Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos endoscópicos no manejo da úlcera péptica gastroduodenal

Endoscopic management for peptic ulcer bleeding

Resumo

Bleeding remains a common and a potential lethal complication for peptic ulcer disease. Multidisciplinary approach by endoscopists, surgeons and intensive care physicians is necessary to improve results for this severe complication. In this article we intend to introduce surgeons and intensive care physicians to endoscopic concepts and maneuvers commonly used in the treatment of bleeding peptic ulcer disease. Early clinical assessment and endoscopic evaluation are helpful to classify the severity of the bleeding episode. Two major achievements have changed the management of this complication: combined endoscopic therapy and proton pump inhibitors. The former consists of combining two different endoscopic methods to stop bleeding or prevent re-bleeding (e.g., injection of a sclerosing substance and thermal coagulation). Surgical treatment for peptic ulcer bleeding is indicated when endoscopic therapy fails or to prevent re-bleeding in high risk patients who presents with a spurting bleeding ulcer and shock. For the remaining situations, there are consistent evidences that a second endoscopic therapy should be attempted when re-bleeding occurs. Keywords: endoscopic hemostasis, recurrent bleeding, peptic ulcer bleeding, proton-pump inhibitor, non-variceal gastrointestinal bleeding.

Endoscopy, Gastrointestinal; Gastrointestinal hemorrhage; Peptic Ulcer Hemorrhage


Endoscopy, Gastrointestinal; Gastrointestinal hemorrhage; Peptic Ulcer Hemorrhage

ARTIGO DE REVISÃO

Aspectos endoscópicos no manejo da úlcera péptica gastroduodenal

Endoscopic management for peptic ulcer bleeding

José Giordano-NappiI; Fauze Maluf FilhoII

ICirurgião Geral e do Trauma pelo Departamento de Cirurgia da FMUSP; Médico Endoscopista Colaborador do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP; Pós - Graduando da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP

IIMédico Assistente do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP; Livre-Docente da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jose Giordano-Nappi Rua Teodoro Sampaio 498 Apt. 148 Edf. New Point – Pinheiros 05406-000 - São Paulo- SP Tel. (11) 97206376 E-mail: josegiordanonappi@yahoo.com.br

ABSTRACT

Bleeding remains a common and a potential lethal complication for peptic ulcer disease. Multidisciplinary approach by endoscopists, surgeons and intensive care physicians is necessary to improve results for this severe complication. In this article we intend to introduce surgeons and intensive care physicians to endoscopic concepts and maneuvers commonly used in the treatment of bleeding peptic ulcer disease. Early clinical assessment and endoscopic evaluation are helpful to classify the severity of the bleeding episode. Two major achievements have changed the management of this complication: combined endoscopic therapy and proton pump inhibitors. The former consists of combining two different endoscopic methods to stop bleeding or prevent re-bleeding (e.g., injection of a sclerosing substance and thermal coagulation). Surgical treatment for peptic ulcer bleeding is indicated when endoscopic therapy fails or to prevent re-bleeding in high risk patients who presents with a spurting bleeding ulcer and shock. For the remaining situations, there are consistent evidences that a second endoscopic therapy should be attempted when re-bleeding occurs. Keywords: endoscopic hemostasis, recurrent bleeding, peptic ulcer bleeding, proton-pump inhibitor, non-variceal gastrointestinal bleeding.

Key words: Endoscopy, Gastrointestinal; Gastrointestinal hemorrhage; Peptic Ulcer Hemorrhage.

INTRODUÇÃO

A hemorragia digestiva alta (HDA) é emergência comum com taxas de morbidade e mortalidade de aproximadamente 40 e 10%, respectivamente1. Anualmente, estimam-se 170 casos por 100.000 adultos, nos Estados Unidos (EUA), gerando custo aproximado de 750 milhões de dólares2,3. As úlceras pépticas hemorrágicas (UPH) são responsáveis por mais de 300.000 internações por ano. No Reino Unido, a incidência de UPH é de 103 casos por 100000 adultos4. Em nosso meio, a HDA não varicosa tem como causa mais comum a doença ulcerosa péptica, responsável por 50 a 70 % dos casos2.

O desenvolvimento dos inibidores da bomba de prótons que estabilizam o coágulo e favorecem a interrupção do sangramento, a erradicação do Helicobacter pylori para evitar a recidiva da doença ulcerosa, os cuidados intensivos de pacientes graves e o tratamento endoscópico são princípios angulares do diagnóstico e tratamento desta doença. A despeito dos avanços mencionados, o envelhecimento da população, e as comorbidades associadas têm contribuído para a manutenção dos índices de mortalidade2.

Aspectos Fisiopatológicos

O sangramento das úlceras pépticas pode ser decorrente de lesões nos capilares nas bordas da lesão, ou de ruptura de uma veia na base da úlcera, mas a causa mais freqüente das hemorragias volumosas são aquelas que se originam de arterite causada pela digestão cloridropéptica de artérias de médio calibre, em geral de 1 a 3mm, localizadas na submucosa do estômago ou do bulbo duodenal5.

História Natural

Dos pacientes com úlcera péptica hemorrágica, 80% apresentam interrupção espontânea da hemorragia apenas com tratamento clínico. Ainda que a hemorragia tenha cessado, cerca de 2% destes pacientes evoluirão desfavoravelmente, devido à comorbidades descompensadas pela perda sangüínea.

Nos demais 20%, a hemorragia persiste ou recorre. Neles, a mortalidade é bem mais expressiva, atingindo cerca de 25 a 30%. São representados por pacientes ou lesões de alto risco6. A identificação precoce destes fatores preditivos é desejável, uma vez que permite concentrar os esforços de equipe multidisciplinar em grupo de pacientes com mortalidade mais elevada.

Apresentação Clínica

Aproximadamente 20% dos pacientes com úlcera péptica se apresentam com melena, 30% com hematêmese e 50% com ambos. Em até 5%, hemorragia vultosa pode levar à hematoquezia. A eliminação por via retal de sangue puro (hematoquezia) ou digerido (melena) é determinado pelo volume e pela velocidade da perda sanguínea. A melena pode resultar de pequenas perdas de até 50 ou 100 ml de sangue, enquanto perdas maiores que 1000 ml podem causar hematoquezia6.

Fatores prognóstico e estratificação de risco

Existem alguns aspectos a serem considerados nos pacientes com hemorragia digestiva decorrente de úlceras pépticas hemorrágicas: fatores prognósticos clínicos e fatores prognósticos endoscópicos.

Fatores prognóstico clínicos

- Idade: pacientes com idade > 60 anos têm maior incidência de recidiva hemorrágica e mortalidade de até 40%7-9.

- Doenças associadas: os pacientes portadores de cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose hepática, diabete, alterações neurológicas, neoplasia ou em anticoagulação, têm maior risco de recidiva hemorrágica7-11.

Choque hipovolêmico: os pacientes que apresentam estado hemorrágico mais grave, manifestado inicialmente por choque hipovolêmico, têm pior prognóstico. Tem sido relatado que valores de hemoglobina inferiores a 10 g/dl também se relacionam a pior prognóstico.

Fatores prognósticos endoscópicos

Sinais endoscópicos de hemorragia recente: As lesões ulcerosas são classificadas segundo o aspecto endoscópico pela classificação de Forrest 7,10,12 (Tabela 1) e apresentam incidência de ressangramento8,10,12 (Tabela 2 e Figura 1).


Analisando a história natural da hemorragia por UPH em 1567 enfermos, Jaramillo et al. notaram 15% de hemorragia persistente ou recidivada em pacientes com menos de 65 anos, sem choque hipovolêmico, com úlceras com estigmas de hemorragia (Forrest I, IIa e IIb). Com estes mesmos achados endoscópicos associados ao choque hipovolêmico, esta cifra se elevou a 54%, quando analisados pacientes mais idosos13. A mensagem é clara, a classificação de Forrest deve ser analisada à luz dos achados clínicos. Outro fato que se deve ressaltar é o baixo grau de concordância da classificação de Forrest entre vários observadores, especialmente para os tipos IIa, IIb e IIc. Mesmo para o sangramento ativo (I) e sem estigmas (III), não há concordância entre diferentes endoscopistas vendo a mesma lesão.

Estratificação do grupo de risco

A estimativa do risco de recidiva do sangramento e óbito em paciente que apresenta úlcera péptica hemorrágica pode ser feita através de escores numéricos. Dentre eles, destaca-se aquele proposto por Rockall et al.7,12 (Tabela 3).

O escore de prognóstico de Rockall é fácil de calcular na prática diária, devendo-se avaliar cinco variáveis e somar as pontuações para levar a uma escala de risco7,12.

A vantagem deste escore é que permite diferenciar claramente dois grupos de pacientes: aqueles que apresentam incidência de recidiva inferior a 5% e mortalidade de 0,1%, e para os quais se sugere alta precoce e tratamento ambulatorial; e os pacientes de alto risco, com taxas de ressangramento de até 37% e mortalidade de 22% (Tabela 4).

Avaliação e atuação inicial

A avaliação hemodinâmica feita através da aferição de pressão arterial, pulso e sinais de perfusão tecidual (Tabela 5)14, e a aplicação de protocolos bem estabelecidos de reanimação, são os primeiros passos para avaliação e o tratamento das hemorragias do trato digestório15. O prognóstico clínico e a resposta inicial de reanimação são utilizados para decidir se o paciente será internado e quais são os cuidados a serem adotados. Os pacientes de alto risco devem ser admitidos em unidades de terapia intensiva. Os pacientes que se encontrem em boas condições gerais podem ser admitidos e mantidos na área de emergência até o diagnóstico endoscópico. Já pacientes jovens, sem instabilidade hemodinâmica, com lesões de baixo risco de ressangramento, podem receber alta para ulterior acompanhamento ambulatorial16.

O exame de endoscopia digestiva alta (EDA) é considerado método de eleição para o diagnóstico e tratamento da úlcera péptica hemorrágica6 podendo mudar a evolução e as taxas de mortalidade6. O exame endoscópico deve ser realizado nas primeiras 12 horas, após a avaliação e estabilização hemodinâmica (Tabela 6). A EDA realizada precocemente oferece importantes vantagens: a) permite detectar aqueles pacientes com lesões de baixo risco e que podem receber alta precocemente16,17; b) possibilita que os pacientes com lesões de alto risco sejam submetidos ao tratamento hemostático que diminui a recidiva, pode evitar o tratamento cirúrgico e diminuir a mortalidade18,19; c) apresenta relação custo-benefício favorável já que diminui o período de internação dos pacientes com alto risco e as readmissões hospitalares18.

Inihibidores da bomba de prótons (IBP)

A agregação plaquetária é prejudicada no meio ácido, e, portanto, a superfície do coágulo da úlcera péptica fica instável. No estômago, a diminuição da secreção ácida gástrica é necessária para facilitar a agregação plaquetária, efeito obtido através do uso dos inibidores da bomba de prótons20. Os IBP são os mais potentes supressores ácidos do estômago. Foram demonstradas as primeiras evidências dos benefícios dos IBP no tratamento das úlceras pépticas hemorrágicas em 220 pacientes alocados aleatoriamente para receber omeprazol via oral 40 mg duas vezes por dia ou placebo por cinco dias após o diagnóstico endoscópico. Os pacientes tratados com IBP e portadores de úlceras com vaso visível sem sangramento ou coágulo aderido em sua base tiveram menor probabilidade de sangramento. O mesmo não ocorreu nos pacientes com sangramento ativo ou em porejamento. Em úlceras onde o sangramento cessou espontaneamente, a supressão ácida evitou a recorrência de sangramentos21. Lau et al20 realizaram tratamento endoscópico precoce em 240 pacientes com hemorragia ulcerosa ativa ou com vaso visível sem sangramento ativo que foram alocados aleatoriamente para receber omeprazol em infusão (80 mg intravenoso em bolos seguido de 8 mg por hora por 72h) ou placebo. A taxa de recorrência de sangramento até 30 dias foi de 5,8% para o grupo omeprazol versus 21,7% para o grupo placebo. Este estudo demonstrou redução da recidiva hemorrágica e da necessidade de tratamento cirúrgico nos pacientes onde se associou o uso dos IBP com o tratamento endoscópico.

Tratamento endoscópico

O desenvolvimento da terapia endoscópica foi o avanço mais importante dos últimos anos no tratamento da hemorragia digestiva por úlcera péptica gastroduodenal6. O objetivo principal do tratamento endoscópico é a hemostasia inicial e a prevenção da recidiva. As diferentes técnicas endoscópicas são altamente eficazes e conseguem reduzir a incidência de ressangramento das lesões de alto risco até em 15 a 20%, diminuindo a necessidade do tratamento cirúrgico e a mortalidade20.

O tratamento endoscópico nas úlceras pépticas gástricas ou duodenais tem sua indicação quando o paciente apresenta os seguintes sinais de hemorragia recente durante a realização da endoscopia diagnóstica: hemorragia ativa em forma de jato ou porejamento.22,6; - Vaso visível não sangrante.22,6; Coagulo aderido23.

As técnicas de hemostasia utilizadas para o tratamento desta lesões são: a infiltração, a eletrocoagulação, a colocação de "clip".

Terapia de infiltração

A hemostasia é realizada através de injeção de sustâncias hemostáticas na base da úlcera. São utilizadas a adrenalina, o polidocanol, o álcool, a solução salina ou a trombina, que produzem a compressão do vaso, vasoconstrição, agregação plaquetária, trombose arterial e venosa19,24(Figura 2).


Em nosso meio, a injeção de solução de adrenalina a 1/10.000 é a mais freqüentemente utilizada. Geralmente aplicam-se 15 a 20 ml da solução com punção feita entre 1 e 2mm ao redor do ponto de hemorragia, distribuídos em quatro ou mais punções. É técnica de fácil aplicação e de baixo custo3,19,24. Os principais mecanismos de ação são o efeito de tamponamento por compressão mecânica, vasoconstrição temporária e agregação plaquetária. A importância da compressão mecânica ficou comprovada quando se compararam grandes volumes (35 – 45 ml) de solução de adrenalina a valores tradicionalmente aplicados (15-25 ml)25.

O uso de álcool absoluto como terapia de injeção para úlceras hemorrágicas é eficaz. Contudo, cabe salientar a necessidade de se limitar o volume injetado a 2,0ml. Mesmo assim, a injeção intra-arterial leva à extensa necrose e até mesmo perfuração da víscera.

Terapia mecânica

A utilização de "clips" metálicos, para realizar hemostasia, tem ganhado popularidade há poucos anos. Num dos primeiros estudos publicados26 comparou-se o uso de "hemoclips" com "heater probe" (método térmico), demonstrando-se baixas taxas de ressangramento com uso do método mecânico (1,8% vs. 21%). Posteriormente, outras publicações chegaram a resultados conflitantes. Gevers et al.27 trataram pacientes com sangramento por úlcera gastroduodenal usando "hemoclips", injeção ou ambos. Os autores relataram falha do tratamento em 13 de 35 pacientes do grupo "hemoclips " versus cinco de 34 que utilizaram injeção e oito dos 32 pacientes do grupo de terapia combinada. Há dificuldade na aplicação de "clips" quando há fibrose da parede da úlcera, particularmente em posições tangenciais, ou quando o endoscópio está na posição de retrovisão. A eficácia dos "clips" é maior para as úlceras agudas e com estigmas de sangramento ativo (Forrest Ia). (Figura3)


Terapias térmicas

A aplicação de calor sobre a lesão pode ser feita através de métodos de contato ou sem contato. Na primeira situação, o acessório que transmite a energia é pressionado contra o vaso hemorrágico, interrompendo seu fluxo, incialmente através da aplicação de pressão. Em seguida, a energia é transmitida e o vaso é coagulado. Trata-se da coagulação coaptiva (Figura 4). Dentre estes métodos, a eletrocoagulação monopolar é pouco utilizada pela maior profundidade da coagulação, podendo provocar complicações. Esta desvantagem é resolvida através de cateteres de electrocoagulação bipolar ou multipolar ou de "heater probe" que produzem coagulação mais superficial3,22,24.


A energia térmica pode ser transmitida sem o contato entre o cateter e o tecido. O bisturi de plasma de argônio ou "Argon plasma coagulation" (APC) é um dos exemplos. Em estudo aleatorizado, comparou-se APC com "heater- probe", associados ao método de injeção em ambos grupos. De 185 casos analisados, 97 com heater probe e 88 com APC, não houve diferença quanto a ressangramento, operação de emergência, transfusão sanguínea, tempo de internação hospitalar e taxa de mortalidade28.

O outro exemplo é o uso do laser YAG, método praticamente abandonado, devido a seu alto custo, baixa disponibilidade e dificuldade de transporte.

Terapia combinada

É caracterizada pela combinação dos diferentes métodos, em geral, injeção e alguma outra técnica. Em úlceras com sangramento ativo, a injeção com adrenalina pode diminuir o sangramento, permitindo melhor identificação do vaso, e pode facilitar a aplicação de energia ou de "clips". O benefício da terapia combinada foi avaliada em vários estudos e confirmada por metanálises. Num total de 16 estudos aleatorizados, envolvendo 1673 pacientes, a terapêutica combinada levou à redução das taxas de ressangramento de 18,4% a 10,6% e da necessidade de operação de emergência de 11,3% para 7,6%. A taxa de mortalidade foi reduzida de 5,1% a 2,6%29. Sugere-se que a terapia combinada seja o tratamento de escolha em úlceras com alto risco de ressangramento.

Fatores de risco para a falha do tratamento endoscópico

Têm sido avaliados vários fatores preditivos de falha do tratamento endoscópico, tais como: Choque hipovolêmico; Doenças associadas; Localização da úlcera na pequena curvatura alta e parede posterior do duodeno; Tamanho da úlcera superior a 2 cm; Hemorragia ativa na endoscopia diagnóstica.

A identificação de alguns destes fatores preditivos de fracasso do tratamento endoscópico pode alterar a conduta no paciente portador de úlcera péptica hemorrágica, tornando necessária a internação numa unidade de cuidados intensivos e o reexame endoscópico programado ("second look").

Ressangramento após hemostasia endoscópica inicial

O ressangramento é diagnosticado quando, durante o seguimento, o paciente apresenta vômitos com sangue vivo ou fresco, hipotensão (definida como pressão arterial sistólica de 90 mmHg ou menor e pulso acima de 110bpm) e melena, ou quando é necessária a transfusão além de quatro unidades concentrado de hemácias nas 72 horas após o tratamento endoscópico24. O ressangramento após primeira terapia endoscópica leva ao dilema de retratar o paciente seja por procedimento endoscópico ou cirúrgico. Um estudo randomizado com pacientes que apresentaram ressangramento após terapia inicial endoscópica por úlcera hemorrágica, mostrou que dos 48 pacientes que foram submetidos à segunda tentativa de tratamento endoscópico, 35 não apresentaram ressangramento a longo prazo. A perfuração ocorreu em dois pacientes nos quais o tratamento térmico foi repetido. Dos 44 submetidos ao tratamento cirúrgico em 22 realizou-se a gastrectomia, com aumento da morbidade. Nos dois grupos, não houve diferença quanto à mortalidade. Neste estudo, úlceras maiores que 2cm de diâmetro e hipotensão foram os fatores preditivos de falha do tratamento endoscópico. Este autor sugere que esta conduta deva ser adotada conforme as características das úlceras e as comorbidades associadas. As úlceras crônicas extensas devem provavelmente ser tratadas cirurgicamente30.

Retratamento das úlceras e "second look" endoscópico

A grande maioria dos ressangramentos ocorre nas primeiras 24 horas e somente 5% após 72 horas. Após este intervalo os pacientes podem receber alta hospitalar. Esta estratificação racional pode ser baseada nos escores de ressangramento como aquele de Rockall3.

Muito se têm discutido sobre as vantagens de um reexame endoscópico programado após hemostasia endoscópica, a fim de surpreender um estigma de sangramento recente ou hemorragia ativa, ainda sem exteriorização. Não há consenso sobre este assunto. Rutgeerts e Rauws31 em trabalho prospectivo e controlado em 40 casos, usando injeções repetidas de solução de adrenalina, em endoscopias seriadas, diminuíram o ressangramento em 16 pacientes com uma sessão e em sete com duas sessões. Skarbye e Trap32 descreveram a redução da taxa de ressangramento com a aplicação do reexame endoscópico programado em 70 pacientes. Saeed et al,33 em estudo prospectivo, alocaram aleatoriamente 40 pacientes com hemorragia por úlcera péptica e com alto risco de ressangramento. Demonstraram 24% de ressangramento nos pacientes que não foram submetidos ao "second look", versus nenhum caso nos pacientes que realizaram uma segunda avaliação. Villanueva et al.34 randomizaram 52 de 104 pacientes com úlceras ativamente sangrantes ou com vasos visíveis para uma segunda injeção endoscópica de solução de adrenalina e só encontraram uma tendência não significativa para menos sangramento (21% vs. 29%) e necessidade de cirurgia emergencial (8% vs. 15%). Da mesma forma, Lin et al.35 e Messmann et al36 obtiveram os mesmos resultados e atribuíram os resultados pouco animadores à amostra insuficiente. Não obstante, alguns autores têm sugerido a possibilidade do retratamento precoce naquelas lesões com elevado risco de falha num primeiro tratamento endoscópico33.

No consenso para o manejo dos pacientes com sangramento gastrointestinal não varicoso realizado em 2003 no Canadá37, o "second look" endoscópico foi considerado necessário somente nos casos em que o tratamento endoscópico inicial não foi bem sucedido. Porém, foi considerado potencialmente benéfico nos pacientes selecionados como de alto risco.

Duas metanálises agruparam respectivamente quatro e seis estudos e chegaram a resultados conflitantes. Na primeira, publicada em 2003, foram avaliados quatro estudos e o "second look" com retratamento reduziu significativamente a taxa de ressangramento, porém não houve redução do risco de operação de urgência ou mortalidade38. Por outro lado, a segunda metanálise publicada em 2004, relacionou o "second look" endoscópico ao maior risco de complicações e alto custo, sendo seu uso rotineiro criticado 39.

Chiu et al. estudando 249 pacientes que foram submetidos ao reexame endoscópico, avaliaram as características de 17(6,8%) que apresentaram ressangramento apesar deste procedimento. Os autores identificaram os fatores preditivos para a falha do "second look" endoscópico: pacientes ASA III ou IV, estigmas endoscópicos de hemorragia recente na primera endoscopia e úlceras maiores que 1 cm40.

Quando indicar o tratamento operatório da úlcera péptica hemorrágica?

Trata-se de tema controverso cuja abordagem se torna mais simples quando alguns preceitos são respeitados. A avaliação do paciente deve ser multidisciplinar desde "ab initio". Desta maneira, intensivista, cirurgião e endoscopista poderão decidir o melhor momento para o eventual tratamento cirúrgico. O perfil do serviço de atenção à saúde deve ser levado em consideração. Hospitais de atenção terciária tratam de pacientes mais complexos, e os resultados do tratamento endoscópico e cirúrgico, devem ser periodicamente avaliados e conhecidos pela equipe multidisciplinar41.

A conduta cirúrgica imediata está recomendada para os pacientes com hemorragia intensa e ativa nos quais a terapia hemostática endoscópica não foi bem sucedida.

A indicação de operação eletiva precoce, após tratamento endoscópico bem sucedido, pode estar indicada em: pacientes com idade avançada, com comorbidades associadas, que apresentaram instabilidade hemodinâmica e com sangramento arterial (Forrest IA) ou com vaso visível (Forrest IIa); pacientes idosos com comorbidades, que apresentaram instabilidade hemodinâmica, com recidiva do sangramento durante sua internação hospitalar ou que precisaram transfundir até quatro concentrados de hemácias42 pacientes que apresentam recidiva hemorrágica clinicamente significativa após retratamento endoscópico bem sucedido42. Isto é, foram feitos dois tratamentos endoscópicos, aquele inicial e um segundo para a recidiva. Ainda assim, houve uma segunda recidiva hemorrágica. Obviamente, num paciente com condições clínicas mais delicadas, com tipos sangüíneos mais raros, pode-se indicar o tratamento cirúrgico logo na primeira recidiva hemorrágica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hemorragia digestiva provocada por úlcera péptica gastroduodenal é freqüente e implica em mortalidade de até 10%. O tratamento endoscópico é a abordagem inicial na maior parte dos casos. A identificação de pacientes sob risco de recidiva hemorrágica após a hemostasia endoscópica indica cuidados intensivos e reavaliação endoscópica precoce. A avaliação multidisciplinar permite indicar o tratamento cirúrgico quando necessário e no momento correto.

Recebido em 10/04/2007

Aceito para publicação em 22/04/2007

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP.

  • 1. Huang CS, Lichtenstein DR. Nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Gastroenterol Clin North Am. 2003; 32(4):1053-78.
  • 2. Lourenço KG, Oliveira RB. Abordagem do paciente com hemorragia digestiva alta não varicosa. Medicina, Ribeirão Preto. 2003; 36:261-5.
  • 3. Feu F, Brullet E, Calvet X, Fernández-Llamazares J, Guardiola J, Moreno P, Panadèsb A, Salóa J, Saperasa E, C. Villanuevaa C, Planasa R. Recomendaciones para el diagnostico y tratamiento de la hemorragia digestiva alta aguda no varicosa. Gastroenterol Hepatol. 2003; 26(2):70-85.
  • 4. Longestrth GF. Analysis of 3294 case of upper gastrointestinal haemorrage: a population-based study. Am J Gastroenterol. 1995; 90(2):206-10.
  • 5. Swain CP, Storey DW, Bown SG, Heath J, Mills TN, Salmon PR, Northfield TC, Kirkham JS, O'Sullivan JP. Nature of bleeding vessel in recurrently bleeding peptic ulcer. Gastroenterology. 1986; 90(3):595-608.
  • 6. Laine L, Peterson WL. Bleeding peptic ulcer. N England J Med. 1994; 331(11):717-27.
  • 7. Rockall TA, Logan RFA, Devlin HB, Northfield TC. Selection of patients for early discharge or outpatient care after acute upper gastrointestinal haemorrhage. National Audit of Acute Upper Gastrointestinal Haemorrhage. Lancet. 1996; 347(9009):1138-40.
  • 8. Branicki FJ, Coleman SY, Fok PJ, Pritchett CJ, Fan ST, Lai EC, Mok FP, Cheung WL, Lau PW, Tuen HH, et al. Bleeding peptic ulcer: a prospective evaluation of risk factors for rebleeding and mortality. World J Surg. 1990: 14(2):262-9; discussion 269-70.
  • 9. Bordley DR, Mushlin AI, Dolan JG, Richardson WS, Barry M, Polio J, Griner PF. Early clinical signs identify low-risk patients with acute upper gastrointestinal hemorrhage. JAMA. 1985; 253(22):3282-5.
  • 10. Hay J A, Maldonado L, Weingarten SR, Ellrodt AG. Prospective evaluation of clinical guideline recommending hospital length of stay in upper gastrointestinal tract hemorrhage. JAMA. 1997; 278(24):2152-6.
  • 11. Hay JA, Lyubashevsky E, Elashoff J, Maldonado L, Weingarten SR, Ellrodt AG. Upper gastrointestinal hemorrhage clinical guideline determining the optimal hospital length of stay. Am J Med. 1996; 100(3):313-22.
  • 12. Rockall TA, Logan RF, Devlin HB, Northfield TC. Risk assessment after acute upper gastrointestinal haemorrhage. Gut. 1996; 38(3):316-21.
  • 13. Jaramillo JL, Gálvez C, Carmona C, Montero JL, Miño G. Prediction of further hemorrhage in bleeding peptic ulcer. Am J Gastroenterol. 1994; 89(12):2135-8.
  • 14. American College of Surgeons. Advance Trauma Life Support for Doctors 3: 98, 1997.
  • 15. Luna LL, Luna RA. Tratamento endoscópico da úlcera péptica hemorrágica. Clin Bras Cir. 2003; (1):69-94.
  • 16. Hsu PI, Lai KH, Lin XZ, Yang YF, Lin M, Shin JS, Lo GH, Huang RL, Chang CF, Lin CK, Ger LP. When to discharge patients with bleeding peptic ulcers: a prospective study of residual risk of bleeding. Gastrointest Endosc. 1996; 44(4):382-7.
  • 17. Lee JG, Turnipseed S, Romano PS, Vigil H, Azari R, Melnikoff N, Hsu R, Kirk D, Sokolove P, Leung JW. Endoscopy-based triage significantly reduces hospitalization rates and costs of treating upper GI bleeding: a randomized controlled trial. Gastrointest Endosc. 1999; 50(6):755-61.
  • 18. Lin HJ, Wang K, Perng CL, Chua RT, Lee FY, Lee CH, Lee SD. Early or delayed endoscopy for patients with peptic ulcer bleeding. A prospective randomized study. J Clin Gastroenterol. 1996; 22(4):267-71.
  • 19. Cooper GS, Chak A, Way LE, Hammar PJ, Harper DL, Rosenthal GE. Early endoscopy in upper gastrointestinal hemorrhage: associations with recurrent bleeding, surgery and length of hospital stay. Gastrointest Endosc. 1999; 49(2):145-52.
  • 20. Lau JY. Sung JJ, Lee KK, Yung MY, Wong SK Wu JC, Chan FK, Ng EK, You JH, Lee CW, Chan AC, Chung SC. Effect of intravenous omeprazole on recurrent bleeding after endoscopic treatment of bleeding peptic ulcers. N Engl J Med. 2000; 343(5):310-6.
  • 21. Sung J. Current management of peptic ulcer bleeding. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol. 2006; 3(1):24-32.
  • 22. Cook DJ, Guyatt GH, Salena BJ, Laine LA. Endoscopic therapy for acute nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage: a meta-analysis. Gastroenterology. 1992; 102(1):139-48.
  • 23. Jensen DM, Kovacs TO, Jutabha R, Machicado GA, Gralnek IM, Savides TJ, Smith J, Jensen ME, Alofaituli G, Gornbein J. Randomized trial of medical or endoscopic therapy to prevent recurrent ulcer hemorrhage in patients with adherent clots. Gastroenterology. 2002; 123(2):407-13.
  • 24. Llach J, Bordas JM, Salmerón JM, Panés J, García-Pagán JC, Feu F, Navasa M, Mondelo F, Piqué JM, Mas A, Terés J, Rodés J. A prospective randomized trial of heater probe thermocoagulation versus injection therapy in peptic ulcer hemorrhage. Gastrointest Endosc. 1996; 43(2 Pt 1):117-20.
  • 25. Park CH, Lee SJ, Park JH, Lee WS, Joo YE, Kim HS, Choi SK, Rew JS, Kim SJ. Optimal injection volume of epinephrine for endoscopic prevention of recurrent peptic ulcer bleeding. Gastrointest Endosc. 2004; 60(6):875-80.
  • 26. Cipolletta L, Bianco MA, Marmo R, Rotondano G, Piscopo R, Vingiani AM, Meucci C. Endoclips versus heater probe in preventing early recurrent bleeding from peptic ulcer: a prospective and randomized trial. Gastrointest Endosc. 2001; 53(2):147-51.
  • 27. Gevers AM. De Goede E, Simoens M, , Rutgeerts P. A randomized trial comparing injection therapy with hemoclip and with injection combined with hemoclip for bleeding ulcers. Gastrointest Endosc. 2002; 55(4):466-9.
  • 28. Chau CH, Siu WT, Law BK, Tang CN, Kwok SY, Luk YW, Lao WC, Li MK. Randomized controlled trial comparing epinephrine injection plus heat probe coagulation versus epinephrine injection plus argon plasma coagulation for bleeding peptic ulcers. Gastrointest Endosc. 2003; 57(4):455-61.
  • 29. Calvet X, Vergara M, Brullet E, Gisbert JP, Campo R. Addition of a second endoscopic treatment following epinephrine injection improves outcome in high-risk bleeding ulcers. Gastroenterology. 2004; 126(2):441-50.
  • 30. Lau JY, Sung JJ, Lam YH, Chan AC, Ng EK, Lee DW, Chan FK, Suen RC, Chung SC. Endoscopic retreatment compared with surgery in patients with recurrent bleeding after initial endoscopic control of bleeding ulcers. N Engl J Med. 1999; 340(10):751-6.
  • 31. Rutgeerts P, Rauws E, Wara P, Swain P, Hoos A, Solleder E, Halttunen J, Dobrilla G, Richter G, Prassler R . Randomised trial of single and repeated fibrin glue compared with injection of polidocanol in treatment of bleeding peptic ulcers. Lancet. 1997; 350(9079):692-6.
  • 32. Skarbye M, Trap R, Rosenberg J. [Planed second-look gastroscopy in patients with bleeding ulcer]. Ugeskr Laeger. 2000; 162(23):3338-42.
  • 33. Saeed ZA, Cole RA, Ramirez FC, Schneider FE, Hepps KS, Graham DY. Endoscopic retreatment after successful initial hemostasis prevents ulcer rebleeding: a prospective randomized.trial. Endoscopy. 1996; 28(3):288-94.
  • 34. Villanueva C, Balanzó J, Torras X, Soriano G, Sáinz S, Vilardell F. Value of second-look endoscopy after injection therapy for bleeding peptic ulcer: a prospective and randomized trial. Gastrointest Endosc.1994; 40(1):34-9.
  • 35. Lin CK, Lai KH. The value of second look endoscopy after endoscopic injection therapy for bleeding peptic ulcers [abstract]. Gastroenterology. 1996; 110(4 Suppl):A117.
  • 36. Messmann H. Schaller P. Gross V. Can an early second look endoscopy reduce recurrent bleeding of gastric or duodenal ulcers [abstract]? Gastrointest Endosc. 1996; 43(4):354.
  • 37. Bakun A, Bardou M, Marshall JK; Nonvariceal Upper GI Bleeding Consensus Conference Group. Consensus recommendations for managing patients with nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Ann Intern Med. 2003; 139(10):843-5.
  • 38. Marmo R, Rotondano G, Bianco MA, Piscopo R, Prisco A, Cipolleta L. Outcome of endoscopic treatment for peptic ulcer bleeding: is a second look necessary? A meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2003; 57(1):62-7.
  • 39. Romagnuolo J. Routine second look endoscopy: ineffective, costly and potentially misleading. Can J Gastroenterol. 2004; 18(6): 401-4.
  • 40. Chiu PW, Joeng HK, Choi CI, Kwong KH, Ng EK, Lam SH. Predictors of peptic ulcer rebleeding after schedule second endoscopy: clinical or endoscopic factors? Endoscopy. 2006; 38(7):726-9.
  • 41. Lau JY, Sung JJ, Lam YH, Chan AC, Ng EK, Lee DW, Chan FK, Suen RC, Chung SC. Endoscopic retreatment compared with surgery in patients with recurrent bleeding after initial endoscopic control of bleeding ulcers. N Engl J Med. 1999; 340(1):751-6.
  • 42. Cochran TA. Bleeding peptic ulcer: surgical therapy. Gastroenterol Clin North Am. 1993; 22(4):751-78.
  • Endereço para correspondência
    Jose Giordano-Nappi
    Rua Teodoro Sampaio 498 Apt. 148 Edf. New Point – Pinheiros
    05406-000 - São Paulo- SP
    Tel. (11) 97206376
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      22 Abr 2007
    • Recebido
      10 Abr 2007
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br