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Linfadenectomia ampliada (D2) no tratamento do carcinoma gástrico: análise das complicações pós-operatórias

Extended lymphadenectomy (D2) in the treatment for gastric cancer: analysis of postoperative complications

Resumos

OBJETIVO: Descrever e analisar as principais complicações pós-operatórias e mortalidade dos pacientes submetidos à ressecção gástrica por câncer gástrico com linfadenectomia D2. MÉTODO: Foi realizada uma coorte histórica onde as principais variáveis em estudo foram: idade, localização do tumor, estadiamento, complicações do procedimento cirúrgico, padrão de recidiva tumoral, análise da sobrevida livre de doença e sobrevida total. RESULTADOS: Foram avaliados 35 pacientes submetidos à dissecção linfonodal D2 no período de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2004. A média de idade foi 57 anos. Apenas um (2,9%) paciente apresentava tumor precoce e o local mais comum do tumor foi no terço médio do estômago. O número de linfonodos ressecados por paciente variou de 15 a 80 linfonodos (média 28,8). Vinte e seis (74,3%) pacientes apresentaram linfonodos metastáticos, sendo a média de 13,4 (±11,8) linfonodos comprometidos por paciente. Seis (17,1%) pacientes apresentaram complicações no período pós-operatório, sendo duas pneumonias, uma fístula pancreática, uma fístula do coto duodenal e duas deiscências da anastomose esôfago-jejunal. Apenas um (2,86%) paciente morreu devido a complicações operatórias. O tempo de seguimento médio foi de 26 meses. Vinte e dois pacientes apresentavam-se vivos no fechamento do estudo, com uma sobrevida atuarial de 62,9%. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que, em centros especializados, a linfadenectomia D2 é um procedimento com nível de complicações aceitável e pode ser realizada sem aumento da mortalidade operatória.

Excisão de linfonodo; Gastrectomia; Neoplasias gástricas; Complicações pós-operatórias


BACKGROUND: The aim of this study was to describe and analyze the postoperative complications and the survival of patients submitted to gastric resection with extended lymphadenectomy. METHODS: In a historical cohort, data of patients with gastric carcinoma submitted to D2 lymphadenectomy were studied. The main variables analyzed were: age, tumor location, stage, surgical procedure complications, pattern of tumor recurrence and overall survival. RESULTS: Thirty-five patients were studied during the period between January 2000 and December 2004. Mean age of the patients was 57 years. Only one (2.9%) patient had early gastric cancer. The most common site was in the middle-third of the stomach. The number of resected nodes per patient ranged from 15 to 80 (mean of 28.8). Twenty-six (74.3%) patients had metastatic lymph nodes, with mean of 13.4 (±11.8) positive nodes per patient. Six (17.1%) patients had complications in the postoperative period, including two pneumonias, one pancreatic fistula, one duodenal stump fistula, and two esophagojejunal leakage. Only one (2.86%) patient died of operative complications. The meantime of follow-up was 26 months. Twenty-two patients were alive at the conclusion of the study, with a current actuarial survival of 62.9%. CONCLUSION: The results of this study suggest that, in specialized centers, gastrectomy with D2 lymphadenectomy is a procedure with acceptable levels of complications, and can be performed without increasing the postoperative mortality.

Lymph Node Excision; Gastrectomy; Stomach Neoplasms; Postoperative Complications


ARTIGO ORIGINAL

Linfadenectomia ampliada (D2) no tratamento do carcinoma gástrico - análise das complicações pós-operatórias

Extended lymphadenectomy (D2) in the treatment for gastric cancer – analysis of postoperative complications

Marcelo Garcia Toneto, TCBC-RSI; Anselmo HoffmannII; Antonella Furquim ConteIII; João Paulo Leal SchambeckIII; Vinícius ErnaniIII; Hamilton Petry de Souza, TCBC-RSIV

IProfessor Doutor do Departamento de Cirurgia da FAMED-PUCRS

IIMédico Residente do Departamento de Cirurgia da FAMED-PUCRS

IIIDoutorando da FAMED-PUCRS

IVCoordenador Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da FAMED-PUCRS; Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital São Lucas da PUCRS; Fellow do American College of Surgeons; Membro da Associação Brasileira do Câncer Gástrico; Doutor em Cirurgia – UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcelo Garcia Toneto Centro Clínico da PUC Av Ipiranga, 6690 – Conj 612 90610-000 - Porto Alegre, RS Fone: 33205179 E-mail: mtoneto@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever e analisar as principais complicações pós-operatórias e mortalidade dos pacientes submetidos à ressecção gástrica por câncer gástrico com linfadenectomia D2.

MÉTODO: Foi realizada uma coorte histórica onde as principais variáveis em estudo foram: idade, localização do tumor, estadiamento, complicações do procedimento cirúrgico, padrão de recidiva tumoral, análise da sobrevida livre de doença e sobrevida total.

RESULTADOS: Foram avaliados 35 pacientes submetidos à dissecção linfonodal D2 no período de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2004. A média de idade foi 57 anos. Apenas um (2,9%) paciente apresentava tumor precoce e o local mais comum do tumor foi no terço médio do estômago. O número de linfonodos ressecados por paciente variou de 15 a 80 linfonodos (média 28,8). Vinte e seis (74,3%) pacientes apresentaram linfonodos metastáticos, sendo a média de 13,4 (±11,8) linfonodos comprometidos por paciente. Seis (17,1%) pacientes apresentaram complicações no período pós-operatório, sendo duas pneumonias, uma fístula pancreática, uma fístula do coto duodenal e duas deiscências da anastomose esôfago-jejunal. Apenas um (2,86%) paciente morreu devido a complicações operatórias. O tempo de seguimento médio foi de 26 meses. Vinte e dois pacientes apresentavam-se vivos no fechamento do estudo, com uma sobrevida atuarial de 62,9%.

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que, em centros especializados, a linfadenectomia D2 é um procedimento com nível de complicações aceitável e pode ser realizada sem aumento da mortalidade operatória.

Descritores: Excisão de linfonodo; Gastrectomia; Neoplasias gástricas; Complicações pós-operatórias/mortalidade.

ABSTRACT

BACKGROUND: The aim of this study was to describe and analyze the postoperative complications and the survival of patients submitted to gastric resection with extended lymphadenectomy.

METHODS: In a historical cohort, data of patients with gastric carcinoma submitted to D2 lymphadenectomy were studied. The main variables analyzed were: age, tumor location, stage, surgical procedure complications, pattern of tumor recurrence and overall survival.

RESULTS: Thirty-five patients were studied during the period between January 2000 and December 2004. Mean age of the patients was 57 years. Only one (2.9%) patient had early gastric cancer. The most common site was in the middle-third of the stomach. The number of resected nodes per patient ranged from 15 to 80 (mean of 28.8). Twenty-six (74.3%) patients had metastatic lymph nodes, with mean of 13.4 (±11.8) positive nodes per patient. Six (17.1%) patients had complications in the postoperative period, including two pneumonias, one pancreatic fistula, one duodenal stump fistula, and two esophagojejunal leakage. Only one (2.86%) patient died of operative complications. The meantime of follow-up was 26 months. Twenty-two patients were alive at the conclusion of the study, with a current actuarial survival of 62.9%.

CONCLUSION: The results of this study suggest that, in specialized centers, gastrectomy with D2 lymphadenectomy is a procedure with acceptable levels of complications, and can be performed without increasing the postoperative mortality.

Key words: Lymph Node Excision; Gastrectomy; Stomach Neoplasms; Postoperative Complications/mortality.

INTRODUÇÃO

O câncer de estômago é o tumor mais freqüente do trato gastrointestinal e a segunda neoplasia que mais mata em nível global suplantada apenas pelo câncer de pulmão1. A ressecção cirúrgica permanece a única opção terapêutica com possibilidade de cura. No entanto, existem temas controversos no manejo desses pacientes, tais como a extensão da ressecção gástrica, a extensão da dissecção linfonodal e a utilização de alternativas terapêuticas adjuvantes (quimio e/ou radioterapia)2-4.

Os avanços nos cuidados pré e pós-operatórios, o desenvolvimento dos antibióticos e o suporte das unidades de tratamento intensivo que ocorreram durante as últimas décadas fizeram com que a mortalidade pós-operatória diminuísse de índices superiores a 50% para níveis abaixo de 1% no Japão5. Quando são comparados os resultados do tratamento do câncer gástrico no Japão com os resultados obtidos nos Estados Unidos, nota-se nítida melhora no prognóstico nos pacientes orientais6. Fator importante nessa avaliação é que o índice de operações em pacientes operados por tumores iniciais é superior a 50% no Japão contra menos de 10% nos países ocidentais7. Porém, mesmo quando a comparação é realizada entre tumores com o mesmo estadiamento, permanece a vantagem para os pacientes orientais. Algumas hipóteses foram sugeridas por Hundahl8 para explicar esses resultados, entre elas: 1 - o fato de que características adquiridas, raciais ou ambientais interfiram na biologia do tumor e na sua relação com o hospedeiro; 2 - a hipótese de que exista uma migração do estágio nos pacientes japoneses, ou seja, como as cirurgias são mais extensas e a avaliação mais meticulosa pelos patologistas, os pacientes seriam mais bem estagiados e avaliados como se fossem de um estágio superior, melhorando os resultados em todos os grupos9; 3 - a possibilidade de melhor tratamento, a qual justificaria o uso dos procedimentos empregados pelos cirurgiões japoneses.

Bonenkamp10 e Cushieri11, em trabalhos prospectivos randomizados multicêntricos, não conseguiram verificar as vantagens da ressecção ampliada na melhora da sobrevida e ainda demonstraram um aumento do índice de complicações com a ressecção realizada nos moldes da praticada por cirurgiões japoneses. Recentemente, estudo conduzido por Zilberstein12 no Brasil mostrou que a gastrectomia total ou subtotal com linfadenectomia ampliada (D2), realizada de acordo com as recomendações da Sociedade Japonesa para o tratamento do Câncer Gástrico (JRSGC), pode ser considerado um procedimento seguro com mortalidade e morbidade aceitáveis, quando realizado por cirurgiões experientes em centros especializados. Outros trabalhos também demonstram que a linfadenectomia pode ser benéfica para o aumento da sobrevida, desde que a taxa de morbi-mortalidade do procedimento seja baixa13,14.

O objetivo deste trabalho é descrever e analisar as principais complicações e mortalidade pós-operatória dos pacientes submetidos à ressecção gástrica por câncer gástrico com linfadenectomia D2, nos padrões recomendados pelos estudos japoneses.

MÉTODO

Foram estudados todos os pacientes submetidos à gastrectomia com dissecção linfonodal tipo D2 para o tratamento de tumores malignos do estômago por uma equipe especializada em câncer gástrico do Hospital São Lucas da PUCRS, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004. Após os exames pré-operatórios de estadiamento demonstrarem a inexistência de metástases à distância, os pacientes em condições clínicas de suportar o procedimento foram submetidos a uma videolaparoscopia exploradora. Na ausência de metástases para linfonodos à distância, hepáticas ou implantes peritoneais, gastrectomia com linfadenectomia à D2 foi indicada. Em caso de doença metastática, era indicada operação paliativa, sem dissecção ampliada dos linfonodos. A dissecção linfonodal D2 foi realizada de acordo com as recomendações da JRSSGC15. O baço e a cauda do pâncreas foram removidos apenas na evidência de invasão direta pelo tumor.

Os dados obtidos foram analisados a partir de acompanhamento realizado pelos autores no atendimento desses pacientes durante a internação e no período pós-operatório realizado nos ambulatórios de Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo da instituição. Todos os pacientes foram acompanhados até o momento do óbito ou até apresentarem seguimento mínimo de 24 meses após a data do procedimento cirúrgico.

Foram excluídos do estudo todos os casos com tipo histológico que não o adenocarcinoma gástrico, pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos que não se enquadraram na dissecção linfonodal tipo D2, pacientes submetidos a procedimentos paliativos e pacientes submetidos previamente a tratamento rádio e ou quimioterápico.

As principais variáveis em estudo foram: idade, sexo, localização do tumor no estômago, procedimento cirúrgico realizado, estadiamento, classificação de Borrmann e de Lauren, complicações associadas ao procedimento cirúrgico, mortalidade operatória, padrão de recidiva tumoral, análise da sobrevida livre de doença e sobrevida total. O estadiamento utilizado foi a classificação da UICC 200216. Quanto ao procedimento cirúrgico, os pacientes foram classificados em três Grupos: gastrectomia parcial, total e esofagogastrectomia. Foi definida como complicação qualquer evento pós-operatório que necessitou algum tipo de tratamento adicional àqueles usualmente utilizados no tratamento cirúrgico para essa doença. A mortalidade durante o período pós-operatório foi definida como o óbito nos primeiros 30 dias após a operação, ou até o momento da alta hospitalar17.

As variáveis foram caracterizadas por uma análise descritiva, contendo tabelas de médias, com desvio padrão e percentagens. Este estudo foi realizado após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

RESULTADOS

No período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, foram incluídos no estudo 35 pacientes operados por adenocarcinoma gástrico com linfadenectomia D2. A idade variou entre 30 e 85 anos, tendo média (dp) 57 (±13,8) anos. O sexo predominante foi o masculino com 25 (71,4%) pacientes.

O tamanho do tumor variou de 0,7 a 20 cm, média (dp) 6,3 (±4,6)cm. Os locais mais acometidos foram o terço médio em 14 (40%) casos e o terço distal em 13 (37%). As principais características anátomo-patológicas dos tumores estão descritas nas tabelas 1 e 2. Dezessete pacientes (48,6%) foram submetidos à gastrectomia total, em 16 (45,7%) foi realizada gastrectomia parcial e dois (5,7%) pacientes que apresentavam tumores na cárdia com invasão do esôfago distal foram submetidos à esofagogastrectomia.

O número de linfonodos ressecados por paciente variou entre 15 e 80 linfonodos (média=28,86). Vinte e seis (74,3%) pacientes apresentaram linfonodos positivos, sendo a média de 13,4 (±11,8) linfonodos comprometidos por paciente.

Seis (17,1%) pacientes apresentaram complicações no período pós-operatório, sendo duas pneumonias tratadas com antibioticoterapia e suporte respiratório. Um paciente apresentou fístula pancreática após a ressecção da cauda do pâncreas por invasão local da neoplasia, tratada com punção percutânea e octreotide. Um paciente apresentou fístula do coto duodenal tratada com re-operação e suporte nutricional. Dois pacientes apresentaram deiscência da anastomose esôfago-jejunal, sendo que um destes pacientes evoluiu para falência de múltiplos órgãos e óbito, a única mortalidade (2,86%) da série.

O tempo de seguimento médio foi de 26 meses, variando entre seis e 72 meses. Vinte e dois pacientes apresentavam-se vivos no fechamento do estudo, com sobrevida atuarial de 62,9%. Dos pacientes vivos, que seguem em acompanhamento, oito (36,4%) apresentaram recidiva da doença e 14 (63,6%) seguem livres de recidiva tumoral. O principal sítio de recidiva tumoral foi o peritônio em 10 pacientes, seguido pelo fígado em seis, recidiva na anastomose gastro-jejunal em dois e recidiva local com envolvimento do cólon transverso em um paciente.

DISCUSSÃO

O tratamento recomendado para o adenocarcinoma gástrico é uma ressecção cirúrgica completa, com margens de segurança adequadas em conjunto com a ressecção total do epíploon e dos linfonodos regionais18. Na evidência de ascite com presença de células malignas, invasão de estruturas nobres, carcinomatose peritoneal ou doença metastática extensa, o tumor deve ser considerado irressecável e os pacientes somente serão submetidos a procedimentos paliativos para melhora dos sintomas, quando houver obstrução ou sangramento19.

A extensão ideal da linfadenectomia vem sendo debatida nas últimas décadas, desde que os cirurgiões japoneses começaram a empregar a linfadenectomia ampliada para o tratamento desta neoplasia com baixo índice de complicações e sobrevida aumentada20. Entretanto, os estudos japoneses são criticados por serem séries históricas, não randomizadas e retrospectivas21.

Com exceção de centros de excelência no tratamento do câncer gástrico,22,23 cirurgiões ocidentais questionam os resultados obtidos no Japão, creditando os melhores resultados ao fenômeno da "migração do estágio". Na busca de evidências científicas para definição do melhor tratamento foram propostos estudos prospectivos, randomizados multicêntricos10,11. Porém, a menor incidência desta doença no ocidente gera uma série de dificuldades para realização deste tipo de trabalho. O estudo que alocou maior número de pacientes mostrou que a linfadenectomia D2 aumentava as taxas de complicações e mortalidade, sem melhora na sobrevida. Contudo, foi contestado devido ao grande número de hospitais e cirurgiões recrutados para atingir o número ideal de pacientes, o que gerou problemas no controle de qualidade das operações. A alta taxa de mortalidade associada ao procedimento neste estudo fez com que ressecções mais limitadas sejam indicadas no mundo ocidental. Entretanto, na análise final do estudo, os autores concluem que as vantagens da linfadenectomia D2 poderiam ser benéficos se a morbi-mortalidade operatória fosse diminuída24. Entretanto, outras vantagens teóricas da linfadenectomia D2 devem ser relatadas, tais como margem mais ampliada de ressecção, estadiamento mais apurado, e a eliminação de possível doença residual nos linfonodos com diminuição da recidiva loco-regional25. Além disso, a incidência de metástases nos linfonodos N2 não é desprezível, podendo ocorrer em 25% dos casos26.

Apenas um paciente desta série apresentava tumor precoce, demonstrando o grau avançado dos tumores tratados nesta instituição27,28. Esta é uma variável importante pois o estágio do tumor no momento do diagnóstico é o fator mais importante no prognóstico2. Além da importância no prognóstico, o estágio influencia na morbidade, pois lesões mais avançadas tendem a ser tratadas com procedimentos de maior porte, e, portanto, mais sujeitos a complicações. A maioria dos pacientes desta série apresentava tumores em estágio III ou IV, o que demonstra o grau muito avançado da doença no momento do diagnóstico em nosso meio. Deve ser ressaltado que ainda existe um grande atraso na chegada destes doentes para avaliação em centros de referência no Brasil, o que faz com que muitos pacientes não possam ser candidatos ao procedimento cirúrgico adequado por motivo de doença muito avançada, desnutrição e falta de condições clínicas ideais. Um aumento no número de pacientes na amostra deste estudo, principalmente com tumores mais iniciais, contribuiria para definir melhor a relevância da linfadenectomia D2 na mortalidade pós-operatória e sobrevida destes pacientes.

A localização da lesão no órgão é importante, pois define o tipo de ressecção a ser empregado, fator que pode implicar uma maior morbidade e mortalidade associadas ao procedimento28. Neste estudo, tumores no terço distal ou tumores do terço médio cuja margem de segurança fosse maior do que 6 cm, foram submetidos à gastrectomia parcial. Nos demais tumores do terço médio e nos localizados no terço proximal, a ressecção foi total. Nos casos de tumores do fundo ou cárdia com invasão do esôfago inferior foi realizada a gastrectomia total com ressecção do esôfago distal.

O número de linfonodos ressecados neste estudo teve ampla variação, apesar da sistemática cirúrgica ser sempre a mesma. A explicação para este achado deve-se ao fato que no início da série a identificação dos linfonodos foi realizada pelo patologista com o material fixado em formalina e, nos casos mais recentes, pelo cirurgião ao final do procedimento com a peça fresca, o que facilita a identificação. A dissecção precisa é fundamental pois estudos prospectivos mostram que o número absoluto de linfonodos ressecados é um método adequado para aferir a qualidade da operação. Karpeh29 definiu que 15 seria o número mínimo de linfonodos para estadiamento adequado. Já Siewert30 recomenda a ressecção de 25 linfonodos e conclui em análise multivariada que o comprometimento linfonodal é o fator prognóstico independente mais importante para a sobrevida. A relação entre o número de linfonodos metastáticos e ressecados é importante e serve como fator prognóstico independente do tipo de linfadenectomia empregado auxiliando na escolha dos pacientes que possam ser beneficiados pelo tratamento adjuvante.

Marrelli,31 analisando as dissecções D2, identificou três situações em que o procedimento está associado a maior risco de complicações: pacientes com pior estado fisiológico, representado por uma classificação ASA mais elevada, necessidade de transfusões sanguíneas e níveis baixos de albumina.

Complicações cardíacas ou pulmonares mais graves não ocorreram nesta série de pacientes, provavelmente devido a seleção dos pacientes. Publicação prévia desta instituição demonstrou que a mortalidade operatória dos pacientes com adenocarcinoma gástrico estava diretamente relacionada às condições fisiológicas dos pacientes e ao estágio do tumor no momento do diagnóstico, independente da técnica cirúrgica empregada28. Os pacientes com co-morbidades graves foram submetidos a procedimentos menos invasivos, sem ressecção linfonodal D2.

A principal complicação cirúrgica deste procedimento e um dos maiores responsáveis por óbito nestes pacientes são as deiscências ou fístulas nas linhas de sutura. Quatro pacientes (11,4%) apresentaram deiscências ou fístulas, índice semelhante ao encontrado na literatura2,10-12,17,26,31. Este deve ser motivo de intensa preocupação do cirurgião no seguimento e na busca de atenção a detalhes técnicos. Deiscências de anastomoses e abscessos intra-abdominais são as complicações cirúrgicas mais freqüentes, com até 10% dos pacientes necessitando re-operações32. As deiscências de anastomoses, principalmente a esôfago-jejunal, são a principal causa de mortalidade e ocorrem em 3-10% dos pacientes33. Contudo, com a melhora dos cuidados peri-operatórios, estudos mostram ser possíveis taxas de mortalidade menores que 1%34.

É convicção dos autores que a ausência de fenômenos trombo-embólicos nesta série é devida ao emprego sistemático de medidas de prevenção – uso de meias de compressão, botas de auxílio ao retorno venoso, uso de medicação profilática e saída precoce do leito em todos os pacientes. Todas estas medidas implicaram em tempo de internação hospitalar mais curto, baixa taxa de complicações e índice muito baixo de internação em unidade de tratamento intensivo.

A mortalidade cirúrgica dos pacientes submetidos à ressecção do câncer gástrico varia muito conforme os diversos grupos que tratam dessa doença10,11,25,33,34. Os principais fatores de risco para mortalidade operatória são: presença de doenças concomitantes, metástases linfonodais, tamanho do tumor, experiência do grupo de cirurgiões e idade35. Zilberstein et al.12 mostraram que a mortalidade da dissecção linfonodal D2 pode ser cinco vezes menor do que a da dissecção D1 devido a seleção dos pacientes. A baixa mortalidade encontrada nesta série (2,86%) provavelmente seja devida à exclusão de operações em tumores muito avançados, pacientes muito idosos e de doentes em más condições de estado fisiológico pré-operatório.

As dificuldades para a realização de trabalhos prospectivos randomizados em cirurgia36 devem ser reconhecidas e, alternativas para definir condutas cirúrgicas devem ser intensamente procuradas. Estudos de meta-análise ainda não comprovam os benefícios da D2, e, espera-se que trabalhos bem conduzidos, sem os problemas de curva de aprendizado, taxas elevadas de complicações e controle de qualidade possam definir qual o melhor tratamento para esta neoplasia13.

Em conclusão, os resultados deste estudo sugerem que, em centros especializados, a linfadenectomia D2 é um procedimento com nível de complicações aceitável e pode ser realizada sem aumento da mortalidade operatória. Portanto, deve ser incluída em investigações que avaliem a sua efetividade no tratamento cirúrgico do adenocarcinoma gástrico.

Recebido em 10/12/2007

Aceito para publicação em 25/03/2008

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. (FAMED-PUCRS).

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  • Endereço para correspondência:

    Marcelo Garcia Toneto
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2007
    • Aceito
      25 Mar 2008
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