years after diagnosis of head and neck cancer: a longitudinal study. Head Neck. 2001;23(2):113-25.
  • 5. Carvalho AL, Salvajoli JV, Kowalski LP. A comparison of radiotherapy or radiochemotherapy with symptomatic treatment alone in patients with advanced head and neck carcinomas. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2000;257(3):164-7.
  • 6. Kohno N, Kitahara S, Kawaida M, et al Prognosis after salvage chemotherapy for locally unresectable recurrent squamous cell carcinoma of the head and neck. Jpn J Clin Oncol. 1999;29(10):462-6.
  • 7. Ohizumi Y, Tamai Y, Imamiya S, et al Prognostic factors of reirradiation for recurrent head and neck cancer. Am J Clin Oncol. 2002;25(4):408-13.
  • 8. Spencer SA, Wheeler RH, Peters GE, et al Concomitant chemotherapy and reirradiationn as management for recurrent cancer of the head and neck. Am J Clin Oncol. 1999;22(1):1-5.
  • Endereço para correspondência

    Prof. Dr. Abrão Rapoport
    Rua Iramaia, nº 136 – Jd. Europa
    CEP: 01450–020 – São Paulo - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Aceito
      22 Set 2005
    • Recebido
      19 Abr 2005
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br