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Duodenopancreatectomia: avaliação dos resultados em 41 pacientes

Pancreaticoduodenectomy: results in 41 patients

Resumos

OBJETIVO: Apresentar os resultados do Hospital Israel Pinheiro - IPSEMG em 41 duodenopancreatectomias realizadas para neoplasias. MÉTODO: Foram coletados dados referentes a 41 pacientes submetidos a duodenopancreatectomias entre 1997 e 2004. A principal operação realizada foi a Whipple "clássica" sem preservação do piloro. A anastomose pancreático-jejunal foi realizada por meio de sutura ducto-mucosa. Foram analisadas a mortalidade e as complicações pós-operatórias. Para avaliar se havia diferença de resultados com a maior experiência da equipe, o estudo foi dividido em dois períodos de quatro anos cada: 1997 a 2000 e 2001 a 2004. RESULTADOS: As complicações pós-operatórias ocorreram em 58% dos casos e a mortalidade foi de 22%. As principais complicações foram pneumonia e infecção de ferida operatória. Quatro pacientes (10%) evoluíram com fistulas pancreáticas, porém obteve-se sucesso com o tratamento conservador em todos os casos. A necessidade de hemotransfusão no peroperatório relacionou-se a um pior prognóstico. Observou-se uma redução das taxas de morbi-mortalidade no período de 2001 a 2004, entretanto sem significância estatística. Os pacientes apresentaram sobrevida global em cinco anos de 35% e de 26% quando considerados apenas aqueles com adenocarcinoma de cabeça de pâncreas. CONCLUSÕES: A duodenopancreatectomia é um procedimento cirúrgico complexo, com elevada morbi-mortalidade. Entretanto, com o aumento da experiência das equipes cirúrgica, anestésica e de medicina intensiva, observa-se uma redução nas taxas de complicação.

Duodeno; Pancreatectomia; Neoplasias do sistema digestório; Complicações pós-operatórias; Avaliação de resultados


BACKGROUND: The aim of this study was to present data from 41 patients submitted to pancreaticoduodenectomies at the HGIP - IPSEMG, in Belo Horizonte, MG. METHODS: From 1997 to 2004, 41 patients underwent pancreaticoduodenectomy as treatment for neoplasms. Data regarding the operative procedure were collected prospectively. The main operation was the classical Whipple procedure. Pylorous-preserving procedures were not used routinely. The pancreaticojejunostomy was performed in a duct-to-mucosa fashion. Postoperative mortality and complications were analyzed. To assess the differences in outcome with the increasing experience of the surgical staff, the study was divided in two periods of four years each: from 1997 to 2000, and from 2001 to 2004. RESULTS: Postoperative complications occurred in 58% of the patients, with a 22% mortality rate. The most frequent complications were pneumonia and surgical wound infection. Four patients (10%) developed pancreatic fistulas, which were all treated successfully employing a conservative approach. The need for intra-operative blood transfusion was associated with a worse prognosis. There was a trend toward less complications and deaths between 2001 and 2004, not statistically significant. The 5-year survival rate was 35% for all patients and 26% when considering only those with adenocarcinoma of the head of the pancreas. CONCLUSION: Pancreaticoduodenectomy is a complex surgical procedure with high rates of morbidity and mortality. Nevertheless, with the increasing experience of surgical, anesthetical, and intensive care staff a reduction in the frequency of complications is noted.

Duodenum; Pancreatectomy; Digestive system neoplasms; Postoperative Complications; Outcome assessment


ARTIGO ORIGINAL

Duodenopancreatectomia: avaliação dos resultados em 41 pacientes

Pancreaticoduodenectomy: results in 41 patients

Luiz Carlos Gomes Rocha, ACBC-MGI; Fábio Lopes de QueirozII; Eudes Arantes Magalhães, ACBC-MGIII; Fernando Augusto de Vasconcellos SantosIV; Daniel Adonai Machado CaldeiraV; Mateus de Almeida RibasV

ICirurgião do Departamento de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro, Belo Horizonte- MG; Coordenador da Residência de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital Governador Israel Pinheiro – IPSEMG – Belo Horizonte-MG; Coordenador da Residência de Cirurgia Geral do Hospital de Contagem-MG

IICirurgião do Departamento de Cirurgia Colorretal do Hospital Governador Israel Pinheiro- IPSEMG, Belo Horizonte- MG; Cirurgião do Departamento de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro- IPSEMG, Belo Horizonte- MG; Coordenador da Residência de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro –IPSEMG – Belo Horizonte-MG; Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgiões de Cólon e Reto; Mestre em Genética Colorretal , Faculdade de Medicina da UFMG – Belo Horizonte – MG

IIICirurgião e Chefe da Clínica de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro –IPSEMG – Belo Horizonte-MG; Cirurgião e Chefe da Clínica de Cirurgia Geral do Hospital Life Center, Belo Horizonte-MG; Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vídeo-Laparoscópica – Capítulo de Minas Gerais; Professor da Faculdade de Medicina de Vespasiano – MG

IVCirurgião do Departamento de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro- IPSEMG, Belo Horizonte – MG; Membro do Grupo de Esôfago , Estômago e Duodeno do Instituto Alpha, Hospital das Clínicas – UFMG, Belo Horizonte – MG; Mestrando em Cirurgia Geral pela Faculdade de Medicina da UFMG- concentração Oncologia Cirúrgica

VResidente em Cirurgia Geral, Hospital Governador Israel Pinheiro- IPSEMG, Belo Horizonte – MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 15/06/06 Aceito para publicação em 17/07/06 Conflito de interesses: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma

RESUMO

OBJETIVO: Apresentar os resultados do Hospital Israel Pinheiro – IPSEMG em 41 duodenopancreatectomias realizadas para neoplasias.

MÉTODO: Foram coletados dados referentes a 41 pacientes submetidos a duodenopancreatectomias entre 1997 e 2004. A principal operação realizada foi a Whipple "clássica" sem preservação do piloro. A anastomose pancreático-jejunal foi realizada por meio de sutura ducto-mucosa. Foram analisadas a mortalidade e as complicações pós-operatórias. Para avaliar se havia diferença de resultados com a maior experiência da equipe, o estudo foi dividido em dois períodos de quatro anos cada: 1997 a 2000 e 2001 a 2004.

RESULTADOS: As complicações pós-operatórias ocorreram em 58% dos casos e a mortalidade foi de 22%. As principais complicações foram pneumonia e infecção de ferida operatória. Quatro pacientes (10%) evoluíram com fistulas pancreáticas, porém obteve-se sucesso com o tratamento conservador em todos os casos. A necessidade de hemotransfusão no peroperatório relacionou-se a um pior prognóstico. Observou-se uma redução das taxas de morbi-mortalidade no período de 2001 a 2004, entretanto sem significância estatística. Os pacientes apresentaram sobrevida global em cinco anos de 35% e de 26% quando considerados apenas aqueles com adenocarcinoma de cabeça de pâncreas.

CONCLUSÕES: A duodenopancreatectomia é um procedimento cirúrgico complexo, com elevada morbi-mortalidade. Entretanto, com o aumento da experiência das equipes cirúrgica, anestésica e de medicina intensiva, observa-se uma redução nas taxas de complicação.

Descritores: Duodeno/cirurgia; Pancreatectomia; Neoplasias do sistema digestório; Complicações pós-operatórias; Avaliação de resultados.

ABSTRACT

BACKGROUND: The aim of this study was to present data from 41 patients submitted to pancreaticoduodenectomies at the HGIP – IPSEMG, in Belo Horizonte, MG.

METHODS: From 1997 to 2004, 41 patients underwent pancreaticoduodenectomy as treatment for neoplasms. Data regarding the operative procedure were collected prospectively. The main operation was the classical Whipple procedure. Pylorous-preserving procedures were not used routinely. The pancreaticojejunostomy was performed in a duct-to-mucosa fashion. Postoperative mortality and complications were analyzed. To assess the differences in outcome with the increasing experience of the surgical staff, the study was divided in two periods of four years each: from 1997 to 2000, and from 2001 to 2004.

RESULTS: Postoperative complications occurred in 58% of the patients, with a 22% mortality rate. The most frequent complications were pneumonia and surgical wound infection. Four patients (10%) developed pancreatic fistulas, which were all treated successfully employing a conservative approach. The need for intra-operative blood transfusion was associated with a worse prognosis. There was a trend toward less complications and deaths between 2001 and 2004, not statistically significant. The 5-year survival rate was 35% for all patients and 26% when considering only those with adenocarcinoma of the head of the pancreas.

CONCLUSION: Pancreaticoduodenectomy is a complex surgical procedure with high rates of morbidity and mortality. Nevertheless, with the increasing experience of surgical, anesthetical, and intensive care staff a reduction in the frequency of complications is noted.

Key words: Duodenum/surgery; Pancreatectomy; Digestive system neoplasms; Postoperative Complications; Outcome assessment

INTRODUÇÃO

A duodenopancreatectomia é o único tratamento com possibilidade de cura para tumores da região peri-ampular. Inicialmente realizada por Kausch1 a operação foi difundida a partir da publicação de Whipple2. Inicialmente, a morbidade e a mortalidade eram muito elevadas, de modo que, nas décadas de 60 e 70, seu valor foi questionado com o argumento de que os pacientes não operados ou submetidos aos procedimentos paliativos apresentavam sobrevida semelhante ou mesmo maior que os operados, sem os riscos das complicações 3-5.

Na década de 80, com as melhorias do controle anestésico, dos cuidados pré e pós-operatórios e principalmente devido a maior especialização dos serviços, a morbimortalidade da cirurgia de Whipple decresceu a níveis bastante aceitáveis 6,7. As séries publicadas recentemente relatam redução da mortalidade operatória para abaixo de 2% e um índice de complicações de cerca de 40% 8-11.

O objetivo desse trabalho foi apresentar os resultados do serviço de Cirurgia Geral do Hospital Governador Israel Pinheiro – IPSEMG, em Belo Horizonte em duodenopancreatectomias realizadas para neoplasias e avaliar as principais complicações, a mortalidade pós-operatória e a sobrevida dos pacientes.

MÉTODO

Foi analisada a freqüência de complicações e de óbitos pós-operatórios em relação ao tamanho do tumor, à idade do paciente, à necessidade de transfusão e ao tempo cirúrgico. No período de 1997 a 2004, os dados referentes aos pacientes submetidos às duodenopancreatectomias foram registrados em protocolos contendo informações sobre o pré, per e pós-operatório. Os dados incluíam a idade, sexo, os sintomas de apresentação, resultados de exames laboratoriais e de imagem. O diagnóstico pré-operatório e a ressecabilidade do tumor foram estabelecidos por meio de tomografia computadorizada ou ressonância magnética.

Os pacientes foram submetidos à duodenopancreatectomia cefálica com reconstrução em alça única, com pancreatojejunostomia ducto-mucosa em dois planos, seguida por hepaticojejunostomia término-lateral e gastrojejunoanastomose. Três pacientes foram submetidos à reconstrução em Y de Roux. Em apenas quatro casos, realizou- se a preservação do piloro. As incisões utilizadas foram mediana, subcostal uni ou bilateral ou incisões combinadas. Realizava-se inventário abdominal para confirmar a ressecabilidade do tumor e invasões de outros órgãos e de estruturas vasculares. Foram considerados irressecáveis os tumores com metástases peritoniais ou hepáticas e aqueles com invasão vascular grosseira para vasos mesentéricos e/ou veia porta. Não foi realizada dissecção linfonodal alongada em nenhum paciente. O tamanho do tumor era observado pela secção transversal da peça. A necessidade de hemotransfusão no per-operatório foi registrada. O tempo operatório também foi avaliado. No pós-operatório, os pacientes permaneciam em Centro de Terapia Intensiva.

A experiência da equipe foi avaliada dividindo-se o tempo total do estudo em dois períodos: de 1997 a 2000 e de 2001 a 2004. Seis cirurgiões realizaram as operações: 24 (LCGR); oito (FLQ); cinco (FAVS); quatro (três outros cirurgiões da equipe).

A determinação da causa dos óbitos intra-hospitalares era feita clinicamente e por meio de exames complementares. O diagnóstico histopatológico foi confirmado pelo estudo da peça cirúrgica fixada.

Foi considerada mortalidade pós-operatória aquela ocorrida intra-hospitalar ou em até 30 dias após a cirurgia.

A análise estatística foi feita pelo teste do Qui-quadrado. Utilizou-se o teste exato de Fisher em grupos pequenos (n<20). A sobrevida em cinco anos foi calculada pelo método de Kaplan-Meier.

A realização desse trabalho foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IPSEMG.

RESULTADOS

De janeiro de 1997 a dezembro de 2004, 41 pacientes foram submetidos à duodenopancreatectomia, dos quais 24 (59%) eram mulheres. A média de idade foi de 59 +/-11 anos (38 a 78). Os sintomas mais comuns foram : icterícia, em 54% dos casos, emagrecimento em 51% e dor em 41% dos pacientes.

A necessidade de transfusão de concentrado de hemácias variou de 0 a 1800ml (média: 548 +/- 439 ml). O tempo médio de cirurgia foi de 7 horas e 42 minutos (+/- 2 horas e 20 minutos; mediana: sete horas), variando de quatro horas a 13 horas e meia. A secção da peça revelou tumores maiores que 3cm em 25 (66%) dos 38 casos examinados. O tumor mais freqüente foi o adenocarcinoma de pâncreas, seguido pelo adenocarcinoma de papila e outros tumores menos comuns (Tabela 1).

As complicações pós-operatórias ocorreram em 58% dos casos. As mais freqüentes foram pneumonia e infecção de ferida operatória (Tabela 2). A fístula pancreática ocorreu em quatro pacientes. O tratamento foi conservador em todos os casos e não houve mortalidade associada a essa complicação. Um dos pacientes apresentou fístula pancreática e biliar. A fístula biliar ocorreu em três outros casos além do já citado. A conduta nesses casos também foi expectante, com boa resposta.

Nove pacientes (21,9%) evoluíram para óbito pósoperatório, cinco com diagnóstico de carcinoma de pâncreas, dois de colédoco distal, um de papila de Vater e um com tumor neuroendócrino. Os óbitos ocorreram, principalmente, devido às complicações sépticas e hipovolêmicas/hemorrágicas (Tabela 3).

Não houve diferença na freqüência de complicações, nos óbitos pós-operatórios ou na sobrevida em um ano entre pacientes com tumores maiores ou menores que 3 cm. A transfusão de hemoderivados no per-operatório relacionou-se com uma sobrevida menor no primeiro ano. Os óbitos pós-opera-tórios e a incidência de complicações não se relacionaram com a necessidade de hemotransfusão. A duração do ato operatório não influiu na morbi-mortalidade ou na sobrevida em um ano. Não se verificaram diferenças quanto a ocorrência de complicações e óbitos em pacientes na faixa etária acima de 60 anos. (Tabela 4)

A sobrevida global atuarial, calculada pelo método de Kaplan-Meier foi de 34,6% em cinco anos. Analisando somente os casos de adenocarcinoma de pâncreas foi observada uma sobrevida de 26,6% em cinco anos. Três dos 15 pacientes analisados (20,0%) permaneciam vivos por mais de 60 meses após a operação. A sobrevida para o carcinoma de papila foi de 42,8% em cinco anos, para oito pacientes acompanhados (Figura 1).


Para avaliar a evolução na frequência da morbi-mortalidade, no período analisado, o estudo foi dividido em dois intervalos iguais: de 1997 a 2000 e de 2001 a 2004. A quantidade de operações realizadas em cada um desses períodos foi semelhante bem como as características dos pacientes analisados. As complicações ocorreram em 65% dos pacientes operados no primeiro período e os óbitos em 26%. No segundo período, houve complicações em 50% dos pacientes e a mortalidade foi de 17%. (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Os estudos iniciais com as duodenopancreatectomias evidenciavam índices de complicações proibitivos, com mortalidade ao redor de 40%12,13. Alguns centros de referência após o aumento da experiência obtiveram melhoria dos resultados com morbidade de 50% e mortalidade de 10%6, resultados semelhantes ao período de 2001 a 2004 da nossa experiência. Atualmente estes centros possuem índices de morbidade de cerca de 41% e mortalidade de 2% 8,9. Algumas séries relatam mais de 100 casos sem mortalidade9-11.

A fístula pancreática é a principal causa de morbidade pós-operatória. Makary et al.14, observaram incidência de 10% de fístulas em 2698 pacientes submetidos a duodenopancreatectomia, sendo a segunda complicação mais freqüente. Miedema et al.15 relataram 17% de fístulas, com necessidade de reoperação em 19% desses casos, o que determinou maior tempo de permanência hospitalar. Analisando 285 duodenopancreatectomias, Trede et al.16, obtiveram incidência de 8% de fistula, que, no entanto determinou o óbito de 20% dos pacientes com essa complicação. Outras séries mostram incidência de 5% a 17% de fístulas pancreáticas pósoperatórias9,17- 19.O principal fator relacionado a ocorrência dessa complicação é a técnica operatória utilizada para a confecção da anastomose20. Em um trabalho com 62 pacientes, Yang et al. 21 comparam a anastomose ducto-mucosa com a invaginação do coto pancreático, com índice de fistulas menor para a primeira técnica - 6% versus 20%. Büchler et al.20, relataram 2% de fistulas pancreáticas em 331 pacientes submetidos a anastomose ducto-mucosa. A reconstrução por pancreatogastrostomia apresenta resultados menos satisfatórios, com 24% de fístulas pancreáticas em 152 pacientes em que se utilizou essa técnica para a reconstrução10. A ocorrência de 9,7% de fístulas pancreáticas, observadas em nosso estudo, correspondeu à faixa encontrada na literatura. Nenhum óbito foi relacionado a essa complicação. A utilização da técnica de anastomose ducto-mucosa para a reconstrução mostrou-se segura e pode ser uma boa opção na realização da pancreatojejunostomia.

Os pacientes mais idosos estão mais propensos à complicações pós-operatórias. Brozzetti et al.22 observaram mortalidade maior em pacientes com 70 anos ou mais, submetidos à reoperações ocasionadas por complicações pósduodenopancreatectomia. Matsusue et al.23 também atribuíram à idade maior de 70 anos o único fator de risco para ocorrência de fístulas pós-operatórias. Vários trabalhos afirmam que a idade por si não contra-indica a cirurgia de Whipple. Spencer et al.24 mostraram uma morbi-mortalidade próxima à de indivíduos mais jovens, quando pacientes idosos, porém saudáveis e com status performance satisfatório, foram submetidos à operação. Fong et al.17, em revisão de 488 duodenopancreatectomias, 138 delas em pacientes com idade superior a 70 anos, não observaram diferenças no per- e pósoperatório entre o grupo dos mais jovens e o dos mais idosos. Em trabalho recente, Makary et al.14 reviram 35 anos de experiência de uma única instituição com duodenopancreatectomias. De um total de 2698 operações, 207 foram realizadas em pacientes com mais de 80 anos e 10 em maiores de 90 anos. Os pacientes mais velhos apresentaram mais complicações, principalmente pneumonias e eventos cardiovasculares, o que está de acordo com a maior prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica e de doença coronariana nessa faixa etária. Não houve diferença na ocorrência de outras complicações. A idade não foi fator independente de mau prognóstico. Não houve óbitos entre os maiores de 90 anos. Os autores concluíram que a duodenopancreatectomia pode ser realizada com segurança na população mais idosa, devendo-se considerar, entretanto, o maior risco determinado pela maior freqüência de comorbidades nesses pacientes. Outras séries também mostram mortalidade equivalente para os pacientes mais velhos25, 26. Todavia, a qualidade de vida pode ser mais afetada nos pacientes idosos, uma vez que a desnutrição pós-operatória, as readmissões e a morbidade são mais freqüentes. Os idosos tendem a se tornar mais dependentes de cuidados no pósoperatório27. Neste trabalho, os pacientes com idade acima de 60 anos apresentaram maior mortalidade intra-hospitalar. No entanto, as complicações não foram mais freqüentes e sobrevida não foi diferente para os dois grupos.

Transfusões sanguíneas estão associadas à alterações na resposta imune e à piora do prognóstico em cirurgias para adenocarcinomas28. Cameron em 1991 analisando 89 pacientes observou que o número de unidades de concentrado de hemácias era um fator independente de pior prognóstico em análise multivariada 29. Um estudo realizado por Bottger em 1999 analisou 221 casos de duodenopancreatectomia e evidenciou que a perda sangüínea intraoperatória influenciava independentemente a mortalidade30. Já Geer em 1993 em um trabalho envolvendo 146 pacientes submetidos a duodenopancreatectomia para adenocarcinoma pancreático verificou que a transfusão sangüínea não alterou a sobrevida. Dentre os 41 pacientes operados no período desse estudo, a hemotransfusão peroperatória foi necessária em 31 casos. Observou-se que esses pacientes apresentaram menor sobrevida em um ano31. Além das alterações imunológicas após hemotransfusão, é possível que os pacientes que receberam hemoderivados já apresentavam tumores mais avançados no pré-operatório, com maiores dificuldades técnicas durante a ressecção.

O adenocarcinoma de pâncreas é o tumor periampular de pior prognóstico. A sobrevida em dois anos chega a 35% e em cinco anos é de cerca de 15% a 21%32,33. Trede et al., obtiveram um ótimo resultado com sobrevida em cinco anos de 25%, a qual relacionaram apenas à ressecção radical7. Os principais fatores prognósticos para o adenocarcinoma de pâncreas associam-se à biologia do tumor: tamanho, estádio, grau de diferenciação celular e metástases para linfonodo31,33. Todavia, Han et al.34 analisando a sobrevida a longo prazo em 123 pacientes submetidos a duodenopancreatectomia, observaram que nove entre 11 pacientes com sobrevida maior que cinco anos apresentavam tumores T3. Três dos pacientes analisados no presente estudo, com diagnóstico de adenocarcinoma de pâncreas sobreviveram mais de 60 meses após a ressecção. Todos possuíam tumores maiores que 3cm de diâmetro. Um dos pacientes tinha 73 anos no momento da operação. Todos receberam hemotransfusão no per-operatório e o tempo operatório foi prolongado (>10 horas). Dessa forma, os fatores prognóstico devem ser considerados individualmente e não devem contra-indicar a ressecção. É provável que outros fatores estejam também relacionados à sobrevida a longo prazo, como as características biológicas e o comportamento do tumor35.

A experiência da equipe é determinante para a redução dos níveis de morbi-mortalidade. Hospitais com maior volume de cirurgias por ano obtêm melhores resultados, com redução na mortalidade e nos custos e menor tempo de internação hospitalar14,19,36-38. Crist et al.6 relacionam os melhores resultados também à experiência individual do cirurgião e ao melhor preparo da equipe em identificar e tratar as complicações. Em estudo de abrangência nacional, Kotwall et al.39 avaliaram 720 instituições em que se realizaram 24.926 duodenopancreatectomias, dividindo-as conforme a média anual de operações. A mortalidade foi maior em centros com menos de uma operação anual. Idade maior que 80 anos, sexo masculino e admissão na urgência pioraram o prognóstico, de forma que os autores sugerem transferência para outras instituições nesses casos. Urbach et al.40 analisaram cinco procedimentos de grande porte, incluindo a duodenopancreatectomia, e observaram que o número médio de operações por ano é inversamente relacionado à mortalidade, inclusive quando se considera o volume de outras operações de grande porte realizadas na instituição. No estudo apresentado, houve diminuição na freqüência de complicações e na mortalidade, porém não significativa. Além da experiência da equipe, outros fatores, como cuidados anestésicos e de medicina intensiva, podem ter contribuído para essa redução.

A cirurgia de Whipple é um procedimento complexo, porém é a única opção terapêutica com possibilidade de cura para os pacientes com tumores periampulares. A morbimortalidade operatória dos pacientes submetidos a duodenopancreatectomia tem diminuído, devido aos avanços atuais na técnica operatória, na assistência anestésica e nos cuidados intensivos pós-operatórios. A experiência e o volume de operações realizadas melhoram o desempenho das equipes. Nesse trabalho avaliamos 41 duodenopancreatectomias realizadas ao longo de oito anos. A freqüência de complicações aproximou-se da relatada na literatura mundial, porém a mortalidade foi maior.

Luiz Carlos Gomes Rocha

Rua Timbiras, 1364 / 1004 - A

Funcionário

30140-060 - Belo Horizonte - MG

E-mail: luizrocha40@hotmail.com

Trabalho realizado no Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte - MG

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 15/06/06
    Aceito para publicação em 17/07/06
    Conflito de interesses: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhuma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Jul 2006
    • Recebido
      15 Jun 2006
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