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Transplante de fígado a partir de doadores em assistolia: resultados iniciais do grupo de transplante de fígado do Hospital Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco

Liver transplantation from non-heart-beating donors: initial results from Oswaldo Cruz University Hospital's liver transplantation group, Pernambuco University

Resumos

OBJETIVO: Relatar a experiência inicial do Grupo de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife - PE, com doadores de fígado em assistolia. MÉTODO: Foram revistos os dados referentes a seis transplantes hepáticos, realizados entre outubro de 2002 e setembro de 2004, com órgãos obtidos de doadores em assistolia. RESULTADOS: Não houve disfunção primária do enxerto. Complicações biliares e vasculares não foram observadas. Todos os pacientes receberam alta hospitalar em boas condições clínicas. CONCLUSÕES: Embora se trate de uma experiência pequena, bons resultados iniciais foram obtidos com transplante hepáticos realizados a partir de doadores em assitolia.

Transplante de fígado; Doadores de tecidos; Fígado; Parada cardíaca; Seleção de pacientes


BACKGROUND: The demand for liver transplantation has increasingly exceeded the supply of cadaver donor organs. Hepatic allografts from non-heart-beating donors have been cited as a means to expand the supply of donor livers. METHODS: We reviewed the medical records of six patients who had undergone orthotopic liver transplantation from non-heart-beating donors at Oswaldo Cruz University Hospital, Pernambuco University, Brazil, between October 2002 and September 2004. RESULTS: Primary graft non-function, vascular or biliary complications were not observed. Re-transplantation was not required. All patients were discharged from hospital in good clinical conditions. CONCLUSION: Although more experience is required, good initial results have been obtained with non-heart-beating livers donors by the Oswaldo Cruz University Hospital Group.

Liver transplantation; Tissue donors; Liver; Heart arrest; Patients selection


ARTIGO ORIGINAL

Transplante de fígado a partir de doadores em assistolia: resultados iniciais do grupo de transplante de fígado do Hospital Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco

Liver transplantation from non-heart-beating donors: initial results from Oswaldo Cruz University Hospital's liver transplantation group, Pernambuco University

Olival Lucena, TCBC-PEI; Américo Gusmão AmorimII; Bernardo SabatII; Luiz Carlos L. AdeodatoII; Luiz Eduardo Correia Miranda, TCBC-SPI; Cláudio Moura Lacerda, TCBC-PEIII

ICirurgião do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante de Fígado do HUOC – UPE

IIProfessor adjunto de Cirurgia e Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante de Fígado do HUOC – UPE

IIIProf. Titular de Cirurgia Abdominal e Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante de Fígado do HUOC – UPE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cláudio Moura Lacerda Rua Prof. Anunciada Rocha Melo, 87, apto. 501, Madalena Recife - PE - CEP 50710-390 E-mail: cmlacerda1@hotmail.com Telefone: (0xx81) 9971-5515

RESUMO

OBJETIVO: Relatar a experiência inicial do Grupo de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife – PE, com doadores de fígado em assistolia.

MÉTODO: Foram revistos os dados referentes a seis transplantes hepáticos, realizados entre outubro de 2002 e setembro de 2004, com órgãos obtidos de doadores em assistolia.

RESULTADOS: Não houve disfunção primária do enxerto. Complicações biliares e vasculares não foram observadas. Todos os pacientes receberam alta hospitalar em boas condições clínicas.

CONCLUSÕES: Embora se trate de uma experiência pequena, bons resultados iniciais foram obtidos com transplante hepáticos realizados a partir de doadores em assitolia.

Descritores: Transplante de fígado; Doadores de tecidos; Fígado; Parada cardíaca; Seleção de pacientes.

ABSTRACT

BACKGROUND: The demand for liver transplantation has increasingly exceeded the supply of cadaver donor organs. Hepatic allografts from non-heart-beating donors have been cited as a means to expand the supply of donor livers.

METHODS: We reviewed the medical records of six patients who had undergone orthotopic liver transplantation from non-heart-beating donors at Oswaldo Cruz University Hospital, Pernambuco University, Brazil, between October 2002 and September 2004.

RESULTS: Primary graft non-function, vascular or biliary complications were not observed. Re-transplantation was not required. All patients were discharged from hospital in good clinical conditions.

CONCLUSION: Although more experience is required, good initial results have been obtained with non-heart-beating livers donors by the Oswaldo Cruz University Hospital Group.

Key words: Liver transplantation; Tissue donors; Liver; Heart arrest; Patients selection.

INTRODUÇÃO

O transplante hepático tornou-se o procedimento de escolha para o tratamento da doença hepática terminal1. O sucesso do tratamento resultou no aumento da demanda de órgãos2, sem o aumento correspondente de sua oferta. O número de candidatos ao transplante hepático rapidamente excedeu o número de doadores. O tempo de espera por um órgão e os óbitos ocorridos sem que o transplante de fígado tenha sido realizado também aumentaram3. Em janeiro de 2004 havia 5.587 pacientes inscritos na lista de espera por um transplante de fígado no Brasil. Foram realizados 955 transplantes e o número de inscritos em janeiro de 2005 aumentou para 6.286 pacientes, dados da Associação Brasileira Transplante de Órgãos (www.abto.org.br).

Para enfrentar esse problema, numerosas estratégias têm sido propostas. O uso de fígados de doadores anteriormente considerados inadequados4, o transplante intervivos e a divisão do fígado com o objetivo de obter dois enxertos viáveis, são as principais delas3. O uso de fígados obtidos de doadores em assistolia é um recurso que tem se mostrado viável para aumentar a oferta de órgãos para transplante5,6, representando até 5% da oferta de fígados em grandes centros7. O objetivo desse trabalho é relatar a experiência inicial do Grupo de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, com transplantes de fígados realizados a partir de doadores em assistolia.

MÉTODO

Foram analisados os prontuários médicos de pacientes submetidos a transplante hepático a partir de doadores em assistolia, todos do tipo IV segundo a classificação de Maastrich, entre outubro de 2002 e setembro de 2004, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz. Todos os pacientes apresentavam declaração de morte encefálica segundo as exigências da legislação brasileira.

Três critérios foram exigidos para o aproveitamento dos órgãos:

1. avaliação geral do doador quanto à qualidade do fígado, baseada em dados laboratoriais de função hepática, considerada boa ou excelente;

2. aspecto macroscópico normal do fígado, ao inventário da cavidade;

3. mudança do aspecto macroscópico do fígado quanto à temperatura e à cor do órgão, que deve ser homogênea durante a perfusão portal e arterial com solução de preservação.

Foram avaliados ainda dados referentes aos doadores, ao procedimento cirúrgico, e à evolução pós-operatória.

RESULTADOS

Foram operados seis pacientes, quatro homens e duas mulheres, com idade entre quatro e 53 anos (média = 28 anos). A causa da morte foi traumatismo craniano em quatro, e acidente vascular cerebral em dois. Todos os doadores apresentaram a parada cardíaca na presença da equipe de captação de órgãos.

O tempo decorrido entre a parada cardíaca e o início da perfusão hepática com solução de preservação foi de oito a 30 minutos. O tempo de isquemia fria variou entre cinco horas e 50 minutos a 11horas e 22 minutos. O tempo de isquemia quente variou entre 50 minutos e 82 minutos. Não houve complicações maiores no período intra-operatório em nenhuma das cirurgias relatadas.

Os pacientes permaneceram durante um a sete dias na UTI. O período de permanência hospitalar variou entre oito e 26 dias. Os valores de transaminases atingiram cifras até 10 vezes maiores que o limite normal. O tempo de protrombina mostrou-se prolongado. Um paciente com os piores valores laboratoriais evoluiu com rápida melhora clínica e bioquímica. Trombocitopenia foi observada em quatro casos. Todos os pacientes receberam alta hospitalar em boas condições clínicas. Houve dois óbitos tardios, não associados à característica do doador. O primeiro óbito, ocorreu no 56º dia pós-operatório após biópsia hepática e hemotórax maciço. O segundo óbito, ocorreu no 4º mês pós-operatório por provável doença enxerto-versus-hospedeiro. Os outros pacientes estão vivos e com boa qualidade de vida. Não foram observadas complicações biliares ou vasculares.

DISCUSSÃO

O primeiro transplante hepático do Nordeste do Brasil foi realizado em 19938. A partir de agosto de 1999, o grupo ligado ao Hospital Universitário Oswaldo Cruz iniciou um programa de transplante hepático capaz de atender a parte da demanda regional. Até dezembro de 2004, 95 pacientes foram transplantados, 34 deles no último ano (dados não publicados). Apesar das estratégias atuais para aumentar o número de cirurgias, há grande número de óbitos entre pacientes que aguardam pelo enxerto, uma vez que o número de doadores de órgãos para transplante é insuficiente para atender a demanda existente. O transplante de fígado a partir de doadores em assistolia representa uma maneira de aumentar a oferta de órgãos5. Preocupações existem com relação ao aumento do tempo de isquemia a quente, causado pelo tempo decorrido entre a parada cardíaca e o início da perfusão hepática com soluções de preservação. O epitélio biliar é altamente sensível à lesão por reperfusão e, portanto complicações biliares podem ocorrer nos pacientes receptores de desse tipo de enxerto9. A disfunção primária do órgão, resultante da lesão por reperfusão pode ser agravada pelo mesmo motivo10,11. Não obstante essas preocupações sejam bem fundamentadas, grupos importantes publicaram dados que demonstram que o transplante de fígado a partir de doadores em assistolia apresenta resultados similares, em longo prazo, àqueles realizados com doadores portadores de morte cerebral e sob técnicas usuais6. O grupo da Universidade de Pittsburgh publicou estudo com 10 receptores de doadores em assitolia com um ano de sobrevida para o paciente e para o enxerto de 95% e 86% respectivamente12. Na série da Universidade da Califórnia, Los Angeles, para 13 paciente transplantados em condições semelhantes às do presente trabalho, a sobrevida para o paciente e para o enxerto em um ano, foram de 85% e 77% respectivamente13. Os melhores resultados foram obtidos com tempo de assitolia inferior a 30 minutos13,14.

Embora a possibilidade do uso de órgãos de doadores em assistolia possa aumentar o número de órgãos disponíveis para transplante hepático, alternativas para esse fim ainda não foram esgotadas em nosso meio. O número de doações por ano por milhão de habitantes no Brasil é muito inferior ao de países que possuem sistema de captação de órgãos realmente competentes. Investimentos para a capacitação e profissionalização das equipes das Centrais de Transplante de Órgãos, a adoção de técnicas de procura ativa de doadores, abordagem de familiares por profissionais preparados e campanhas contínuas para educação da população leiga, representam estratégias para aumento do número de doadores que devem ser exploradas pelas autoridades responsáveis pelo planejamento e administração da Centrais de Transplante de Órgãos. As técnicas de divisão do enxerto, e de transplante intervivos ainda são pouco usadas por nossos centros de transplante. Técnicas para o desenvolvimento de meios que permitam a proteção do órgão a ser transplantado, aumentando a chance de sucesso do enxerto, constituem empolgante e atrativo campo de pesquisa científica, ainda pouco explorado. Mesmo em países onde essas técnicas são usadas eficientemente há escassez de órgãos, o que torna necessário o desenvolvimento de novas alternativas para aumentar o número de transplantes.

Em resumo, apesar das preocupações justificáveis com relação aos fígados obtidos de pacientes em assistolia, a experiência preliminar do Grupo de Transplante de Fígado do Hospital Oswaldo Cruz é concordante com os relatos da literatura que sugerem que enxertos obtidos por esse meio aumentam, de forma segura, a oferta de órgãos para transplante hepático.

Recebido em 02/05/2005

Aceito para publicação em 09/09/2005

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral e Transplante de Fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco.

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  • Endereço para correspondência

    Cláudio Moura Lacerda
    Rua Prof. Anunciada Rocha Melo, 87, apto. 501, Madalena
    Recife - PE - CEP 50710-390
    E-mail:
    Telefone: (0xx81) 9971-5515
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Aceito
      09 Set 2005
    • Recebido
      02 Maio 2005
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