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Uso de língua bovina na prática de técnicas de sutura

Suturing techiniques teaching method using bovine tongue

Resumo

The authors present a method of teaching of suture techniques being used instrumental surgical and bovine tongue used in the evaluation of the graduation students' learning. The evaluation of the technique, used since January 2000, considering students' motivation, learning curve, practical applicability, quality of the biological material used and similarity to the human tegument. The acceptance for the students was very good and the bovine tongue was shown material of easy acquisition and extremely useful in the teaching of suture techniques. The presented method is simple, easily reproductible and interesting. The bovine tongue is similar to the skin and the subcutaneous tissue, providing more enlightening and stimulants practical lessons.

Suture techniques; Education, medical; Surgical instruments


Suture techniques; Education, medical; Surgical instruments

ENSINO

Uso de língua bovina na prática de técnicas de sutura

Suturing techiniques teaching method using bovine tongue

Diogo Franco, TCBC-RJI; João Medeiros, TCBC-RJII; Alessandro GrossiIII; Talita Franco; ECBC-RJIV

IDoutor em Cirurgia Plástica; Professor Adjunto da UFRJ

IIMestre em Cirurgia Plástica

IIIMédico-Residente de Cirurgia Plástica do HUCFF-UFRJ

IVProfessora Titular da UFRJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Diogo Franco Praia de Botafogo, 528 - 1304 / A 22250-040 - Rio de Janeiro - RJ Tel / Fax: (21) 22956223 Email: diogo@openlink.com.br

ABSTRACT

The authors present a method of teaching of suture techniques being used instrumental surgical and bovine tongue used in the evaluation of the graduation students' learning. The evaluation of the technique, used since January 2000, considering students' motivation, learning curve, practical applicability, quality of the biological material used and similarity to the human tegument. The acceptance for the students was very good and the bovine tongue was shown material of easy acquisition and extremely useful in the teaching of suture techniques. The presented method is simple, easily reproductible and interesting. The bovine tongue is similar to the skin and the subcutaneous tissue, providing more enlightening and stimulants practical lessons.

Key words: Suture techniques/education; Education, medical/method; Surgical instruments.

INTRODUÇÃO

O ensino da arte da medicina tem se mostrado tarefa árdua nos dias atuais. A necessidade e a solicitação intensa dos alunos por conhecimentos nas mais variadas áreas de atuação estimula o professor a programar diferentes técnicas de ensino. Os avanços tecnológicos possibilitam a transmissão de conhecimentos e demonstração de procedimentos, principalmente cirúrgicos, que antes não eram passíveis de serem feitos em larga escala e em sala de aula.

O ensino somente com aulas teóricas, contudo, não atinge o nível necessário de aprendizado sobretudo nas áreas em que a parte artesanal é importante. Por isso, se fazem necessárias as aulas práticas.

Na área cirúrgica, habitualmente, inicia-se este processo com aulas de sutura. Para tal utilizam-se substitutos de pele como pele sintética ou pele suína. Estes modelos porém, são insuficientes para a prática de alguns tipos de sutura tegumentar por sua diferença em relação à pele humana.

Com a finalidade de se disponibilizar situações semelhantes às encontradas na prática médica, inclusive simulando feridas com perda de substância e necessidade de confecção de retalhos, passou-se a utilizar língua bovina como substituto da pele, nas aulas práticas de técnicas de sutura ministradas pelo Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ).

TÉCNICA

As aulas são dadas para grupos de, no máximo, 12 alunos, sentados no contorno de mesas em forma de U, cobertas com plástico descartável. Esta disposição facilita a intervenção do professor no esclarecimento das dúvidas (Figura 1).


Cada aluno recebe um par de luvas, um porta-agulha, uma pinça dente-de-rato e uma tesoura para secção de fio. O fio utilizado é o "mononylon" 3-0 com agulha cortante de 2,5 cm.

A língua bovina é adquirida em supermercados ou açougues, na forma congelada ou fresca. Pode ser mantida em congelador até que seja necessária em aula, descongelando-se 24 horas antes do uso.

Para preparo do material retira-se o excedente de tecido da base da língua, correspondente ao assoalho da boca, para que a peça possa ser esticada sobre a bancada permitindo trabalhar nas faces ventral ou dorsal.

A face dorsal da língua, principalmente em sua extremidade distal, mimetiza bem as características da pele humana em termos de espessura e consistência. A falta de tecido subcutâneo é compensada pela musculatura, que a ele se assemelha ao toque e durante o manuseio com o instrumental. Esta região é utilizada quando se quer traçar um paralelo com os tegumentos da região abdominal humana (Figura 2).


A face ventral da língua pode ser utilizada para se aprimorar a técnica de sutura em peles mais delgadas como as da face e das pálpebras.

Uma língua pode ser dividida em três ou quatro partes para que cada aluno possa praticar em sua própria peça. O professor faz uma incisão em forma de L, com aproximadamente cinco centímetros em cada vertente, para que sejam realizados diferentes tipos de sutura.

Inicialmente são dadas orientações sobre manuseio do instrumental e postura cirúrgica, bem como tipos de diérese e de síntese. Mostra-se a diferença entre as incisões perpendiculares à superfície e as realizadas em bisel. Discute-se a espessura de fio e o tipo de sutura mais adequados às diferentes espessuras de pele.

O treinamento começa com o ponto simples e o aluno é estimulado a atuar com elegância, procurando dar pontos eqüidistantes, entre si e em relação à borda da ferida, com os nós posicionados todos do mesmo lado. A sutura é feita primeiramente entre bordas congruentes, mostrando-se depois os recursos para afrontamento quando uma das bordas for mais longa ou mais espessa do que a outra e os pontos em U têm sua indicação. Os pontos de ângulo permitem demonstrar os cuidados em relação à vascularização das bordas, que pode ser prejudicada por suturas muito apertadas ou posicionadas de forma incorreta. A espessura da submucosa da língua assemelha-se à da derme do dorso humano possibilitando boa sutura intradérmica (Figura 3). Na profundidade da incisão é feito o treinamento de sutura do subcutâneo mostrando-se a diferença entre o ponto comum e o ponto com nó invertido.


DISCUSSÃO

Em 1975, Aldrovando e cols. publicaram sua experiência com o uso de modelos, em animal vivo, no ensino da Anatomia Funcional1. As características de textura, coloração e mobilidade do tecido vivo são totalmente diferentes nas peças cadavéricas onde os alunos têm seu primeiro contato com a anatomia humana. O sucesso das aulas estimulou-os a utilizarem estes modelos no ensino prático da Cadeira de Técnica Operatória que, à época, constituía uma disciplina independente. O método, porém, apesar de reproduzir condições de excelência para o aprendizado, mostrou-se inviável para grandes turmas, devido ao custo elevado e ao uso de animais. Enquanto a Cadeira existiu, as aulas foram dadas em cadáver. Com a reforma universitária, a Cátedra de Técnica Operatória foi extinta e as aulas práticas de procedimentos cirúrgicos básicos deixaram de ser ministradas durante muitos anos.

Poucas são as publicações atuais a respeito de modelos de ensino de técnicas de sutura. Ebran Neto et al. preconizam a utilização de dispositivo feito de material não biológico para o treinamento de nós realizados, frequentemente com as mãos, em cirurgia abdominal2. Camello-Nunes et al. relatam o uso de material biológico, semelhante ao por hora apresentado, para a prática de técnicas básicas de cirurgia plástica, como enxertos e retalhos3. Outras publicações se referem ao aprendizado de procedimentos realizados em cirurgia oral, como biópsias e enxertos de mucosa4,5.

Desde 2000 substituímos o uso de pele de porco pela língua bovina nas aulas práticas de sutura ministradas pelo Serviço de Cirurgia Plástica do HUCFF-UFRJ, atingindo, aproximadamente, 100 alunos por período semestral.

A diferença foi significativa. O manuseio do instrumental fez-se semelhante ao uso em humanos, com a percepção correta do que deve ser feito para adequada coaptação dos tecidos. Os alunos se tornaram mais interessados no aprendizado, discutem experiências passadas em salas de emergência e, habitualmente, se sentem estimulados a experimentar técnicas mais elaboradas de sutura como os pontos de ângulo e os intradérmicos.

Percebe-se que, inicialmente, há um clima de ansiedade e insegurança com relação à própria capacidade de realização dos procedimentos. Contudo, à medida que adquirem habilidade manual e as etapas são vencidas em conjunto, percebe-se o aumento da autoconfiança e o desejo de aplicar suas novas habilidades quando houver oportunidade. Estas aulas práticas, com assessoria especializada, permitem aos alunos de graduação compreender a lógica, a técnica e a importância da sutura tegumentar, freqüentemente menosprezada por outras especialidades que não a Cirurgia Plástica. Podem ser aplicadas, em maior grau de complexidade, aos que começam nesta especialização, pois a língua bovina permite de monstrar, também, a confecção de vários tipos de retalho.

Recebido em 15/07/2008

Aceito para publicação em 10/09/2008

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ).

  • 1. Aldrovando J, Franco T, Cruz R. O valor dos modelos em animal vivo no ensino da anatomia funcional. Rev Bras Cir. 1975;65(3/4):73-6.
  • 2. Ebram Neto J, de Paula PR, Celano RM. Modelo de dispositivo para treinamento e avaliação das habilidades em técnica operatória. Acta Cir Bras. 1998;13(1):58-60.
  • 3. Camelo-Nunes JM, Hiratsuka J, Yoshida CA, Beltrani-Filho CA, Oliveira LS, Nagae AC. Ox tongue: an alternative model for surgical training. Plast Reconstr Surg. 2005;116(1):352-4.
  • 4. Quinn JH. Use of a calf's tongue in teaching techniques for biopsy. J Oral Surg. 1975;33(1):63-4.
  • 5. Carvalho ACP, Saad-Neto M. Contribuição às atividades préclínicas no ensino de cirurgia bucal. Rev Bras Odontol. 1977;34(1/2):49-53.
  • Endereço para correspondência:

    Diogo Franco Praia de Botafogo, 528 - 1304 / A
    22250-040 - Rio de Janeiro - RJ
    Tel / Fax: (21) 22956223
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Jul 2008
    • Aceito
      10 Set 2008
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