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O impacto na qualidade de vida após o reposicionamento cirúrgico da pré-maxila em portadores de fissura lábio palatal bilateral - estudo de 50 casos

The life quality impact after surgical pre maxilla repositioning in patients with bilateral lip palatal cleft - study of 50 cases

Resumos

OBJETIVO: Descrever o protocolo de tratamento no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal em Curitiba (CAIF); (b) avaliar as motivações e expectativas em relação ao tratamento e (c) avaliar a percepção de inclusão e integração social obtida pelo procedimento. MÉTODO: Estudo observacional, retrospectivo com todos os 50 participantes recrutados entre os pacientes submetidos ao procedimento de reposicionamento de pré-maxila, no período de janeiro de 2003 a julho de 2005, no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal em Curitiba (CAIF), Paraná. Foi aplicado questionário de avaliação RESULTADOS: Com relação ao protocolo de atendimento, os resultados evidenciaram sucesso em 90% das cirurgias. Quanto às expectativas cirúrgicas e de integração social, estas mostraram que 76% procuraram a cirurgia por motivos de insatisfação pessoal e, 86% relataram maior confiança em si mesmo, após a cirurgia. CONCLUSÃO: O protocolo de reposicionamento cirúrgico da pré-maxila é uma técnica viável para o tratamento dos pacientes portadores de fissura bilateral do processo alveolar; a maioria dos pacientes submetidos ao tratamento de reposicionamento de pré-maxila percebeu o tratamento como continuidade dos cuidados dispensados, participou por indicação médica, com expectativa de melhora no aspecto pessoal e melhora da autoconfiança e, 96% deles, manifestaram satisfação com os resultados obtidos, o que facilita a inclusão e integração social dos mesmos.

Maxila; Fenda Labial; Fissura Palatina


ABSTRACT BACKGROUND: To describe the assistance protocol, at the Center for Integral Assistance of Cleft Lip and Palate Patients (CAIF); to assess the expectations and motivations in respect to treatment; to evaluate the social integration and inclusion obtained through the procedure. METHODS: a retrospective study with all the 50 patients recruited among those submitted to the procedure of premaxilla repositioning, at the period from January 2003 to july 2005, at the Center for Integral Assistance of Cleft Lip and Palate Patients (CAIF), Paraná. A questionnaire was applied. RESULTS: regarding the assistance protocol, the results showed success in 90% of surgeries. Concerning surgical and social integration expectations, it was showed that 76% looked after surgery for personal satisfaction reasons and, 86% related better self trust after surgery. CONCLUSION: the surgical protocol of premaxilla repositioning is a viable technique for the treatment of patients with bilateral cleft of the alveolar process; the majority of patients submitted to premaxilla repositioning perceived the treatment as continuity of the care received, participated due to medical indication, expecting improvement at personal aspect and in self trust and, 96% of them, related satisfaction with results, which facilitates integration and social inclusion.

Surgery; Maxilla; Cleft Lip; Cleft Palate


ARTIGO ORIGINAL

O impacto na qualidade de vida após o reposicionamento cirúrgico da pré-maxila em portadores de fissura lábio palatal bilateral - estudo de 50 casos

The life quality impact after surgical pre maxilla repositioning in patients with bilateral lip palatal cleft - study of 50 cases

Kelston Ulbricht GomesI; Abrão Rapoport, ECBC - SPII; Carlos Neutzling LehnII; Odilon Victor Porto DenardinIII; João Luiz CarliniIV

IMestre em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo - SP

IICirurgião do Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo - SP

IIIBioestatístico Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo - SP

IVCirurgião Buco-Maxilo-Facial do Centro de Atendimento Integral Lábio-Palatal de Curitiba, PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Abrão Rapoport Rua Iramaia, 136 - Jardim Europa 01450-020 - São Paulo - SP E-mail: arapoport@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o protocolo de tratamento no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal em Curitiba (CAIF); (b) avaliar as motivações e expectativas em relação ao tratamento e (c) avaliar a percepção de inclusão e integração social obtida pelo procedimento.

MÉTODO: Estudo observacional, retrospectivo com todos os 50 participantes recrutados entre os pacientes submetidos ao procedimento de reposicionamento de pré-maxila, no período de janeiro de 2003 a julho de 2005, no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal em Curitiba (CAIF), Paraná. Foi aplicado questionário de avaliação

RESULTADOS: Com relação ao protocolo de atendimento, os resultados evidenciaram sucesso em 90% das cirurgias. Quanto às expectativas cirúrgicas e de integração social, estas mostraram que 76% procuraram a cirurgia por motivos de insatisfação pessoal e, 86% relataram maior confiança em si mesmo, após a cirurgia.

CONCLUSÃO: O protocolo de reposicionamento cirúrgico da pré-maxila é uma técnica viável para o tratamento dos pacientes portadores de fissura bilateral do processo alveolar; a maioria dos pacientes submetidos ao tratamento de reposicionamento de pré-maxila percebeu o tratamento como continuidade dos cuidados dispensados, participou por indicação médica, com expectativa de melhora no aspecto pessoal e melhora da autoconfiança e, 96% deles, manifestaram satisfação com os resultados obtidos, o que facilita a inclusão e integração social dos mesmos.

Descritores: Cirurgia; Maxila; Fenda Labial; Fissura Palatina.

ABSTRACT

BACKGROUND: To describe the assistance protocol, at the Center for Integral Assistance of Cleft Lip and Palate Patients (CAIF); to assess the expectations and motivations in respect to treatment; to evaluate the social integration and inclusion obtained through the procedure.

METHODS: a retrospective study with all the 50 patients recruited among those submitted to the procedure of premaxilla repositioning, at the period from January 2003 to july 2005, at the Center for Integral Assistance of Cleft Lip and Palate Patients (CAIF), Paraná. A questionnaire was applied.

RESULTS: regarding the assistance protocol, the results showed success in 90% of surgeries. Concerning surgical and social integration expectations, it was showed that 76% looked after surgery for personal satisfaction reasons and, 86% related better self trust after surgery.

CONCLUSION: the surgical protocol of premaxilla repositioning is a viable technique for the treatment of patients with bilateral cleft of the alveolar process; the majority of patients submitted to premaxilla repositioning perceived the treatment as continuity of the care received, participated due to medical indication, expecting improvement at personal aspect and in self trust and, 96% of them, related satisfaction with results, which facilitates integration and social inclusion.

Key words: Surgery; Maxilla; Cleft Lip; Cleft Palate.

INTRODUÇÃO

Os benefícios obtidos através da reconstrução do defeito maxilar com enxerto ósseo autógeno, em pacientes com fissura lábio-palatal, são consagrados na literatura principalmente quando se trata de pacientes com fissura unilateral do processo alveolar1-4.

Para o tratamento da pré-maxila em pacientes com fissura bilateral existem diversas modalidades descritas na literatura, tais como a completa remoção da pré-maxila, com a justificativa de promover um melhor fechamento do lábio5, e o reposicionamento da pré-maxila com enxerto ósseo autógeno, com resultados satisfatórios6,7.

A saúde bucal é um componente indissociável da saúde geral, por isso tem havido grande interesse pelo desenvolvimento e utilização de instrumentos de mensuração de qualidade de vida relacionados à saúde, com o objetivo de avaliar o impacto da doença ou deformidade bucal na vida do indivíduo8,9.

Sugere-se que os pacientes com fissura bilateral do processo alveolar, e que apresentam projeção exagerada da pré-maxila, apresentam uma maior tendência em serem vítimas de preconceito e dificuldade de relacionamento no grupo social em que vivem. Por isso os benefícios obtidos através da reconstrução do defeito maxilar, não contribuem apenas para a aparência estética, mas vão muito além, podendo restituir à criança sua identidade nos aspectos biológico, psicológico e sociocultural. Assim, procuramos : descrever o protocolo de tratamento no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal em Curitiba (CAIF); avaliar as motivações e expectativas em relação ao tratamento; avaliar a percepção de inclusão e integração social obtida pelo procedimento.

MÉTODO

O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Heliópolis, em 14 de agosto de 2007, sob o número 552, e envolveu uma amostra de 50 pacientes (33 do sexo masculino, correspondendo a 66% da amostra e 17 do sexo feminino, correspondendo a 17% da amostra) e portadores de fissura bilateral trans-forame, operados no período de janeiro de 2003 a julho de 2005.

Todos os pacientes foram submetidos ao protocolo de atendimento proposto pelo CAIF (Tabela 1).

A pesquisa teve início com a aplicação dos questionários no setor de Cirurgia Bucomaxilofacial nas dependências do Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal, Curitiba-PR (Tabela 1). Todos foram orientados sobre a pesquisa, assinando o termo de consentimento, autorizando as manobras propostas, assim como a divulgação dos resultados. Os questionários foram aplicados de forma individual pelo pesquisador em uma sala reservada. Foi dada total privacidade às crianças e aos responsáveis para responder às perguntas do questionário e não havia tempo limite para as respostas. As respostas eram, então, submetidas a uma avaliação, juntamente com a pedagoga da Instituição, para verificar, de fato, se o benefício social foi alcançado.

Quanto ao protocolo de tratamento, este envolvia a avaliação ortodôntica, com a instalação de disjuntores na maxila para corrigir a atresia maxilar e procurar melhorar o posicionamento da pré-maxila. A idade para o tratamento cirúrgico foi determinada em função do posicionamento dos caninos superiores e inferiores, entre 8 e 12 anos de idade.

Após o paciente ser considerado apto para o ato cirúrgico, é feito uma consulta pré-operatória, na qual são solicitados exames de sangue com hemograma completo, coagulograma completo, bioquímica do sangue (dosagens de sódio, potássio, creatinina, uréia, glicose) e, exame de elementos anormais e sedimentos de urina. São requisitados ainda, radiografias de face, panorâmica e telerradiografia de perfil e, radiografias intrabucais oclusal superior e periapical de incisivos superiores. A radiografia panorâmica pré-operatória é necessária, principalmente para determinar a posição dos caninos inferiores e a possibilidade de remoção do enxerto da área do mento (Figura 1). Na mesma consulta pré-operatória são realizadas moldagens com alginato da arcada dentária superior e inferior e, através de uma cirurgia simulada nos modelos de gesso, a pré-maxila é cortada recolocada em uma posição mais satisfatória, a qual permite uma forma de arco satisfatória, diminuindo a projeção da pré-maxila e os espaços correspondentes à fissura. Nesta fase, é confeccionado um guia cirúrgico em acrílico autopolimerizável, para ser usado no trans-operatório e auxiliar no posicionamento da pré-maxila. É solicitado ao ortodontista a colagem de bráquetes ortodônticos nos incisivos e molares superiores para ajudar na fixação do guia cirúrgico usando-se fios de aço número 0.


Os pacientes encaminhados ao centro cirúrgico foram submetidos a um procedimento sob anestesia geral e intubação orotraqueal. Logo após, realiza-se a antissepsia de toda a face do paciente com solução de iodo povidine, seguindo com a aposição de campos estéreis sobre o paciente.

Sob anestesia geral, o tamponamento da orofaringe é feito com gazes estéreis para proteção de vias aéreas superiores. A técnica cirúrgica utilizada preconiza infiltração de lidocaína 2%, com adrenalina diluída 1:200.000 na região a ser operada, com a finalidade de promover vasoconstrição e analgesia. Com uma lâmina de bisturi número 15, realiza-se a incisão vertical nas bordas da fissura, estendendo posterioriormente com uma incisão intra-sulcular de 01 a 02 dentes distantes da fissura. Nesta região, realiza-se uma incisão relaxante em direção ao fundo de vestíbulo. Realizou-se o mesmo procedimento no lado oposto, seguido do descolamento do retalho mucoperiostal .

Na borda da fissura da pré-maxila fizemos uma incisão vertical e descolamos somente o suficiente para expormos o osso alveolar remanescente. Na porção palatina foi exposto o osso que sustenta a pré-maxila. Com o uso de uma serra reciprocante foi feita a osteotomia na porção posterior à prémaxila. Em seguida foi incisada a mucosa palatina na altura da fissura palatina, mantendo cerca de 1,5 cm de mucosa palatina aderida na pré-maxila. A pré-maxila foi deslocada anteriormente e, a seguir, dividiu-se a mucosa nasal da bucal, promovendo o fechamento do assoalho nasal bilateral com fio reabsorvível. Uma vez vedado o assoalho nasal, realizamos a sutura da mucosa palatina com o remanescente da mucosa palatina da pré-maxila. O guia cirúrgico foi instalado e a pré-maxila foi reposicionada.

Na área doadora, quando a sínfise mandibular era utilizada, realiza-se uma incisão em mucosa labial, 1,5 cm abaixo da linha do vermelhão do lábio inferior, incisando mucosa e músculos, direcionando, em seguida, o bisturi para osso mandibular. Após o descolamento do periósteo, com uma broca de corte rotatória, foi realizado a osteotomia com um desenho apropriado para se adaptar aos defeitos da fissura.

Os blocos de enxertos ósseos foram adaptados às fissuras e fixados com miniplacas retas e parafusos. As miniplacas foram adaptadas para estabilizar os enxertos e a pré-maxila ao remanescente da maxila. O guia cirúrgico, além de fornecer a nova posição da pré-maxila, ajuda também na sustenção e fixação da mesma, e deve permanecer por no mínimo dois meses fixado a nova arcada superior.

O recobrimento do enxerto foi realizado com o retalho mucoperiostal, deslocado através de incisões relaxantes no periósteo da base do retalho. O fechamento da fissura foi promovido com o retalho livre de tensão e a sutura realizada com fio de nylon.

O acompanhamento pós-operatório foi ambulatorial e a sutura foi removida em duas semanas. A remoção do guia cirúrgico foi realizada após dois meses de cirurgia. A remoção das placas e parafusos foi realizada após três meses de cirurgia. Após esse período, o paciente era encaminhado, novamente, para retomar o tratamento ortodôntico.

RESULTADOS

Dentre os 50 pacientes operados, 45 (90%) casos tiveram cirurgias com sucesso, os enxertos ósseos integraram e houve o fechamento das fístulas buconasais. Nos cinco pacientes remanescentes (10%) o tratamento falhou ou teve sucesso parcial (um paciente com perda bilateral do enxerto; dois pacientes com perdas unilaterais do enxerto e dois casos de necrose da pré-maxila) após a primeira intervenção. Nos três casos de perda de enxerto, os pacientes se submeteram à nova intervenção com sucesso do procedimento. Nos dois casos de perda de pré-maxila por necrose, ocorreram novas cirurgias com enxerto para recuperar a pré-maxila com resultados satisfatórios.

Os parâmetros que permitem caracterizar o sucesso do tratamento foram baseados nas radiografias periapicais e oclusais, realizadas após 06 meses do ato operatório. Foi observado o preenchimento ósseo das fissuras e, ausência de mobilidade da pré-maxila ao exame clínico. Novas radiografias periapicais e oclusais foram realizadas com 12 meses de pós-operatório para se observar a irrupção dos caninos superiores e a movimentação ortodôntica dos dentes adjacentes à fissura (Figuras 2 e 3).



Quanto ao motivo da procura pelo tratamento cirúrgico, 84% dos pacientes tiveram indicação profissional e apenas 16% procuraram a cirurgia para melhora de condições estéticas e funcionais. (Tabela 2).

Quanto aos resultados em relação à expectativa de melhora após o tratamento, evidenciou-se que 76% procuraram pelo tratamento cirúrgico por insatisfação pessoal (estética). Em 18% dos entrevistados houve esperança por melhora nos relacionamentos sociais e afetivos, e em 6% houve interesse pela melhora das condições profissionais. (Tabela 3).

As mudanças percebidas foram significativas, 86% relataram maior confiança em si, e 14% observaram mudanças na aparência física. (Tabela 4 e Figuras 4 e 5).



Quanto à satisfação com os resultados, 96% afirmaram estar satisfeitos. (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A intervenção cirúrgica em pacientes portadores de fissuras bilaterais causa grande repercussão, principalmente quando se trata da pré-maxila, considerando a interferência no crescimento maxilar e os riscos do procedimento. Entretanto, a idade recomendada para realização do enxerto ósseo secundário é entre 8 e 12 anos10, sendo que os danos ao crescimento nessa região podem ter sido causados já durante o fechamento primário do lábio e/ou palato11. Este conceito também é apoiado por outros autores, que sugerem que o reposicionamento da pré-maxila pode ser realizado antes do término do crescimento facial, sem trazer prejuízos. Eles ainda sugerem que um posterior desenvolvimento de uma relação de classe III, pode ser atribuído a um prognatismo mandibular, e não a uma hipoplasia maxilar12. Outro grupo de pesquisadores também parece concordar que a osteotomia da pré-maxila proporciona um bom alinhamento do arco superior e, devolvem uma inclinação mais satisfatória aos incisivos superiores. Sendo assim, sugerem que mais estudos sejam realizados para observação das conseqüências, no longo prazo, sobre o crescimento facial13, o que não ocorreu em nosso trabalho.

Outro aspecto de grande relevância com relação à osteotomia da pré-maxila, desde a sua introdução, diz respeito ao risco de suprimento sanguíneo inadequado para a prémaxila e sua conseqüente perda por necrose14-16. Este aspecto do procedimento também está relacionado à utilização correta do método cirúrgico por equipe devidamente treinada e habilitada para sua execução. Falhas técnicas e ou desconhecimento da anatomia regional, podem levar à perda do suprimento sanguíneo do segmento ósseo deslocado e sua conseqüente perda. Quanto ao tipo de enxerto utilizado, várias áreas doadoras podem ser utilizadas, sendo a mandíbula a área que oferece maior quantidade de vantagens, como por exemplo a origem embrionária semelhante17, apesar da crista ilíaca ser usada mais recentemente para a enxertia em virtude da maior densidade óssea. O posicionamento dos caninos inferiores foi fundamental, pois dependendo do estágio de erupção dentária, podem dificultar a remoção do enxerto da região de sínfise mandibular (Figura 1), ou seja, é necessário que o estágio de erupção esteja avançado para que haja espaço para realização da osteotomia sem causar danos às raízes dentárias com a broca de corte. Assim em 24 pacientes, o enxerto foi removido da região da sínfise mandibular, e o uso de enxerto de crista ilíaca, em 26 pacientes, em fissuras muito grandes.

Por outro lado, alguns estudos vêm analisando os aspectos psicossociais e os benefícios alcançados com o tratamento cirúrgico em pacientes fissurados bilaterais. Alguns autores acreditam e estabelecem uma grande importância ao complexo maxilofacial na concretização da fisionomia dos seres humanos, principalmente depois de analisarem os portadores de má formação congênita lábio-palatal4, 18.

Ainda, alguns autores acreditam que as crianças com fissuras labiopalatinas em idade escolar enfrentam com freqüência uma experiência social negativa da reação das pessoas e de outras crianças com relação à aparência física diferente. As dificuldades iniciais tendem a se dissipar com a passagem do tempo e a serem minoradas pelo processo reabilitador, que deve se iniciar tão logo que possível9. Esse fato justifica, novamente, a possível influência positiva do procedimento cirúrgico proposto, sobre o bem estar social do paciente em tratamento.

Um outro aspecto a ser destacado, seria a repercussão do tratamento proposto na elevação da auto-estima dos pacientes. A satisfação da necessidade de auto-estima leva o indivíduo a sentir-se confiante, mais útil e necessário ao mundo. A não satisfação produz no indivíduo um sentimento de inferioridade, fraqueza e impotência. A persistência desses sentimentos desencadeará fracassos na sua trajetória ou processos patológicos variados19. Alguém cronicamente acometido de baixa auto-estima pode ser uma pessoa que tenha sua saúde comprometida. Problemas relacionados à região bucomaxilofacial acarretam péssimas funções mastigatórias, insatisfação para com suas condições orais e precária qualidade de vida20,21.

Desta forma, no presente estudo, tentou-se relacionar as melhoras alcançadas no convívio e desempenho escolar, com a elevação do nível de auto-estima das crianças. Esta correlação teria como embasamento o fato de que é na escola o lugar onde a criança irá enfrentar novos relacionamentos e julgamentos e, sua aparência física será um fator importante nesses julgamentos9. Complementando ainda essa idéia, existem autores que defendem a existência de uma identidade pessoal que os outros atribuem entre si por sua aparência física. A pessoa que o individuo se torna é uma construção histórica que inclui a auto-representação e a representação que os outros fazem deles. No corpo se inscreve toda uma série de medos e fantasias que determinam o grau de satisfação do indivíduo consigo mesmo22,23. O conceito de auto-estima tem sido estudado e considerado como um importante indicador da saúde mental24-26. A crítica, em geral, enfoca a necessidade de aplicação de instrumentos precisos que permitam avaliar a necessidade de auto-estima de cada indivíduo, principalmente crianças. Diante disso, é procedente a realização desse estudo que se caracterizou na avaliação dos níveis de auto-estima em pacientes crianças com fissura bilateral do processo alveolar.

Por outro lado, analisando os instrumentos de mensuração de qualidade de vida em crianças, alguns autores concordam que existe uma falta de consenso a respeito da administração do instrumento de avaliação. Sempre que a criança for hábil em prover dados confiáveis e válidos, a aplicação direta nestes pacientes é a estratégia ideal porque é consistente com a definição de qualidade de vida que enfatiza a perspectiva subjetiva do paciente27.

Um instrumento administrado por entrevista pode ser mais dispendioso que o questionário auto-administrado. Para crianças muito jovens ou gravemente debilitadas, os responsáveis podem prover informações que não poderiam ser obtidas de outra forma. Além disso, a perspectiva dos os responsáveis é importante por causa da natureza dependente da relação responsável-criança. É este responsável quem avalia o impacto da saúde da criança e decide se esta deve receber o tratamento, podendo também informar o impacto da doença da criança e do tratamento na dinâmica familiar, o que é parte integral da qualidade de vida da criança28.

Existem diversas desvantagens em usar os pais como respondedores. Primeiro, um relato por procuração é de alguma forma inconsistente como conceito de qualidade de vida, que é definido de acordo com a opinião subjetiva do paciente28. Segundo, o relato de pais e mães pode não ser equivalente entre si29,30, sendo recomendado que seja feito avaliação dos pais e depois cruzar as informações, com o objetivo de captar possíveis erros28. Terceiro, o relato dos responsáveis sobre o impacto da doença nas suas crianças é baseado no conhecimento acerca de como eles mesmos são afetados. Finalmente, não é totalmente claro se os pais seriam os adultos mais adequados a responder o questionário29, uma vez que algumas crianças podem passar mais tempo com professores, cuidadores ou outro membro da família do que com os pais, e assim outro adulto teria um conhecimento maior acerca do funcionamento social e psicológico da criança28.

Devido a esta falta de consenso, alguns pesquisadores têm sugerido obter em conjunto informações de responsáveis e crianças30. Esta abordagem pode prover uma informação mais completa de como a doença ou o tratamento impactam na vida das crianças e suas famílias28. No entanto, autores31 afirmaram que é evidente que ainda se está muito aquém de uma concepção uniforme e universal de qualidade de vida na infância, como também de meios de avaliação deste conceito adaptados ao universo infantil. É prioridade que se tenha clara a necessidade de instituir definições que traduzam os interesses das crianças e do adolescente, e não dos adultos que os avaliam, e que se instaurem métodos de avaliação que captem a percepção do indivíduo a ser avaliado, e não as expectativas e percepções do cuidador, seja ele pai ou profissional de saúde.

Sendo assim, a auto-avaliação da saúde bucal e da satisfação global com a vida proporciona à criança e seus responsáveis a oportunidade de expressar sua concepção pessoal da própria realidade e da sua saúde. Os resultados encontrados nesta pesquisa são referentes às pessoas estudadas, não podendo ser generalizados para toda a população de fissurados bilaterais do Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal, sendo o tamanho desta amostra o fator limitante deste estudo. A partir da análise dos dados observados nas tabelas, pode-se observar que embora houvesse preocupação com uma melhora estética, a aceitação da cirurgia pela maior parte dos pacientes (84%) ocorreu pela sugestão da própria instituição, porque, como já descrito anteriormente, o paciente que faz parte de um tratamento reabilitador longo ambienta-se rapidamente aos procedimentos médicos e técnicos do hospital, o que pode não ser positivo, pois o paciente pode não mais responder ao tratamento com a devida autonomia32.

A valorização da aparência física contribuiu para a procura pela cirurgia em 10% dos pacientes estudados, justificado pelo fato de que em países ocidentais, o belo é valorizado33. Apesar de serem os problemas funcionais uma das principais argumentações para a intervenção cirúrgica, os pacientes observam mudanças significativas nas suas relações sociais, pois com a nova apresentação do rosto e da fala, sentem-se mais seguros na busca da aceitação pelo grupo em que se inserem24.

A maioria dos benefícios, esperados pelos pacientes com o tratamento cirúrgico, indicou a dimensão social, afetiva e busca por satisfação pessoal. Esses fatores, segundo a literatura, são os principais motivos que levam a procura pela cirurgia e que ajudam, encorajando, no processo de adaptação pós-operatória22.

Quanto às mudanças percebidas pelos pacientes, os resultados foram condizentes com as expectativas de melhora. Essa fase do tratamento cirúrgico é vista pelos pacientes como uma das últimas cirurgias de uma série de várias. Em decorrência disso, o tratamento cirúrgico provoca no paciente um sentimento de libertação e de estar pronto para o convívio social e para os relacionamentos interpessoais. A intervenção cirúrgica constitui um consentimento concreto para a exteriorização de desejos e vontades reprimidas25.

De modo geral, o grupo de pacientes estudado ficou bastante satisfeito com os resultados. De acordo com os relatos, os resultados levaram à harmonia estética, além de modificações nas relações interpessoais e aumento da auto-estima; maior integração social e maior cooperação diante das terapêuticas paralelas a recuperação20. Tal afirmativa confirma a eficácia do processo cirúrgico e leva a constatar que os pacientes foram beneficiados com o tratamento.

Em síntese, observamos que: o protocolo de reposicionamento cirúrgico da pré-maxila é uma técnica viável para o tratamento dos pacientes portadores de fissura bilateral do processo alveolar . A maioria dos pacientes submetidos ao tratamento de reposicionamento de maxila percebeu o tratamento como continuidade dos cuidados dispensados, participou por indicação médica, com expectativa de melhora no aspecto pessoal e melhora da autoconfiança. 96% dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico proposto manifestaram satisfação com os resultados obtidos, o que facilita a inclusão e integração social dos mesmos.

Recebido em 23/05/2008

Aceito para publicação em 07/08/2008

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Curso de Pós-Graduação do Hospital Heliópolis, Hosphel, São Paulo e no Centro de Atendimento Integral Lábio-Palatal de Curitiba, PR.

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  • Endereço para correspondência:
    Abrão Rapoport
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      07 Ago 2008
    • Recebido
      23 Maio 2008
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