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Mestrado profissionalizante em cirurgia

Non-academic master degree of surgery

rcbc

EDITORIAL

Mestrado profissionalizante em cirurgia

Non-academic master degree of surgery

TCBC Andy Petroianu

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Andy Petroianu Avenida Afonso Pena 1626 - apto. 1901 30130-005 -Belo Horizonte -MG Telefone /Fax : (31) 3274-7744 ou 8884-9192 e-mail : petroian@medicina.ufmg.br ou petroian@gmail.com

Desde a Antigüidade, os profissionais mais destacados de qualquer ofício eram conhecidos como mestres. Na Idade Média, essa denominação foi mais bem definida, como título concedido aos licenciados pelas diversas corporações que foram sendo criadas. Havia o mestre-ferreiro, o mestre-padeiro, o mestre-artesão e assim por diante, que eram referência em cada arte. Também por deter um conhecimento superior em seu campo de atuação, era o mestre quem auxiliava os que desejavam ingressar em sua profissão, passando-lhes ensinamentos e tornando-os seus discípulos.

Dessa forma, o papel de profissional destacado passou a ser confundido com o de professor. Essa situação tornou-se mais evidente nas faculdades e universidades, que tomaram corpo em toda a Europa e nas quais o professor era também chamado de mestre. Atualmente, ao se falar de um mestre, a primeira imagem que surge é a de um profissional voltado para o ensino, um mestre-escola. Já a idéia de perito foi incorporada como nome de diversos profissionais, a exemplo do mestre-de-obras, do contramestre de navio e do mestre-sala de festas populares, além de outros peritos.

Nos Estados Unidos, criou-se o conceito de "Master of Science", ou "Scientiae Magister" (MS, MSci, SM), termo originado do Master of Arts (MA), título concedido aos graduandos ou bacharéis da Escócia. Os termos MA e MS passaram a ser utilizados indiscriminadamente para distinguir profissionais que sobressaem no ensino e na pesquisa em todas as áreas de conhecimento. Essa qualificação universitária foi adotada por vários países da Europa, porém sem uma uniformidade de critérios para conceder-se esse título.

No Brasil, o Mestrado foi introduzido como um Curso de Pós-Graduação stricto sensu e teve origem oficial no Parecer 977/65, da Câmara de Ensino Superior, do Ministério da Educação e Cultura, aprovado em 03/12/1965, tendo tido como relator o Conselheiro Newton Sucupira. Com referência específica às características do Mestrado, cabe destacar os itens seguintes desse Parecer:

3) O mestrado pode ser encarado como etapa preliminar de doutor ou como grau terminal.

6 e 7) O curso de Mestrado deve ter a duração mínima de um ano. Além do preparo da dissertação, o candidato deverá estudar matérias relativas à sua área de concentração e ao domínio conexo escolhidas por ele.

9) Do candidato ao Mestrado exige-se dissertação, sobre a qual será examinado, em que revele domínio do tema escolhido e capacidade de sistematização.

10) O programa de estudos do Mestrado se caracterizará por grande flexibilidade, deixando-se ampla liberdade de iniciativa ao candidato que receberá assistência e orientação de um diretor de estudos.

Percebe-se que, desde o início, a pós-graduação stricto sensu enfocou o interesse do aluno tanto em seu trabalho de dissertação quanto nos cursos correlacionados ao seu trabalho e que devem ser escolhidos por ele. Originariamente, esses cursos de pós-graduação visavam à qualificação dos docentes universitários em seus domínios principais, o ensino e a pesquisa. Nesse sentido, pela importância do professor universitário para a formação adequada dos profissionais em todas as especialidades, a exigência de rigor por parte dos cursos de pós-graduação com seus alunos é pertinente e até muito desejável. Sob outro aspecto, desde o seu início, esses cursos foram procurados por profissionais que não visavam à carreira universitária, mas a uma qualificação profissional maior.

Essa solicitação social fez com que a CAPES, com base no Programa de Flexibilização do Modelo de Pós-Graduação, reconhecesse a necessidade de instituir um curso diferente do Mestrado Acadêmico, sem deixar de seguir os princípios estabelecidos no Parecer 977/65. Esse novo curso (programa) recebeu o nome de Mestrado Profissionalizante e faz parte da pós-graduação stricto sensu, de acordo com a Portaria nº 47 de 17/10/1995, caracterizando-se principalmente por:

-Participação de profissionais de empresas não-universitárias, como docentes.

-Parcerias entre universidade e empresas interessadas na qualificação profissional.

-Autofinanciamento do programa.

-Recursos didáticos alternativos às aulas em sala e aos seminários.

-Formatos alternativos à dissertação, como final de curso.

Apesar de o Mestrado Profissionalizante possuir critérios e objetivos bem definidos, que, a princípio, não concorrem com os do Mestrado e do Doutorado acadêmicos, parece que a CAPES não estimula esse tipo de programa. Tanto assim que dos 3.841 programas de pós-graduação stricto sensu existentes, apenas 227 são profissionalizantes e desses, 40 estão incluídos na Área da Saúde. Especificamente em Medicina, há somente quatro programas, todos na área da Medicina I, sendo três com conceito 3 e o outro com conceito 4. Cabe ainda ressaltar que, nos últimos três anos, três programas (dois da Medicina I e um da Medicina II) foram fechados e não há relato desse tipo de Mestrado na Medicina III, na qual está situada a Cirurgia. Esse quadro pouco favorável à criação de novos programas de Mestrado Profissionalizante, em decorrência de sua aparente baixa produtividade, talvez possa ser considerado sob alguns outros aspectos.

No domínio universitário, as três áreas da Medicina destacam-se por seus programas terem elevada produtividade, quando comparada com a de outras áreas do conhecimento e até ultrapassando algumas das Ciências Exatas e das Ciências Biológicas, que ocupavam posição de ponta no conceito geral da CAPES. Essa condição não deve surpreender, pois, ao se analisarem bases de dados, como o Index Medicus o LILACS e o Medline, constata-se que há milhões de artigos médicos publicados, nos periódicos conceituados que estão nessas bases. Esse fato certifica a capacidade científica, inerente ao médico no exercício de sua profissão. Cabe ainda ressaltar que grande parte desses trabalhos e de muitos outros milhões de artigos existentes em revistas não-indexadas foi produzida fora do ambiente universitário, por médicos em sua prática cotidiana. Portanto, mesmo sem exercer atividade docente ou estar vinculado a um programa universitário, como o de pós-graduação, o médico possui uma tendência à pesquisa, com vista à elaboração e divulgação de novos conhecimentos, o que fundamenta o extraordinário progresso que a Medicina vem tendo nos últimos decênios.

Sob outro ângulo de visão, observa-se o ingresso contínuo e progressivo de um grande contingente de novos profissionais, egressos das faculdades já existentes e que aumentaram seu número de alunos, aliados aos formados pelas muitas novas escolas que estão sendo criadas em todo o território nacional. Esse fenômeno fez com que, nos centros mais avançados, haja uma concentração de médicos muito superior à sugerida pela Organização Mundial da Saúde (1 médico para 800 a 1.200 habitantes). Nas grandes capitais, essa proporção supera a de 1 médico para 200 habitantes.

Até há cerca de 30 anos, os médicos ocupavam os múltiplos postos existentes, com base em sua experiência e formação profissional, cuja maior exigência era ter residência médica concluída. Nessa época, as agremiações profissionais nas diversas especialidades foram adquirindo consistência e poder na classe médica. Entre suas funções, destaca-se a de conceder certificação a seus associados, como especialistas em suas áreas de atuação. O título de especialista destacava o profissional entre os colegas e diante dos pacientes. Entretanto, com o tempo, a maioria dos médicos passou a ter esse título, seja por concurso, seja recebido automaticamente ao final da residência credenciada pelo MEC. Dessa maneira, ser especialista deixou de ser uma qualificação que diferencia o profissional, para tornar-se quase um título obrigatório para exercer uma especialidade médica.

Não resta dúvida de que essa ascensão dos médicos em titulação, com base em seu desempenho intelectual e de habilidade prática, é muito desejável, ao nivelar os profissionais em patamar mais elevado. Mesmo assim, persiste a necessidade de parâmetro para indicar entre os médicos os que sobressaem em produção médica e também científica de qualidade superior. Nessa questão, surge o Mestrado Profissionalizante como uma solução muito adequada ao médico que não deseja seguir carreira universitária, porém almeja um título profissional maior.

A CAPES, de maneira muito correta, vinculou os programas de pós-graduação stricto sensu com as instituições de ensino superior ou de pesquisa, para manter elevado o nível intelectual, científico e profissional correspondente aos títulos de mestre e de doutor. Portanto, os profissionais independentes, as empresas e as agremiações de classe que tiverem interesse nesses títulos precisam associar-se a um programa universitário. Por outro lado, os programas de pós-graduação devem criar mecanismos para que haja união entre o ideal docente-científico e as necessidades da classe médica enquanto prestadora de serviço para a sociedade. Com essa visão, o Mestrado Profissionalizante apresenta as seguintes vantagens:

-Permitir aos médicos fazerem um curso de aprimoramento profissional e conduzirem trabalhos científicos dentro de sua linha de interesse e atuação médica, com real vantagem para sua formação intelectual e científica.

-Adquirir conhecimento fundamental ao desenvolvimento do julgamento crítico, útil no exercício profissional e em produção científica futura, que tenderá a aumentar.

-Qualificar o médico não-universitário, com um título importante em vários domínios profissionais, que eleva sobremaneira o valor do currículo no caso de um concurso ou ascensão na carreira, além de outras vantagens sociais.

-Melhorar a produção médico-científica nacional, com artigos mais bem feitos, que irão contribuir para que as revistas médicas brasileiras adquiram conceito relevante no cenário internacional.

-Focar as dissertações em sua aplicação prática, tendo por base a experiência profissional de seu autor, com o critério crítico de quem conhece o assunto no qual seu trabalho está inserido. Haverá vantagem direta ao meio e às instituições de origem do novo mestre, aonde retornará mais bem preparado a contribuir para seu progresso pessoal e institucional.

-Aumentar a produção médico-científica brasileira de elevado nível, sob a chancela da CAPES, sem a disponibilização de recursos públicos, pois, entre as responsabilidades atribuídas aos programas de pós-graduação, está a busca de recursos na iniciativa privada interessada na qualificação de seus profissionais ou na solução de problemas específicos.

-Evitar que o médico sem interesse universitário seja inserido em uma linha de pesquisa do programa acadêmico que não lhe seja atrativa, o que poderá fazer com que sua investigação seja mais demorada e de pior qualidade, chegando a um trabalho final pouco expressivo e sem seqüência. Há ainda o risco de abandono do programa pelo aluno, ou sua jubilação, por decurso de prazo para a conclusão do curso.

-Reduzir o afluxo de médicos não interessados em carreira universitária aos programas de pós-graduação acadêmica, permitindo que a seleção dos pós-graduandos se faça entre os que buscam a docência e a pesquisa universitárias.

-Fortalecer os programas de pós-graduação acadêmica e suas linhas de pesquisa, com trabalhos melhores e realizados dentro do prazo adequado.

-Aproximar os programas de pós-graduação da classe médica e de suas entidades representativas, a fim de que, unidos, contribuam para o aprimoramento da Medicina brasileira.

Ao contrário do que, eventualmente, possa parecer enfraquecimento do Mestrado "tradicional", por tornar as disciplinas e os trabalhos menos rígidos dentro de linhas de pesquisa estabelecidas e padronizadas, o Mestrado Profissionalizante, na verdade, impulsiona o Mestrado Acadêmico para seu objetivo de formar a massa crítica voltada ao docente universitário em sua real dimensão de ensino, pesquisa e progresso social. Por sua vez, o Mestrado Profissionalizante atende à necessidade imediata da sociedade, na qualificação dos profissionais de nível superior, dentro de critérios adaptados ao interesse prático, no qual os conhecimentos possuem aplicação em período próximo nos trabalhos científicos e nas atividades que os pós-graduandos exercem. Dessa maneira, a CAPES e as universidades abrem uma nova fronteira para além do ensino superior, ao se aproximarem dos médicos mais destacados, para auxiliá-los em suas necessidades de aperfeiçoamento científico e direcionamento profissional.

Historicamente, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões tem sido pioneiro na classe médica e um exemplo em todos os seus domínios de agremiação, no aprimoramento profissional, científico e cultural, além de defesa da classe. O CBC foi uma das primeiras instituições médicas a criar o Concurso de Especialista e a conceder esse título, por mérito, a seus membros aptos ao exercício profissional. O rigor de seus critérios de seleção tornou essa entidade respeitada internacionalmente e fez com que seus títulos fossem reconhecidos na maioria dos países.

Neste momento, cabe ao Colégio avaliar a pertinência de, junto com a CAPES e entidades universitárias de elevado nível, iniciarem o processo para a criação do Mestrado Profissionalizante em Cirurgia. O CBC possui, na atual diretoria e entre seus membros, profissionais compromissados com o ensino superior e a formação cirúrgica em alto nível, incluindo programas de pós-graduação stricto sensu. A experiência desses membros do CBC, como orientadores e professores de um Programa de Mestrado Profissionalizante vinculado à CAPES, muito contribuirá para tornar realidade esse novo degrau em busca de um ideal cirúrgico maior.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008
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