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Abdome agudo: ruptura espontânea de bexiga como um importante diagnóstico diferencial

Resumo

A case of spontaneous perforation of the bladder in a diabetic female patient is reported. It is a rare clinical condition, that should be suspected in patients with a past history of radiotherapy to the pelvis, enterocystoplasty and those suspected of having a tumor in the bladder. A general surgeon should be aware of this possibility in the differential diagnosis of an acute abdomen.

Urinary Bladder; Rupture; Spontaneous; Abdomen; acute; Diagnosis; differential


RELATO DE CASO

Abdome agudo: ruptura espontânea de bexiga como um importante diagnóstico diferencial

Acute abdomen: spontaneous bladder rupture as an important differential diagnosis

Carlos Augusto Gomes, TCBC-MGI; André Avarese de FigueiredoII; Cleber Soares Júnior, TCBC-MGIII; José Murillo Bastos NettoIV; Fabrício Rodrigues TassiV

IProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Cirurgia da UFJF - MG - BR

IIProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Morfologia da UFJF - MG - BR

IIIMédico Assistente Mestre do Departamento de Cirurgia da UFJF - MG - BR

IVProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Morfologia da UFJF - MG - BR

VMédico Residente da Santa Casa de Belo Horizonte - MG - BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Augusto Gomes E-mail: caxiaogomes@terra.com.br

ABSTRACT

A case of spontaneous perforation of the bladder in a diabetic female patient is reported. It is a rare clinical condition, that should be suspected in patients with a past history of radiotherapy to the pelvis, enterocystoplasty and those suspected of having a tumor in the bladder. A general surgeon should be aware of this possibility in the differential diagnosis of an acute abdomen.

Key words: Urinary Bladder. Rupture, Spontaneous. Abdomen, acute. Diagnosis, differential.

INTRODUÇÃO

A ruptura espontânea intraperitoneal de bexiga é rara e pode ter evolução grave e letal caso o diagnóstico e o tratamento precoce sejam omitidos1. O presente trabalho tem como objetivo relatar o caso de ruptura espontânea de bexiga com diagnóstico intra-operatório e má evolução clínica.

RELATO DO CASO

Mulher de 79 anos, diabética, com antecedente de infecção urinária de repetição e incontinência urinária, procurou o hospital com dor hipogástrica e febre há dois dias. Ao exame físico, apresentava com dor hipogástrica sem sinais de irritação peritoneal. Exames laboratoriais mostraram anemia, uréia sérica de 54mg/dl e creatinina sérica de 1,3mg/dl, hematúria microscópica e urocultura positiva para E. coli.

A paciente evoluiu após 24 h com distensão abdominal, oligúria e sinais de sepse, sendo transferida para a Unidade de Terapia Intensiva. A tomografia computadorizada de abdome não evidenciou líquido livre peritoneal ou outras alterações significativas (Figura 1). Apesar da antibioticoterapia, houve piora progressiva do quadro séptico sendo indicado laparotomia exploradora, tendo como principal suspeita isquemia mesentérica. Durante o procedimento, foi evidenciado peritonite, com necrose e ruptura da cúpula vesical peritoneal bloqueada pelas alças de íleo. Foi então realizado desbridamento do tecido necrótico perivesical, cistostomia e rafia do segmento perfurado da bexiga. O exame histológico de segmento vesical próximo ao local da perfuração não mostrou doença maligna.


A paciente evoluiu com manutenção do quadro séptico a despeito das medidas clínicas adotadas, má evolução clínica e óbito no nono dia após o tratamento operatório.

DISCUSSÃO

A ruptura espontânea de bexiga ocorre em pacientes com retenção urinária, diminuição da sensibilidade vesical, infecção urinária e isquemia da parede vesical, consequente ao aumento da pressão intravesical. Os mecanismos fisiopatológicos levam ao seu rompimento no ponto mais frágil, que, via de regra, é o segmento peritoneal1. Desta forma, pacientes com bexiga neurogênica, antecedentes de enterocistoplastia, após radioterapia pélvica e com tumores malignos de bexiga são os mais propensos ao desenvolvimento da complicação1. No presente caso, a paciente apresentava diabetes e antecedente de incontinência urinária. Na cistopatia diabética, ocorre diminuição da sensibilidade vesical e hipocontratilidade detrusora, provocando permanente alto resíduo pós-miccional e incontinência por transbordamento. A retenção urinária crônica e a infecção urinária podem ter sido os fatores que contribuíram pela ruptura vesical verificados nesta paciente. São também citados como fatores implicados na ruptura da bexiga, a ingestão alcoólica, por determinar alteração da sensibilidade vesical, poliúria com hiperdistensão vesical e maior suscetibilidade a pequenos traumas2.

Clinicamente, os pacientes com ruptura vesical apresentam dor abdominal difusa, mais intensa no andar inferior do abdome, ascite urinária, distensão abdominal, retenção urinária e oligúria ou anúria após cateterismo vesical2. Uréia e creatinina estão aumentadas em 45% dos casos já nas primeiras 24h, e em praticamente 100% após 24h de ruptura, com maior aumento da uréia pela sua maior absorção peritoneal3.

O método de imagem de escolha é a cistografia, que demonstra vazamento intraperitoneal do contraste. A acurácia é próxima de 100%, porém, algumas lesões podem passar despercebidas se houver bloqueio da perfuração pelas alças de intestino delgado4. A tomografia computadorizada pode mostrar líquido livre intraperitoneal, apesar de isoladamente não permitir o diagnóstico definitivo.

O tratamento da ruptura intraperitoneal de bexiga é cirúrgico, por meio do desbridamento operatório, rafia da perfuração vesical e lavagem da cavidade abdominal com solução salina a 0,9%. A laparoscopia é excelente alternativa para o esclarecimento diagnóstico, após a realização dos métodos de imagem e deve ser indicada nos casos de persistente dúvida diagnóstica5.

O conhecimento desta grave afecção, com alta taxa de mortalidade (47%) e a instituição precoce do tratamento operatório são os pré-requisitos para se evitar a indesejável evolução para sepse abdominal e óbito1.

Apesar de doença urológica, os cirurgiões gerais devem ser alertados para a possibilidade da ruptura espontânea de bexiga. Quadros de abdome agudo com dor hipogástrica, infecção e sintomas urinários em pacientes diabéticos ou portadores de neuropatia ou doença vesical, fazem pensar na possibilidade da afecção. O diagnóstico precoce por meio de cistografia ou exploração cirúrgica, podem impedir sua má evolução clínica.

Recebido em 22/04/2006

Aceito para publicação em 30/06/2006

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento:nenhuma

Trabalho realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora - MG -Hospital Monte Sinai - Juiz de Fora - MG - BR.

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  • Endereço para correspondência:

    Carlos Augusto Gomes
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2006
    • Recebido
      22 Abr 2006
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