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Enxerto homólogo congelado de diafragma na correção dos defeitos da parede abdominal de ratos

Resumos

OBJETIVOS: Análise morfológica e biomecânica do enxerto homólogo congelado de diafragma para correção de defeito da parede abdominal em ratos. MÉTODOS: Os animais foram distribuidos em controle (20 ratos Wistar) e experimento (30 ratos Wistar). Os do grupo controle foram submetidos à laparotomia mediana e sutura da parede abdominal; já os do grupo experimento, à ressecção da parede abdominal e reconstrução com enxerto homólogo congelado de diafragma. Os animais foram submetidos à eutanásia no 3° e 6° mês de pós-operatório e avaliados quanto à presença de complicações pós-operatórias, integridade do enxerto, presença de aderências, avaliação tensiométrica, avaliação histopatológica com H/E e com sirius-red (colágeno tipo I e III). RESULTADOS: Houve integração do enxerto em todos os animais sem complicações. Aderências foram semehantes entre os grupos controle e experimento após três e seis meses. Observaram-se maior força máxima, força de ruptura e tensão nos animais do grupo experimento aos três meses de pós-operatório (p=0,001; p=0,012 e p=0,001, respectivamente). Na correlação entre as diferentes variáveis estudadas houve correlação estatisticamente significante entre força máxima e tensão nos grupos controle e experimento (p=0,001 e p= 0,001), e nos subgrupos três e seis meses (p=0,002 e p=0,001). Correlacionaram-se força máxima e colágeno tipo I (p=0,04) e Índice de Maturação do Colágeno (IMaC) e força máxima (p=0,03) ambos somente no grupo controle, mas nos subgrupos 3 e 6 meses (p=0,045 e p=0,038). O número de monomorfonucleares e força máxima também apresentou significância estatística tanto para o grupo controle quanto para o experimento (p=0,005 e p=0,004, respectivamente). CONCLUSÃO: O enxerto homólogo congelado de diafragma mostrou ser boa alternativa no reparo de grandes defeitos da parede abdominal em ratos.

Cicatrização de feridas; Transplante homólogo; Diafragma; Parede abdominal; Ratos


OBJECTIVE: To analyse the morphology and biomechanics of diaphragma frozen homografts used for rats' abdominal wall defects repair. METHOD: Thirty wistar rats with abdominal wall resection and reconstruction using frozen diaphragma homografts were compared to twenty other rats submitted to abdominal wall incision and closure (control). Animals were euthanized after 3 and 6 months and abdominal walls were avaliated histologically with H/E and Picrosiriud Red staining and tensiometric evaluation. RESULTS: The tensiometric parameters were greater in the experimental group at 3 months after surgery. The percentage of mature collagen was significantly greater at 6 months after surgery in control and experimental groups. Tensiometric parameters and type I collagen as well maturation collagen index and rupture maximal strength were statistically correlated after 3 and 6 months. CONCLUSION: Frozen diaphragma homograft can be an alternative to repair the defects of abdominal wall.

Wound healing; Homografts; Diaphragm; Abdominal wall; Rats


ARTIGO ORIGINAL

Enxerto homólogo congelado de diafragma na correção dos defeitos da parede abdominal de ratos

Diaphragma frozen homograft for rats' abdominal wall defects repair

Paola Maria Brolin Santis-IsolanI; Miguel Angelo AgulhamII; Gustavo Rassier IsolanIII; Elizabeth Milla TambaraIV; Sérgio Bernardo TenórioIV; Ana Cristina Lira SobralV; Antônio Ernesto da SilveiraII

IMestre em Clínica Cirúrgica pela Universidade Federal do Paraná - UFPR- BR

IIProfessores Adjunto de Cirurgia Pediátrica da UFPR - BR

IIIProfessor Adjunto de Neurocirurgia da PUC-PR- BR

IVProfessores Adjuntos de Anestesiologia da UFPR-BR

VProfessora da Faculdade Evangélica do Paraná- Curitiba - BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paola Maria Brolin Santis-Isolan E-mail: paolabrolin@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Análise morfológica e biomecânica do enxerto homólogo congelado de diafragma para correção de defeito da parede abdominal em ratos.

MÉTODOS: Os animais foram distribuidos em controle (20 ratos Wistar) e experimento (30 ratos Wistar). Os do grupo controle foram submetidos à laparotomia mediana e sutura da parede abdominal; já os do grupo experimento, à ressecção da parede abdominal e reconstrução com enxerto homólogo congelado de diafragma. Os animais foram submetidos à eutanásia no 3° e 6° mês de pós-operatório e avaliados quanto à presença de complicações pós-operatórias, integridade do enxerto, presença de aderências, avaliação tensiométrica, avaliação histopatológica com H/E e com sirius-red (colágeno tipo I e III).

RESULTADOS: Houve integração do enxerto em todos os animais sem complicações. Aderências foram semehantes entre os grupos controle e experimento após três e seis meses. Observaram-se maior força máxima, força de ruptura e tensão nos animais do grupo experimento aos três meses de pós-operatório (p=0,001; p=0,012 e p=0,001, respectivamente). Na correlação entre as diferentes variáveis estudadas houve correlação estatisticamente significante entre força máxima e tensão nos grupos controle e experimento (p=0,001 e p= 0,001), e nos subgrupos três e seis meses (p=0,002 e p=0,001). Correlacionaram-se força máxima e colágeno tipo I (p=0,04) e Índice de Maturação do Colágeno (IMaC) e força máxima (p=0,03) ambos somente no grupo controle, mas nos subgrupos 3 e 6 meses (p=0,045 e p=0,038). O número de monomorfonucleares e força máxima também apresentou significância estatística tanto para o grupo controle quanto para o experimento (p=0,005 e p=0,004, respectivamente).

CONCLUSÃO: O enxerto homólogo congelado de diafragma mostrou ser boa alternativa no reparo de grandes defeitos da parede abdominal em ratos.

Descritores: Cicatrização de feridas. Transplante homólogo. Diafragma. Parede abdominal. Ratos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyse the morphology and biomechanics of diaphragma frozen homografts used for rats' abdominal wall defects repair.

METHOD: Thirty wistar rats with abdominal wall resection and reconstruction using frozen diaphragma homografts were compared to twenty other rats submitted to abdominal wall incision and closure (control). Animals were euthanized after 3 and 6 months and abdominal walls were avaliated histologically with H/E and Picrosiriud Red staining and tensiometric evaluation.

RESULTS: The tensiometric parameters were greater in the experimental group at 3 months after surgery. The percentage of mature collagen was significantly greater at 6 months after surgery in control and experimental groups. Tensiometric parameters and type I collagen as well maturation collagen index and rupture maximal strength were statistically correlated after 3 and 6 months.

CONCLUSION: Frozen diaphragma homograft can be an alternative to repair the defects of abdominal wall.

Key words: Wound healing. Homografts. Diaphragm. Abdominal wall. Rats.

INTRODUÇÃO

O reparo cirúrgico dos grandes defeitos congênitos ou adquiridos da parede abdominal sempre foi grande desafio para os cirurgiões, uma vez que, além das adversas condições clínicas do paciente, não existe técnica cirúrgica ideal. Tampouco existem estudos comparativos com alto grau de evidência clínico-epidemiológica que validem um tipo de procedimento cirúrgico sobre os demais.

O uso de próteses melhorou a qualidade de vida dos pacientes, mas o material não preenche todos os critérios de biocompatibilidade, trazendo complicações a longo prazo e necessidade eventual de reoperações. Os materiais biológicos possuem características de biocompatibilidade, porém, apresentam maiores dificuldades técnicas e causam grandes defeitos no local doador, podendo cursar com distrofias e atrofias musculares. O material ideal deveria ser musculotendinoso, sem gerar novas áreas de defeitos. Portanto, os tecidos armazenados nos bancos osteomusculares apresentam todas as qualidades de material ideal para o reparo dos grandes defeitos de parede abdominal1. A expansão de sua utilização alicerçou o vislumbrar de novas pesquisas em cicatrização relativas aos defeitos da parede abdominal.

Este estudo teve por objetivo criar um modelo experimental de correção de defeito da parede abdominal em ratos com interposição de enxerto homólogo congelado de diafragma oriundo de banco de tecidos e avaliá-lo morfológica e biomecanicamente.

MÉTODOS

Os animais foram mantidos e operados no Instituto de Pesquisas Médicas do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, obedecendo à Lei Federal 6.638 e às normas do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

Foram utilizadas 70 ratas (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia), da linhagem Wistar, 50 com idade de 20 dias e peso médio de 110 gramas (receptores) e 20 com 12 meses e peso médio 840 (doadores) oriundos do biotério do Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) em Curitiba, PR, Brasil.

O Grupo Experimento (30 ratos) e o Grupo Controle (20 ratos) foram distribuídos em subgrupos segundo o período de eutanásia e análise da cicatrização sendo subgrupo EA (experimento 1A) composto por 15 animais com eutanásia no 90° dia de vida; subgrupo EB (experimento 1B) composto por 15 com eutanásia no 180° dia; subgrupo CA (controle 2A) composto por 10 com eutanásia no 90° dia e subgrupo CB (controle 2B) composto por 10 acom eutanásia no 180° dia de vida.

Os animais doadores foram submetidos à eutanásia com dose letal de éter etílico e ressecção de todo diafragma. Os enxertos diafragmáticos foram mantidos hidratados em recipiente com solução fisiológica 0,9%, à temperatura ambiente, até seu acondicionamento em sacos plásticos individualizados e identificados. Todo procedimento foi realizado obedecendo-se normas de assepsia e anti-sepsia para confecção de material estéril. Os enxertos foram transportados, utilizando-se isopor com gelo, até o Banco de Ossos e Tecidos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná em Curitiba, onde, sob fluxo de ar laminar, realizou-se nova embalagem do material em condições estéreis. A próxima etapa consistiu no congelamento dos enxertos à temperatura de 85°C negativos, permaneceram conservados por período de seis meses.

Os animais do grupo controle, após anestesia inalatória com eter etílico 97%, foram submetidos à incisão mediana com cinco centímetros de extensão, tendo início dois centímetros abaixo do apêndice xifóide e envolvendo todos os planos da parede anterior do abdômen. Procedeu-se a realização de síntese em plano único, com fio de polipropileno 4.0 envolvendo aponeurose e musculatura com pontos simples, separados entre si por 0,5 cm. A pele foi submetida à rafia com fio de poliglicaprone 25 (Monocryl) 5.0 mediante sutura tipo chuleio simples.

No dia do experimento retirou-se do Banco de Ossos e Tecidos os materiais congelados, os quais foram transportados em caixas de gelo até o laboratório de cirúrgica experimental. Os enxertos alógrafos de diafragma foram degelados em temperatura ambiente e permaneceram em solução fisiológica 0,9% até o momento de sua utilização.

Os animais do grupo experimento, após anestesia, foram submetidos à incisão abdominal mediana de cinco centímetros de extensão e confeccionou-se defeito traumático da parede anterior do abdômen através de ressecção de segmento de cinco centímetros de comprimento por quatro de largura, mimetizando um grande defeito congênito da parede abdominal. O enxerto alógrafo de diafragma foi então suturado à parede abdominal utilizando pontos simples de fio monofilamentar de polipropileno 4.0, fechando todo defeito abdominal. A pele foi submetida à rafia utilizando fio de poliglicaprone 25 (MonocrylÒ) 5.0, sutura contínua tipo chuleio simples.

Na avaliação inicial post-mortem foram aferidos o peso, a presença de herniações ventrais e os aspectos da ferida cirúrgica. Foram também observadas as características macroscópicas da cavidade abdominal como presença de aderências ou outras alterações macroscópicas intra-abdominais, tais como abscesso intracavitário, volvo e estenose. As aderências foram classificadas segundo o sistema de escore semiquantitativo de adesão desenvolvido por Jenkins et al.2.

A ressecção do abdômen anterior foi feita em monobloco envolvendo segmento músculo-aponeurótico e enxerto (grupo experimento) ou cicatriz cirúrgica (grupo controle). Os segmentos foram estendidos em papel filtro e divididos em três partes, sendo dois fragmentos periféricos de um centímetro de altura por dois centímetros de largura e um central de dois centímetros de altura por dois de largura. Os fragmentos periféricos foram encaminhados para análises histológicas (picrosírius e H/E) e o central para avaliação mecânica tensiométrica.

Os corpos de prova (fragmento central) foram preparados conforme técnica já descrita3,4. As análises foram realizadas em máquina de tração computadorizada, marca InstronÒ modelo 4467, com garras de pressão pneumática e capacidade para três toneladas, no Laboratório de Ensaios Mecânicos do Instituto de Tecnologia para Desenvolvimento (Lactec) do Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná. Consideraram-se como parâmetros a força máxima, força de ruptura e tensão.

Nos cortes histológicos corados pela hematoxilina-eosina analisaram-se a reação inflamatória, sua qualidade e intensidade. Realizaram-se análise de três campos em cada corte histológico e neles contaram-se 100 células, com aumento de 400 vezes. A avaliação da qualidade da reação inflamatória fez-se pelo tipo de células presentes. O predomínio de polimorfonucleares caracterizou a reação inflamatória aguda, de monomorfonucleares a reação inflamatória crônica e, não havendo predomínio de nenhum destes tipos, a reação inflamatória agudo-crônica.

Os cortes histológicos corados pelo Syrius Red foram analisados em microscópio de luz polarizada, marca OlympusÒ, com aumento de 200 vezes em dois campos na área de cicatrização e foram captadas por câmara SonyÒ CCD Íris, sendo enviadas ao monitor (Mídia Cibernética) em computador do tipo PentiumÒ III 733 MHz, no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. A percentagem de área ocupada pelo colágeno tipo I - maduro (fibras espessas e fortemente birrefringentes com coloração avermelhada) e pelo colágeno tipo III - imaturo (fibras finas e dispersas, fracamente birrefringentes com coloração esverdeada) foi calculada para cada animal, considerando-se que esta percentagem era proporcional à quantidade de cada tipo de fibra presente nos cortes histológicos. Foi também empregado o Índice de Maturação do Colágeno - IMaC, que se baseia nas percentagens de colágeno tipo I e tipo III, sendo definido como a razão entre essas percentagens. Valores maiores do que um, indicam que a percentagem de colágeno tipo I é maior do que a percentagem de colágeno tipo III.

Utilizou-se o teste t de Student considerando-se P estatisticamente significante com valores menores ou iguais a 0,05. Foram também empregados os testes não-paramétrico de Mann-Whitney, Exato de Fisher, Pearson e o coeficiente de regressão Logística.

RESULTADOS

Observou-se ausência de complicações cirúrgicas em todos dos casos e o enxerto apresentou-se íntegro em todos os animais do experimento.

Em relação às aderências, em nenhum caso, tanto no grupo controle quanto no grupo experimento, estavam presentes aderências de grau II, III ou IV. Não houve diferenças estatísticas entre os grupos ou subgrupos (Tabela 1).

Na análise dos resultados da força máxima encontrou-se correlação estatisticamente significativa (p=0,001) entre experimento e grupo controle aos três meses. Por outro lado, ao ser feita a correlação aos seis meses o valor de p foi de 0,849. Em relação aos resultados referentes à força de ruptura, ela foi maior no grupo experimento em relação ao controle com três meses (p=0,012). Na correlação aos seis meses a diferença entre os dois grupos não foi significativamente estatística (p=0,832). Estes dados foram semelhantes ao estudo da variável tensão, na qual o valor de p aos três e seis meses foi, respectivamente, 0,001 e 0,605.

Na correlação das diferentes medidas tensiométricas os resultados mostraram-se estatisticamente significativos nas variáveis tensão e força máxima, (p<0,001); o mesmo ocorreu com as variáveis força máxima e força de ruptura (p<0,001) e tensão e força de ruptura (p<0,001).

Em relação aos polimorfonucleares, estiveram presentes em três casos no grupo experimento e nenhum no grupo controle aos três meses; em quatro animais do grupo experimento e em três do grupo controle aos seis meses. No estudo dos monomorfonucleares o p entre os grupos controle e experimento foi aos três e aos seis meses, respectivamente, 0,238 e 0,031, ou seja, há maior quantidade de monomorfonucleares no grupo experimento aos seis meses de pós-operatório.

Não houve correlação estatisticamente significativa entre os grupos controle e experimento em relação aos colágenos tipo I e III. Contudo, houve predomínio estatisticamente significante de colágeno tipo I nos animais avaliados aos seis meses, tanto no grupo controle como no experimento, com P=0,00012 (Figura 1).


Em relação ao Índice de Maturação do Colágeno (IMaC), o valor de p entre o controle e experimento foi, respectivamente, 0,21 e 0,28. No entanto, na correlação entre os subgrupos três e seis meses o p foi menor do que 0,001.

Na correlação entre as diferentes variáveis estudadas (tensitometria, histologia e colágeno), houve correlação estatisticamente significante entre a força máxima e o número de monomorfonucleares nos grupos controle e experimento (p=0,0014 e p=0,0011, respectivamente), bem como correlação destas variáveis nos subgrupos três e seis meses de pós-operatório (p=0,001 e p=0,0012, respectivamente).

Avaliando a distribuição do colágeno e as variáveis tensiométricas observaram-se correlações estatisticamente significativas somente nos animais do grupo controle. A correlação da percentagem de colágeno tipo I apresentou com a força máxima p=0,04, com a tensão p=0,048, e relacionado à força de ruptura p=0,047. Os valores das correlações entre estas variáveis nos animais do grupo experimento foram de p=0,934 (percentagem de colágeno tipo I e força máxima), p=0,965 (percentagem de colágeno tipo I e tensão), p=0,975 (percentagem de colágeno tipo I e força de ruptura), portanto, não estatisticamente significativos.

O Índice de Maturação do Colágeno (IMaC) também apresentou correlação significante estatisticamente nos animais do grupo controle em relação as variáveis tensiométricas. O IMaC e a força máxima correlacionaram-se com p=0,003. IMaC e tensão apresentaram correlação com p=0,004. Já o IMaC e a força de ruptura exibiram p=0,0049. Os resultados destas correlações para os animais do grupo experimento foram p=0,801 (IMaC e força máxima), p=0,956 (IMaC e tensão), p=0,872 (IMaC e força de ruptura), ou seja, não estatisticamente significativos.

A figura 2 permite verificar a existência de correlação de significado estatístico entre as variáveis tensiométricas tanto no grupo controle como no experimento. Verificaram-se valores de p=0,0001 para todas as correlações, seja entre força máxima e tensão, força máxima e força de ruptura, ou seja, entre tensão e força de ruptura para os grupos controle e experimento.


Submetendo à correlação IMaC e percentagem de colágeno tipo I com as variáveis tensiométricas força máxima, tensão e força de ruptura, aos três e seis meses, elas não apresentaram correlação estatisticamente significativa. Os valores da correlação do IMaC com força máxima foram p=0,871 (três meses) e p=0,857 (seis meses), IMaC com tensão foram p=0,864 (três meses) e p=0,866 (seis meses) e IMaC e força de ruptura foram p=0,853 (três meses) e p=0,841 (seis meses). Por sua vez, os valores da percentagem do colágeno tipo I correlacionados com força máxima foram p=0,921 (três meses) e p=0,988 (seis meses), com tensão p=0,992 (três meses) e p=0,989 (seis meses). O IMaC e a percentagem de colágeno tipo I também mostraram correlação entre si aos três e seis meses com valores estatisticamente significativos (p=0,05 e p=0,04, respectivamente).

A correlação da força máxima com tensão aos três e seis meses apresentaram p=0,0001. Força máxima e força de ruptura correlacionadas nos mesmos períodos mostraram valores p=0,00012. Igualmente, quando correlacionou-se tensão com força de ruptura foram encontrados valores de p=0,00011.

Foram analisados os valores absolutos, através da regressão logística, das correlações entre as variáveis preditoras número de monomorfonucleares, percentagem de colágeno tipo 1, Índice de Maturação do Colágeno (IMaC) força máxima, tensão e força de ruptura. As variáveis que demonstraram correlação entre si foram número de monomorfonucleares e força máxima com p=0,009 e força máxima com tensão com p=0,041. Submetendo à correlação das duas variáveis histológicas e uma variável tensiométrica observou-se que todas mantiveram os valores próximos aos das suas correlações isoladas, sendo associações consideradas independentes.

As demais variáveis ditas não preditoras com seus valores absolutos, foram correlacionadas por regressão logística, não apresentando correlações estatisticamente significativas.

DISCUSSÃO

Já houve o reconhecimento de que o uso do enxerto de tecido musculoesquelético é uma forma de transplante, com seu consequente enquadramento em normas governamentais. Com isso, observou-se o aumento da demanda, não apenas na área ortopédica, mas também em outras.

A escolha do enxerto musculotendinoso homólogo congelado desta pesquisa foi baseada em estudos prévios da literatura, bem como da necessidade de avaliação do músculo diafragmático como fonte.

Os enxertos homólogos congelados constituem boas opções de enxerto, pois a baixa temperatura permite diminuição da resposta imune (reação enxerto-hospedeiro), proporcionando melhor incorporação do enxerto e manutenção das propriedades biomecânicas. Autores5 relataram estes dados e ainda ressaltaram a menor morbidade, fraqueza muscular e relaxamento das fibras musculares nos enxertos homólogos comparados aos autólogos. O presente estudo verificou as forças tensiométricas comparando o enxerto homólogo congelado de diafragma e a parede abdominal original (grupo controle), corroborando aqueles dados.

O risco de infecção dos enxertos sempre foi preocupação marcante na sua utilização. Tomford et al.6 apresentaram valores de 5% nas taxas de infecção de enxertos homólogos congelados. Mae et al.7 estudaram a utilização da gama radiação no processo de esterilização dos enxertos homólogos de tendão implantados em 142 ratos. A taxa de infecção foi nula, porém, houve redução na força tênsil em até 50% em comparação aos enxertos homólogos congelados não irradiados. No presente estudo, não foram verificadas complicações referentes à presença de infecção.

A grande maioria dos artigos encontrados na literatura são unânimes em afirmar a superioridade dos enxertos homólogos congelados no que tange a fácil conservação e manipulação, bem como pela capacidade de manter as características primárias das forças tênsil e de ruptura, e o remodelamento do colágeno. Estas razões influenciaram a escolha dos enxertos homólogos congelados para a confecção do presente estudo e demonstraram-se verdadeiras com valores tensiométricos, variáveis do colágeno e histológicas iguais ou melhores ao material original (grupo controle).

O tecido musculoesquelético mais utilizado atualmente, em humanos, é a fáscia lata pelo fato de ser totalmente tendinosa. Contudo, em animais o melhor tecido depende de características próprias. O rato, por exemplo, tem fáscia lata muito exígua, sendo o diafragma - pela grande quantidade de tendão presente - boa opção8. Entretanto, o emprego do diafragma como enxerto homólogo tem sido pouco utilizado tanto em pesquisas experimentais como na prática clínica. Esse fato associado as suas características anatômicas influenciaram de maneira decisiva a escolha do diafragma como enxerto homólogo congelado neste estudo. O músculo diafragmático confirmou ser boa opção de enxerto homólogo congelado, pois conservou suas características biológicas e mecânicas, conforme observado nos achados deste estudo.

As complicações cirúrgicas procuradas diariamente foram a presença de herniação, deiscência, evisceração e infecção da ferida operatória. Não houve casos de complicações cirúrgicas. Ao contrário aos resultados deste trabalho, Klinge et al.9 testando quatro diferentes tipos de telas na correção de defeitos da parede abdominal em 225 ratos, verificaram diferentes índices de complicações de acordo com o tipo de tela usada. Discordando também dos resultados aqui encontrados, van't Riet et al.10 avaliando durante sete e 30 dias dois grupos de 28 ratos, sacrificaram dois animais no quinto dia que estavam com deiscência da ferida operatória por retenção urinária e sutura inadvertida do cólon. Além disso, a taxa de infecção foi significativamente maior no grupo que usou a tela de polipropileno com colágeno em relação ao grupo que usou tela de polipropileno somente. Levine e Saltzman8 introduziram enxertos homólogos congelados à seco de diafragma na bolsa omental de 30 ratos. Os enxertos diafragmáticos mantiveram-se intactos em 83,6% dos casos. No presente estudo 100% dos enxertos homólogos diafragmáticos congelados encontravam-se íntegros.

Este trabalho não observou diferenças estatisticamente significativas no fator aderência entre os grupos ou subgrupos. Também verificou melhores valores tensiométricos aos 90 dias de pós-operatório no grupo experimento, sendo tal dado estatisticamente significativo. Autores11 descreveram as alterações biomecânicas sofridas pelos enxertos homólogos congelados. No tempo zero até quatro semanas, eles apresentaram propriedades biomecânicas menores que o enxerto autólogo. Contudo, após 24 semanas não há diferenças significativas quanto as variáveis de força entre os enxertos e, por vezes, devido a sua hipercelularidade e maior deposição de colágeno tipo I poderia apresentar valores maiores de tensão1. Diferentemente, no presente trabalho o grupo experimento apresentou força máxima, força de ruptura e tensão estatisticamente maiores que o grupo controle aos três meses de pós-operatório. Já aos seis, esses valores tensiométricos apresentaram-se de maneira semelhante entre os grupos. Monaco e Lawrence12 relatam que após três meses os tecidos lesados teriam recuperado 80% de sua força tênsil em relação ao tecido íntegro. Segundo os mesmos autores, isto se deve ao predomínio de fibras colágenas na matriz extracelular. Estas fibras mesmo sendo finas, ou seja, colágeno tipo III, apresentam disposição espacial restaurada bem como espaços interfibrilares reduzidos com pico de deposição da elastina. Esses fatores concedem as características biomecânicas ao tecido cicatricial, conferindo valores tensiométricos equivalentes, ou até mesmo melhores que o tecido íntegro.

A existência de correlação entre a força máxima, força de ruptura e tensão são conceitos físicos lógicos e bem estabelecidos na literatura. Contudo, Van Winkle W Jr13 referiu que a força de ruptura pode sofrer interferência de fatores externos, como a idade do doador do tecido analisado, apresentando redução desta força, mesmo se a força máxima e a tensão apresentarem-se elevadas. Tais fatores poderiam responder aos questionamentos dos achados da presente pesquisa.

A resposta inflamatória tem início após o trauma e corresponde à primeira fase da cicatrização. Tal fenômeno é frequentemente estudado nas pesquisas experimentais que versam sobre cicatrização. Existem, porém, poucos estudos que analisam com técnica de H/E a reação da parede abdominal a diferentes tipos de materiais utilizados em enxertos. Além disso, não existem estudos que analisaram a reação inflamatória em enxerto de diafragma derivado de banco de tecidos, somente em enxertos homólogos congelados à seco8. Gamba et al.14 em estudo que testou o uso de matriz acelular no reparo de defeitos da parede abdominal em coelhos, evidenciaram que o enxerto de diafragma homólogo acelular forneceu substrato para a migração de fibroblastos, deposição de colágeno neoformado e neovascularização. O infiltrado celular incluiu polimorfonucleares e monomorfonucleares. A presença destes foi similar em todos os grupos e permaneceu com menos de dez células por campo de grande aumento nos animais que foram analisados após dois anos. O presente estudo verificou predomínio de monomorfonucleares nos dois grupos estudados, porém, houve maior quantidade significativa destas células no grupo experimento aos seis meses. Tal resultado difere do outro estudo11 onde descreveram-se alterações biológicas sofridas pelos enxertos homólogos congelados e enxertos autólogos à fresco durante os diferentes períodos da cicatrização. Verificou-se que da quarta até a sexta semana ocorre maior hipercelularidade no enxertos congelados homólogos em relação ao a fresco autólogos. Porém, após seis meses não havia mais diferenças do número de células entre os tipos de enxertos. Um aspecto que pode ser destacado com intuito de esclarecer esta hipercelularidade ainda aos seis meses é a perda da apoptose celular de tecidos cicatriciais.

Os autores deste trabalho verificaram que a reconstrução da parede abdominal com enxerto de diafragma de matriz acelular homólogo demonstrou migração de fibroblastos, deposição de colágeno neoformado e neovascularização. Neste estudo verificou-se predomínio de colágeno tipo I nos animais avaliados com seis meses, tanto no grupo controle como no experimento, sendo este dado estatisticamente significativo. O IMaC ratificou esta afirmação com valores maiores nos animais com seis meses, ou seja, apresentando maior quantidade de colágeno maduro ou tipo I. O presente estudo difere de Forrest15 que relatou normalização da distribuição e morfometria das fibras colágenas dos tecidos após período de 18 meses de cicatrização. Entretanto, Shino e Horibe16 observaram que aos seis meses os enxertos homólogos congelados demonstravam hipercelularidade, provavelmente fibroblastos, e predomínio de fibras de grande diâmetro, ou seja, de colágeno tipo I, dados estes que corroboram os achados deste estudo.

Aqui verificou-se correlação estatisticamente significativa entre o número de monomorfonucleares e a variável tensiométrica força máxima quer seja aos três como aos seis meses nos grupos controle e experimento. Tal correlação deve-se, provavelmente, ao fato de os monomorfonucleares - dentre os quais os fibroblastos - serem os produtores do colágeno. Esta proteína confere propriedades biomecânicas aos tecidos. Portanto, a hipercelularidade dos enxertos homólogos congelados favoreceria maior síntese de colágeno e maior força máxima. As correlações entre as variáveis tensiométricas e colágeno tipo I ou IMaC, somente em animais do grupo controle aos três meses observadas neste estudo, não foram encontradas na literatura. As fases tardias da cicatrização, mesmo constituídas de fibras colágenas espessas e em maior quantidade, podem não apresentar correlação com as variáveis tensiométricas, como os achados do presente estudo.

Em conclusão, o enxerto homólogo congelado de diafragma mostrou ser boa alternativa no reparo de grandes defeitos da parede abdominal em ratos, pois apresentou ausência de complicações pós-operatórias, boa integridade, baixo índice de aderência, boa cicatrização e manutenção das variáveis de tensão e percentual de colágeno.

O próximo passo na evolução dos reparos dos defeitos da parede abdominal, segundo Zhang e Chang17, é a engenharia de tecidos. A confecção de tecidos musculotendinosos envolve o uso de cultura de células e fatores de crescimento para a formação de enxertos, e associação de técnicas de engenharia de tecidos com as novas pesquisas em células tronco. Elas serão as grandes contribuições do século 21.

Recebido em 30/10/2008

Aceito para publicação em 07/01/2009

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR - BR.

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  • Endereço para correspondência:

    Paola Maria Brolin Santis-Isolan
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      30 Out 2008
    • Aceito
      07 Jan 2009
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