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Bioética clínica: como praticá-la?

Clinical bioethics: how to practice?

Resumos

Pensar a ética significa entrar no universo da Bioética. Se entendermos, que a ética médica trata dos médicos no universo da sociedade organizada em torno de dispositivos de legalidade, de consensos e de ética do exercício da medicina, se verifica que a Bioética surgiu da necessidade de debater e decidir sobre as questões éticas relacionadas, sobretudo, com a pesquisa e os avanços científicos e as conquistas frente aos direitos humanos e os avanços sócio-culturais: ela é a expressão crítica do nosso interesse em usar convenientemente os progressos da arte médica e da ciência. No âmbito da Medicina a Bioética Clínica surgiu como uma possibilidade de se pensar e discutir a prática da medicina na dimensão das diferentes instituições sociais que lidam com a saúde e com os profissionais da área da saúde.

Ética médica; Bioética; Bioética clínica


To think about ethics means to go into the Bioethics universe. If it is understood that medical ethics deals with doctors within an organized society under legal purposes, consensus and ethics in the exercise of medicine it is observed that Bioethics came up due to the need to debate and decide on the ethic questions related mainly to research and scientific advances as well as conquests concerning human rights and social-cultural development: it is the critical expression of our interest in conveniently using the development of medical art and science. Within Medicine, clinical Bioethics arouse as a possibility of thinking and discussing the practice of medicine in the different social institutions which deal with health and with professionals in health area.

Medical ethics; Bioethics; Clinical bioethics


A BIOÉTICA NA CIRURGIA

Bioética clínica: Como praticá-la?

Clinical bioethics: how to practice?

Reinaldo Ayer de OliveiraI; Isac Jorge Filho, TCBC-SPII

IProfessor Doutor do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

IIDoutor em Cirurgia. Chefe do Serviço de Gastroenterologia da Santa Casa de Ribeirão Preto. Membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Isac Jorge Filho E-mail: ijfilho@gmail.com

RESUMO

Pensar a ética significa entrar no universo da Bioética. Se entendermos, que a ética médica trata dos médicos no universo da sociedade organizada em torno de dispositivos de legalidade, de consensos e de ética do exercício da medicina, se verifica que a Bioética surgiu da necessidade de debater e decidir sobre as questões éticas relacionadas, sobretudo, com a pesquisa e os avanços científicos e as conquistas frente aos direitos humanos e os avanços sócio-culturais: ela é a expressão crítica do nosso interesse em usar convenientemente os progressos da arte médica e da ciência. No âmbito da Medicina a Bioética Clínica surgiu como uma possibilidade de se pensar e discutir a prática da medicina na dimensão das diferentes instituições sociais que lidam com a saúde e com os profissionais da área da saúde.

Descritores: Ética médica. Bioética. Bioética clínica.

ABSTRACT

To think about ethics means to go into the Bioethics universe. If it is understood that medical ethics deals with doctors within an organized society under legal purposes, consensus and ethics in the exercise of medicine it is observed that Bioethics came up due to the need to debate and decide on the ethic questions related mainly to research and scientific advances as well as conquests concerning human rights and social-cultural development: it is the critical expression of our interest in conveniently using the development of medical art and science. Within Medicine, clinical Bioethics arouse as a possibility of thinking and discussing the practice of medicine in the different social institutions which deal with health and with professionals in health area.

Key words: Medical ethics. Bioethics. Clinical bioethics.

INTRODUÇÃO

É da tradição da medicina a visita à beira do leito. O médico na sua prática faz visitas aos doentes que estão aos seus cuidados, acamados em hospitais. Conversa, examina, estabelece condutas, prescreve. Nas escolas de medicina a prática da visita à beira do leito, com estudantes, médicos-residentes e assistentes representa uma forma de ensino-aprendizagem consagrada e resistente a todo tipo de crítica. Em particular, muito se fala sobre o quanto pode ser antiético apresentar e discutir "na frente do paciente" sua doença e os possíveis desdobramentos das condutas e a realização de procedimentos de diagnóstico e tratamento. A despeito dos inconvenientes, sobretudo a ruptura do sigilo das informações e o constrangimento a que o doente é submetido com a presença de várias pessoas no seu entorno, a visita à beira do leito, sem dúvida, permanece como uma maneira de aproximação dos médicos dos doentes para a definição de condutas, em hospitais de ensino, desde que sejam tomados cuidados éticos fundamentais. Atualmente, as longas visitas à beira do leito, em proteção e benefício dos pacientes, têm sido substituídas por aproximações rápidas e posterior discussão do caso em salas de reunião próprias para tal fim. Resultam destas reuniões juízos e decisões clínicas que se baseiam nos dados de história, exame físico, palpação, ausculta, percussão, exames complementares do paciente. A decisão clínica leva a uma situação na qual o médico formula o diagnóstico, estabelece o tratamento e faz a previsão de prognóstico do paciente de acordo com as condições e valores da instituição de saúde que o acolheu.

De maneira resumida podemos definir os passos acima descritos como o que ocorre na Prática Clínica, onde cada caso é um caso. O novo é a introdução, nessas reuniões, da apresentação e discussão de conflitos de valores relacionados diretamente com a decisão clínica - é o surgimento da ética como elemento essencial que deverá ser considerado para as decisões.

Sabemos que a regulação moral da ação do médico está contida nos códigos profissionais. Os códigos têm um sentido eminentemente prático e genérico: trata-se de analisar situações que exigem decisões do médico e que podem, ou não estar "de acordo" com o código de ética do exercício profissional. Tomado com ponto de partida, para juízo e deliberação moral segura, o código de ética médica (CEM) procura refletir posições prevalentes e consensuais promovendo uma decisão que melhor atende os anseios e as necessidades dos doentes, dos médicos, das instituições e da sociedade1. De todas as maneiras, o CEM, fixa os limites morais de comportamento e atitudes do médico em diversas situações da sua prática profissional, a exemplo de códigos de ética médica de outros países, contempla princípios éticos fundamentais, como respeito pelo ser humano, por não utilização de uma medicina fútil, pela obrigação de aprimorar continuamente os conhecimentos e manutenção do sigilo profissional. E avança na incorporação de aspectos inteiramente novos no campo da medicina como: direitos dos médicos, direitos humanos, doação e transplante de órgãos e tecidos, e pesquisa médica.

Atualmente, com o avanço científico e tecnológico na área médica, além dos deveres e direitos, contidos nos códigos de ética médica, os Conselhos de Medicina, que são os órgãos responsáveis pela supervisão da moral profissional e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores dos médicos no Brasil, por meio de documentos auxiliares, como resoluções, procuram estabelecer diretrizes que orientam os médicos em situações de dificuldade ou de conflito na sua prática cotidiana. Entretanto, a permanente e rápida evolução dos conhecimentos e práticas na medicina nos obrigam a "tomar decisões" nem sempre claramente expostas no CEM. Desse descompasso surge a necessidade de pensar as questões sob a óptica da ética. Pensar a ética significa entrar no universo da Bioética.

Se entendermos, que a ética médica trata dos médicos no universo da sociedade organizada em torno de dispositivos de legalidade, de consensos e de ética do exercício da medicina, se verifica que a Bioética surgiu da necessidade de debater e decidir sobre as questões éticas relacionadas, sobretudo, com a pesquisa e os avanços científicos e as conquistas frente aos direitos humanos e os avanços sócio-culturais: ela é a expressão crítica do nosso interesse em usar convenientemente os progressos da arte médica e da ciência2.

A diferença entre a bioética e a ética médica, pode assim ser entendida: enquanto a primeira é uma reflexão que se estrutura de modo multidisciplinar, em diálogo contínuo, em busca de consensos com as diversas áreas do conhecimento interessadas nos fenômenos da vida, da saúde e do meio ambiente, a ética médica tem como referencial o Código de Ética Médica, ponto de partida para a reflexão sobre os aspectos éticos envolvidos na ação do médico, enquanto profissional3.

No âmbito da Medicina a Bioética Clínica surgiu como uma possibilidade de se pensar e discutir a prática da medicina na dimensão das diferentes instituições sociais que lidam com a saúde e com os profissionais da área da saúde. Ela tem a finalidade de pensar a aplicação desses novos valores resultantes do desenvolvimento científico frente a uma sociedade com respeito ao pluralismo e a aceitação das diferenças. Por meio de estratégias - próprias da Bioética Clínica - os conflitos que podem emergir da relação entre o médico e o paciente devem ser analisados a partir de valores éticos, enquanto ciência dos fundamentos ou princípios das ações; e dos valores da moral, enquanto conjunto de normas culturais que regulam as ações humanas.

A possibilidade de um espaço, em revista de especialidade ou sociedade médica, para a apresentação e discussão de temas éticos relacionados com os conflitos decorrentes da prática do médico nos parece próprio da Bioética Clínica e da sua prática.

Recebido em 08/02/2010

Aceito para publicação em 15/03/2010

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

  • 1. Oselka GW. O Código de Ética médica. In: Segre M, Cohen C, editores. Bioética. 3Ş ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2002. p. 218.
  • 2. Cohen C, Ferraz FC. Direitos humanos ou ética das relações. In: Segre M, Cohen C, editores. Bioética. 3Ş ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2002. p.13-22.
  • 3. Oliveira RA, Oselka G, Cohen C, Costa SIF. Clinical bioethics. J Int Bioethics. 2008; 9(1-2): 157-64.
  • Endereço para correspondência:
    Isac Jorge Filho
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2010
    • Aceito
      15 Mar 2010
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