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Infecção por micobactérias de crescimento rápido após procedimentos videocirúrgicos - a hipótese do glutaraldeído

Rapidly growing mycobacteria infection after videosurgical procedures - the glutaraldehyde hypothesis

Resumo

Between August 2006 and February 2007, in the state of Rio de Janeiro, Brazil, a massive outbreak of RGM infections after video laparoscopy was mainly associated to the recently described Mycobacterium massiliense species. All confirmed and probable cases reports described the use of high-level disinfection of medical devices by using 2% glutaraldehyde (2% GA) for 30 min before the surgical procedures. We investigated the susceptibility of the M. massiliense isolates recovered during the outbreak to high-level disinfection after 30 min, 1h, 6h and 10h of exposure to the commercial disinfectants. Reference strains for official mycobactericidal tests such as Mycobacterium abscessus, Mycobacterium bovis, Mycobacterium chelonae, Mycobacterium neoaurum and Mycobacterium smegmatis were included as controls. Although all the reference strains were eliminated in 30 min of exposure to 2% GA, we observed the recovery of all M. massiliense clinical isolates even after 10h of exposure. This study suggests that failures in high-level disinfection and the high tolerance of these M. massiliense clinical strains to the 2% GA were strongly associated to the magnitude of the outbreak.

Mycobacterium infections, atypical; Glutaral; Video-assisted surgery; Disinfection


Mycobacterium infections, atypical; Glutaral; Video-assisted surgery; Disinfection

NOTA PRÉVIA

Infecção por micobactérias de crescimento rápido após procedimentos videocirúrgicos - a hipótese do glutaraldeído

Rapidly growing mycobacteria infection after videosurgical procedures - the glutaraldehyde hypothesis

Nádia Suely de Oliveira LorenaI; Rafael Silva DuarteII; Marcos Bettini Pitombo, TCBC-RJIII

IAluna de mestrado do Curso de Pós-Graduação em Ciências Médicas – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

IIProfessor Adjunto do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes – Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr Marcos Bettini Pitombo Email: mpitombo@urbi.com.br

ABSTRACT

Between August 2006 and February 2007, in the state of Rio de Janeiro, Brazil, a massive outbreak of RGM infections after video laparoscopy was mainly associated to the recently described Mycobacterium massiliense species. All confirmed and probable cases reports described the use of high-level disinfection of medical devices by using 2% glutaraldehyde (2% GA) for 30 min before the surgical procedures. We investigated the susceptibility of the M. massiliense isolates recovered during the outbreak to high-level disinfection after 30 min, 1h, 6h and 10h of exposure to the commercial disinfectants. Reference strains for official mycobactericidal tests such as Mycobacterium abscessus, Mycobacterium bovis, Mycobacterium chelonae, Mycobacterium neoaurum and Mycobacterium smegmatis were included as controls. Although all the reference strains were eliminated in 30 min of exposure to 2% GA, we observed the recovery of all M. massiliense clinical isolates even after 10h of exposure. This study suggests that failures in high-level disinfection and the high tolerance of these M. massiliense clinical strains to the 2% GA were strongly associated to the magnitude of the outbreak.

Key words: Mycobacterium infections, atypical. Glutaral. Video-assisted surgery. Disinfection/methods.

INTRODUÇÃO

Nos anos de 2006 e 2007 ocorreu no estado do Rio de Janeiro um surto significativo de infecções pós-operatórias causadas por micobactérias de crescimento rápido (MCR). De agosto de 2006 a julho de 2007, 1051 casos suspeitos foram notificados em 63 hospitais.

As infecções estavam relacionadas a procedimentos videolaparoscópicos e acometeram principalmente a pele e o tecido celular subcutâneo. Apresentavam como principais características a formação de abscessos, nódulos e ulcerações e não respondiam ao tratamento antimicrobiano padrão para infecções do sítio cirúrgico. Cepas clínicas de MCR obtidas a partir dos casos confirmados por cultura foram enviadas para o Laboratório de Micobactérias da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto Fleury de Ensino e Pesquisa, em São Paulo, aonde foi realizada análise genética que identificou como Mycobacterium massiliense a espécie envolvida em 97,2% dos casos.

Diversas hipóteses para a ocorrência do surto foram formuladas tais como o tipo de material utilizado nas operações, falhas nos métodos de desinfecção ou esterilização, o processo de limpeza mecânica e desmonte dos artigos, o tempo de exposição aos saneantes, as condições nas quais os instrumentais foram imersos na solução e o possível aparecimento de uma cepa tolerante/não suscetível aos agentes de desinfecção.

De acordo com norma vigente, os artigos cirúrgicos utilizados nos procedimentos laparoscópicos eram submetidos à desinfecção de alto nível através da imersão em solução de glutaraldeído (GA) a 2% por 30 minutos. Como o GA foi utilizado em todos os hospitais que apresentaram casos suspeitos e confirmados, a hipótese de tolerância /não suscetibilidade das cepas do surto a este agente foi formulada e testada através de um estudo experimental.

MÉTODO

Foi realizado um teste qualitativo através do método de suspensão1,2 para avaliar a recuperação de MCR após diferentes tempos de exposição em solução de GA a 2% de uso comercial. Cepas padrão de M. smegmatis PRD 1 (00061) e M. bovis BCG- Moraeu (00062) recomendadas por protocolos oficiais para a avaliação da ação micobactericida de desinfetantes, e cepas de MCR de referência da coleção ATCC (American Type Culture Collection) pertencentes às espécies M. abscessus (ATCC 19977), M. chelonae (ATCC 35752) e M. neoarum (ATCC25795) foram utilizadas. Além destas, sete cepas clínicas de lesões pós videolaparaoscopia de quatro hospitais do RJ, classificadas previamente como M. massiliense, foram testadas (CRM-0018, 0019, 0020, 0034, 0035, 0302 e 0303). Os tempos de exposição ao saneante foram de 30 e 60 minutos para desinfecção de alto nível e 6 e 10 horas para esterilização, conforme orientação dos fabricantes. Utilizou-se uma fita reativa para confirmar a concentração mínima eficaz.

RESULTADO

Como resultado observou-se que as cepas padrão de M. abscessus, M. bovis, M. chelonae, M. neoaurum e M. smegmatis não apresentaram crescimento após um período de exposição de 30 minutos ao GA a 2%. Contudo, as cepas de M. massiliense CRM-0018, 0019, 0020, 0034, 0035, 0302, 0303, originadas do surto, foram recuperadas após exposição a todos os tempos indicados para desinfecção de alto nível (30 min e 60 min) e esterilização (6 h e 10 h) indicando alta tolerância / não susceptibilidade destas cepas à solução de GA a 2% (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa demonstram que a desinfecção de alto nível com GA a 2% empregada nos instrumentais pode ter tido um papel decisivo na propagação do surto, pois as cepas de M. massiliense isoladas de lesões cirúrgicas sobreviveram após 10 horas de exposição ao saneante. Outros fatores importantes estão ligados à higienização inadequada dos instrumentais cirúrgicos, à formação de biofilme, à adesão bacteriana e ao reuso de artigos descartáveis. As MCR são onipresentes na natureza e podem ser encontradas no solo, na poeira, nos bioaerossóis e na água. Têm na formação de biofilme uma estratégia de sucesso para sobrevivência, sendo difícil erradicá-los com práticas comuns de descontaminação e são relativamente resistentes aos desinfetantes padrões como o glutaraldeído alcalino3.

Apesar do GA a 2% ter sido eficaz na erradicação de cepas de MCR propostas em protocolos oficiais e as de referência, a sua ineficiência na erradicação das cepas de M. massiliense provenientes do surto demonstra a necessidade da revisão desses protocolos e a sua adequação à realidade vivida nos nossos hospitais.

Recebido em 15/02/2009

Aceito para publicação em 15/04/2009

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Laboratório de Micobactérias da Universidade Federal do Rio de Janeiro- RJ-BR.

  • 1. Best M, Sattar SA, Springthorpe VS, Kennedy ME. Efficacies of selected disinfectants against Mycobacterium tuberculosis. J Clin Microbiol. 1990; 28(10):2234-9.
  • 2. Collins FM, Montalbine V. Mycobactericidal activity of glutaraldehyde solutions. J Clin Microbiol. 1976; 4(5):408-12.
  • 3. De Groote MA, Huitt G. Infections due to rapidly growing mycobacteria. Clin Infect Dis. 2006; 42(12):1756-63. Epub 2006 May 11.
  • Endereço para correspondência:

    Dr Marcos Bettini Pitombo
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jul 2009

    Histórico

    • Recebido
      15 Fev 2009
    • Aceito
      15 Abr 2009
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