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Efeito da ressecção do íleo terminal na fibrose hepática secundária à ligadura do ducto hepático comum em ratas

Influence of terminal ileum resection on hepatic fibrosis provoked by ligature of common bile duct in female rats

Resumos

OBJETIVO: A evolução para fibrose hepática e, posteriormente, para cirrose são fatos bem estabelecidos na colestase extra-hepática prolongada. A despeito dos avanços nos métodos diagnósticos e terapêuticos, essas complicações continuam de difícil solução, principalmente, quando não é possível reverter a causa da colestase. Neste trabalho, procurou-se verificar, em modelo experimental de colestase pela ligadura do ducto hepático comum, se a exclusão do íleo terminal reduziria o desenvolvimento de fibrose hepática. Não houve abordagem direta da causa da colestase, mas atuou-se nos mecanismos de secreção e regulação do fluxo biliar êntero-hepático. MÉTODO: Foram utilizadas trinta e cinco ratas Wistar, distribuídas em três grupos: Grupo 1, apenas laparotomia e laparorrafia; Grupo 2, ligadura do ducto hepático comum; Grupo 3, ligadura do ducto hepático comum associada a ressecção do íleo terminal, com reconstrução do trânsito intestinal, por meio de anastomose íleo-cólon ascendente. Após trinta dias, os animais foram mortos e o fígado de cada rata foi retirado, para a análise histológica. RESULTADOS: Os resultados foram submetidos a análise estatística pelo teste de Kuskal-Wallis, com nível de significância de 95 % (p < 0,05). Verificou-se que houve fibrose hepática nos grupos 2 e 3, porém sem cirrose. O Grupo 3 apresentou fibrose menos acentuada que o Grupo 2. CONCLUSÕES: Conclui-se que a ressecção do íleo terminal associa-se a menor alteração histológica, no fígado de ratas, decorrente de colestase obstrutiva.

Fígado; Colestase extra-hepática; Cirrose hepática; Ducto biliar comum; Íleo


BACKGROUND: Progression to hepatic fibrosis, and later to cirrhosis, is a well-established fact. Despite the advances in the diagnostic and therapeutic methods, this syndrome continues to be of difficult solution, especially when it is not possible to reverse the cause of cholestasis. The development of new therapeutic proposals is necessary in order to prevent the occurrence of hepatic fibrosis or cirrhosis.The present study, conducted on an experimental model of cholestasis induced by ligation of the common bile duct, was carried out in order to determine whether exclusion of the terminal ileum would reduced the development of hepatic fibrosis. There was no direct approach to the cause of cholestasis, but there was an intervention in the mechanisms of secretion and regulation of enterohepatic bile flow. METHODS: Thirty-five female Wistar rats were divided into three groups: Group 1 was submitted only to laparotomy and laparorrhaphy, Group 2 to ligation of the common bile duct, and Group 3 to ligation of the common bile duct in combination with resection of the terminal ileum, with reconstruction of intestinal transit by means of an ileum-ascending colon anastomosis. After 30 days the animals were killed and the liver of each rat was removed for histological analysis. RESULTS: The results were analyzed the Kruskal-Wallis test, with the level of significance set at 95 % (p < 0.05). Hepatic fibrosis, but not cirrhosis, was detected in Groups 2 and 3. Group 3 presented less marked fibrosis than Group 2. CONCLUSION: We conclude that resection of the terminal ileum is associated with less marked histological alterations due to obstructive cholestasis in the liver of female rats.

Liver; Cholestasis extrahepatic; Liver cirrhosis; Common bile duct; Ileum


ARTIGO ORIGINAL

Efeito da ressecção do íleo terminal na fibrose hepática secundária à ligadura do ducto hepático comum em ratas

Influence of terminal ileum resection on hepatic fibrosis provoked by ligature of common bile duct in female rats

Evandro Luis de Oliveira CostaI; Geraldo Magela de Azevedo JúniorII; Andy Petroianu, TCBC-MGIII

IEspecialista em Cirurgia Geral

IIMestre em Biologia Celular e Especialista em Anatomia Patológica e Medicina Legal

IIIProfessor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina, UFMG; Docente Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP; Docente Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia – Instituto de Ciências Biológicas, UFMG, Pesquisador IA do CNPq

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 10/08/2005 Aceito para publicação em 10/10/2005 Conflito de interesses: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma

RESUMO

OBJETIVO: A evolução para fibrose hepática e, posteriormente, para cirrose são fatos bem estabelecidos na colestase extra-hepática prolongada. A despeito dos avanços nos métodos diagnósticos e terapêuticos, essas complicações continuam de difícil solução, principalmente, quando não é possível reverter a causa da colestase. Neste trabalho, procurou-se verificar, em modelo experimental de colestase pela ligadura do ducto hepático comum, se a exclusão do íleo terminal reduziria o desenvolvimento de fibrose hepática. Não houve abordagem direta da causa da colestase, mas atuou-se nos mecanismos de secreção e regulação do fluxo biliar êntero-hepático.

MÉTODO: Foram utilizadas trinta e cinco ratas Wistar, distribuídas em três grupos: Grupo 1, apenas laparotomia e laparorrafia; Grupo 2, ligadura do ducto hepático comum; Grupo 3, ligadura do ducto hepático comum associada a ressecção do íleo terminal, com reconstrução do trânsito intestinal, por meio de anastomose íleo-cólon ascendente. Após trinta dias, os animais foram mortos e o fígado de cada rata foi retirado, para a análise histológica.

RESULTADOS: Os resultados foram submetidos a análise estatística pelo teste de Kuskal-Wallis, com nível de significância de 95 % (p < 0,05). Verificou-se que houve fibrose hepática nos grupos 2 e 3, porém sem cirrose. O Grupo 3 apresentou fibrose menos acentuada que o Grupo 2.

CONCLUSÕES: Conclui-se que a ressecção do íleo terminal associa-se a menor alteração histológica, no fígado de ratas, decorrente de colestase obstrutiva.

Descritores: Fígado; Colestase extra-hepática; Cirrose hepática; Ducto biliar comum; Íleo.

ABSTRACT

BACKGROUND: Progression to hepatic fibrosis, and later to cirrhosis, is a well-established fact. Despite the advances in the diagnostic and therapeutic methods, this syndrome continues to be of difficult solution, especially when it is not possible to reverse the cause of cholestasis. The development of new therapeutic proposals is necessary in order to prevent the occurrence of hepatic fibrosis or cirrhosis.The present study, conducted on an experimental model of cholestasis induced by ligation of the common bile duct, was carried out in order to determine whether exclusion of the terminal ileum would reduced the development of hepatic fibrosis. There was no direct approach to the cause of cholestasis, but there was an intervention in the mechanisms of secretion and regulation of enterohepatic bile flow.

METHODS: Thirty-five female Wistar rats were divided into three groups: Group 1 was submitted only to laparotomy and laparorrhaphy, Group 2 to ligation of the common bile duct, and Group 3 to ligation of the common bile duct in combination with resection of the terminal ileum, with reconstruction of intestinal transit by means of an ileum-ascending colon anastomosis. After 30 days the animals were killed and the liver of each rat was removed for histological analysis.

RESULTS: The results were analyzed the Kruskal-Wallis test, with the level of significance set at 95 % (p < 0.05). Hepatic fibrosis, but not cirrhosis, was detected in Groups 2 and 3. Group 3 presented less marked fibrosis than Group 2.

CONCLUSION: We conclude that resection of the terminal ileum is associated with less marked histological alterations due to obstructive cholestasis in the liver of female rats.

Key words: Liver; Cholestasis extrahepatic; Liver cirrhosis; Common bile duct; Ileum.

INTRODUÇÃO

A bile é um dos principais veículos de excreção de metabólitos e de drogas do organismo. Entre as substâncias acumuladas no fígado durante a colestase, os ácidos biliares são os mais nocivos, por sua atividade detergente sobre a membrana do hepatócito e de organelas citoplasmáticas. A mais temível complicação da colestase é a fibrose hepática, que pode evoluir para cirrose e para insuficiência hepática1.

Whitington et al.2 propuseram a derivação biliar parcial externa, como forma de tratamento da colestase e, principalmente, do prurido, secundário à colestase intra-hepática familiar progressiva. A colestase que surge nessa doença caracteriza- se por icterícia colestática crônica, progressiva e hereditária, que evolui para cirrose hepática. O sintoma mais incapacitante é o prurido intenso, decorrente do acúmulo de ácidos biliares. Muitos dos pacientes evoluem para cirrose hepática. Estes autores perceberam a diminuição dos sintomas, notadamente do prurido, e da progressão para a cirrose hepática, após a drenagem biliar externa parcial, por meio de colecistojejunostomia, exteriorizada na pele.

Por sua vez, Hollands et al.3 propuseram, como forma de tratamento dessa mesma afecção, a exclusão dos últimos centímetros do íleo terminal, por meio de uma derivação íleo-cólon ascendente, com diminuição da absorção dos ácidos biliares no ciclo êntero-hepático. Esse procedimento evitava os inconvenientes de uma estomia. Apesar do número pequeno de pacientes e do curto período de acompanhamento, esse tratamento aliviou o prurido e melhorou a função hepática, em quatro dos cinco pacientes estudados.

Os trabalhos acima, verificaram a melhora dos sintomas e da função hepática e creditavam estas melhoras à diminuição da absorção de ácidos biliares no intestino, principalmente no íleo terminal. O nosso trabalho, procurou verificar,em caráter experimental, se a ressecção do íleo terminal, em ratas submetidas a ligadura do ducto hepático comum, alteraria o grau de fibrose hepática, mesmo na ausência de bile e ácidos biliares no intestino.

MÉTODO

Foram utilizadas trinta e cinco ratas Wistar com oito semanas de vida, nuligestas, com peso entre 200 g e 250 g. As ratas foram alocadas em gaiolas apropriadas, quatro animais por gaiola e tiveram livre acesso a água e ração para ratos.

Todos os procedimentos foram realizados, seguindo as diretrizes de pesquisa experimental em animais do International Guiding Principles for Biomedical Reserch Involving Animals (CIOMS), Genebra 1985 4. Na época dos experimentos o CETEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal da UFMG) ainda não havia sido constituído.

As ratas foram distribuídas em três grupos:

Grupo 1: 15 ratas, grupo controle,submetidas apenas à laparotomia e laparorrafia;

Grupo 2: 10 ratas, submetidas a ligadura do ducto hepático comum;

Grupo 3: 10 ratas, submetidas a ligadura do ducto hepático comum e ressecção parcial do íleo terminal, com anastomose entre o íleo terminal remanescente e o cólon ascendente.

Os animais foram anestesiados por via inalatória com éter etílico a 10%. Foram posicionados sobre uma prancha de madeira, em decúbito dorsal horizontal, com os quatro membros fixados a essa superfície por meio de esparadrapos.

Nos grupos 2 e 3, depois de aberta a cavidade, foram feitas duas ligaduras, com fio de seda 4-0, no terço proximal do ducto hepático comum, que foi seccionado, a seguir, entre as ligaduras. Essa localização, das ligaduras e da seccção, teve por objetivo prevenir a lesão do ducto pancreático, que se encontra junto ao terço distal do ducto hepático comum. No Grupo 3, após a ligadura e secção do ducto hepático comum, foram identificados os cinco centímetros finais do íleo terminal. Os vasos do mesentério desse segmento foram ligados com seda 4-0 e seccionados. Em seguida, o íleo terminal foi removido, foi fechado o coto colônico com sutura contínua com polipropileno 5-0 e restabeleceu-se o trânsito por anastomose entre íleo e o cólon ascendente. A anastomose foi término-lateral com sutura contínua, utilizando fio de polipropileno 5-0 . Nos três grupos a parede abdominal foi fechada em dois planos (aponeurótico e pele) com fio de náilon 3-0.

Passados trinta dias das operações, todos os animais foram mortos com dose inalatória excessiva de éter. Procedeuse à laparotomia em cruz e ao inventário da cavidade, enfocando o aspecto macroscópico do fígado, o local da ligadura do ducto hepático e a anastomose ileocolônica. Foram coletados 3 ml de sangue da veia cava caudal, de todos os animais, para dosagens bioquímicas de bilirrubina direta e fosfatase alcalina, a fim de comprovação bioquímica da colestase. O fígado de cada animal, foi retirado, lavado com água abundantemente e colocado em recipiente com solução de formaldeído a 10 % , para fixação e posterior análise histológica.

Cada amostra foi submetida a cortes de cerca de 5 mm no maior eixo do fígado, para abranger maior parte do parênquima e incluídas em parafina histológica, para serem cortadas com micrótomo em espessuras de 4 micra. Foram preparadas lâminas nas colorações hematoxilina-eosina e tricrômico de Gomori, específico para estudo de colágeno e fibrose.

A análise foi qualitativa, feita por único patologista, sem conhecimento prévio de que grupo pertencia a lâmina e identificaram-se os seguintes estádios de fibrose hepáticas:

(-) fibrose ausente;

(+) fibrose focal, com aumento dos tratos porta e alguns septos fibrosos, aumento da quantidade de colágeno nos tratos porta;

(++) fibrose moderada, com a presença de septos mais espessos, maior quantidade de colágeno nos tratos porta, algumas áreas de parênquima normal ou com pouca fibrose;

(+++) fibrose intensa ou muita fibrose, com a presença de septos porta grosseiros, infiltrando todo o parênquima, predomínios de tratos porta sobre parênquima hepático.

Os dados coletados a partir da análise histológica do grau de fibrose dos fígados de cada animal, de cada um dos grupos de estudo foram submetidos à análise estatística, pelo teste de Kruskal-Wallis. Os resultados foram considerados significativos ao nível de p < 0,05, com mais de 95% de confiança.

RESULTADOS

A colestase dos animais submetidos à ligadura e secção do ducto hepático comum (grupos 2 e 3) foi confirmada através de medidas de bilirrubina direta e fosfatase alcalina, do sangue colhido na veia cava caudal de cada animal. No Grupo 2, as concentrações de bilirrubina direta variaram de 4,0 a 8,0 (Média 6,11 ± 1,3) e a fosfatase alcalina variou de 302 a 732 (Média 474,2 ± 146,5), enquanto os valores no Grupo 3 foram de 3,1 a 7,5 (Média 5,21 ± 1,22), para bilirrubina direta e 373 a 1433 (Média 742,5 ± 308,7), para fosfatase alcalina. Estes valores corroboraram a presença de colestase.

Três animais recanalizaram o ducto hepático comum, dois deles no Grupo 2, e foram excluídos do estudo. A mortalidade não foi importante e ocorreu precocemente, devido a complicações cirúrgicas e anestésicas, não comprometendo o estudo, visto que os animais foram substituídos prontamente.

Não foi encontrada cirrose nas ratas deste estudo. O Grupo 1 apresentou todos os animais com parênquima hepático normal. Predominou a fibrose intensa no Grupo 2 (Figura 1) enquanto a fibrose foi moderada no Grupo 3 (Figura 2). Apesar de ser uma análise qualitativa, a impressão da intensidade da fibrose foi estimada de maneira quantitativa, tendo em vista que a análise foi feita por um único patologista, que desconhecia o grupo a que a lâmina estudada pertencia. Essa estimativa, representada em número de cruzes, apesar de seu componente subjetivo, foi uniforme em todo o estudo e os eventuais erros foram constantes em toda a análise. Levando-se em conta essas condições, observa-se que houve diferença entre os grupos 2 e 3, quanto à intensidade da fibrose hepática, que foi maior no Grupo 2 (p < 0,05) (Tabela 1).



DISCUSSÃO

A presente pesquisa fundamentou-se no trabalho de Hollands et al.3, utilizando um modelo experimental. Cabe destacar que esse procedimento atuou sobre o íleo terminal na ausência de bile, que estava represada no fígado e só poderia alcançar o intestino por via sanguínea. O modelo experimental utilizado neste trabalho fora também empregado por Kountouras et al.5 para obter cirrose hepática no rato. Segundo esses autores, 28 dias após a ligadura do ducto biliar, os animais desenvolveram cirrose hepática, acompanhada de ascite e hipertensão porta. Nesse estudo, quinze dias após a ligadura ductal, já era possível verificar fibrose hepática 5. Tais resultados extremamente desfavoráveis não foram reproduzidos nos animais da presente pesquisa, tendo em vista que nenhuma rata apresentou cirrose ou ascite, mesmo em um tempo de acompanhamento superior ao de Kountouras et al. Foi seguido o conceito de cirrose hepática, com a formação de nódulos de regeneração e septos insulando completamente os hepatócitos, promovendo anarquia da arquitetura hepática 5. Divergindo desses autores quanto à possibilidade de cirrose nesse modelo de colestase, Zimmermann et al.6 encontraram apenas fibrose hepática. No trabalho atual, não houve cirrose caracterizada em nenhum dos animais. Pode-se, talvez, explicar essas diferenças de resultados pela raça dos animais ou por suas características individuais.

Dowling et al.7 estudaram a ressecção de vários segmentos intestinais, em macacos Rhezus e verificaram que a ressecção do íleo terminal era acompanhada de diminuição da absorção e aumento da excreção dos ácidos biliares. Esses achados subsidiam a indicação da derivação biliar enterocólica. A premissa do estudo de Hollands et al 3 era a diminuição da absorção de ácidos biliares no íleo terminal, diminuindo a quantidade total de ácidos biliares e, dessa forma, o prurido. No estudo atual, não havia ácidos biliares no intestino delgado, no entanto, pôde-se verificar, em relação à fibrose hepática, que houve melhores resultados no grupo de animais submetidos à ressecção do íleo terminal.

Apesar de não haver um bloqueio completo à passagem da bile na maior parte das colestases, o acúmulo dos ácidos biliares no fígado é suficiente para provocar os efeitos adversos morfofuncionais. É importante ressaltar, que o fluxo de bile independente de ácidos biliares é responsável por cerca de 25 % da excreção da bile 8. Dessa forma, existe bile no tubo digestório, mesmo sem ácidos biliares, exceto quando há obstrução completa do ducto biliar principal, conforme ocorreu no estudo atual. É possível que, a velocidade de evolução para a fibrose hepática seja mais rápida no rato, devido ao metabolismo mais acelerado desses animais, em um período de vida mais curto. Tal situação parece propiciar uma aceleração de todos os processos fisiológicos e patológicos.

Neste trabalho, não se pode atribuir a diferença na intensidade da fibrose no grupo com ressecção do íleo terminal a efeitos isolados do metabolismo dos ácidos biliares. Tanto no Grupo 2, quanto no Grupo 3 não havia ácidos biliares na luz intestinal, logo a atividade absortiva do íleo terminal, pouco deve ter contribuído para a diferença entre os grupos do estudo. Tem-se que pensar em alterações motivadas pela ressecção do íleo terminal, que tenham permitido mais excreção renal dos ácidos biliares ou menor absorção pelos hepatócitos, ou ainda, a interação de outros fatores influenciados pela ressecção do íleo terminal, como a participação de endotoxinas, supercrescimento bacteriano e diminuição da motilidade intestinal.

O processo de fibrose hepática está associado à ativação de células estreladas hepáticas 9-12. No modelo experimental deste trabalho, o principal estímulo foi o acúmulo dos ácidos biliares nos hepatócitos. É possível, que o processo de ativação das células estreladas tenha sido menos intenso, reduzindo indiretamente o acúmulo de ácidos biliares nos animais que tiveram o íleo parcialmente ressecado.

Apesar de não serem abordados no trabalho, situações já estudadas e presentes na literatura, tais como, alterações de motilidade intestinal 13, supercrescimento bacteriano14, produção de endotoxinas 15 e translocação 16 bacteriana, são dignas de nota, por seu comportamento na fibrose hepática em icterícia obstrutiva e por serem fatores que podem ajudar em futuros estudos a clarificar os resultados obtidos no presente estudo.

O trabalho de autores como Lorenzo-Zuniga et al.17 corrobora com a noção de que a ausência de ácidos biliares no intestino favorece o crescimento e a translocação bacteriana, bem como a endotoxemia. Esses autores verificaram que a adição de ácidos biliares por via oral em ratos, submetidos à ligadura do ducto hepático comum, reduz a translocação bacteriana, a proliferação ductal no fígado e a fibrose hepática. A ressecção parcial do íleo terminal e a exclusão da papila ileocecal, talvez contribuam para aumentar a velocidade do trânsito entérico, resultando em menor translocação bacteriana.

A presente pesquisa parece ter trazido novos conhecimentos relativos ao ciclo êntero-hepático e à fibrose hepática. A proposta cirúrgica apresentada é simples e pode ser útil para tratar determinadas formas de icterícia e colestase.

A ressecção dos últimos cinco centímetros do íleo terminal, em ratas Wistar submetidas à ligadura do ducto hepático comum acompanha-se do desenvolvimento de fibrose hepática menos intensa que em ratas submetidas apenas à ligadura do ducto hepático comum.

Prof. Andy Petroianu

Avenida Afonso Pena, 1626 – apto. 1901

Belo Horizonte, MG 30130-005

Fone / FAX: 55-31-3274-7744

E-mail: petroian@medicina.ufmg.br

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 10/08/2005
    Aceito para publicação em 10/10/2005
    Conflito de interesses: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhuma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      10 Out 2005
    • Recebido
      10 Ago 2005
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