Acessibilidade / Reportar erro

Perfuração espontânea da via biliar principal na infância

Spontaneous perforation of the main biliary tract in infancy

Resumo

The authors report a case of spontaneous perforation of the biliary tract (S.P.B.T) in a three-month-old infant. The diagnosis was suspected before the operation by clinical signs and diagnostic tests. The importance of paracentesis and scintigraphy is stressed. A surgical approach was chosen and drainage procedure of the area around the perforation and a cholecystostomy were done. S.P.B.T. is rare and its etiology is controversial, but cannot be forgotten in association between biliary ascites and cholestatic jaundice during the first months of life.

Bile Ducts; Cholestatic jaundice in infancy; Biliary ascitis; Abdominal distention; Biliary peritonitis; Choledocal cyst; Biliary atresia


Bile Ducts; Cholestatic jaundice in infancy; Biliary ascitis; Abdominal distention; Biliary peritonitis; Choledocal cyst; Biliary atresia

RELATO DE CASO

Perfuração espontânea da via biliar principal na infância

Spontaneous perforation of the main biliary tract in infancy

Pedro J. A. AratanhaI; Ennio Gabriel, ECBC-RJ in memoriamII; Mauricio Amir AzevedoIII

ICirurgião do Hospital Naval Marcílio Dias – Rio de Janeiro – RJ

IICirurgião Pediátrico do Hospital Naval Marcílio Dias – Rio de Janeiro – RJ

IIIPediatra do Hospital Naval Marcílio Dias - Rio de Janeiro – RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro J.A.Aratanha Rua Clovis Salgado 345 apto. 102 Recreio dos Bandeirantes. 22795-230 - Rio de Janeiro - RJ

ABSTRACT

The authors report a case of spontaneous perforation of the biliary tract (S.P.B.T) in a three-month-old infant. The diagnosis was suspected before the operation by clinical signs and diagnostic tests. The importance of paracentesis and scintigraphy is stressed. A surgical approach was chosen and drainage procedure of the area around the perforation and a cholecystostomy were done. S.P.B.T. is rare and its etiology is controversial, but cannot be forgotten in association between biliary ascites and cholestatic jaundice during the first months of life.

Key words: Bile Ducts; Cholestatic jaundice in infancy; Biliary ascitis; Abdominal distention; Biliary peritonitis; Choledocal cyst; Biliary atresia.

INTRODUÇÃO

A perfuração sem causa evidente da via biliar principal (P.E.V.B.) é rara, com aproximadamente 100 casos descritos¹ mas é, depois da atresia biliar, a causa mais freqüente de icterícia de solução cirúrgica nos primeiros meses de vida. A maioria dos casos se apresenta entre a 2ª e a 6ª semanas² Silveira et al³ publicaram um dos poucos casos em que o diagnóstico foi suspeitado antes da operação.

Não se conhece exatamente a causa da perfuração. Como ela ocorre quase sempre na parede anterior do canal biliar proximal, próximo à desembocadura do cístico foi atribuída a uma malformação parietal localizada. Outros autores sugerem um mecanismo obstrutivo no colédoco distal ou uma união anormal dos canais pancreático e biliar com refluxo do suco pancreático para o colédoco1,2.

A perfuração leva a um lento extravasamento da bile para a cavidade abdominal com ascite progressiva ou à formação de uma cápsula que armazena a bile (pseudocisto biliar). A ascite e o pseudocisto podem coexistir.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino com história de exposição perinatal ao vírus HIV, internado quando do nascimento em U.T.I. neonatal devido a prematuridade, doença da membrana hialina e sepse neonatal. Aos três meses e nove dias de vida foi admitido no Hospital Marcílio Dias com desnutrição proteico-calórica, icterícia colestática, aumento progressivo do volume abdominal com desconforto respiratório, e anemia intensa.

A ultra-sonografia do abdome mostrou ascite com traves de septação, e hepatoesplenomegalia, e imagem sugestiva de pseudocisto de pâncreas.

Uma tomografia computadorizada evidenciou volumosa área com densidade de líquido deslocando as estruturas intra-abdominais e distensão das alças.

A paracentese abdominal sob controle ultra-sonográfico deu saída a 370 ml de líquido com aspecto bilioso. Ela foi repetida duas vezes, uma das quais associada a uma biópsia hepática.

A cintilografia hepática com Tc99 DISIDA mostrou extravasamento da bile do canal biliar principal , que não parecia dilatado, para uma formação cística (Figura 1).


A criança foi operada com a hipótese diagnóstica de P.E.V.B. Havia na área subhepática uma tumoração cística, cuja abertura permitiu observar no canal biliar principal, próximo à sua confluência com o cístico, uma pequena perfuração por onde fluía a bile.(Figura 2). Através de uma sonda de Foley número 8 introduzida no fundo da vesícula foi feita uma colangiografia, observando-se saída do contraste pela perfuração e sua passagem livre para o duodeno. Sem maior manuseio de região, esta foi drenada e a sonda exteriorizada como uma colecistostomia.


Teve boa evolução e no 7° dia pós-operatório uma nova colangiografia mostrou que não havia mais extravasamento e que o contraste passava livremente para o duodeno, sendo retirados os drenos e a sonda de Foley.

O paciente no momento está com 6 anos e 4 meses de idade, sem nenhuma intercorrência,com desenvolvimento psico-motor normal para a idade. Tem sido acompanhado.

DISCUSSÃO

A P.E.V.B. deve ser suspeitada nos casos de colestase prolongada sem alterações hepáticas nas primeiras semanas de vida, principalmente quando associada à ascite. Seu quadro clínico é geralmente de início insidioso, com icterícia de intensidade variável, fezes hipo ou acólicas, distensão abdominal progressiva, por vezes uma massa palpável, e atraso no desenvolvimento.

Uma paracentese abdominal mostrará líquido bilioso, que nem sempre significará ascite e sim o conteúdo do pseudocisto, como no nosso caso.

Os exames complementares mostrarão ascite e/ou uma coleção líquida em torno da vesícula e do porta hepatis, sem dilatação dos canais biliares. A cintigrafia é importante ao revelar a passagem do contraste da via biliar para o pseudocisto ou para a cavidade abdominal 2,4.

O tratamento é sempre cirúrgico. Como a lesão é auto-limitada e cicatriza em poucas semanas a operação se limitará a uma colangiografia , drenagem da área sem tentar reparar a perfuração e colecistostomia 5. Daí a importância de se pensar na P.E.V.B. antes do ato cirúrgico e fazer um planejamento adequado, como ocorreu no nosso caso.

Alguns autores suturam a perfuração, e outros fazem uma derivação quando a colangiografia operatória mostra alguma obstrução. Holland e Lilly5 acreditam que a obstrução biliar, quando presente, não requer tratamento porque ela se resolve espontaneamente com drenagem adequada.

Se a perfuração se situar no canal cístico ou na vesícula estará indicada uma colecistectomia.

Recebido em 20/11/2005

Aceito para publicação em 17/01/2006

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho Realizado nos Serviços de Pediatria e Cirurgia Pediátrica do Hospital Naval Marcílio Dias – Rio de Janeiro – RJ.

  • 1. Flake AW. Disorders of the gallbladder and biliary tract. In: Oldhan KT, Colombani PM, Foglia RP, editors. Surgery of infants and children. Scientific principles and practice. 1s edition. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers. 1997. p. 1405-14.
  • 2. Kasat LS, Borwankar SS, Jain M, Naregal A. Spontaneous perforation of the extrahepatic bile duct in an infant. Pediatr Surg Int. 2001;17(5-6):463-4.
  • 3. Silveira TR, Silva GL, Zaslavsky C et als. Perfuração espontânea das vias biliares externas na criança. J Pediat, 1981, 50 (6): 249-253.
  • 4. Kumar R, Sriram M, Bhatnagar V, Padhy AK, Malhotra A. Spontaneous perforation of the common bile duct in infancy: role of Tc-99m mebrofrenin hepatobiliary imaging. Clin Nucl Med. 1999;24(11):847-8.
  • 5. Holland RM, Lilly JR. Surgical jaundice in infants: other than biliary atresia. Semin Pediatr Surg. 1992;1(2):125-9.
  • Endereço para correspondência:
    Pedro J.A.Aratanha
    Rua Clovis Salgado 345 apto. 102
    Recreio dos Bandeirantes.
    22795-230 - Rio de Janeiro - RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2005
    • Aceito
      17 Jan 2006
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br