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Compreensão do termo de consentimento informado

Informed consent comprehension

Resumos

OBJETIVO: O termo de consentimento informado é uma obrigação para o exercício profissional e para a pesquisa envolvendo seres humanos. Representa o respeito à autonomia. Este estudo teve por objetivo reconhecer o grau de entendimento dos indivíduos que participam de uma pesquisa ou de um tratamento. MÉTODOS: Um termo de consentimento foi preparado com linguagem potencialmente clara e acessível, com índice de facilidade de leitura de Flesch igual a 95, o que o classificou como muito fácil. Foram analisados dados como idade, grau de escolaridade, hábito de leitura, meios de acesso à informação e internet e renda familiar, como fatores que modificam o entendimento do consentimento livre e esclarecido. RESULTADOS: Apesar do termo ter sido preparado para atingir pontuação de acerto entre 9 e 10, observou-se que ele atingiu 7,5 ± 1,62 e não esteve relacionado à idade ou ao sexo. O nível de escolaridade influenciou a capacidade de entendimento (p=0,0013), bem como o hábito de leitura (p=0,0001) e o acesso à Internet (p=0,0070). A análise de ganho mostrou que os que ganham mais de dez salários mínimos são os que compreendem melhor (p=0,0041). CONCLUSÃO: Pode-se admitir que os sujeitos para pesquisa devem ser aqueles com melhor nível de escolaridade, com habitualidade para a leitura, com facilidade de acesso à internet e os que têm melhor faixa salarial. Na prática médica, observar a condição de cada um dos doentes, entender as suas limitações de compreensão, ler junto com eles, um à um, explicando todos os pontos.

Consentimento esclarecido; Termos de consentimento


BACKGROUND: Informed consent is compulsory in professional practice and research studies involving human beings. It represents respect to autonomy. This study aims at identifying the degree of understanding displayed by individuals who participate in research studies or treatment. METHODS: An informed concent form was prepared and written in a clear and comprehensible language, with a Flesch Reading Ease Score of 95, and thus classified as very easy. Age, schooling, readership frequency, access to information and to the Internet, and family income were analyzed as factors bearing on comprehension of free and informed consent. RESULTS: Even though the form was prepared to result in a comprehension score of 9 and 10, the score observed was 7.5 ± 1.62 and was not related to age or gender. Schooling level was seen to affect comprehension (p=0.0013) as well as readership frequency (p=0.0001) and access to the Internet (p=0.0070). The income level analysis revealed that individuals who earn more than 10 times the minimum wage showed better comprehension (p=0.0041). CONCLUSION: It can be concluded that individuals participating in research studies should be chosen among those with better schooling, frequent readership, easy access to the Internet, and within a higher income bracket. In medical practice, each patient's condition should be observed, their comprehension limitations understood, and the informed consent form should be read on a one-to-one basis, and all the details and implications should be clearly explained.

Informed consent; Consent forms


ARTIGO ORIGINAL

Compreensão do termo de consentimento informado

Informed consent comprehension

Maria de Lourdes Pessole Biondo-Simões – TCBC.PRI; Juliano MartynetzII; Fernanda Matie Kinoshita UedaIII; Márcia OlandoskiIV

IDoutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP; Professora Titular de Metodologia da Pesquisa da PUCPR; Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná

IIAlunos de Iniciação Científica da PUCPR

IIIProfessora Titular de Bioestatística da PUCPR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria de Lourdes Pessole Biondo Simões Rua Ari José Valle, 1987 - Santa Felicidade 82030-000 – Curitiba - PR Telefone: 0XX41.3297.4359 ou 0XX41.9991.5566

RESUMO

OBJETIVO: O termo de consentimento informado é uma obrigação para o exercício profissional e para a pesquisa envolvendo seres humanos. Representa o respeito à autonomia. Este estudo teve por objetivo reconhecer o grau de entendimento dos indivíduos que participam de uma pesquisa ou de um tratamento.

MÉTODOS: Um termo de consentimento foi preparado com linguagem potencialmente clara e acessível, com índice de facilidade de leitura de Flesch igual a 95, o que o classificou como muito fácil. Foram analisados dados como idade, grau de escolaridade, hábito de leitura, meios de acesso à informação e internet e renda familiar, como fatores que modificam o entendimento do consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS: Apesar do termo ter sido preparado para atingir pontuação de acerto entre 9 e 10, observou-se que ele atingiu 7,5 ± 1,62 e não esteve relacionado à idade ou ao sexo. O nível de escolaridade influenciou a capacidade de entendimento (p=0,0013), bem como o hábito de leitura (p=0,0001) e o acesso à Internet (p=0,0070). A análise de ganho mostrou que os que ganham mais de dez salários mínimos são os que compreendem melhor (p=0,0041).

CONCLUSÃO: Pode-se admitir que os sujeitos para pesquisa devem ser aqueles com melhor nível de escolaridade, com habitualidade para a leitura, com facilidade de acesso à internet e os que têm melhor faixa salarial. Na prática médica, observar a condição de cada um dos doentes, entender as suas limitações de compreensão, ler junto com eles, um à um, explicando todos os pontos.

Descritores: Consentimento esclarecido, Termos de consentimento.

ABSTRACT

BACKGROUND: Informed consent is compulsory in professional practice and research studies involving human beings. It represents respect to autonomy. This study aims at identifying the degree of understanding displayed by individuals who participate in research studies or treatment.

METHODS: An informed concent form was prepared and written in a clear and comprehensible language, with a Flesch Reading Ease Score of 95, and thus classified as very easy. Age, schooling, readership frequency, access to information and to the Internet, and family income were analyzed as factors bearing on comprehension of free and informed consent.

RESULTS: Even though the form was prepared to result in a comprehension score of 9 and 10, the score observed was 7.5 ± 1.62 and was not related to age or gender. Schooling level was seen to affect comprehension (p=0.0013) as well as readership frequency (p=0.0001) and access to the Internet (p=0.0070). The income level analysis revealed that individuals who earn more than 10 times the minimum wage showed better comprehension (p=0.0041).

CONCLUSION: It can be concluded that individuals participating in research studies should be chosen among those with better schooling, frequent readership, easy access to the Internet, and within a higher income bracket. In medical practice, each patient's condition should be observed, their comprehension limitations understood, and the informed consent form should be read on a one-to-one basis, and all the details and implications should be clearly explained.

Key words: Informed consent, Consent forms.

INTRODUÇÃO

O Consentimento Informado (CI) é uma decisão voluntária, realizada por pessoa autônoma e capaz, tomada após processo informativo e deliberativo visando a aceitação de tratamento específico ou experimentação, sabendo a natureza do mesmo, das suas conseqüências e dos seus riscos1. É elemento característico do atual exercício da medicina, não é apenas doutrina legal, mas um direito moral dos pacientes que gera obrigações morais para os médicos. O exercício do consentimento informado efetiva-se após a junção da autonomia, capacidade, voluntariedade, informação, esclarecimento e o próprio consentimento. Entre os elementos de validade do consentimento informado talvez a informação seja um dos mais importantes, e por isso deve ser clara, objetiva e em linguagem compatível com o entendimento individual de cada paciente2.

A informação deve ser prestada de acordo com a personalidade, o grau de conhecimento e as condições clínicas e psíquicas do paciente, abordando dados do diagnóstico ao prognóstico, dos tratamentos a efetuar, dos riscos conexos, dos benefícios e alternativas, se existentes. Quanto à forma de fornecimento das informações, pode ser oral ou por escrito, desde que haja certeza da compreensão dos dados, por ser elementar para a validade do consentimento. Entretanto, considerando a diversidade dos indivíduos quanto ao grau de entendimento e ainda quanto à situação, muitas vezes constrangedora, do paciente em dizer que não entendeu, fica-se sempre com a incerteza do quanto o documento atingiu o objetivo de permitir ao paciente saber o tipo de tratamento ou mesmo de pesquisa a que está se submetendo.

Estudo transversal realizado por Schmitz et al, acompanhando doentes de 1988 a 1999, demonstrou que o índice de entendimento atingiu apenas 38% e os textos foram considerados de difícil compreensão, apesar dos cuidados exigidos de simplicidade de redação. Este estudo levou em consideração principalmente o grau de escolaridade3.

Francisconi et al., usando o índice de Flesch, para a análise de compreensão de textos em 48 modelos de consentimento informado, utilizados em 15 serviços da área médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, revelou que os textos eram de difícil compreensão para a maioria dos indivíduos da população atendida4.

Goldin et al. entrevistaram 45 mulheres, escolhidas de forma aleatória, que haviam assinado um termo de consentimento após terem participado de sessão explicativa dos objetivos, riscos e benefícios, que contou inclusive com recursos áudio-visuais. O termo foi lido e assinado após a sessão, de forma individual. Segundo os autores 100% delas recordavam os procedimentos, 54% lembravam dos riscos e 96% dos benefícios. Estudo semelhante havia sido feito pelos mesmos autores, que aplicaram o termo à 56 mulheres, sem o recurso áudio-visual. Nessa situação 47,5% lembraram dos procedimentos, 22% dos riscos e 47,5% dos benefícios. Demonstraram que com a inclusão do áudio-visual havia melhora da retenção de informações (p<0,0001)5.

A dificuldade de entendimento e da importância do termo de consentimento não é só problema brasileiro, mas de todos os países latino-americanos. Montesibos e Silva, na Argentina, mostraram que 88,3% dos doentes assinavam o termo sem o ter lido6. Gómez Velázques e Gómez Espinosa, no México relataram que só 4% dos pacientes conseguiam entender completamente um termo de consentimento e que 29,4% tinham pobre entendimento7 .

O consentimento informado é agora uma pré-condição ética e legal na prática médica, e o princípio ético do respeito pela autonomia das pessoas requer que elas saibam as opções de tratamento, entre as quais pode escolher. São raros os estudos publicados quanto ao nível de compreensão dos termos de consentimento em nossa população. Qual seria a validade deste documento se o indivíduo não sabe o que lê? Com certeza não é o documento que deve deixar de existir, mas nós é que precisamos reconhecer o grau de dificuldade e penetrância para que se possa construir um documento realmente útil.

O objetivo deste estudo foi avaliar se o consentimento informado está sendo realmente útil para a compreensão dos pacientes, nas diferentes faixas etárias e em diferentes classes sociais e os fatores que alteram o entendimento e a validade do documento.

MÉTODO

Plano Amostral

O método utilizado para selecionar os participantes da pesquisa foi o da amostragem estratificada por classes sociais e por faixas etárias, procurando-se manter o mesmo número de pessoas em cada estrato. O número de participantes foi de 661 pessoas, conforme orientação do Serviço de Bioestatística, após a análise dos resultados preliminares e utilização de fórmula para cálculo do tamanho da amostra para nível de confiança de 95%.

Questionário para estratificação do grupo de indivíduos participantes

Para a elaboração do questionário foram utilizados dados como idade, grau de escolaridade, hábito de leitura, meios de acesso à informação e à Internet, e renda familiar e como fatores que modificam o entendimento do consentimento livre e esclarecido.

Consentimento Informado – entendimento

Os participantes responderam aos questionários voluntariamente. Estes eram isentos de identificação a fim de manter os indivíduos anônimos.

Foi apresentado, a cada um dos participantes, um modelo de consentimento, em duas vias, com linguagem potencialmente clara e acessível. Foram utilizados o índice de legibilidade de Flesch-Kincard e o índice de facilidade de leitura de Flesch para estimar a facilidade e o potencial de compreensão do texto8.

A legibilidade dos termos de consentimento informados pode ser medida utilizando-se dois índices: o Índice de Legilibilidade de Flesh-Kincaid e o de Facilidade de Leitura de Flesh. Ambos se baseiam no comprimento das palavras e frases do texto.

O Índice de Legibilidade de Flesh-Kincaid tem a seguinte fórmula:

ILFK = ((0,39 x média de palavras por frase)+(11,8 x média de sílabas por palavra)) - 15,59

O resultado obtido com a fórmula estima os anos de estudo necessários para que o texto seja adequadamente compreendido. Os valores deste Índice considerados mais efetivos para um texto são os que se situam entre 6 e 10.

A fórmula do Índice de Facilidade de Leitura de Flesh é a seguinte:

IFLF = 206,835 - ((1,015 x comprimento médio da frase) + 0,846 x (número de sílabas por 100 palavras))

Ele pode ser interpretado utilizando uma escala de sete pontos, sendo que o texto padrão é aquele situado entre 60 e 70 (Tabela 1).

Na construção do termo de consentimento foi consultado o glossário de termos leigos para elaboração do consentimento informado9.

Os participantes recebiam uma das vias e o pesquisador fazia a leitura oral enquanto o pesquisado acompanhava com leitura silenciosa. Todos os termos estavam explicados no texto e o pesquisador respondia às dúvidas que o pesquisado apresentasse. O termo de consentimento informado continha todas as exigências previstas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares10,11. No caso de participante analfabeto, a leitura foi feita com a presença de acompanhante alfabetizado.

Em seguida um questionário contendo dez perguntas foi aplicado com o fim de avaliar o entendimento. As respostas consistiam de duas alternativas: sim e não. O indivíduo deveria escolher uma e assinalar com um X.

Os dados foram coletados nos meses de março e abril de 2005, utilizando participantes nos mais diferentes locais (escolas, empresas, ambulatórios, faculdades, shopping, etc). Foram excluídos do estudo os estudantes e profissionais da área de saúde, a fim de que não existisse vieses na avaliação dos resultados.

Após a coleta das respostas do questionário de entendimento, os resultados foram analisados e relacionados com o questionário de informações pessoais.

Os resultados foram tabulados e analisados estatisticamente. O nível de confiança estabelecido foi de 95%.

RESULTADOS

Encontrou-se nível de acertos de uma única pergunta até da totalidade delas. A média de acertos foi de 7,5 ± 1,62 (Fígura 1).

O intervalo de 95% de confiança para a média de acertos foi de: (7,38 – 7,62).

Testou-se a hipótese nula de que o número médio de acertos seria igual a 9,5 versus a hipótese alternativa de que o número médio de acertos seria menor do que 9,5. O resultado do teste indicou a rejeição da hipótese nula no nível de significância de 5% (p<0,0001). Isto indica que a média de acertos na população estudada é significativamente menor do que 9,5.

Em relação à idade, testou-se a hipótese nula de que os resultados do número de acertos seriam iguais para todas as faixas etárias consideradas, versus a hipótese alternativa de que pelo menos uma das faixas etárias teria resultados diferentes dos demais. O resultado do teste estatístico indicou p=0,9555. Sendo assim, não se pode afirmar que o resultado do número de acertos estivesse associado à idade do indivíduo.

Foram entrevistados 338 indivíduos do sexo masculino e 323 do sexo feminino. A média de acertos para o sexo masculino foi de 7,48 ± 1,62 e para o sexo feminino foi de 7,52 ± 1,63 (p=0,775). Desta forma, não se pode afirmar que exista diferença significativa entre o sexo masculino e o sexo feminino em relação ao número de acertos.

Para a análise da relação entre a escolaridade e o número de acertos, foram consideradas três classificações de escolaridade: até 1.º grau completo; 2º. grau incompleto ou completo e superior incompleto ou completo. Testou-se a hipótese nula de que os resultados do número de acertos seriam iguais para indivíduos nas três classificações de escolaridade, versus a hipótese alternativa de que indivíduos de pelo menos uma das classificações teriam resultados diferentes dos demais.

O resultado do teste estatístico indicou a rejeição da hipótese nula no nível de significância de 5%. Sendo assim, pode-se afirmar que existiu diferença significativa entre indivíduos das três classificações de escolaridade. Na Figura 2 estão demonstrados as médias e os desvios padrões dos acertos relacionados ao nível de escolaridade.


Para a análise da relação entre escolaridade e a leitura, foram consideradas duas classificações de acordo com a freqüência de leitura semanal: nunca, raramente ou aos domingos versus mais de uma vez na semana ou diariamente (p=0,0001). Pode-se afirmar, então, que existiu diferença significativa entre indivíduos que nunca lêem, que lêem raramente ou somente aos domingos e indivíduos que lêem mais de uma vez por semana ou diariamente, em relação ao número de acertos. Na Figura 3 estão distribuídos os indivíduos conforme o hábito de leitura.


Para cada uma das fontes de informação pesquisadas, testou-se a hipótese nula de resultados de número de acertos iguais para indivíduos que utilizam a fonte para a busca de informação e para indivíduos que não utilizam a fonte, versus a hipótese alternativa de resultados diferentes. Os indivíduos que acessavam a internet mostraram maior índice de acertos (p=0,0070)

Para a análise da relação entre escolaridade e renda familiar, foram consideradas três classificações de acordo com a renda familiar: até um salário; de 1 a 10 salários e mais de 10 salários. Pode-se afirmar que existiu diferença significativa entre os indivíduos das três classificações de renda familiar (Figura 4).


ANÁLISE MULTIVARIADA

Para esta análise, foram consideradas duas classificações para o número de acertos: < 8 e = 8 acertos.

Inicialmente, para cada uma das variáveis sexo, idade, escolaridade, hábito de leitura, TV, revista, jornal, rádio, acesso à Internet, e renda familiar, testou-se a hipótese nula de que a probabilidade de número de acertos = 8 seria igual para indivíduos nas duas classificações da variável, versus a hipótese alternativa de probabilidades diferentes (análise univariada). Em seguida, foram testadas as mesmas hipóteses para cada uma das variáveis, na presença das demais (análise multivariada) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O termo de consentimento informado, embora apareça como uma obrigação na Resolução 196/9610, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078)12, no Código Cívil Brasileiro13 e no Código de Ética Médica14, não é habitual em nosso país. Quanto é aplicado nos consultórios privados? E nos ambulatórios do Sistema Único de Saúde? E aos indivíduos submetidos à situações experimentais?

É prática comum, no momento de um internamento hospitalar, ser apresentado ao paciente ou a seu acompanhante um termo de consentimento informado para ser assinado. Qual a validade deste documento? Sendo considerado que o paciente encontra-se em um momento de estresse e angustiado, teria condições de ser examinado? O termo está escrito sob um padrão comum para todos os doentes. Se o estresse não for suficiente para interferir na análise, a linguagem estaria adequada para todos? Este paciente não estaria, neste momento, em condição de vulnerabilidade?

O objetivo da aplicação do consentimento informado é garantir a autonomia do indivíduo nas decisões que podem afetá-lo física ou mentalmente.

Deve-se considerar que existem dois tipos de consentimento informado, um é aquele que se aplica a um indivíduo doente, que será beneficiário direto da pesquisa (diminuição da dor, recuperação da saúde, melhora da condição de vida), outro, é aquele que se aplica a um indivíduo sadio, situação em que não terá nenhum benefício direto.

A informação deve ser a mais minuciosa possível, embora não se possa ter a certeza de que está realmente completa. Entretanto deve conter o máximo de informações, ser simples, inteligente e honesta, de modo a permitir decisão livre de coerção, fruto da liberdade à luz do entendimento.

Existe hábito, desaconselhável, de se fazer um consentimento padrão para cada tipo de procedimento ou pesquisa. Entretanto, considerando as diferenças culturais e educacionais de cada indivíduo, se faz necessária a adaptação da informação dada, conforme a condição de cada um, de modo a atingir a melhor forma de comunicação e permitir, ao sujeito, entendimento.

Embora possa existir o consentimento presumido, isto é, aquele dado oralmente ou mesmo pela aceitação da orientação, o consentimento tácito, isto é, aquele obtido de forma escrita, é o mais recomendado.

A atual legislação de pesquisa, a Resolução 196/96, utiliza o modelo do principialismo, também conhecido como modelo dedutivista10. Este modelo se baseia em quatro princípios fundamentais: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça15. O médico é educado de forma a propiciar benecifência e não promover maleficência. Faz parte do ensinamento hipocrático "Primum non nocere". A prática do respeito à autonomia não é incentivada na mesma proporção, resultando em dificuldades para o profissional que, muitas vezes, se sente dicotomizado. Como administrar: "posso fazer melhor, mas o paciente não aceita"? Conforme o conceito de autonomia "todo ser humano em idade adulta e com capaciade mental normal tem o direito de determinar o que será feito no seu próprio corpo"16. A interferência neste direito poderá ser considerada uma invasão corporal ou agressão não autorizada17.

O consentimento informado é a materialização do respeito à autonomia. Vale ressaltar a importância da condição mental, emocional, cultural e educacional do indivíduo, bem como a condição do mesmo no momento em que se lhe apresenta o documento. Assim, em um momento de risco eminente à sua saúde é possível que não apresente condições de compreendê-lo e, portanto, não esteja no uso de sua autonomia plena, podendo ser considerado um vulnerável. Porém a situação mais difícil é reconhecer a condição real de entendimento do sujeito, mesmo quando não em condições emergenciais.

A International Ethical Guidelines for Biomedical Research Involving Human Subjects dá enfâse a alguns aspectos: linguagem acessível, informação adequada ao indivíduo da finalidade e do método da pesquisa, duração, benefícios esperados, possíveis riscos, tratamentos alternativos, grau de confidencialidade, responsabilidade do pesquisador, terapia gratuita no caso de danos ou resultados negativos, tipo de compensação e liberdade de deixar a pesquisa. Quando não se trata de pesquisa, mas de atendimento as regras são semelhantes18.

Embora as normas de pesquisa exijam que o termo de consentimento, seja aprovado por um Comitê de Ética, isto não é garantia de que está adequado a cada sujeito. É responsabilidade do pesquisador reconhecer a capacidade de entendimento de cada um dos sujeitos e adequar o termo à sua condição, da mesma forma que o médico deve adequar a cada um de seus doentes.

Apesar do termo de consentimento, usado no presente estudo, ter sido construído conforme as orientações, tornando o texto simples, com palavras adequadas, frases curtas, esperando-se atingir um percentual de acertos (entendimento) entre 90 e 100%, isto não aconteceu. Observou-se que o índice de acertos atingiu 7,5 ± 1,62, ou seja, em média 75% e não esteve relacionado à idade ou ao sexo. O nível de escolaridade influenciou a capacidade de entendimento (p=0,0013). Indivíduos com nível superior apresentam melhor condição quando comparados aos do segundo grau (p=0,0174) e ainda melhor quando comparados aos do primeiro grau (p=0,0007). A leitura mostrou ser de muita valia, visto que os indivíduos que tinham o hábito de ler semanalmente apresentaram melhor compreensão do texto (p=0,0001). O mesmo se verificou com os que têm acesso à Internet (p=0,0070). A análise do nível de ganho mostrou que os que ganham mais de dez salários mínimos são os que compreendem melhor (p=0,0041).

Para que o índice de acertos fosse ³ 80%, obedecendo a todos os critérios de confecção do termo de consentimento, na análise univariada foi significante o nível de escolaridade (p=0,0038), o hábito de ler diariamente ou pelo menos uma vez por semana (p=0,0128), ouvir rádio (p=0,0351), acessar a internet (p=0,0265) e ter renda familiar maior do que cinco salários (p=0,0003). Já na análise multivariada foi significante ler jornal (p=0,0096), ouvir rádio (p=0,0159), ter acesso à internet (p=0,0374) e ganhar mais do que cinco salários mínimos (p=0,0380).

Diante do observado pode-se admitir que os sujeitos para pesquisa deveriam ser aqueles com melhor nível de escolaridade, com habitualidade para a leitura, com facilidade de acesso à internet e os que ganham melhor. Estes indivíduos estão colocados nas classes sociais mais altas. Neste momento surge uma pergunta: quem são os indivíduos participantes das pesquisas em nosso país? Quantas são feitas em hospitais privados? Sabe-se que a maior parte das pesquisas são feitas em hospitais públicos e em ambulatórios universitários e que portanto não pertencem aos altos extratos da sociedade. O cuidado para fazer com que exista compreensão dos termos deve portanto, ser redobrado.

Já, na prática médica, uma vez que se está trabalhando com indivíduos de todas as classes de entendimento, o esforço deve ser ainda maior, observar a condição de cada um dos doentes, entender as suas limitações de compreensão, ler junto com eles, um à um, o termo, procurando explicar todos os pontos. Nunca delegar à enfermeira ou à secretária, ou mesmo a um aluno a obtenção do termo de consentimento. A única forma de se ter certeza de que se atingiu o objetivo é pedir ao doente que nos conte, com suas palavras o que será feito, o que se espera e que tipo de complicações poderão existir.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que os sujeitos para pesquisa devem ser aqueles com melhor nível de escolaridade, com habitualidade para a leitura, com facilidade de acesso à internet e os que têm melhor faixa salarial. Na prática médica, observar a condição de cada um dos doentes, entender as suas limitações de compreensão, ler junto com eles, um a um, explicando todos os pontos.

Recebido em 06/11/2006

Aceito para publicação em 09/01/2007

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado na Disciplina de Metodologia da Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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  • Endereço para correspondência:
    Maria de Lourdes Pessole Biondo Simões
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      09 Jan 2007
    • Recebido
      06 Nov 2006
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