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Associação de glutamina e probióticos no trofismo mucoso do cólon na peritonite experimental

Association of glutamine and probiotics on the colonic mucosal trophism in experimental peritonitis

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi investigar o efeito da associação da glutamina e probióticos sobre a mucosa intestinal em ratos submetidos à peritonite experimental. MÉTODO: 16 ratos Wistar (250-350g) com peritonite experimental criada pelo método da punção dupla do ceco foram randomizados para receber diariamente no pós-operatório em conjunto com a dieta, a adição por gavagem de 0,500g de glutamina e leite reconstituído, contendo probióticos (10(6) unidades formadoras de colônias/g de Bifidobacterium lactis BL e Streptococcus thermophilus) (grupo glutamina-probióticos; n=8) ou 0,495g de caseína e leite reconstituído sem probióticos (grupo controle; n=8). O conteúdo das duas dietas foi isonitrogenado e isocalórico. Todos os animais foram sacrificados 120 horas após a peritonite experimental. A profundidade de criptas e espessura de parede da mucosa do cólon foram medidas em biopsias realizadas 2 cm acima da reflexão peritoneal. O restante da mucosa colônica foi pesado e nela mensurou-se o conteúdo de DNA. RESULTADOS: Os animais que receberam glutamina e probióticos apresentaram mucosa mais pesada (0,49±0,12 vs. 0,42±0,07g; p=0,02), maior conteúdo de DNA (0,31±0,07 vs. 0,22±0,05 mg/g de tecido; p<0,01) e criptas mais profundas (272±51 vs. 311±39µ; p=0,04) que o grupo controle. CONCLUSÃO: A associação da glutamina e probióticos confere um maior trofismo na mucosa colônica em ratos submetidos à peritonite experimental.

Peritonite; Ratos Wistar; Probióticos; Glutamina; Mucosa intestinal; Cólon


BACKGROUND: The aim of this study was to investigate the effect of the association of glutamine and probiotics on the colonic mucosal trophism in experimental peritonitis. METHOD: 16 Wistar rats (250-350g) with experimental peritonitis created by double cecal puncture were randomized to receive postoperatively in conjunction with rat chow the daily gavages of either 0,500g of glutamine and reconstituted milk containing probiotics (10(6) colony-forming units/g of Bifidobacterium lactis BL and Streptococcus thermophilus) (glutamine-probiotics group; n=8) or 0,495g of caseine and reconstituted milk without probiotics (control group; n=8). The contents of the two diets were isonitrogenous and isocaloric. All animals were killed 120h after the creation of the peritonitis. Crypt depth and wall width of the colonic mucosa were registered in biopsies taken 2 cm above peritoneal reflexion. The rest of the colonic mucosa was weighted and assayed for DNA content. RESULTS: Animals receiving glutamine ans probióticos presented greater mucosal weight (0,49±0,12 vs. 0,42±0,07g; p=0,02), DNA content (0,31±0,07 vs 0,22±0,05 mg/g de tecido; p<0,01) e deeper crypts (272±51 vs. 311±39µ; p=0,04) than controls. CONCLUSION: The association of glutamine and probiotics enhances colonic mucosal trophism in rats under experimental peritonitis.

Peritonitis; Rats, Wistar; Probiotics; Glutamine; Intestinal mucosa; Colon


ARTIGO ORIGINAL

Associação de glutamina e probióticos no trofismo mucoso do cólon na peritonite experimental

Association of glutamine and probiotics on the colonic mucosal trophism in experimental peritonitis

Wagner Marcondes da Cunha-Lopes, ACBC-MTI; José Eduardo de Aguilar-Nascimento, TCBC-MTII; Diana Dock-NascimentoIII; Maria Helena G Gomes-da-SilvaIV; Victor de Albuquerque Teixeira da SilvaV

IMestrando do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso

IIProfessor Titular do Departamento de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso

IIIProfessor Assistente do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso

IVProfessor Adjunto do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso

VAcadêmico de Medicina da Universidade de Cuiabá

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Professor José Eduardo de Aguilar Nascimento Rua Estevão de Mendonça 81 apto 801 78043-200 - Cuiabá - MT Tel: 65 36237183 Celular: 65 99815388; Fax: 65 36234020 e-mail: aguilar@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi investigar o efeito da associação da glutamina e probióticos sobre a mucosa intestinal em ratos submetidos à peritonite experimental.

MÉTODO: 16 ratos Wistar (250-350g) com peritonite experimental criada pelo método da punção dupla do ceco foram randomizados para receber diariamente no pós-operatório em conjunto com a dieta, a adição por gavagem de 0,500g de glutamina e leite reconstituído, contendo probióticos (106 unidades formadoras de colônias/g de Bifidobacterium lactis BL e Streptococcus thermophilus) (grupo glutamina-probióticos; n=8) ou 0,495g de caseína e leite reconstituído sem probióticos (grupo controle; n=8). O conteúdo das duas dietas foi isonitrogenado e isocalórico. Todos os animais foram sacrificados 120 horas após a peritonite experimental. A profundidade de criptas e espessura de parede da mucosa do cólon foram medidas em biopsias realizadas 2 cm acima da reflexão peritoneal. O restante da mucosa colônica foi pesado e nela mensurou-se o conteúdo de DNA.

RESULTADOS: Os animais que receberam glutamina e probióticos apresentaram mucosa mais pesada (0,49±0,12 vs. 0,42±0,07g; p=0,02), maior conteúdo de DNA (0,31±0,07 vs. 0,22±0,05 mg/g de tecido; p<0,01) e criptas mais profundas (272±51 vs. 311±39µ; p=0,04) que o grupo controle.

CONCLUSÃO: A associação da glutamina e probióticos confere um maior trofismo na mucosa colônica em ratos submetidos à peritonite experimental.

Descritores: Peritonite; Ratos Wistar; Probióticos; Glutamina; Mucosa intestinal; Cólon.

ABSTRACT

BACKGROUND: The aim of this study was to investigate the effect of the association of glutamine and probiotics on the colonic mucosal trophism in experimental peritonitis.

METHOD: 16 Wistar rats (250-350g) with experimental peritonitis created by double cecal puncture were randomized to receive postoperatively in conjunction with rat chow the daily gavages of either 0,500g of glutamine and reconstituted milk containing probiotics (106 colony-forming units/g of Bifidobacterium lactis BL and Streptococcus thermophilus) (glutamine-probiotics group; n=8) or 0,495g of caseine and reconstituted milk without probiotics (control group; n=8). The contents of the two diets were isonitrogenous and isocaloric. All animals were killed 120h after the creation of the peritonitis. Crypt depth and wall width of the colonic mucosa were registered in biopsies taken 2 cm above peritoneal reflexion. The rest of the colonic mucosa was weighted and assayed for DNA content.

RESULTS: Animals receiving glutamine ans probióticos presented greater mucosal weight (0,49±0,12 vs. 0,42±0,07g; p=0,02), DNA content (0,31±0,07 vs 0,22±0,05 mg/g de tecido; p<0,01) e deeper crypts (272±51 vs. 311±39µ; p=0,04) than controls.

CONCLUSION: The association of glutamine and probiotics enhances colonic mucosal trophism in rats under experimental peritonitis.

Key words: Peritonitis; Rats, Wistar; Probiotics: Glutamine; Intestinal mucosa; Colon.

INTRODUÇÃO

Apesar dos avanços no diagnóstico, técnica operatória, terapêutica antimicrobiana e cuidados intensivos, a peritonite secundária grave permanece como uma doença potencialmente fatal, com mortalidade estimada em um terço dos pacientes acometidos1,2. A integridade estrutural e funcional das mucosas constitui um fator protetor importante contra o fenômeno da translocação bacteriana3, definida como a passagem das bactérias do lúmen entérico, através da barreira intestinal, para os tecidos previamente estéreis, tais como linfonodos, fígado, baço e sangue3,4. Há evidências de uma associação entre translocação bacteriana e sepse em pacientes cirúrgicos5. Este fenômeno é o principal fator para a eclosão da sepse, do choque, da síndrome da resposta inflamatória sistêmica e, conseqüente síndrome da disfunção de múltiplos órgãos4-6.

Estudos randomizados nos últimos anos têm reforçado o papel da dieta suplementada com glutamina nos pacientes graves. Em pacientes cirúrgicos, esta suplementação tem sido associada à redução de complicações infecciosas e à diminuição do tempo de permanência hospitalar, sem a diminuição do índice de mortalidade7,8. Aguilar-Nascimento et al. comprovaram que a infusão intraluminal de glutamina diminui a injúria à mucosa e a acumulação neutrofílica na submucosa9.

A estimulação da mucosa e do sistema imunológico do hospedeiro pelos probióticos foi evidenciada em estudos com animais10. Esta estimulação ocorre a partir da capacidade de adesão dos microorganismos às células intestinais e de interação com o sistema do tecido linfóide associado ao intestino11,12. A estimulação do sistema imunológico inato em pessoas saudáveis que receberam Bifidobacterium lactis,estimula a capacidade de fagocitose das células polimorfonucleares13. Em peritonite existe pouca comprovação experimental de possível ação benéfica de probióticos em peritonite grave14.

A glutamina como nutriente da mucosa e o probiótico como modulador da flora bacteriana podem ter ação sinérgica. A ação da glutamina na nutrição da mucosa intestinal e nas células do sistema imunológico, diminuindo a apoptose, mantendo o trofismo e dificultando a passagem de bactérias através da mucosa, associado a manutenção de flora intestinal pelos probióticos, dificultando a entrada de bactérias deletérias ao organismo podem trazer benefícios para o paciente. Em resumo, esse conjunto de ações pode teoricamente diminuir a ocorrência de translocação bacteriana, a incidência de infecção e ainda manter a integridade da barreira intestinal9,15. Nesse contexto, Falcão-de-Arruda e Aguilar-Nascimento, em estudo com 23 pacientes internados em UTI com trauma craniano observaram menor taxa de infecção e diminuição da permanência em UTI com a associação de glutamina com probióticos acrescida à dieta15. Não foram encontrados na literatura trabalhos que avaliaram um possível efeito protetor conjunto da glutamina e probióticos na manutenção do trofismo intestinal em peritonite experimental. Dessa forma, é relevante a investigação do uso dessa associação em modelo animal de peritonite para investigar os possíveis benefícios na mucosa colônica. Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar o efeito da associação da glutamina e probióticos sobre o trofismo da mucosa colônica em ratos submetidos à peritonite experimental.

MÉTODOS

Foram estudados 16 ratos machos da raça Wistar (Rattus norvergicus, variedade albinos, ordem Rodentia mammalia, família Muridae), com peso entre 250-350g provenientes do Biotério Central da UFMT. O experimento seguiu as determinações do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal), padronizadas pela Universidade Federal de Mato Grosso. Os animais ficaram 10 dias no laboratório, sob temperatura de 25ºC, para aclimatação em ciclos de 12 horas de claro/escuro, alimentados ad libitum com ração padrão de laboratório (Ração Labina, Agribrands-Purina Ltda, Paulínia, SP, Brasil). Os animais foram sorteados para dois grupos de oito animais cada, conforme descrito abaixo. Todos os animais foram anestesiados por via inalatória com éter e submetidos à laparotomia mediana de aproximadamente 3 cm após jejum pré-operatório de oito horas antes do procedimento. Após identificação do ceco-apêndice, realizou-se nesse local dupla perfuração com agulha 12x8 provocando-se uma contaminação da cavidade intestinal com conteúdo fecal (CLP). A seguir, procedeu-se a invaginação da lesão e fechamento em bolsa de tabaco com fio de nylon 4.0, segundo modelo experimental padronizado16,17.Um estudo piloto antes da coleta de dados mostrou que a CLP com bolsa em tabaco produzia uma peritonite adequada e com baixa mortalidade nos primeiros cinco dias de pós-operatório.

No pós-operatório, os animais receberam água ad libitum e foram realimentados após 48 horas com a mesma dieta descrita acima. Foram então randomizados para receber além da dieta, uma adição diária de 500g (~2,50g/kg de peso) de glutamina (Glutamin, Kasdorf SA, Garín, Argentina) e leite reconstituído contendo probióticos (4g/dia de leite reconstituído contendo 106 unidades formadoras de colônias [UFC] /g de Bifidobacterium lactis BL e Streptococcus thermophilus; NAN-2 Probiótico, Nestlé, São Paulo, Brasil) (grupo glutamina-probióticos; GGP, n=8) ou a mesma dieta acrescida de 495g de caseína (Maxipro, Nuteral, Fortaleza-Ceará, Brasil) e leite reconstituído sem probióticos (4g/dia de leite NAN-2, Nestlé, São Paulo, Brasil) (grupo controle; GC, n=8). A Tabela 1 mostra o conteúdo isonitrogenado e isocalórico das duas dietas.

A administração de glutamina e probióticos (GGP) ou caseína e leite (GC) foi feita por gavagem em duas tomadas diárias, as 6 e 18 horas. Cada gavagem continha 250g de glutamina (250g de Glutamin) e 2g de leite contendo probióticos no GPG, ou 250g de caseína (275g de Maxipro) e 2g de leite sem probióticos para o grupo controle, ambas dissolvidas em até 2mL de água destilada.

Todos os animais foram sacrificados 120 horas após a operação que criou a peritonite experimental. Na necrópsia de cada animal, colhia-se 2 cm de íleo terminal a partir de 1 cm proximal à válvula ileocecal e 2 cm de cólon sigmóide a partir de 1 cm proximal à reflexão peritoneal, ambos livres do mesentério e mesocólon correspondente. Estas peças foram fixadas em papel cartão e inseridas em frascos com formol a 10%. No laboratório foram preparadas lâminas a partir de cortes sagitais de 4 mm cada, fixados em parafina e corados com hematoxilina-eosina. Um observador que desconhecia o desenho do estudo realizou medidas micrométricas da profundidade de criptas e espessura de parede da mucosa do cólon em cada animal, com auxílio de régua micrométrica (Olympus, Japão). Cada animal foi representado pela média de cinco medidas realizadas nas glândulas melhores orientadas18. Todo cólon foi ressecado a partir da válvula ileocecal até a reflexão peritoneal. Neste segmento, a mucosa foi raspada com lamina de vidro, pesada, identificada, e armazenada em frascos de polietileno em freezer à -18ºC para medida do conteúdo de DNA. O DNA foi mensurado pelo método da difenilamina 19,20.

MÉTODO ESTÁTICO

Utilizou-se o teste t de Student para comparação entre os grupos visto que havia normalidade (teste de Kolgomorov-Smirnov) e homogeneidade (teste de Levene) das amostras. O nível de significância adotado para rejeição da hipótese de nulidade foi de 5% (pd"0,05). Os resultados foram apontados como média e desvio padrão. Todas as análises foram feitas com o pacote estatístico SPSS for Windows 11.0 (Stat Soft, Inc., Tulsa, Oklahoma, EUA).

RESULTADOS

Não houve mortalidade durante o estudo. Observou-se no exame da cavidade abdominal que todos os animais apresentavam sinais de peritonite com secreção purulenta e aderência entre órgãos.

Peso da mucosa do cólon

A mucosa dos animais que receberam glutamina e probióticos (0,49±0,12g) apresentou-se estatisticamente mais pesada (p=0,02) que a dos animais controles (0,42±0,07g) (Figura 1).


Conteúdo de DNA na mucosa do cólon

Os ratos alimentados com probióticos e glutamina apresentaram conteúdo de DNA maior que os controles (0,31±0,07 vs 0,22±0,05 mg/g de tecido; p<0,01) (Figura 2).


Profundidade de criptas do cólon

As criptas colônicas no grupo GGP (272±51µ) apresentaram-se mais profundas (p=0,04) que no grupo controle (311±39µ) (Figura 3).


Espessura da parede do cólon

Não houve diferença na espessura da parede colônica entre os grupos (GGP = 553±61 vs. GC = 533±54µ; p=0,52)

DISCUSSÃO

A análise global dos resultados mostrou que a adição de probióticos e glutamina na dieta de animais com peritonite associou-se a melhor trofismo mucoso no cólon. Isso foi verificado tanto pelo maior conteúdo do DNA da mucosa colônica, quanto nas medidas físicas de peso da mucosa do cólon, e histomorfométricas da profundidade das criptas colônicas. Esses dados são consistentes com outros estudos experimentais, em que a glutamina apresentou ação positiva sobre a manutenção da mucosa colônica em situações adversas como radiação21, uso de nutrição parenteral22 e com outras pesquisas em que a glutamina, apesar de ser o principal nutriente do enterócito, promove ações semelhantes no cólon, especialmente em situações de lesão intestinal 21-23. A ação dos probióticos como auxiliares na produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) a partir de material existente na luz explica os achados tróficos mais significativos no grupo da dieta em estudo12,18.

Nos dois primeiros dias após o estresse metabólico, o consumo de glutamina aumenta drasticamente. Kapadia et al. encontraram em modelo animal, níveis plasmáticos e musculares de glutamina diminuídos em 30 e 50 %, nas 24 e 48 horas após a laparotomia, respectivamente25. Portanto, é provável que a quantidade de glutamina ofertada aos ratos durante o experimento, não tenha suprido suas necessidades metabólicas aumentadas no período de catabolismo intenso a que foram submetidos. Após as 48 horas do início do trauma os animais já apresentavam uma resposta inflamatória sistêmica menos exacerbada, e assim, as necessidades metabólicas de glutamina ficaram diminuídas e esta pode ser liberada para uso pelos enterócitos.

Em quadro de instabilidade hemodinâmica, a alimentação enteral precoce pode ser maléfica pelo comprometimento do fluxo esplâncnico26, como ocorre na presença de peritonite. No entanto, em enterocolite experimental, o uso parenteral de glutamina parece suprir as necessidades da mucosa intestinal durante jejum prolongado ao incrementar o peso da mucosa, a altura dos vilos e o conteúdo de DNA27. Alguns estudos têm assinalado que a glutamina não é eficaz para uso enteral devido a sua instabilidade ao calor e a dificuldade de homogeneização em soluções líquidas27. Por ser considerado não essencial e por ter um tempo de vida útil limitado, esse aminoácido não é incluído nas fórmulas padronizadas. Apesar disso, tanto a L-glutamina como suplemento alimentar e os dipeptídeos estáveis da glutamina são muito utilizados7. Se administrada de forma enteral, a glutamina diminui a injúria da mucosa em situações de isquemia e reperfusão e de trauma24,28. De qualquer forma, a glutamina administrada via enteral aumenta a altura de vilos e o conteúdo de nitrogênio na mucosa e estimula o crescimento da mucosa29. Assim, a glutamina ministrada tanto na forma enteral como parenteral tem efeito benéfico e trófico na mucosa intestinal, tanto de ratos quanto de humanos30.

A realimentação com glutamina teve como finalidade fornecer substrato energético ao enterócito, bem como às células de defesa, para prevenir a atrofia da mucosa intestinal. Sabe-se que a atrofia da mucosa intestinal ocorre devido à falta do estímulo funcional e a ausência das secreções30-31, e que a diminuição na irrigação intestinal e a falta de suporte nutricional são os dois fatores mais importantes na destruição da barreira intestinal3,32. Nesse estudo, as dietas foram pesadas e homogeneizadas em conteúdos isocalóricos e isonitrogenados, minutos antes da ministração para assegurar que cada animal recebesse realmente sua cota diária. O curto período de tempo entre a preparação da dieta e a ingestão assegurou a estabilidade dos nutrientes até sua chegada à luz intestinal.

A CLP foi o modelo experimental de peritonite utilizado no presente estudo, pelo fato de que nesse modelo a contaminação ocorre com as próprias bactérias da luz intestinal do rato assemelhando-se com a ocorrência de uma peritonite secundária. Assim, a CLP tem sido amplamente empregada e induz a peritonite, embasando a escolha adequada do método16,17, que induziu peritonite bacteriana com baixa mortalidade e possibilitou a avaliação dos efeitos das duas dietas na vigência de estresse infeccioso intra-abdominal. Com o estudo piloto, verificou-se que a adição da bolsa de tabaco ao modelo, reduzia o grau de contaminação e assim, produzia um modelo anima de peritonite com baixa mortalidade e adequado aos propósitos do trabalho. No entanto, a CLP é um modelo que induz a uma peritonite sem o controle de outros modelos nos quais a concentração e o tipo de bactéria introduzidos na cavidade peritoneal são conhecidos33.

Devido ao rápido turnover da mucosa intestinal, um curto período de jejum pode proporcionar atrofia da mucosa colônica. Nesse aspecto, o efeito dos probióticos no trofismo da mucosa intestinal de ratos já foi comprovado por outros pesquisadores12. Dock, Aguilar-Nascimento e Latorraca demonstraram melhor recuperação do trofismo da mucosa intestinal de ratos submetidos à desnutrição crônica33 e aguda12 associada à adição de probióticos a dieta dos animais. Foligne et al. comprovaram que três dias de dieta suplementada com iogurte estimulam uma série de parâmetros tróficos no intestino delgado de ratos em condições basais, porém estas mudanças não foram vistas após duas semanas de tratamento34. Os probióticos apresentam diversos mecanismos de ação, como antagonismo contra patógenos, efeito trófico nas mucosas, imunoestimulação do hospedeiro e inibição da produção de toxinas bacterianas11-14. Desta forma, podem até evitar o aparecimento de resistência por parte das bactérias patógenas.

A falta de um grupo de controle constituído de animais operados , porém, sem a criação de peritonite é fator limitante no estudo porém não invalida as conclusões do trabalho. Os dois grupos de comparação utilizaram dietas iso-calóricas e iso-nitrogenadas e foram submetidos ao mesmo modelo de peritonite. Embora a não existência de grupos específicos de tratamento apenas com glutamina ou apenas com probióticos possa metodologicamente também limitar o trabalho, o objetivo do estudo era o de investigar a associação da glutamina com probióticos e testar seus sinérgicos efeitos via diferentes ações indiretamente tróficas à mucosa intestinal 9,10, 12-14. Com efeito, os benefícios clínicos dessa associação em pacientes com trauma crânio-encefálicos já foram demonstrados anteriormente15. Falcão-de-Arruda e Aguilar-Nascimento comprovaram em estudo com humanos que o uso combinado de glutamina e probióticos na alimentação enteral de pacientes vítimas de traumatismo crânio-encefálico reduz significativamente a incidência de infecção15. A hipótese central do atual estudo foi baseada no uso da combinação glutamina e probióticos que visou tanto o fornecimento energético para a mucosa intestinal e células do sistema imune, bem como ação sobre a flora patogênica de forma a diminuir a possibilidade de translocação bacteriana.

A análise dos resultados permite concluir que a associação da glutamina e probióticos confere um maior trofismo na mucosa colônica em ratos submetidos à peritonite bacteriana.

Recebido em 15/08/06

Aceito para publicação 01/09/06

Conflito de interesses:

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Departamento de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso.

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  • Endereço para correspondência:

    Professor José Eduardo de Aguilar Nascimento
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      01 Set 2006
    • Recebido
      15 Ago 2006
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