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Estudo comparativo de retalhos tubulares de pele de ratos com dois tipos de cateter como molde

Comparative study of tubularized skin flaps of rats with two catheter types

Resumos

OBJETIVO: A tubulização de retalhos de pele é um artifício técnico muito empregado na correção de hipospádias. Existem controvérsias quanto aos riscos e benefícios do uso de sondas para moldar a neo-uretra e promover a derivação urinária. O objetivo deste trabalho é avaliar o processo inflamatório, a fibrose e a circunferência interna de retalhos tubulares, em pele de dorso de ratos Wistar, com a utilização de cateteres de dois tipos de material, silicone e polivinil. MÉTODO: Vinte animais foram submetidos à confecção de três retalhos tubulizados de pele em região dorsal: um deles com cateter de silicone usado como molde interno, outro com cateter de polivinil, e o terceiro sem cateter. Foram divididos em dois grupos e mortos, respectivamente, no sétimo e vigésimo primeiro dias após a cirurgia. Realizou-se mensuração da circunferência do retalho e estudo histopatológico para a avaliação da fibrose e do processo inflamatório nos dois grupos de animais. RESULTADOS: Nos retalhos onde não se usou molde, observou-se que as circunferências eram menores no vigésimo primeiro dia. A reação inflamatória e a fibrose foram mais intensas nos retalhos tubulares em que se usou cateter de polivinil. Não se verificou diferença significativa entre os retalhos sem cateter e aqueles em que o cateter de silicone foi usado. CONCLUSÕES: A presença do cateter de silicone não aumenta a intensidade da reação inflamatória e da fibrose nas margens suturadas de retalhos tubulares da pele de ratos Wistar. É possível deduzir que a presença do cateter de silicone diminuiria a possibilidade de formação de fístulas ou de estenoses e colaboraria para a manutenção de um calibre neo-uretral mais amplo no pós-operatório tardio.

Hipospádia; Retalhos cirúrgicos; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos operatórios; Silicone


BACKGROUND: To compare fibrosis, inflammatory process and circumference of tubularized whole skin flaps on the back of Wistar rats, using of catheters of two different compositions (silicone and polyvinyl), and catheterless. METHODS: Twenty Wistar rats were submitted to three tubularized whole skin flaps on their back. In one group, a silicone catheter was used as a stent, in a second one polyvinyl catheter was employed and in a third one no catheter was used. They were subdivided into two groups, which were then killed on the seventh and on the twenty-first postoperative days, respectively. The circumference of the tubes was measured at both postoperative days. The excised skin tubes were fixed for histological analysis, which evaluated fibrosis and inflammatory process. RESULTS: The group in which no catheter was used, displayed a smaller circumference on the 21st postoperative day. The inflammatory reaction and fibrosis were more intense in the tubular flaps in which polyvinyl catheter was used. No significant difference was observed among flaps with or without silicone catheter CONCLUSION: The presence of a silicone catheter does not increase the intensity of inflammatory reaction and fibrosis in the healing process of sutured borders of skin tubes on the back of Wistar rats. Therefore, it is reasonable to assume that the presence of this type of catheter would not contribute to the formation of fistula or stenosis in the confection of a neourethral. Besides, this procedure would also allow a wider neourethral caliber in the late postoperative followup.

Hypospadias; Surgical flaps; Surgical flaps; Surgical procedures; operative; Silicones


ARTIGO ORIGINAL

Estudo comparativo de retalhos tubulares de pele de ratos com dois tipos de cateter como molde

Comparative study of tubularized skin flaps of rats with two catheter types

Antonio Henrique Rodrigues dos PassosI; Fernando CostaII; Lúcio Tedesco Marchese, ACBC-SPIII

IProfessor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – SP; Ex-aluno de Pós Graduação da Universidade Estadual de Londrina - PR

IIProfessor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Pediátrica do Hospital Universitário – Universidade Estadual de Londrina - PR

IIIProfessor Associado da Disciplina de Cirurgia Pediátrica do Hospital Universitário – Universidade Estadual de Londrina – PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 05/09/2005 Aceito para publicação em 07/11/2005 Conflito de interesses: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma

RESUMO

OBJETIVO: A tubulização de retalhos de pele é um artifício técnico muito empregado na correção de hipospádias. Existem controvérsias quanto aos riscos e benefícios do uso de sondas para moldar a neo-uretra e promover a derivação urinária. O objetivo deste trabalho é avaliar o processo inflamatório, a fibrose e a circunferência interna de retalhos tubulares, em pele de dorso de ratos Wistar, com a utilização de cateteres de dois tipos de material, silicone e polivinil.

MÉTODO: Vinte animais foram submetidos à confecção de três retalhos tubulizados de pele em região dorsal: um deles com cateter de silicone usado como molde interno, outro com cateter de polivinil, e o terceiro sem cateter. Foram divididos em dois grupos e mortos, respectivamente, no sétimo e vigésimo primeiro dias após a cirurgia. Realizou-se mensuração da circunferência do retalho e estudo histopatológico para a avaliação da fibrose e do processo inflamatório nos dois grupos de animais.

RESULTADOS: Nos retalhos onde não se usou molde, observou-se que as circunferências eram menores no vigésimo primeiro dia. A reação inflamatória e a fibrose foram mais intensas nos retalhos tubulares em que se usou cateter de polivinil. Não se verificou diferença significativa entre os retalhos sem cateter e aqueles em que o cateter de silicone foi usado.

CONCLUSÕES: A presença do cateter de silicone não aumenta a intensidade da reação inflamatória e da fibrose nas margens suturadas de retalhos tubulares da pele de ratos Wistar. É possível deduzir que a presença do cateter de silicone diminuiria a possibilidade de formação de fístulas ou de estenoses e colaboraria para a manutenção de um calibre neo-uretral mais amplo no pós-operatório tardio.

Descritores: Hipospádia; Retalhos cirúrgicos; Retalhos cirúrgicos/ reabilitação; Procedimentos cirúrgicos operatórios/ métodos; Silicone.

ABSTRACT

BACKGROUND: To compare fibrosis, inflammatory process and circumference of tubularized whole skin flaps on the back of Wistar rats, using of catheters of two different compositions (silicone and polyvinyl), and catheterless.

METHODS: Twenty Wistar rats were submitted to three tubularized whole skin flaps on their back. In one group, a silicone catheter was used as a stent, in a second one polyvinyl catheter was employed and in a third one no catheter was used. They were subdivided into two groups, which were then killed on the seventh and on the twenty-first postoperative days, respectively. The circumference of the tubes was measured at both postoperative days. The excised skin tubes were fixed for histological analysis, which evaluated fibrosis and inflammatory process.

RESULTS: The group in which no catheter was used, displayed a smaller circumference on the 21st postoperative day. The inflammatory reaction and fibrosis were more intense in the tubular flaps in which polyvinyl catheter was used. No significant difference was observed among flaps with or without silicone catheter

CONCLUSION: The presence of a silicone catheter does not increase the intensity of inflammatory reaction and fibrosis in the healing process of sutured borders of skin tubes on the back of Wistar rats. Therefore, it is reasonable to assume that the presence of this type of catheter would not contribute to the formation of fistula or stenosis in the confection of a neourethral. Besides, this procedure would also allow a wider neourethral caliber in the late postoperative followup.

Key words: Hypospadias; Surgical flaps; Surgical flaps/ rehabilitation;Surgical procedures, operative/ methods; Silicones.

INTRODUÇÃO

A tubulização de retalhos de pele é um artifício técnico muito empregado na correção de hipospádias. Existem controvérsias quanto aos riscos e benefícios do uso de sondas para moldar a neo-uretra e promover a derivação urinária. Buson et al.1 assim como outros autores 2-4, referem menor incidência de fístulas e estenoses com o uso de cateteres uretrais. No entanto, Hakim et al.3 afirmam que a diminuição da incidência de fístulas se deve à preservação da vascularização dos retalhos durante a cirurgia. Outros trabalhos referem que o uso do cateter de derivação vesical diminui a mobilidade do paciente, aumenta o tempo de internação, causa pressão na neouretra, podendo levar à isquemia e, como corpo estranho, aumenta o risco de infecção3, 5-7.

Este estudo foi realizado para avaliar as repercussões do uso de cateteres de polivinil e de silicone, no calibre, processo inflamatório e fibrose, em retalhos tubulares de pele do dorso de ratos Wistar.

O Projeto deste estudo foi submetido à avaliação e aprovado pela Comissão de Ética do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina.

MÉTODO

Estudo experimental realizado no período de julho a setembro de 2003. Utilizou-se 20 ratos machos singênicos da linhagem Wistar, com idades entre 45 e 60 dias.

O procedimento cirúrgico consistiu na confecção de três retalhos tubulares na região dorsal do rato, realizado por um único cirurgião. Cada retalho foi confeccionado com duas incisões paralelas transversais em relação à coluna vertebral do animal, de 10 mm de comprimento, distantes 8 mm uma da outra, medidas com paquímetro. Formou-se assim um retângulo com os lados transversais (10 mm) incisados e os longitudinais (8 mm) intactos. Em seguida, como é descrito na técnica Thiersch-Dupley para correção de hipospádia, foram dissecadas as margens internas de cada retângulo, invertidos e suturados de forma contínua em plano único sobre o leito com fio PDS® (polidioxanone) nº 6.0, com a formação de um cilindro transversal com a face interna constituída pela pele tricotomizada do animal. A seguir, cobriu-se a área de sutura do tubo, suturando-se os bordos externos da incisão, previamente dissecados, com pontos separados com fio mononylon nº 5.0. Os três retalhos tubulares do dorso do animal se distanciavam 10 mm, um dos outros. O retalho tubular caudal foi deixado sem cateter. No retalho cranial, a sutura foi realizada sobre um cateter de polivinil colocado no leito do tubo, como molde, preenchendo sua luz, com 20 mm de comprimento, 2,1 mm de diâmetro externo e 6,6 mm de perímetro. O cateter foi fixado na pele do animal com fio mononylon 5.0. No retalho localizado no centro, utilizou-se, como molde, um cateter de silicone com as mesmas medidas do molde de polivinil.

Todos os animais possuíam os três retalhos tubulares, com os dois tipos de cateter e o retalho sem cateter. Dessa forma, obtiveram-se três grupos, distribuídos conforme a presença e o tipo de cateter no mesmo animal, a saber:

- Grupo GSC: peças com retalho tubular sem cateter

- Grupo GSIL: peças com retalho tubular com cateter de silicone como molde

- Grupo GPLA: peças com retalho tubular com cateter de polivinil como molde

Em relação ao momento da morte dos animais para a coleta da peça e análise histopatológica, foram divididos em dois grupos:

- Grupo I: 10 animais mortos no sétimo dia de pósoperatório

- Grupo II: 10 animais mortos no 21º dia de pósoperatório.

Os 10 animais do Grupo I foram mortos no sétimo dia após a cirurgia, os cateteres retirados e as peças coletadas com excisão ao redor de cada tubo. Os tubos foram abertos na linha de sutura e colocados em placas de papelão com a superfície cruenta voltada para baixo, deixando os retalhos fixados em formato retangular, sem que houvesse a necessidade de alfinetes. Com um paquímetro de precisão, obteve-se a medida da distância dos bordos da sutura, no centro da peça, transversalmente ao leito, o que foi considerado como circunferência do tubo. Após a mensuração, as peças estendidas no papelão foram identificadas e colocadas em frascos separados com solução de formalina a 10%.

Os outros dez animais (Grupo II) foram anestesiados no sétimo dia após a cirurgia para a retirada dos cateteres. Os animais foram mantidos em gaiolas individuais e mortos no 21º dia após a cirurgia. Após a pesagem, foram coletadas as peças e preparadas da mesma forma como realizado no Grupo I.

Os cortes histológicos foram realizados na face seccionada para confecção das lâminas, preparados e corados com hematoxilina-eosina, picrosirius e tricrômico de Masson. Utilizou-se a coloração hematoxilina-eosina para a avaliação do processo inflamatório e da fibrose, enquanto o picrossirius e o tricrômico de Masson destinaram-se à avaliação da fibrose.

A análise histopatológica foi realizada por dois patologistas independentes, sem conhecimento da identificação das lâminas, que analisaram quanto à fibrose e ao processo inflamatório, com microscópio óptico (Olimpus CH30), e classificaram em sistema de cruzes, de zero a três, onde zero é tido como leve, uma e duas cruzes como moderado e três como acentuado.

Adotou-se nível de significância de 5% (p=0,05). Utilizou-se a planilha Excel® e o software Bioestat® para análise dos dados e o cálculo estatístico dos resultados obtidos no presente trabalho.

O peso e a circunferência do tubo, variáveis contínuas, foram comparados no momento da cirurgia e no dia do sacrifício do animal. Obtiveram-se média e desvio-padrão de cada variável. Foram utilizados o teste "t de Student", análise de variância e, para comparação de médias, duas a duas, o teste de Bonferroni.

Para comparar a concordância dos dados obtidos pela classificação em sistema de cruzes de cada patologista, utilizou- se o coeficiente de correlação (r) com avaliação qualitativa do grau de correlação entre duas variáveis, que é dito como nulo, fraco, regular, forte, muito forte ou pleno (Tabela 1).

Após essa comparação, as variáveis processo inflamatório e fibrose, categorizadas em leve, moderado e acentuado, foram analisadas e comparadas entre as situações GSC, GSIL e GPLA, e também entre os Grupos I e II, pelos testes de proporção Qui-quadrado e Exato de Fisher. Os mesmos testes foram utilizados para a comparação entre os dois patologistas.

RESULTADOS

A média e o desvio padrão das circunferências nas situações GSC, GSIL e GPLA, nos Grupos I e II, são apresentados na Tabela 2.

Na comparação do Grupos I e II, houve diferença significativa entre as médias das circunferências nas situações GSC, GSIL e GPLA. No Grupo I, não houve diferença significativa das médias das circunferências entre as situações GSC, GSIL e GPLA. No Grupo II, houve diferença estatística significativa entre as situações em que foram utilizados cateteres (GSIL e GPLA) e a situação em que o mesmo não foi utilizado (GSC). Porém, não houve diferença significativa entre as situações GSIL e GPLA.

O coeficiente de correlação para a variável processo inflamatório, corada pela hematoxilina-eosina, foi 0,71, considerado forte. Na avaliação da fibrose foi considerado regular, com as colorações hematoxilina-eosina e picrosirius, tendo sido 0,47 e 0,44, respectivamente. Com o tricrômico de Masson, o coeficiente foi 0,62, mostrando forte correlação entre os dois patologistas, na avaliação da fibrose.

Somadas as avaliações dos patologistas 1 e 2, e os Grupos I e II, obteve-se um total de 40 classificações de peças, considerado 100%. Na avaliação do processo inflamatório com a coloração hematoxilina-eosina, nas situações GSC (sem cateter) e GSIL (com cateter de silicone), 45% (18) das peças foram classificadas como leve e 55% (22) como moderado. Não houve diferença significativa entre estas duas categorias em ambos os grupos.

Na situação GPLA (com cateter de plástico), 5% (2) das peças foram classificadas como leve, 80% (32) como moderado e 15% (6) como acentuado, havendo diferença estatisticamente significativa entre a categoria moderado e as categorias leve e acentuado. Entre essas duas últimas, não houve diferença significativa.

Houve diferença significativa na categoria leve entre as situações GSC e GPLA e as situações GSIL e GPLA, sendo que em GPLA ocorreu um menor número de peças classificadas (2). A mesma diferença estatística aconteceu na categoria moderado, porém a situação GPLA obteve um número maior de peças (32) comparada às situações GSC e GSIL. Somente em GPLA houve peças classificadas como acentuado (6) (Figura 1).


Da mesma forma, na avaliação da fibrose com o tricrômico de Masson, nas situações GSC e GSIL, 100% (40) das peças foram classificadas como moderado. Em GPLA, 82,5% (33) foram classificadas como moderado e 17,5% (7) como acentuado. Houve diferença significativa entre as situações GSC e GPLA e GSIL e GPLA, na categoria moderado, ocorrendo menor número de peças na situação GPLA (33). Na categoria acentuado, houve apenas sete peças classificadas, sendo todas da situação GPLA. Nessa situação, houve diferença significativa entre as categorias moderado e acentuado (Figura 2).


Nas duas avaliações, com as colorações hematoxilinaeosina e tricrômico de Masson, a chance do processo inflamatório e da fibrose, respectivamente, serem mais intensos é maior, pois, somente houve peças classificadas como acentuado no grupo onde o cateter de plástico foi usado como molde.

Na avaliação da fibrose com a coloração hematoxilinaeosina, na situação GSC, 35% (14) das peças foram classificadas como leve e 65% (26) como moderado. Na situação GSIL, 37,5% (15) das peças foram classificadas como leve e 62,5% (25) como moderado. Não houve diferença significativa entre as categorias leve e moderado nas situações GSC e GSIL. Na situação GPLA, houve 7,5% (3) das peças classificadas como leve, 82,5% (33) como moderado e 10% (4) como acentuado. Houve diferença significativa entre a categoria moderado e as categorias leve e acentuado em GPLA.

Analisando-se os grupos, na categoria leve, houve diferença estatisticamente significativa entre as situações GSC e GPLA e GSIL e GPLA, sendo que em GPLA ocorreu menor número de peças classificadas (3). A mesma diferença houve na categoria moderado, porém, com a situação GPLA, ocorreu maior número de peças classificadas (33). Somente em GPLA ocorreram peças classificadas como acentuado, assim, a chance da fibrose ser mais intensa é maior nos retalhos em que foi usado o cateter de plástico como molde (Figura 3).


Com a coloração picrosirius, 95% (38) das peças foram classificadas como moderado, na situação GSC, e 5% (2) como acentuado. Na situação GSIL, 85% (34) foram classificadas como moderado e 15% (6) como acentuado. Já na situação GPLA, 77,5% (31) das peças foram classificadas como moderado e 22,5% (9) como acentuado. Houve diferença significativa entre as categorias moderado e acentuado nas situações GSC, GSIL e GPLA. Nenhuma peça foi classificada como leve.

Não houve diferença significativa entre as situações GSC, GSIL e GPLA nas categorias moderado e acentuado. Nessa avaliação, a chance da fibrose ser mais intensa em GPLA é 1,5 vezes maior que em GSIL, e, 4,5 vezes maior que em GSC (Figura 4).


DISCUSSÃO

A confecção de retalhos tubulares de pele é um importante artifício técnico empregado em cirurgias, quando há necessidade de criar ou substituir estruturas canaliculares. Este procedimento tem sido usado para a correção cirúrgica de várias afecções urológicas, em especial para o tratamento da hipospádia. O novo tubo deve ter diâmetro semelhante ao da estrutura que deve substituir, mantendo-se a integridade dos tecidos para evitar deiscência e fístulas. A técnica ideal é aquela que seja de fácil aplicabilidade, possa ser realizada, preferencialmente, em único ato operatório e que tenha baixo índice de complicações.

A hipospádia é uma condição clínica que mereceu a atenção de inúmeros pesquisadores e várias técnicas foram descritas para sua correção, sempre na busca de uma solução mais simples e com o mínimo de complicações. O objetivo do tratamento dessa afecção é corrigir o encurvamento do pênis e levar o meato uretral até a parte distal da glande, construindo uma neo-uretra com vascularização e calibre adequados.

Nesse trabalho, no intuito de simular a correção de hipospádia com tubulização de pele, foi idealizado um modelo experimental com ratos. Esses animais foram escolhidos pela facilidade de manuseio e pela disponibilidade no biotério de nossa instituição. Porém, este modelo impossibilitou o uso do cateter nas diferentes formas de derivação, "stent" e sonda vesical trans-uretral, além de ser realizado na pele com pêlos do dorso do animal, diferente daquela da região genital.

Avaliamos o calibre, o processo inflamatório e a fibrose nos retalhos tubulizados, sem e com a presença de dois tipos de cateteres – polivinil e silicone.

A mensuração da largura dos retalhos nos dois tempos distintos serviu para avaliar se ocorreu estenose na ausência do cateter, ou seja, se a presença do cateter manteve a luz do túbulo. Isto foi evidente no 21º dia após a cirurgia, em que a circunferência dos retalhos, do grupo onde não se usou molde, foi significativamente menor, quando comparada com as medidas dos grupos onde o cateter foi usado. Porém, o mesmo não ocorreu no sétimo dia após a cirurgia, possivelmente porque nessa ocasião o edema tecidual, decorrente da manipulação do ato cirúrgico, ainda estivesse presente, independente da presença do cateter. Também colabora com essa explicação, o fato de ter havido diferença significativa entre os dois tempos cirúrgicos, 7º e 21º dia, em todos os grupos, mesmo naquele sem o molde. Nesse período, já teria ocorrido regressão do edema tecidual, proporcionando um aumento significativo do perímetro mensurado, independente da presença do cateter. A circunferência final foi menor que a inicial, ou seja, houve retração tecidual em todos os retalhos.

No grupo em que não foi usado molde, no 21º dia, o calibre ficou menor, quando comparado com o dos outros grupos, provavelmente por atuação da fibrose, já sem interferência das alterações tissulares iniciais.

Apoiando-se nessa avaliação, a presença do cateter como molde não interferiu na incidência de estenose em curto prazo, mas colaborou para a manutenção de uma circunferência maior num momento mais tardio, mesmo que tenha sido retirado sete dias após a cirurgia.

Na tentativa de avaliar a resposta tecidual frente ao uso do cateter e do material de que é constituído, analisou-se cortes histopatológicos com as colorações hematoxilinaeosina, picrosirius e tricrômico de Masson, para a caracterização da intensidade do processo inflamatório e fibrose na área de sutura dos retalhos.

A avaliação do processo inflamatório com a hematoxilina-eosina e da fibrose com o tricrômico de Masson obteve um índice de correlação forte. O mesmo não aconteceu com a avaliação da fibrose com o picrosirius, e com a hematoxilina-eosina, em que o índice foi considerado regular.

A hematoxilina-eosina e o tricrômico de Masson são colorações mais antigas e usadas amplamente na maioria dos serviços de avaliação histopatológica, isso proporcionou uma análise com resultados confiáveis. A hematoxilina-eosina é uma coloração específica para a avaliação do processo inflamatório, pois identifica células inflamatórias no infiltrado tecidual. O tricrômico de Masson, coloração usada para identificação de fibras colágenas, é específico para a avaliação da fibrose.

Observou-se que o processo inflamatório e a fibrose foram mais intensos nos retalhos onde se usou cateter de plástico (polivinil), com as colorações hematoxilina-eosina e tricrômico de Masson respectivamente, mostrando que esse material causa mais reação nos tecidos em cicatrização. Seu uso em correção de hipospádias levaria a um maior número de complicações como fístulas e estenoses, quando comparado ao cateter de silicone. No entanto, não houve diferença significativa entre os retalhos em que se utilizou o cateter de silicone e aqueles em que não se usou molde. Isso confirma a hipótese de que o uso do cateter de silicone para moldagem da neouretra e derivação urinária, não provoca maior reação inflamatória e fibrose nos tecidos, ou seja, sua presença não contribuiria para a formação de fístulas e estenoses.

Quando a mesma comparação foi realizada com a coloração picrosirius para a avaliação da fibrose, não houve diferença de intensidade entre os grupos de retalhos tubulizados, independente da presença do cateter ou do tipo de material utilizado. Talvez isso se deva a pouca experiência com o uso dessa coloração em nosso meio. O mesmo ocorreu na avaliação da fibrose com a hematoxilina-eosina, provavelmente por esta não ser específica para avaliar a fibrose, e sim, processo inflamatório.

Apesar da constante discussão na literatura quanto à presença/ausência do cateter no pós-operatório de correção de hipospádia, sabe-se que a grande maioria dos autores, quando o utilizam, preferem aqueles constituídos de silicone. O cateter vesical trans-uretral molda a neo-uretra, estabiliza as linhas de sutura, deriva a urina durante o processo de cicatrização e evita o desconforto miccional nos primeiros dias de pós-operatório2, 4.

Aqueles que são contrários, afirmam que, com a presença do cateter na bexiga, há aumento do tempo de internação e diminuição da mobilidade do paciente, além de dificultar a limpeza da uretra e maximizar o risco de infecção e suas complicações5-7. Isso pode ser evitado desde que se use o cateter de silicone na forma de "stent" uretral. Mesmo quando a incisão longitudinal da placa uretral é realizada, como descreveu Snodgrass8, a ausência ou presença do cateter não comprometeria o resultado da cirurgia. Deve-se levar em consideração, que o próprio idealizador da incisão da placa uretral é a favor da manutenção de um cateter como molde na neo-uretra5, 8, 9.

Pode-se, com este estudo, afirmar que a presença do cateter de silicone não aumenta a intensidade da reação inflamatória e da fibrose existente no processo de cicatrização das margens suturadas de retalhos tubulares da pele da região dorsal de ratos Wistar. Apesar desse estudo utilizar retalhos tubulares livres de urina, ou seja, em ambiente seco, provavelmente reproduz as condições de variação de calibre e cicatriciais que ocorrem nos retalhos tubulares realizados para a correção de hipospádia. Também é necessário lembrar que no modelo estudado não houve tensão no sentido longitudinal devido à ausência de suturas nas extremidades do retalho, diferente do que ocorre na correção de hipospádia onde há tensão nas extremidades distal e proximal da neo-uretra.

Considerando-se que a reação inflamatória e a fibrose são alguns dos fatores para a formação de fístulas ou estenoses, seja como "stent" ou como sonda vesical trans-uretral, a presença do cateter de silicone não induziria ao aparecimento destas complicações, e também colaboraria para a manutenção de um calibre uretral mais amplo no pós-operatório tardio.

Concluindo, no modelo estudado, a presença do cateter não interferiu na circunferência dos retalhos tubulares no sétimo dia após a cirurgia, no entanto, proporcionou circunferência maior no 21º dia, quando utilizado até o sétimo dia após a cirurgia. O uso do cateter de silicone como molde, em retalhos tubulares, não aumentou a intensidade do processo inflamatório e da fibrose. No entanto, o uso do cateter de polivinil provocou maior intensidade do processo inflamatório e da fibrose quando comparado aos retalhos sem cateter e com cateter de silicone.

Antonio Henrique Rodrigues dos Passos

Av. Santo Antonio, 4561

Jd. Aquárius

17507-050 - Marília – SP

E-mail: ahrpassos@uol.com.br

Tel: 14 34223185 e 14 81249979

Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina -PR e apresentado como dissertação para obtenção do título de Mestrado.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 05/09/2005
    Aceito para publicação em 07/11/2005
    Conflito de interesses: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhuma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      07 Nov 2005
    • Recebido
      05 Set 2005
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