Acessibilidade / Reportar erro

Comportamento biomecânico da pálpebra reconstruída

Biomechanic behaviour of repaired eyelid

Resumos

OBJETIVO: Determinar a contribuição da sutura da borda, tarso e pele na resistência da pálpebra à ruptura pós-reconstrução. MÉTODOS: estudo prospectivo, mascarado em coelhos, que foram submetidos à ressecção de um fragmento de espessura total da pálpebra. Os animais foram distribuidos em cinco grupos: G1 sutura da pálpebra em três planos; G2 sutura palpebral sem inclusão do tarso; G3 sutura palpebral sem inclusão da pele; G4 sutura sem inclusão da borda palpebral; G5 sutura da pálpebra igual ao Grupo 1. Os animais do Grupo1 ao 4 foram sacrificados no 7º.dia e os do Grupo 5 no 2º. dia. Os espécimes palpebrais foram submetidos ao teste de rompimento com tensiômetro. RESULTADOS: Foram avaliadas 89 pálpebras provenientes de 85 animais no estudo biomecânico. O grupo no qual a borda palpebral não foi suturada (Grupo 4), houve diminuição estatisticamente significativa de todos os parâmetros analisados: tensão máxima, alongamento e trabalho, em comparação com os demais grupos. CONCLUSÃO: A supressão da sutura da palpebral influencia negativamente na resistência tênsil da cicatriz. Havendo a reconstrução da borda palpebral a supressão da sutura tarsal não interfere na biomecânica palpebral.

Pálpebras; Biomecânica; Reconstrução; Pálpebras


OBJECTIVE: To determine the importance of sutures of the eyelid border, tarsus and skin in resistance to rupture after reconstruction. METHODS: A prospective study was carried out in rabbits submitted to total thickness resection of the eyelid. The animals were divided in 5 groups: G1(lid suture in 3 layers); G2 (lid suture excluding tarsus); G3(lid suture excluding skin), G4 (suture excluding the lid border), G5 (lid suture as in G1). The animals from group 1 to 4 were sacrificed on the 7th day and these from group 5 on the 2nd day. The palpebral specimens underwent rupture test with a tensiometer. RESULTS: 89 eyelids from 85 animals were analyzed. The group in which the border was not sutured (group 4) showed a significant reduction in all studied parameters: maximum tension, stretching and work, as compared with the other groups. CONCLUSION: The lack of suture in the eyelid border had a negative impact in scar tensile resistance. Additionally, we showed that if the eyelid border is repaired, the avoidance of tarsal suture does not interfere with the eyelid biomechanics.

Eyelids; Biomechanics; Reconstruction; Eyelids


ARTIGO ORIGINAL

Comportamento biomecânico da pálpebra reconstruída

Biomechanic behaviour of repaired eyelid

Suzana MatayoshiI; Beatriz Yae HanaokaII; Junko OsakaIII; Erasmo M. Castro de TolosaIV; Nelson Fontana Margarido, TCBC-SPV

IAssistente-doutora da Clínica Oftalmológica do HCFMUSP

IIMédica Residente da Disciplina de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da FMUSP

IIIBiomédica da Disciplina de Técnica Cirúrgica da FMUSP

IVEx-Professor da Disciplina de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da FMUSP

VProfessor Associado e Professor Responsável pela Disciplina de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nelson Fontana Margarido Rua Itapeva, 378 – cj. 22 Bela Vista 01332-000 – São Paulo - SP

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a contribuição da sutura da borda, tarso e pele na resistência da pálpebra à ruptura pós-reconstrução.

MÉTODOS: estudo prospectivo, mascarado em coelhos, que foram submetidos à ressecção de um fragmento de espessura total da pálpebra. Os animais foram distribuidos em cinco grupos: G1 sutura da pálpebra em três planos; G2 sutura palpebral sem inclusão do tarso; G3 sutura palpebral sem inclusão da pele; G4 sutura sem inclusão da borda palpebral; G5 sutura da pálpebra igual ao Grupo 1. Os animais do Grupo1 ao 4 foram sacrificados no 7º.dia e os do Grupo 5 no 2º. dia. Os espécimes palpebrais foram submetidos ao teste de rompimento com tensiômetro.

RESULTADOS: Foram avaliadas 89 pálpebras provenientes de 85 animais no estudo biomecânico. O grupo no qual a borda palpebral não foi suturada (Grupo 4), houve diminuição estatisticamente significativa de todos os parâmetros analisados: tensão máxima, alongamento e trabalho, em comparação com os demais grupos.

CONCLUSÃO: A supressão da sutura da palpebral influencia negativamente na resistência tênsil da cicatriz. Havendo a reconstrução da borda palpebral

a supressão da sutura tarsal não interfere na biomecânica palpebral.

Descritores: Pálpebras; Biomecânica; Reconstrução; Pálpebras/lesões.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the importance of sutures of the eyelid border, tarsus and skin in resistance to rupture after reconstruction.

METHODS: A prospective study was carried out in rabbits submitted to total thickness resection of the eyelid. The animals were divided in 5 groups: G1(lid suture in 3 layers); G2 (lid suture excluding tarsus); G3(lid suture excluding skin), G4 (suture excluding the lid border), G5 (lid suture as in G1). The animals from group 1 to 4 were sacrificed on the 7th day and these from group 5 on the 2nd day. The palpebral specimens underwent rupture test with a tensiometer.

RESULTS: 89 eyelids from 85 animals were analyzed. The group in which the border was not sutured (group 4) showed a significant reduction in all studied parameters: maximum tension, stretching and work, as compared with the other groups.

CONCLUSION: The lack of suture in the eyelid border had a negative impact in scar tensile resistance. Additionally, we showed that if the eyelid border is repaired, the avoidance of tarsal suture does not interfere with the eyelid biomechanics.

Key words: Eyelids; Biomechanics; Reconstruction; Eyelids/injuries.

INTRODUÇÃO

Embora o conhecimento das propriedades biomecânicas das pálpebras tenha aplicações importantes nas cirurgias de reconstrução palpebral, existem poucas informações sobre o assunto na literatura médica.

A técnica básica de reconstrução palpebral é representada pela aproximação direta e sutura borda a borda. Classicamente recomenda-se o reparo da margem palpebral em três etapas: o fechamento da margem palpebral com três suturas principais (transição cutâneo-mucosa, linha cinzenta e linha dos cílios), a sutura do tarso anterior e a sutura cutânea1. Situações clínicas relativamente comuns no atendimento de pacientes são aquelas representadas por suturas inadequadas de pálpebra: suturas incompletas de margem e tarso.

Em estudo prévio, verificou-se que o modelo experimental de reconstrução e cicatrização palpebral em coelhos reproduz as alterações encontradas em trauma palpebral humano2.

Fizemos este estudo com o objetivo de determinar a contribuição da sutura da borda, tarso e pele na resistência da pálpebra à ruptura pós-reconstrução.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo prospectivo, experimental, mascarado conduzido em coelhos, no qual foi realizada cirurgia palpebral com ressecção de um fragmento com espessura total no centro da pálpebra inferior (Figura 1) e reconstrução borda a borda (Figura 2).



Os animais foram distribuídos em cinco grupos: G1- sutura clássica da pálpebra (borda, tarso e pele); G2 - sutura da borda e da pele;sem tarso; G3 - sutura da borda e do tarso;sem pele; G4 - Sutura do tarso e da pele, sem borda palpebral. G5 - Sutura do tarso, pele e borda palpebral.

Os animais dos Grupos 1 ao 4 foram submetidos a exame ocular externo e sacrifício no 7º dia pós-operatório, os animais do Grupo 5 no 2º dia pós-operatório. As pálpebras inferiores eram seccionadas, obtendo-se espécimes de 20 mm x 5 mm e imediatamente encaminhadas para avaliação biomecânica (Figura 3). Esta avaliação consistia em submeter os espécimes palpebrais ao teste de rompimento em tensiômetro, acoplado a um computador. As pálpebras eram presas ao tensiômetro a partir de suas duas extremidades laterais. Desta forma, as bordas da cicatriz cirúrgica eram tracionadas lateralmente, em sentidos opostos.


O tensiômetro utilizado (Strain gage mod.P.A. 06364-350 Kratos) era composto por uma célula de carga e numa bomba de infusão adaptada (Figura 4). A célula de carga consiste numa base de alumínio com um conjunto de resistências elétricas que formam uma ponte de Wheatstone. Quando esta célula é submetida a tração ou a compressão, ocorrem deformações na sua estrutura. Isto gera variações de potencial que podem ser calibrados para corresponderem a um determinado valor de peso, em gramas. A bomba de infusão, por sua vez, é responsável pela tração do corpo de prova a uma velocidade constante.


Durante cada ensaio, os registros transmitidos para o computador pelo tensiômetro eram plotados em um gráfico. O eixo das abcissas representava o tempo de tração decorrido e o eixo das ordenadas, a tensão aplicada no corpo de prova. Desta forma foram extraídas informações relativas ao comportamento biomecânico das pálpebras de coelhos reconstruídas. As seguintes características biomecânicas foram avaliadas:

1 - Força máxima (em "dina"): igual ao maior valor de força suportada pelo corpo de prova durante todo o ensaio realizado.

2 - Alongamento na força máxima (em cm): igual à distância percorrida pelo braço da bomba de infusão entre o início do ensaio até o instante em que se atingiu a força máxima suportada pelo corpo de prova.

3 - Trabalho da força máxima (em "erg"): Corresponde ao produto da força máxima pelo alongamento no instante do registro da força máxima, dividido por dois.

RESULTADOS

No estudo biomecânico, foram avaliadas 89 pálpebras provenientes de 85 animais, distribuídos em cinco grupos. O número de animais em cada grupo foi variável: Grupo 1 - 25 animais, Grupo 2 -19 animais, Grupo 3 -16 animais, Grupo 4 - 11 e grupo 5 -14 animais.

Houve deiscência de sutura em duas pálpebras (uma no Grupo 1 e outra no Grupo 2). Além disso, cinco pálpebras (quatro do Grupo 1 e uma do Grupo 2) apresentaram irregularidades de margem palpebral, com desnivelamento ântero-posterior das bordas da cicatriz.

A Tabela 1 mostra os resultados de três parâmetros que foram analisados neste estudo: tensão máxima suportada pelo tecido antes da ruptura; o alongamento tecidual medido antes da ruptura e o trabalho necessário para produzir a ruptura tecidual.

A Tabela 2 mostra os resultados da análise estatística comparativa (teste de Student) entre os cinco grupos. Pode-se observar, portanto, que os dados correspondentes ao Grupo 4 diferiram significativamente em relação aos demais grupos em relação a todos os parâmetros analisados. A tensão máxima, alongamento e trabalho necessários para provocar ao ruptura palpebral foram menores do que as necessárias para outros grupos. O alongamento nos animais do Grupo 5 foi maior que no Grupo 1, mas os outros parâmetros não tiveram diferença estatisticamente significativa.

A aplicação do teste T de Student nos dados é mostrada na tabela abaixo:

DISCUSSÃO

Lesões palpebrais são freqüentes em serviços de urgência. O conhecimento das propriedades biomecânicas da pálpebra tem aplicações importantes nas operações de reconstrução palpebral. Entretanto não encontramos na literatura consultadaestudos sobrea contribuição da sutura da borda, tarso e pele.

A técnica básica de reconstrução palpebral é a sutura por planos ( borda, tarso e pele) utilizada em casos de trauma palpebral e na reconstrução palpebral em defeitos de borda e pós ressecção de neoplasias4. No presente estudo simularam-se algumas situações clínicas, que são relativamente encontradas no atendimento de uma laceração palpebral: sutura completa; sutura da margem e pele, mas não do tarso. O terceiro grupo foi constituído por animais onde se realizou a sutura do tarso e margem mas não da pele, com o objetivo de avaliar o efeito da sutura da pele na tensão final pós-reconstrução. O Grupo 4 não foi submetido à sutura da borda palpebral para determinar a importância da sutura da borda palpebral na resistência tênsil da pálpebra pós-reconstrução O Grupo 5 foi avaliado após 48 horas pois procurou-se estabelecer qual seria a influência do tempo no processo de cicatrização.

Estudo anterior mostrou que a pálpebra de coelho é semelhante à humana para fins de investigação biomecânica, embora ressaltem-se algumas diferenças como.o tamanho reduzido do tarso, o músculo orbicular pouco desenvolvido e uma pálpebra comparativamente mais fina que a humana2.

A análise dos três primeiros grupos não mostrou diferença, ou seja, deixar de suturar o tarso (Grupo 2) ou a pele (Grupo 3) não ocasionou a alterações biomecânicas significativas. O resultado surpreende pois, esperar-se-ia que o fato de não suturar o tarso, propiciaria uma cicatrização irregular e portanto uma pálpebra menos resistente. Como já foi dito anteriormente, o fato do coelho apresentar um tarso mais fino assim como uma maior proximidade entre as duas lamelas palpebrais, pode eventualmente explicar uma cicatrização normal mesmo sem a sutura tarsal.

Já em relação ao Grupo 4 no qual a borda palpebral não foi suturada, observou-se uma diminuição estatisticamente significativa de todos os parâmetros analisados: tensão máxima, alongamento e trabalho, em comparação com os demais grupos.

Isto pode significar que em termos de estrutura palpebral, a integridade da borda é o parâmetro mais relevante na cicatrização, em conformidade com dados da literatura. Clinicamente, Mustardé demonstrou a importância da borda para a manutenção da forma e da fisiologia da abertura e fechamento palpebral. Segundo este autor, a estrutura palpebral é mantida Pelos c fatores: 1). O efeito de laminação, ou seja, a rigidez palpebral seria conferida pelo efeito da adesão das lamelas posterior e anterior, pela borda palpebral, que teria uma estrutura reforçada em comparação ao resto da pálpebra5.

A resistência de uma cicatriz operatória, medida pela tensão máxima, é um parâmetro bastante empregado na avaliação do processo de cicatrização. Sabe-se que durante os três primeiros dias de síntese de uma ferida, a resistência tênsil da lesão (definida pela resistência à tração por unidade de área de tecidos) depende quase que exclusivamente da capacidade de sustentação das suas bordas. Após o terceiro dia, iniciava-se ocorrer a síntese do colágeno pelos fibroblastos concomitantemente com o aumento da resistência tênsil da ferida 6 e nas primeiras duas semanas de cicatrização, a resistência da cicatriz é diretamente proporcional à quantidade de colágeno depositada 7.

É interessante notar que no presente estudo, mesmo em apenas dois dias, não houve diferenças biomecânicas da pálpebra de coelho comparadas com o grupo de sete dias de cicatrização. A resposta ao trauma ocular em coelhos é, geralmente, mais agressiva e mais rápida do que em seres humanos 8, talvez as alterações cicatriciais também se comportem dessa forma .

O alongamento palpebral do Grupo 5 foi maior que o Grupo 1, mas os outros parâmetros não foram estatisticamente significativos, portanto este resultado não foi considerado para a análise.

Nas condições do presente estudo, pode-se afirmar que a supressão da sutura da borda palpebral influenciou negativamente na resistência tênsil da cicatriz. Verificou-se também que desde que a borda seja reconstruída, a supressão da sutura tarsal não interfere na biomecânica palpebral.

Recebido em 29/06/06

Aceito para publicação em 01/08/06

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Cirúrgica da FMUSP.

  • 1. Lemke BN, Della Rocca RC. Eyelid margin and tarsus: anatomy and surgery. In: Lemke BN, Della Rocca RC. Surgery of the eyelids and orbit an anatomical approach. London: Prentice-Hall;1990. p.211-2
  • 2. Hanaoka BY, Ikeda MH, Osaka J, Tolosa ECM, Matayoshi S, Margarido NF. Estudo experimental do comportamento biomecânico da pálpebra reconstruída. Apresentado no XXI Congresso Médico Universitário (COMU). São Paulo, Brasil. 2002
  • 3. Soares LA. Processo de cicatrização das feridas na parede abdominal: influência da sutura do plano peritoneal com fio de categute: estudo experimental [Dissertação]. São Paulo(SP): Universidade de São Paulo; 1991.
  • 4. Matayoshi S, Santanna AEB, Bessa H, Ferreira Filho N, Moura EM. Anatomia cirúrgica da órbita. In: Soares E, Moura EM, Gonçalves JO, editores. Cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca;1997. p.7
  • 5. Mustardé JC. Repair and reconstruction in the orbital region. 3rd edition. Edinburgh: Churchill Livinsgstone; 1991
  • 6. Neto, João Elias Calache. Efeitos de administração do diclofenaco sódico a ratos submetidos a suturas cólicas [Tese]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,1990
  • 7. Ehrlich HPKeefer KA, Maish GO 3rd, Myers RL, Mackay DR. Vanadate ingestion increases the gain in wound breaking strength and leads to better organized collagen fibers in rats during healing. Plast Reconstr Surg. 2001;107(2):471-7.
  • 8. Miller MH, Grierson I, Unger WI, Hitchings RA. Wound healing in an animal model of glaucoma fistulizing surgery in the rabbit. Ophthalmic Surg. 1989;20(5):350-7.
  • Endereço para correspondência:

    Nelson Fontana Margarido
    Rua Itapeva, 378 – cj. 22
    Bela Vista
    01332-000 – São Paulo - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2006
    • Aceito
      01 Ago 2006
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br