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Paradigmas e evidências da nutrição peri-operatória

Paradigms and evidence of perioperative nutrition

Resumo

Understanding perioperative pathophysiology and implementing care regimes, through a multimodal approach, to reduce the organic response to stress after surgery and the related postoperative ileus, are major challenges. Multimodal surgical strategies such as pre-operative intake of a carbohydrate drink, instead of the usually recommended 2- to 6-hour period of nothing-bymouth, together with patient's education of the postoperative care plan, plus efficacious analgesia and early postoperative nutrition, among others, have been described to significantly impact on the previous variables. Therefore, these strategies accelerate rehabilitation and, as a consequence, decrease complications and hospital length of stay and, its related costs.

Nutrition; Ileum; Postoperative period; Analgesia; Diet


Nutrition; Ileum; Postoperative period; Analgesia; Diet

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Paradigmas e evidências da nutrição peri-operatória

Paradigms and evidence of perioperative nutrition

Maria Isabel Toulson Davisson Correia, TCBC-MGI; Rodrigo Gomes da Silva, ACBC-MGII

IProfessora Adjunta de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais; Coordenadora do Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da UFMG

IIProfessor Adjunto de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador do Grupo de Parede e membro do grupo de Coloproctologia do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 10/10/2005 Aceito para publicação em 01/12/2005 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma

ABSTRACT

Understanding perioperative pathophysiology and implementing care regimes, through a multimodal approach, to reduce the organic response to stress after surgery and the related postoperative ileus, are major challenges. Multimodal surgical strategies such as pre-operative intake of a carbohydrate drink, instead of the usually recommended 2- to 6-hour period of nothing-bymouth, together with patient's education of the postoperative care plan, plus efficacious analgesia and early postoperative nutrition, among others, have been described to significantly impact on the previous variables. Therefore, these strategies accelerate rehabilitation and, as a consequence, decrease complications and hospital length of stay and, its related costs.

Key words: Nutrition; Ileum; Postoperative period; Analgesia; Diet.

Introdução

A abordagem nutricional de pacientes cirúrgicos é aspecto fundamental no cuidado dos mesmos. Múltiplos estudos randomizados, meta-análises e revisões têm abordado o tema. No entanto, alguns aspectos ainda continuam a ser alvo de inúmeras controvérsias, especialmente no tocante ao período adequado de jejum pré-operatório e à liberação da dieta no pós-operatório. Esses aspectos envolvem alguns dos paradigmas existentes em Medicina, mais propriamente em Cirurgia, que geram, por sua vez, angústia e medo aos profissionais envolvidos no tratamento de pacientes operados.

Operações eletivas são, em geral, realizadas após 10 a 16 horas de jejum. A rotina é manter-se o paciente sem comer desde a noite anterior ao ato operatório. Esse período é tido como fundamental para que no momento da indução anestésica o estômago esteja completamente vazio e o risco de aspiração seja mínimo. No entanto, esse tempo é suficientemente longo do ponto de vista metabólico, levando a depleção do estoque de glicogênio, o que tem impacto na resposta orgânica ao estresse, além de gerar desconforto a vários pacientes1 ,2 . A resposta orgânica apresenta-se aumentada em pacientes submetidos a jejum noturno, quando comparada a pacientes que receberam infusão de carboidratos1,2. Logo, o jejum pré-operatório aumenta o estresse metabólico induzido pelo tratamento cirúrgico.

A liberação da dieta no pós-operatório é outro ponto controverso que tem gerado inúmeras discussões. Em geral, os cirurgiões aguardam a resolução do chamado íleo pósoperatório, ou seja, eliminação de flatos ou evacuação, para a liberação da dieta. Isso ocorre por volta do terceiro ou quarto dia pós-operatório. Além disso, a tradição cirúrgica orienta a oferta escalonada ou progressiva da dieta líquida, pastosa até à sólida. Essa prática não só pode contribuir com a piora do estado nutricional de pacientes previamente desnutridos, como aumenta o tempo de internação hospitalar3 . Por outro lado, pacientes submetidos a grandes intervenções e alimentados precocemente apresentam melhor oxigenação da mucosa intestinal4 , diminuição da resposta orgânica e do número de complicações no pós-operatório5-7 , assim como redução do tempo de dismotilidade intestinal8,9.

É nosso objetivo nesta revisão abordar o impacto do jejum pré-operatório e da nutrição precoce no pós-operatório, do ponto de vista metabólico e da associação com complicações, tempo de internação, custos e conforto do paciente. Assim sendo, paradigmas que até hoje são a rotina cirúrgica pré e pós-operatória serão, seguramente, colocados em questionamento.

Jejum pré e pós operatório versus resposta orgânica ao estresse

A necessidade de jejum prolongado, desde a noite que antecede a operação, tem sido questionada e, novas condutas têm sido adotadas10-12. Na verdade, essa prática foi iniciada, quando as técnicas anestésicas ainda eram rudimentares o que aumentava significativamente a possibilidade de vômitos e conseqüentemente, o risco de aspiração. Por volta de 1980, quando se começou a questionar o jejum rígido e prolongado, no pré-operatório, já se sabia que o esvaziamento gástrico de água e de outros líquidos com baixo teor calórico (Líquidos claros. Ex. Chá, café e sucos sem polpa), quando avaliado em voluntários sadios, apresentava-se como uma curva exponencial, com queda extremamente abrupta13.

No entanto, o grande desafio foi avaliar se os resultados obtidos com voluntários se aplicariam a pacientes sob estresse e ansiedade pré-operatórios. Verificou-se pois, que nem a medicação ansiolítica pré-operatória, nem o nível de ansiedade interferiram no esvaziamento gástrico de líquidos claros e, na acidez gástrica14. A regurgitação passiva e a aspiração pulmonar como complicações da anestesia parecem ocorrer apenas quando determinado volume gástrico está presente, provavelmente algo superior a 200 mililitros14.

Se a ingestão de líquidos claros no pré-operatório não gerou aumento de complicações pós-operatórias, por outro lado o jejum prolongado no pré-operatório está associado a potencial agravante da resposta orgânica ao estresse. Esta resposta é um fenômeno fisiológico, desencadeado por múltiplos estímulos que atingem o hipotálamo e estimulam o sistema nervoso simpático e a medula supra-renal a liberarem substâncias desencadeadoras da resposta, no intuito de manter a homeostase corporal. No entanto, na presença de estímulos prolongados e de grande intensidade, a resposta ao estresse torna-se exacerbada, aumentando a morbimortalidade. Além disso, a produção de citoquinas, principalmente de interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral (FNT), desencadeada pela lesão tecidual, provoca alterações metabólicas importantes e parece estar associada a aumento da resistência periférica à insulina 15.

Com o advento das técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, como a cirurgia videoendoscópica, a magnitude da resposta orgânica pós-cirúrgica foi reduzida. Contudo, pacientes submetidos a grandes intervenções do trato digestivo, em geral para tratamento de doenças neoplásicas e, aqueles vítimas de trauma, ainda sofrem de estresse muito aumentado. No caso de pacientes com câncer, existe ainda o agravante de que via de regra, são doentes em condições nutricionais precárias, grande parte deles desnutridos graves16 e que por conseguinte não dispõem de reservas metabólicas.

A oferta de nutrientes no pré-operatório imediato, mais especificamente carbohidratos, tem sido vista como um dos possíveis fatores benéficos, com potencial de minimizar a resposta orgânica. Três estudos recentes, dois em pacientes submetidos a operações ortopédicas 17,18 e outro, envolvendo pacientes com enfermidades gastrointestinais19 mostraram que aqueles pacientes que receberam carbohidratos, no préoperatório, tiveram menor resistência hepática à insulina e diminuição das perdas de nitrogênio, do primeiro ao terceiro dia pós-operatório. Além disso, houve melhor controle glicêmico do grupo tratado, o que pode ser traduzido em menor risco de complicações relacionadas à hiperglicemia.

A hipótese de que a oferta de carbohidratos interfira com a resposta orgânica, conforme citado anteriormente, advém de pesquisas em ratos submetidos a estresse importante. Nesses estudos animais submetidos a grandes estresses, tais como choque hemorrágico ou endotoxemia e, em jejum por seis a 24 horas, apresentaram capacidade inferior de tolerar a agressão quando comparados aos animais que receberam carbohidratos 20. Os animais alimentados responderam ao trauma com resposta orgânica diminuída, com melhor tolerância à glicose, com força muscular aumentada e menor translocação bacteriana. Após essas observações, buscouse verificar se o mesmo acontecia em seres humanos. A hipótese levantada foi de que a oferta de carbohidratos no préoperatório incorreria em resposta orgânica diminuída. Desta forma, pacientes submetidos à colecistectomia convencional receberam, na noite anterior à operação, 5 mg/Kg/minuto por via endovenosa o que resultou em hiperinsulinemia, semelhante ao estado pós-prandial. Os pacientes tiveram redução de 50% de resistência periférica à insulina no pós-operatório, quando comparados a pacientes em jejum por 12 horas21. No entanto, a oferta de carbohidratos por via venosa demanda internação no dia anterior o que gera custos aumentados. Logo, a possibilidade de oferecer a mesma quantidade de carbohidratos por via oral foi avaliada, de modo que os pacientes pudessem ser preparados em suas residências. Foi elaborada bebida rica em carbohidratos contendo 12,5% de glicose. A oferta dessa bebida na noite anterior à operação (800 ml) e até duas horas antes da indução anestésica (400 ml), em pacientes submetidos a operação colorretal2 e colocação de prótese total de quadril22 também diminuiu a resistência periférica à insulina.

Por que a resistência periférica à insulina é fator relevante do ponto de vista clínico? A resistência à insulina é fenômeno transitório que dura aproximadamente até três semanas após a realização de operações abdominais eletivas e não complicadas. Na verdade, esse estado metabólico muito se assemelha ao do diabetes mellitus tipo II. Ou seja, a captação de glicose pelas células está diminuída devido à incapacidade do transportador GLUT-4 realizar essa ação e, conseqüentemente, a produção de glicogênio é diminuída. Simultaneamente, há aumento da produção endógena de glicose, por neoglicogênese, de modo que a glicemia sangüínea encontrase elevada o que é sério fator de risco para maior morbimortalidade23. Além disso, quanto maior a resistência à insulina maior o tempo de internação16.

Logo, com base nas alterações metabólicas induzidas pelo jejum prolongado antes do ato operatório, é de grande importância tentar reverter essa situação. A oferta de líquidos claros não interfere nesse mecanismo. Por outro lado, a bebida rica em carbohidratos mostrou-se efetiva nessa ação, assim como proporcionou diminuição de sede e fome, melhor bem estar e redução da ansiedade e estresse, sem causar aumento de estase gástrica24.

A oferta de nutrição precoce no pós-operatório também parece contribuir para a diminuição do estresse cirúrgico 6,25. Alguns estudos têm demonstrado que o uso de nutrição enteral precoce (até 48 horas, no pós-operatório) melhora a síntese de albumina e globulina, diminui o nível de excreção urinária de catecolaminas e acelera a cicatrização de feridas, entre outros achados 6,26,27.

Pacientes vítimas de queimaduras quando submetidos à nutrição enteral precoce (quatro horas após o acidente) versus pacientes nutridos no terceiro dia, apresentaram balanço nitrogenado menos negativo já na primeira semana, assim como, diminuição dos níveis de catecolaminas urinárias e de glucagon plasmático 28. Mais recentemente, Brodner et al27 ofereceram dieta oral no primeiro dia pós-operatório a pacientes submetidos a cistectomia radical e compararam com dois outros grupos submetidos tanto a jejum, como a nutrição parenteral. Os autores observaram que o grupo de estudo apresentou menores níveis de catecolaminas plasmáticas e urinárias, assim como balanço nitrogenado menos negativo.

Dieta no pós-operatório e "íleo adinâmico"

A liberação da dieta e o tipo de alimentos permitidos (líquidos claros progredindo até alimentos sólidos) após a resolução do "íleo" não têm sido apoiados pela luz da Medicina baseada em evidências. Aliás, os primeiros questionamentos começaram a surgir perante o uso rotineiro de cateteres nasogástricos (CNG) no pós-operatório de operações do aparelho digestivo para tratar o chamado íleo adinâmico. Entre outros estudos, o realizado no nosso departamento em 199229, mostrou que o uso profilático rotineiro de cateteres nasogástricos não só foi desnecessário como esteve associado a aumento de complicações, principalmente pulmonares e, tempo de internação prolongado.

Uma meta-análise mostrou que, para cada paciente que utilizou cateter nasogástrico no pós-operatório, pelo menos 20 doentes não demandaram a sua inserção, concluindo, por conseguinte, que o uso rotineiro de CNG não tem base científica para a sua colocação como profilaxia de íleo 30.

O jejum pós-operatório faz parte dos cuidados de rotina prescritos até que haja eliminação de flatos ou de fezes. Isso, em geral, ocorre em torno do terceiro ou quarto dia pós-operatório. Logo, o tempo de internação hospitalar é maior, pois se aguarda que o doente coma e tolere a dieta para se dar a alta. Após operações colorretais, por exemplo, os pacientes permanecem no hospital por tempo médio de seis a 12 dias31. Acredita-se que a dieta precoce possa levar à distensão abdominal, náuseas e vômitos, piorando o "íleo adinâmico". Casto et al32 definiram essa prática como "antiquada e existente há mais de 100 anos, quando a incidência de vômitos pós-operatórios era muito mais elevada devido ao uso de anestésicos rudimentares".

Alguns autores têm estudado o impacto da dieta precoce na recuperação pós-operatória e todos esses paradigmas têm sido desafiados e questionados. Alguns estudos têm mostrado que após a realização de operações colorretais é possível alimentar os doentes precocemente e dar alta no 2º. e 3º. dias pós-operatórios33. Essa prática diminui o desconforto dos doentes, o tempo de internação e conseqüentemente, os custos hospitalares.

Porque deveremos esperar pela eliminação de flatos ou fezes para começar a alimentar os pacientes, no pós-operatório? Até ao momento, duas plausíveis justificativas eram usadas. A primeira, é a crença de que se deva aguardar pela resolução da dismotilidade intestinal transitória (íleo pós-operatório). A segunda é justificada pela possibilidade de que a alimentação precoce aumente o risco de fístulas anastomóticas. Este aspecto não mais é validado pelas evidências da atualidade. A cicatrização das anastomoses e as complicações pósoperatórias são diretamente afetadas por diversos fatores tais como: estado nutricional do doente34; uso de drogas imunossupressoras como corticóides; condições locais do abdômen influenciadas pela presença de inflamação, infecção, e/ou câncer; fluxo esplâncnico adequado e; boa técnica cirúrgica, entre outros35. Por outro lado, sabe-se que a nutrição precoce melhora a cicatrização e o fluxo esplâncnico, estimula a motilidade intestinal, conseqüentemente diminuindo a estase e, reduz a incidência de morbimortalidade4,36,37 ,. Em estudo prospectivo randomizado realizado por Aguilar-Nascimento et al 38, verificou-se que não houve diferença significante entre as taxas de deiscência de anastomose entre o grupo que recebeu nutrição precoce e o submetido a tratamento convencional. A nutrição precoce é viável e segura, mesmo quando oferecida entre quatro a 12 horas após a operação 34-41. Na verdade, a oferta precoce de nutrientes estimula reflexo que produz atividade propulsiva coordenada e, induz à secreção de hormônios gastrointestinais, diminuindo por conseguinte o íleo pós-operatório. Anderson et al 42 mostraram, em pacientes submetidos a operações colorretais, que o grupo que recebeu tratamento envolvendo múltiplas estratégias, no qual a nutrição precoce era uma das variáveis, apresentou recuperação mais rápida e melhora da função gastrointestinal, cuja média foi de 48 horas (33-55 h) versus 76 horas (70-110h) no grupo controle.

Até o momento, o tratamento convencional adotado pela maior parte dos hospitais e clínicas, recomenda o jejum em conjunto com a administração de líquidos intravenosos até que haja eliminação de flatos ou fezes. Na verdade, não existem protocolos que orientem sobre a liberação da dieta na maioria dos centros. Por exemplo, no Reino Unido, 78,5% das unidades obstétricas questionadas informaram que a decisão de alimentar as pacientes após a realização de cesarianas é feita sem nenhuma rotina estabelecida 43.

A etiologia do íleo pós-operatório é multi-fatorial. Alterações do sistema nervoso autônomo, de neurotransmissores, de fatores inflamatórios locais e da resposta metabólica/inflamatória assim como, a presença de diferentes hormônios, a anestesia e a analgesia pós-operatória têm sido descritos como fatores causais. De sorte que uma abordagem multivariada deve ser usada para minimizar ou tratar a disfunção fisiológica da motilidade após procedimentos cirúrgicos8,44-47.

A oferta de nutrição precoce é uma dessas variáveis que deve ser associada à anestesia epidural, cirurgia minimamente invasiva, medicações antieméticas, mobilização precoce no pós-operatório e preparo psicológico do paciente, entre outras (Tabela 1). Na verdade, os estudos que não associaram a nutrição precoce aos outros procedimentos usados para reduzir a dismotilidade intestinal não mostraram benefícios destes na evolução pós-operatória. Stewart et al48, em estudo prospectivo randomizado com pacientes submetidos a ressecção colônica que receberam líquidos à vontade, dentro das primeiras quatro horas de pós-operatório, verificaram que a tolerância foi boa. A maioria dos pacientes (80%) assim tratada tolerou uma refeição habitual dentro das primeiras 48 horas. As taxas de vômitos, recolocação de CNG e distensão abdominal não foram significantemente diferentes entre esse grupo e o controle.

Os pacientes idosos são mais suscetíveis a complicações e sabidamente permanecem internados por mais tempo. Estudos recentes, avaliaram o comportamento de pacientes idosos quando tratados com estratégias multivariadas e, diferentes resultados foram descritos. Delaney et al49 não conseguiram mostrar vantagens desse tipo de abordagem em pacientes com idade superior a 70 anos. Os autores não verificaram diminuição do tempo de internação no grupo de idosos assim tratado, porém numa análise detalhada de pacientes mais jovens, o tempo de internação foi reduzido de 7,1 dias para cinco dias. Por outro lado, Di Fronzo et al8 observaram pacientes com idades acima de 70 anos e relataram que 89,6% deles toleraram a dieta precoce muito bem, tendo permanecido internados em média por 3,9 dias.

Uma meta-análise recente registrou diminuição do tempo de internação em 0,84 dias (0,36 – 1,33 dias)6 .

É razoável esperar-se que a abordagem multivariada resulte em menor tempo de internação. No entanto, várias modalidades de tratamento e diversas variáveis têm sido utilizadas, o que seguramente tem contribuído para os diferentes resultados. É difícil comparar esses resultados frente às múltiplas possibilidades relacionadas ao tema. Salientam-se: diferentes definições de dismotilidade pós-operatória; estudos com tamanhos de amostra insuficientes; diferenças nas operações realizadas; múltiplos protocolos anestésicos; várias co-morbidades dos pacientes e, por último, diversas variáveis-resposta, tais como passagem de flatos e fezes, movimentos peristálticos, alta hospitalar e tolerância a alimentos sólidos. Porém, existe evidência clara dos benefícios em se usar abordagem multivariada para melhorar as alterações pós-operatórias, o que diretamente impacta no tempo de internação e nos custos.

A liberação progressiva de nutrientes, iniciada com líquidos claros até alimentos sólidos, tem sido outro aspecto controverso e discutido por muitos cirurgiões que na sua maioria ainda acreditam que essa seqüência deva ser respeitada. Contudo, em estudo prospectivo randomizado realizado no nosso serviço, Sanches et al51 acompanharam 165 doentes submetidos a tratamento cirúrgico eletivo para afecções gastrointestinais. A um grupo foi-lhe permitido ingerir dieta livre tão logo esta foi liberada e o outro grupo, recebeu alimentos de acordo com a progressão habitual (líquidos claros até dieta regular). Os autores não encontraram nenhuma diferença entre os dois grupos, no tocante à incidência de complicações ou à intolerância à dieta. Os pacientes que ingeriram a dieta livre receberam mais calorias no primeiro dia da dieta (917,13 calorias versus 467,94 calorias). Os autores recomendam a liberação de dieta livre como primeira opção tão logo esta seja liberada. Em outro estudo, Jeffery et al 52 comparando os dois tipos de dieta, líquida restrita versus livre, verificaram que a incidência de complicações foi semelhante entre os dois grupos (7,5% versus 8,1%). Segundo os autores, este tipo de conduta é bem tolerado, apresenta-se mais palatável para o doente, é mais fácil de engolir e diminui o tempo de hospitalização.

Novas perspectivas sobre ações que possam ter impacto sobre o íleo pós-operatório devem ser avaliadas no intuito de minimizar os efeitos deletérios do mesmo e todas as facetas a ele relacionadas. Recentemente, foi relatada que a simples mastigação de bala de goma no pós-operatório de pacientes submetidos a colectomia vídeoendoscópica foi capaz de reduzir o íleo pós-operatório43. O grupo estimulado a mastigar as balas de goma três vezes ao dia, desde o primeiro dia pós-operatório, apresentou eliminação de flatos em média no segundo dia versus no terceiro dia, no grupo controle. A primeira eliminação de fezes ocorreu em 2,7 dias versus 5,8 dias de pós-operatório e o tempo de internação foi de 13,5+/- 3,0 dias contra 14,5+/-6,1 dias. Os autores concluíram que a tolerância a essa opção de tratamento foi boa e que é método não dispendioso para estimular o retorno da atividade motora intestinal.

Conclusão

A resposta orgânica ao estresse e o íleo pós-operatório continuam a ser realidades que podem interferir de maneira significativa na evolução dos pacientes, de acordo com a sua magnitude e duração. Ambos representam resposta fisiológica que, quando perpetuada, traduz-se em aumento de morbimortalidade. A sua etiologia é multi-fatorial e é melhor tratada com a combinação de diversas abordagens, das quais a nutrição tanto no pré como no pós-operatório tem papel relevante. Na medida que a ciência se desenvolve, é importante que antigos paradigmas, muitos deles baseados em condutas empíricas, sejam questionados com a realização de estudos clínicos randomizados. Quando diferentes resultados são encontrados, novas estratégias devem ser testadas e seguidas, objetivando a melhora do tratamento dos pacientes e, concomitantemente, a redução de custos.

Thomas Kuhn53, físico americano, autor de "As estruturas das Revoluções Científicas" disse: "A ciência não é uma transição suave do erro à verdade, e sim uma série de crises ou revoluções, expressas como mudanças de paradigmas."

Maria Isabel Toulson Davisson Correia

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Trabalho realizado no Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 10/10/2005
    Aceito para publicação em 01/12/2005
    Conflito de interesse: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhuma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      10 Out 2005
    • Aceito
      01 Dez 2005
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