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Tela de polipropileno versus correção sítio-especifica no tratamento do prolapso de parede vaginal anterior: resultados preliminares de ensaio clínico randômico

Resumos

OBJETIVO: Comparar o uso de tela de polipropileno e correção sitio-específica no tratamento cirúrgico do prolapso vaginal anterior. MÉTODOS: Estudo prospectivo randômico comparativo em que foram operadas 32 pacientes com idades entre 50 e 75 anos, que apresentavam prolapso vaginal anterior estádio III ou IV, ou recidivado. A estática pélvica foi avaliada segundo as recomendações da International Continence Society (ICS), o sistema POP-Q e pelo Índice de Quantificação de Prolapso (POP-Q-I) Absoluto e Relativo. Para o rastreamento da incontinência urinária de esforço oculta todas as pacientes, sintomáticas ou não, foram submetidas a estudo urodinâmico em posição semi-ginecológica e semi-sentada, com redução do prolapso com pinça de Cheron. Registrou-se o tempo cirúrgico, o volume de sangramento intra-operatório e as complicações intra e pós-operatórias. O tempo de seguimento médio do estudo foi de 8,5 meses. RESULTADOS: Em relação aos resultados anatômicos ocorreu melhores resultados com a utilização de tela de polipropileno sobre o reparo sitio-específico. Em relação à morbidade cirúrgica, observou-se menor tempo cirúrgico no grupo em que utilizou-se tela. CONCLUSÃO: Houve superioridade dos resultados anatômicos obtidos com a utilização de tela de polipropileno sobre o reparo sitio-específico.

Prolapso Uterino; Soalho Pélvico; Telas Cirúrgicas; Procedimentos Cirúrgicos Ginecológicos


OBJECTIVE: Pelvic organ prolapse is a disorder caused by the imbalance between the forces responsible for supporting the pelvic organs in their normal position and those that tend to expel them from the pelvis. Anterior vaginal wall prolapse, known as cystocele, is the most common form of prolapse and can result from lesions in different topographies of the endopelvic fascia. Currently, a woman has an 11% risk of being submitted to a surgical procedure to correct pelvic floor disorder, and a 29% chance of being reoperated due to failure in the first surgery. METHODS: A prospective randomized study was conducted to compare the use of polypropylene mesh with site-specific repair in the surgical treatment of anterior vaginal prolapse. Thirty-two patients aged between 50 and 75 years, who had previous vaginal prolapse at stage III or IV, or prolapse recurrence, were operated. Mean follow-up was 8.5 months. RESULTS: The results demonstrate the superiority of the anatomical outcomes with the use of polypropylene mesh over site-specific repair. Regarding surgical morbidity, shorter operative time was observed for the mesh group. CONCLUSION: The results observed in this study indicate the superiority of anatomical results obtained with the use of polypropylene mesh over site-specific repair.

Uterine Prolapse; Pelvic Floor; Surgical Mesh; Gynecologic Surgical Procedures


ARTIGO ORIGINAL

Tela de polipropileno versus correção sítio-especifica no tratamento do prolapso de parede vaginal anterior: resultados preliminares de ensaio clínico randômico

Jacqueline Leme LunardelliI; Antonio Pedro Flores AugeII; Nucélio Luiz de Barros Moreira LemosIII; Silvia da Silva CarramãoIII; André Lima de OliveiraIII; Eliana DuarteIV; Tsutomu AokiV

IAssistente da Clínica de Uroginecologia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia (DOGi) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP)

IIChefe da Clínica de Uroginecologia do DOGi da ISCMSP

IIIAssistente da Clínica de Uroginecologia do DOGi da ISCMSP

IVPós-Graduanda pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

VProfessor Adjunto e Diretor do DOGI da ISCMSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Jacqueline Leme Lunardelli jackieluna@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar o uso de tela de polipropileno e correção sitio-específica no tratamento cirúrgico do prolapso vaginal anterior.

MÉTODOS: Estudo prospectivo randômico comparativo em que foram operadas 32 pacientes com idades entre 50 e 75 anos, que apresentavam prolapso vaginal anterior estádio III ou IV, ou recidivado. A estática pélvica foi avaliada segundo as recomendações da International Continence Society (ICS), o sistema POP-Q e pelo Índice de Quantificação de Prolapso (POP-Q-I) Absoluto e Relativo. Para o rastreamento da incontinência urinária de esforço oculta todas as pacientes, sintomáticas ou não, foram submetidas a estudo urodinâmico em posição semi-ginecológica e semi-sentada, com redução do prolapso com pinça de Cheron. Registrou-se o tempo cirúrgico, o volume de sangramento intra-operatório e as complicações intra e pós-operatórias. O tempo de seguimento médio do estudo foi de 8,5 meses.

RESULTADOS: Em relação aos resultados anatômicos ocorreu melhores resultados com a utilização de tela de polipropileno sobre o reparo sitio-específico. Em relação à morbidade cirúrgica, observou-se menor tempo cirúrgico no grupo em que utilizou-se tela.

CONCLUSÃO: Houve superioridade dos resultados anatômicos obtidos com a utilização de tela de polipropileno sobre o reparo sitio-específico.

Descritores: Prolapso Uterino. Soalho Pélvico. Telas Cirúrgicas. Procedimentos Cirúrgicos Ginecológicos.

INTRODUÇÃO

O prolapso de órgãos pélvicos (POP) é definido como o deslocamento permanente, parcial ou total, de qualquer segmento ou órgão pélvico da sua localização habitual, abrangendo a procidência das paredes vaginais (cistocele, retocele, enterocele) ou do útero. É enfermidade decorrente do desequilíbrio entre as forças encarregadas de manter os órgãos pélvicos em sua posição normal, e aquelas que tendem a expeli-los para fora da pelve.

Os defeitos do assoalho pélvico constituem uma epidemia que passa despercebida por muitos1. Estudos mostram que nos Estados Unidos, cerca de 300 mil mulheres por ano são submetidas a operações para correção de prolapso e incontinência urinária2.

Nos dias de hoje, uma mulher tem 11% de risco de ser submetida a algum procedimento cirúrgico para correção de disfunções do assoalho pélvico e 29% de chance de ser re-operada, devido à falha na primeira operação. Dentre os diversos sítios de prolapso, a parede vaginal anterior é o mais frequente e o principal local de recidiva3. Diversas técnicas cirúrgicas para correção do prolapso vaginal anterior (PPVA), amplamente conhecido como cistocele, já foram descritas. Classicamente, por muitos anos realizou-se colporrafia anterior descrita por Kelly-Kennedy em 1913, para a correção da incontinência urinária aos esforços (IUE) e cistocele.

A correção do PPVA por meio da colporrafia anterior, sem utilização de implantes, mostra elevado índice de recorrência, o que pode atingir até 40%4-6. Desse modo, o objetivo deste estudo foi comparar os resultados anatômicos obtidos com a utilização de tela de polipropileno ou operação de correção sitio-especifica para a correção do prolapso de parede vaginal anterior.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade de Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) e as pacientes que consentiram em participar assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi realizado no setor de Uroginecologia e Cirurgia Vaginal do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia (DOGI) da ISCMSP no período de junho de 2006 a maio de 2008.

Trata-se de estudo randômico envolvendo 32 mulheres com PPVA, atendidas no ambulatório desta instituição hospitalar. As mulheres foram divididas em dois grupos: Grupo com tela – 16 pacientes submetidas à correção do PPVA com a utilização de tela sintética de polipropileno monofilamentado (Nazca TC, Promedon, Córdoba, Argentina) e Grupo sem tela – 16 pacientes submetidas à correção cirúrgica sítio-específica do PPVA, sem a utilização de tela sintética.

A divisão dos grupos foi realizada com tábua de randomização por um terceiro elemento não envolvido no estudo, que colocou os resultados obtidos em envelopes lacrados, os quais foram abertos no momento da internação da paciente.

Foram incluídas pacientes com idade entre 50 e 75 anos e diagnóstico de PPVA estádio III ou IV, ou prolapso vaginal anterior recidivado. Foram excluídas gestantes ou puéperas recentes até seis meses de pós-parto, pacientes com antecedente de uso de implantes em procedimento pélvico reconstrutivo ou anti-incontinência, portadoras de distúrbios de coagulação sanguínea, insuficiência renal e/ou obstrução do trato urinário superior, divertículo de uretra ou antecedente de irradiação pélvica. As pacientes foram submetidas à anamnese, exame físico geral e ginecológico.

A estática pélvica foi avaliada segundo as recomendações da International Continence Society (ICS), segundo o sistema POP-Q7 e pelo Índice de Quantificação de Prolapso (POP-Q-I) Absoluto e Relativo8-10. Para o rastreamento da incontinência urinária de esforço oculta todas as pacientes, sintomáticas ou não, foram submetidas a estudo urodinâmico em posição semi-ginecológica e semi-sentada, com redução do prolapso com pinça de Cheron.

Registrou-se o tempo cirúrgico (minutos), o volume de sangramento intra-operatório (mL) e as complicações intra e pós-operatórias. O tempo cirúrgico foi medido com cronômetro, sendo utilizado para comparação somente o tempo da realização da operação sitio-específica ou da correção cirúrgica com tela; não foi levado em conta o tempo dos procedimentos concomitantes. O volume de sangramento foi medido com o uso de aspirador cirúrgico de plástico descartável, acoplado a coletor graduado a cada 20 mL.

Utilizou-se 2,0g de cefazolina e 1,0g de metronidazol, no momento da indução anestésica, para antibioticoprofilaxia. A sonda vesical foi retirada após 24 horas. As pacientes foram orientadas a não realizar esforço físico por 30 dias e se abster de atividade sexual durante 60 dias após o procedimento. A estática pélvica das pacientes foi reavaliada da mesma maneira no pós-operatório e registrada em um, três, seis e 12 meses.

Foram realizados, conforme indicação, e registrados os procedimentos cirúrgicos concomitantes como

histerectomia vaginal (HV), fixação sacroespinhal (FSE), colpoperineoplastia (CPP), correção da retocele, operação de McCall, de acordo com os achados pré-operatórios.

Nas pacientes do grupo sem tela que apresentavam diagnóstico pré-operatório de IUE, foi realizado sling sub-uretral transobturatório pela mesma incisão (Safyre T®, Promedon®, Córdoba, Argentina). Já nas pacientes do grupo com tela com IUE, utilizou-se a mesma tela para a correção do PPVA e IUE (Nazca TC®). Todos os dados foram registrados em protocolos específicos do estudo.

As pacientes do grupo com tela foram submetidas à correção do PPVA com a utilização de tela sintética de polipropileno monofilamentado (Nazca TC®, Promedon® Ltda, Córdoba, Argentina). As pacientes foram colocadas em posição de litotomia e submetidas a cateterismo vesical. A seguir infiltrou-se a parede vaginal com solução preparada a partir da diluição de 250 mL de solução fisiológica (NaCl 0,9%) e 1 mL de adrenalina a 1%, para facilitar a dissecção e hemostasia.

Foi realizada incisão longitudinal mediana na parede vaginal anterior, a partir de 1,5 cm abaixo do meato uretral, na altura da inserção do ligamento pubouretral até atingir a cérvice uterina. A partir desta incisão, a dissecção foi ampliada lateralmente até o ramo ísquio-púbico bilateralmente. Duas incisões suprapúbicas de 1,0 cm, distando 2,5 cm laterais ao clitóris e 3,0 cm acima foram feitas para posterior passagem das agulhas pré-púbicas.

A tela sintética composta de polipropileno monofilamentar com macroporos de 6 mm no centro foi projetada para a correção do PPVA isolado ou em associação com IUE (Nazca TC®). O kit contém três agulhas: uma para a abordagem pré-púbica e duas helicoidais para a abordagem transobturatória inferior. A tela possui quatro pontos de fixação: dois braços pré-púbicos e dois transobturatórios. Apresenta silicone nas extremidades que permite a conexão às respectivas agulhas.

As agulhas pré-púbicas foram introduzidas, via vaginal, orientando-as até o subcutâneo das incisões supra-púbicas previamente realizadas e guiadas pelo dedo indicador do cirurgião, após tunelização para-uretral. As agulhas e a tela de polipropileno foram conectadas e os braços superiores da malha tracionados pelas incisões supra-púbicas em direção à uretra média.

As agulhas transobturatórias foram inseridas 2 cm lateralmente e 3 cm inferiormente em relação à abordagem transobturatória convencional, com a extremidade da agulha apontada em direção à espinha isquiática de modo a perfurar a membrana obturatória na altura do arco tendíneo da fáscia endopélvica, em seu terço proximal. A seguir, o corpo inferior da tela foi fixado no anel pericervical com uso de fio nylon 0 (Mononylon®, Ethicon®) e os braços inferiores da malha foram tracionados, corrigindo desta maneira os defeitos da fáscia pubocervical.

Após revisão da hemostasia, a parede vaginal foi fechada usando-se a técnica de sobreposição (fechamento em "jaqueta"), com pontos separados de poliglactina 2-0 (Vicryl®, Ethicon®), com o intuito de evitar a ressecção do excesso de mucosa vaginal e proteção da tela para eventual erosão ou extrusão. O cateter de Foley foi deixado no pós-operatório imediato e mantido por 24 horas. O uso de antibiótico e analgésico foi prescrito de acordo com protocolo local.

As pacientes do grupo sem tela foram submetidas à correção cirúrgica sítio-específica do PPVA, sem a utilização de tela sintética. Foram colocadas em posição de litotomia e submetidas a cateterismo vesical. A seguir infiltrou-se a parede vaginal com 250 mL de solução fisiológica (NaCl 0,9%) e 1 mL de adrenalina a 1% para facilitar a dissecção e hemostasia. Realizada incisão mediana da parede vaginal anterior, a partir de 1,5 cm abaixo do meato uretral, na altura da inserção do ligamento pubouretral até atingir a cérvice uterina.

A partir desta incisão, uma dissecção lateral foi ampliada até o ramo ísquio-púbico, bilateralmente. Foi possível então identificar os defeitos da parede vaginal anterior existentes para correção sítio-específica dos mesmos.

Na presença de defeito lateral, foi realizada a passagem de pontos separados a cada centímetro, para reinserção da fáscia pubocervical no arco tendíneo, desde a porção mais anterior do ramo ísquio-púbico até a espinha isquiática. Já a correção do defeito central, consistiu na plicatura da fáscia pubocervical na linha média, e no defeito transverso, realizando-se a sua re-inserção no anel pericervical. O fio utilizado foi de polietileno multifilamentado (Ethibond® 1).

A parede vaginal foi fechada com a técnica em "jaqueta", conforme descrito para o grupo com tela e o cateter de Foley foi deixado no pós-operatório imediato e mantido por 24 horas.

Os dados coletados foram alocados em planilha de cálculo do programa Excel do pacote Office da Microsoft® (Excel 2003). Os cálculos foram realizados por meio do programa SigmaStat da Jandel Corporation® (SigmaStat®; 1995).

Foi utilizado o teste Mann-Whitney para a comparação entre os grupos quanto à idade, IMC, antecedentes obstétricos, POP-Q-I pré-operatório, POP-Q-I pós-operatório, tempo da operação (minutos) e quantidade de sangramento (mL). Foram feitas duas tabelas de frequência dos procedimentos cirúrgicos prévios e concomitantes de acordo com os grupos.

Considerou-se o risco-α < 0,05 ou 5% para rejeição da hipótese de nulidade.

O tamanho da amostra foi calculado com base no desvio padrão para o ponto Ba9 de 0,7 cm. O cálculo foi realizado com base na fórmula para o tamanho de amostra ideal do teste T de Student, considerando a=5% bi-direcional, poder de 90% para a detecção de diferença de 1 cm entre os dois grupos, com taxa estimada de abandono de 30%. Para o cálculo do tamanho amostral foi utilizado o programa MinitabÒ 15.1.1.0 (MinitabÒ Inc. EUA).

RESULTADOS

Trinta e duas pacientes foram avaliadas com seguimento médio de nove meses (grupo com tela = 9,0; grupo sem tela = 7,9), sendo que não houve diferença significante entre os grupos. Nenhuma paciente foi perdida durante o seguimento, sendo a taxa de abandono igual a zero.

A idade das pacientes variou de 54 a 76 anos (média = 63,3; mediana = 62,5 anos) e o índice de massa corpórea (IMC) variou de 21,4 a 35,7 (média = 26,4; mediana = 26,1). Os grupos se mostraram homogêneos quanto à antropometria a antecedentes obstetricos (Tabela 1). Dezenove operações prévias foram realizadas nas pacientes incluídas neste estudo sendo 10 (52,6%) com tela (seis colpoperineoplastias, três histerectomias abdominais, uma histerectomia vaginal) e nove (47,4%) com tela (cinco colpoperineoplastias, três histerectomias abdominais e uma histerectomia vaginal).

Os procedimentos cirúrgicos realizados concomitantemente nas pacientes de ambos os grupos estão demonstrados na tabela 2. Não houve complicações intra-operatórias.

Duas pacientes do grupo com tela e sete do grupo sem tela apresentavam IUE pré-operatória. Uma paciente do grupo com tela e uma do grupo sem tela apresentaram IUE de novo. As pacientes que apresentaram falhas no tratamento da IUE foram encaminhadas à fisioterapia do assoalho pélvico e encontram-se curadas.

Ocorreu um caso de erosão de tela (6,25%), a qual se localizava na região lateral esquerda da parede vaginal anterior. A lesão foi tratada com estrogênio tópico e exérese parcial da tela sob anestesia local.

Com relação ao tempo cirúrgico, no grupo com tela a média encontrada foi de 56,1 minutos e no grupo sem tela 80,9 minutos (p=0,002). O sangramento intra-operatório foi de 76,3 mL no grupo com tela e de 126,9 mL, diferença estatisticamente não significante (p=0,260).

O Índice de Quantificação de Prolapsos (POP-Q-I) para os pontos Aa, Ba, C, Bp e Ap, foi o proposto e validado em outros estudos9,11. O POP-Q-I quantifica o prolapso como uma variável contínua, sendo zero a ausência total de prolapso e um o máximo prolapso possível para um determinado ponto (tabela 3).

DISCUSSÃO

A correção do PPVA representa um dos grandes desafios na cirurgia reconstrutiva do assoalho pélvico em termos de sucesso e duração do suporte anatômico. Numerosos estudos para a correção dos defeitos da parede vaginal anterior foram propostos no ultimo século, tanto por via abdominal como vaginal.

Apesar do melhor conhecimento da anatomia e suas funções e do avanço nas técnicas cirúrgicas, as taxas de sucesso em longo prazo ainda são variáveis. A literatura mostra que em relação à colporrafia anterior, estas taxas variam entre 37% e 100%11.

A importância do defeito paravaginal nos prolapsos do compartimento anterior foi descrita por White em 191212. Richardson et al.13 demonstraram que as pacientes podem apresentar combinação de dois ou mais tipos de defeitos; desta forma pode-se entender um dos motivos do alto índice de recidivas nas colporrafia anterior.

Inúmeros estudos com o uso de telas sintéticas inabsorvíveis foram reportados na literatura em modelos humanos para correção da procidência de parede vaginal posterior14 ,anterior15,16, prolapso de cúpula vaginal17, prolapso genital total18 e incontinência urinária de esforço19.

Os diferentes procedimentos cirúrgicos para correção do PPVA reportam taxas de recorrência de 3% a 70% após a colporrafia anterior20-22 e de 5% a 50% após realização de reparo paravaginal por via vaginal. Pode-se observar, em outro estudo23 com seguimento de 10 anos, que o uso de telas sintéticas para correção dos prolapsos de órgãos pélvicos revelou índices de satisfação de 68% (seguimento de seis meses a três anos), 73% (três a seis anos) e 74% (acima de seis anos)24.

Em revisão sistemática da literatura para correção do PPVA considerando-se níveis de evidência 1 e 2, outros autores25 observaram que o uso de telas oferece resultados anatômicos e cirúrgicos superiores aos obtidos com a colporrafia tradicional, embora esta evidência ainda seja limitada a poucos estudos clínicos.

Em estudo randômico com 83 pacientes, Weber et al.22 compararam a correção do PPVA pelas técnicas de colporrafia anterior, correção do defeito paravaginal e com uso de tela sintética absorvível de poliglactina 910 (VicrylÒ, Ethicon, EUA). Em tempo de seguimento médio de dois anos, observaram taxas objetivas de sucesso de 30%, 46% e 42 % respectivamente. Houve erosão do tecido vaginal em apenas 2,9% dos casos havendo necessidade de remoção cirúrgica do material.

Na mesma época, Sand et al25, compararam a correção do PPVA pela colporrafia tradicional com uso de tela igual à do estudo anterior. A taxa de sucesso no grupo com tela foi significativamente maior que no primeiro grupo, 57% e 75% respectivamente.

Os resultados inconsistentes obtidos com o uso de telas absorvíveis têm desencorajado seu uso e as telas inabsorvíveis do tipo 1 (macroporosas, monofilamentares) vêm sendo mais amplamente utilizadas.

O primeiro a relatar o uso de telas sintéticas inabsorvíveis na correção do PPVA foi Julian em 199615. Em estudo prospectivo, 24 mulheres portadoras de PPVA recidivado foram randomizadas, sendo 12 submetidas a colporrafia anterior e 12 a colporrafia anterior e colocação de tela de Marlex (Bard, EUA). No seguimento de 24 meses, foram observadas taxas de sucesso de 66% e 100% nos grupos respectivamente.

Vários fatores contribuem para a heterogeneidade dos resultados observados na literatura. Dentre eles, podem-se enumerar diferentes delineamentos (muitos dos estudos são retrospectivos), diferentes técnicas cirúrgicas, diferenças de amostra e, principalmente, os critérios de falha e recorrência utilizados por cada autor.

Neste estudo, não se avaliaram os resultados como sucesso ou recidiva. Utilizou-se puramente a comparação do Índice de Quantificação de Prolapsos (POPQ-I), o qual foi proposto8 e validado em estudo prospectivo unicêntrico10.

O POP-Q-I quantifica diretamente o prolapso de forma contínua. Deste modo, compara-se somente os resultados anatômicos por medidas de mediana e dispersão (teste de Mann-Whitney), sem considerar taxas de sucesso ou recorrência, já que não há consenso na literatura acerca destes conceitos.

Este sistema quantifica o prolapso de zero a um, para cada ponto, onde zero significa ausência de prolapso, enquanto um corresponde ao máximo prolapso possível. Aqui neste estudo, obtive-se resultados estatisticamente significantes em relação aos pontos Aa e Ba, os quais estão relacionados ao prolapso de parede vaginal anterior. Pôde-se observar que no grupo que utilizou a tela o índice médio de prolapso foi significantemente menor (7,9%), se comparado ao grupo sem tela (22,7%). Esses números evidenciam a superioridade dos resultados anatômicos obtidos com o uso de implantes sobre a correção sítio-específica.

A via transobturatória oferece a vantagem do plano cirúrgico sub-vesical, oferecendo menor risco de lesão da bexiga, do intestino e de grandes vasos26. Englin et al27 foram os primeiros a sugerir a correção do PPVA por via transobturatória com tela, e obtiveram taxa de recorrência de apenas 3% em 18 meses, com incidência de 5% de erosões. Essa facilidade foi observada também neste estudo, traduzindo-se por nenhuma lesão visceral ou vascular, bem como menor tempo cirúrgico.

Uma das grandes desvantagens no uso de telas sintéticas decorre das taxas de erosão e extrusão do material. Esse tipo de complicação é descrito na literatura ocorrendo entre 2,8% e 17,3% dos casos9, 28-31. Observou-se um caso de erosão em 16 pacientes (6,25%). Porém, a amostra utilizada não é adequada para avaliação de taxas de erosão, tendo em vista que a variável de interesse são os resultados anatômicos, mensurados pelo POP-Q-I.

Uma das vantagens do uso de kits de tela na correção de prolapsos de órgãos pélvicos é a menor invasibilidade do procedimento, que acarreta diminuição no tempo cirúrgico e taxa de sangramento28. Neste estudo, observou-se que houve diferença, sendo o tempo de operação significativamente menor no grupo com tela (56,1 min) do que no sem tela (80,9 min). No que tange ao sangramento intra-operatório, não encontrou-se diferença estatisticamente significante entre os grupos.

Recentes pesquisas sobre biomecanismo e composição do tecido conectivo do assoalho pélvico proporcionam nova visão nesta área relacionada à estabilidade dos órgãos pélvicos e quanto ao processo da cicatrização pós-operatória32.

Utilizando-se destes conceitos, alguns autores afirmam que a reconstrução do assoalho pélvico será mais bem realizada se utilizarem-se telas sintéticas ao invés de somente o tecido nativo como suporte33. Os resultados aqui apresentados corroboram com esta afirmação, pois se observou que os resultados anatômicos das pacientes do grupo tela foram estatisticamente superiores ao do grupo sem tela.

O desafio de qualquer reconstrução pélvica é fornecer estrutura de sustentação, enquanto se restaura o estado anatômico natural das estruturas circundantes. Embora existam diversos materiais que podem fornecer essa sustentação, poucos possuem as propriedades necessárias para restaurar as qualidades do tecido vivo. Mais ensaios clínicos prospectivos randomizados, de preferência multicêntricos, são necessários antes de se recomendar a utilização de implantes na prática diária.

Em conclusão, os resultados observados neste estudo sugerem a superioridade dos resultados anatômicos obtidos com a utilização de tela de polipropileno sobre o reparo sítio-específico.

Recebido em 10/10/2008

Aceito para publicação em 20/12/2008

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia (DOGI) da ISCMSP - Setor de Uroginecologia e Cirurgia Vaginal.

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  • Endereço para correspondência:

    Jacqueline Leme Lunardelli
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jul 2009

    Histórico

    • Aceito
      20 Dez 2008
    • Recebido
      10 Out 2008
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