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Planejamento pré-operatório em hepatectomias

Resumos

Hepatectomia pode combinar desde a captação pequeno tumor periférico para operações de grande porte como trissegmentectomia ou ressecções central. Os pacientes podem ser saudáveis, com doença hepática localizada ou cirróticos com alto risco operatório. A avaliação pré-operatória do risco de insuficiência hepática pós-operatório é fundamental para determinar o procedimento cirúrgico adequado. A natureza da doença hepática, a sua gravidade e a operação realizada devem ser considerados para correta preparação pré-operatória. A ressecção hepática deve ser avaliada em relação ao parênquima residual, especialmente em cirróticos, pacientes com hipertensão portal e grandes ressecções. O racional para a utilização de volumetria hepática é medida pelo cirurgião. Child-Pugh, MELD e retenção de verde de indocianina são medidas de avaliação da função do fígado que pode ser usado em hepatectomia pré-operatório. Extremo cuidado deve ser tomado em relação à possibilidade de complicações infecciosas com alta morbidade e mortalidade no período pós-operatório. Vários centros estão desenvolvendo a cirurgia de fígado no mundo, com diminuição do número de complicações. O desenvolvimento da técnica cirúrgica, anestesia, doenças infecciosas, oncologia, terapia intensiva, possível ressecção em pacientes considerados inoperáveis no passado, irão proporcionar melhores resultados no futuro.

Hepatectomia; Insuficiência hepatica; Cirrose hepática; Medição de Risco


Hepatectomy can comprise excision of peripheral tumors as well as major surgeries like trisegmentectomies or central resections. Patients can be healthy, have localized liver disease or possess a cirrhotic liver with high operative risk. The preoperative evaluation of the risk of postoperative liver failure is critical in determining the appropriate surgical procedure. The nature of liver disease, its severity and the operation to be performed should be considered for correct preparation. Liver resection should be evaluated in relation to residual parenchyma, especially in cirrhotic patients, subjects with portal hypertension and when large resections are needed. The surgeon should assess the rationale for the use of hepatic volumetry. Child-Pugh, MELD and retention of indocyanine green are measures for assessing liver function that can be used piror to hepatectomy. Extreme care should be taken regarding the possibility of infectious complications with high morbidity and mortality in the postoperative period. Several centers are developing liver surgery in the world, reducing the number of complications. The development of surgical technique, anesthesia, infectious diseases, oncology, intensive care, possible resection in patients deemed inoperable in the past, will deliver improved results in the future.

Hepatectomy; Hepatic Failure; Cirrhosis; Risk Assessment


ARTIGO DE REVISÃO

Planejamento pré-operatório em hepatectomias

Fábio Colagrossi Paes-Barbosa, ACBCI; Fabio Gonçalves Ferreira, TCBCII; Luiz Arnaldo Szutan, TCBCIII

IMédico Assistente do Serviço de Transplante de Fígado da Santa Casa de São Paulo - São Paulo - SP-BR

IIMédico Assistente do Grupo de Cirurgia do Fígado e Hipertensão Portal da Santa Casa de São Paulo - São Paulo - SP-BR

IIIChefe do Grupo de Cirurgia do Fígado e Hipertensão Portal da Santa Casa de São Paulo - São Paulo - SP-BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fábio Colagrossi Paes-Barbosa Santa Casa de Misericórdia de São Paulo São Paulo, SP, Brasil E-mail: fabiocpb@hotmail.com

RESUMO

Hepatectomia pode combinar desde a captação pequeno tumor periférico para operações de grande porte como trissegmentectomia ou ressecções central. Os pacientes podem ser saudáveis, com doença hepática localizada ou cirróticos com alto risco operatório. A avaliação pré-operatória do risco de insuficiência hepática pós-operatório é fundamental para determinar o procedimento cirúrgico adequado. A natureza da doença hepática, a sua gravidade e a operação realizada devem ser considerados para correta preparação pré-operatória. A ressecção hepática deve ser avaliada em relação ao parênquima residual, especialmente em cirróticos, pacientes com hipertensão portal e grandes ressecções. O racional para a utilização de volumetria hepática é medida pelo cirurgião. Child-Pugh, MELD e retenção de verde de indocianina são medidas de avaliação da função do fígado que pode ser usado em hepatectomia pré-operatório. Extremo cuidado deve ser tomado em relação à possibilidade de complicações infecciosas com alta morbidade e mortalidade no período pós-operatório. Vários centros estão desenvolvendo a cirurgia de fígado no mundo, com diminuição do número de complicações. O desenvolvimento da técnica cirúrgica, anestesia, doenças infecciosas, oncologia, terapia intensiva, possível ressecção em pacientes considerados inoperáveis no passado, irão proporcionar melhores resultados no futuro.

Descritores: Hepatectomia. Insuficiência hepatica. Cirrose hepática. Medição de Risco.

INTRODUÇÃO

As operações sobre o fígado vêm se desenvolvendo a partir da segunda metade do século XX1. A descrição de hepatectomia direita em 1952 por Lortat-Jacob deu início à cirurgia hepática moderna2. Com a melhora na técnica cirúrgica, das drogas anestésicas e da terapia intensiva foi possível a realização de ressecções hepáticas complexas com morbi-mortalidade muito baixas. As hepatectomias podem corresponder desde à pequenas enucleações de tumores periféricos até grandes operações como as trissegmentectomias ou ressecções centrais. Os doentes variam entre saudáveis e com doença localizada até hepatopatas graves com grande risco operatório1.

Operações realizadas em pacientes com reserva funcional hepática reduzida podem apresentar altos índices de morbi-mortalidade. Garrison et al., em 1984 mostraram que 10% dos pacientes com doença hepática avançada seriam submetidos a algum tipo de tratamento cirúrgico diferente do transplante nos dois anos finais de suas vidas1. A infecção pós-operatória e subsequente sepse continua a ser complicação frequente após hepatectomias (4% a 20%), com impacto significante na mortalidade pós-operatória chegando até 40% das causas de óbito3,4.

O acesso pré-operatório ao risco de falência hepática no pós-operatório é fundamental para determinação do procedimento cirúrgico apropriado5. Uma inadequada reserva funcional hepática no parênquima remanescente leva a impossibilidade de regeneração e progressão para falência hepática. Nenhum método único é capaz de prever limites seguros de ressecção6.

A melhor seleção dos pacientes é o que mais contribuiu para melhora na sobrevida de hepatectomias. A identificação cuidadosa dos fatores de risco gerais do doente, da reserva funcional hepática e do volume do parênquima remanescente são essenciais para prevenção da insuficiência hepática pós-hepatectomia e melhora nos índices de morbi-mortalidade7.

Avaliação da função hepática

A classificação de Chil-Turcotte-Pugh (CTP) é a forma mais simples. Até mesmo pequenas ressecções hepáticas não são possíveis na maioria dos pacientes CTP B e C. Porém, alguns estudos sugerem que métodos tradicionais para estimar a reserva funcional hepática como o escore de CTP mostraram-se limitados na prática clínica8,9.

Quanto aos portadores de carcinoma colorretal, 50% desenvolvem metástase hepática. Insuficiência hepática pode ocorrer quando a extensão do tumor necessitar de grande ressecção ou quando o paciente foi submetido à quimioterapia prévia10,11. A oclusão da veia porta pode ser a melhor maneira de aumentar a reserva funcional hepática pela hipertrofia do lobo contra-lateral. A cintilografia com tecnécio 99 marcado com análogo de asialoglicoproteína (99m-Tc-GSA) é atualmente a melhor maneira de se documentar essa hipertrofia compensatória12. Entretanto, os cirurgiões necessitam de testes simples para avaliar a função hepática.

Recentemente, exames de imagem têm sido utilizados para estimar o volume do fígado como a tomografia computadorizada (TC), ultrassonografia (USG) e a ressonância nuclear magnética (RNM). Dados mostrados por estas técnicas, demonstram que a reserva funcional hepática está relacionada com o volume hepático5. Através de informações da TC a cirrose hepática também pode ser analisada e classificada em graus. Esses graus foram significativamente correlacionados ao prognóstico. Rong et al., em 2007, combinaram esta graduação com a análise volumétrica do fígado para predizer a reserva funcional hepática após hepatectomias ainda no pré-operatório5.

Vauthey et al. (2000)13 mediram o volume do fígado através de TC helicoidal e demonstraram sérias complicações pós-operatórias quando o fígado remanescente apresenta menos de 25% do volume inicial. Normalmente o fígado pode tolerar uma trissegmentectomia com ressecção do lobo caudado, que resulta em redução de até 80% do volume hepático. Por outro lado, fígados cirróticos não toleram pequenas ressecções hepáticas14.

A maneira racional para se utilizar a volumetria hepática é ter o volume hepático mensurado pelo próprio cirurgião. Alguns autores realizam essa medida com o uso do photoshop em computadores pessoais. Infelizmente, softwares de análises de imagem são ligados aos radiologistas com pouco acesso ao cirurgião. A programação operatória deve ser conhecida por quem analisará as imagens para prever o volume do remanescente hepático. Os softwares de volumetria por TC são caros e pouco disponíveis15. Um programa gratuito para análise de imagem chamado "ImageJ" está disponível para os cirurgiões. Estudos para demonstrar a acurácia do "ImageJ" para análise do volume hepático pela TC em computadores pessoais em pacientes submetidos a grandes hepatectomias por metástase colorretal foram realizados com sucesso16.

Preparação pré-operatória

Para correta preparação pré-operatória, deve-se levar em consideração a natureza da doença hepática, sua gravidade e o tipo de operação a ser realizada17.

As ressecções hepáticas devem ser avaliadas quanto ao parênquima residual, especialmente em cirróticos e pacientes com hipertensão portal. A ausência de hipertensão portal (gradiente na veia hepática menor que 10 mmHg) e concentração sérica normal de bilirrubina se mostraram os melhores preditores de bom prognóstico pós-operatório com sobrevida de cinco anos de 70% nesses pacientes. Por outro lado, alterações no gradiente de pressão da veia hepática e elevação de bilirrubinas foram associadas com sobrevida de cinco anos de 30% após hepatectomias independente da classificação de CTP18.

Após avaliação pré-operatória cuidadosa, cirróticos CTP A podem ser submetidos à operações eletivas. Porém, cirróticos CTP B não devem ter ressecções hepáticas ou operações cardíacas, mas, podem realizar outras após otimização de sua condição clínica. Quanto aos cirróticos CTP C não é recomendada a realização de nenhum tipo de procedimento cirúrgico.

A escala MELD (Model for End Stage Liver Disease) utiliza os valores de bilirrubina, creatinina e INR. Pode ser utilizada como parâmetro pré-operatório. Uma vantagem é o fato de ser escala contínua, que pode ser realizada repetidamente. Ao ser reduzida, indica compensação do paciente, podendo-se então recomendar realização de procedimento cirúrgico quando o MELD está abaixo de 10. Quando a escala MELD estiver entre 10 e 15, deve-se ter cautela para realizar operações, que devem ser indicadas somente em casos estritamente necessários. Porém, em doentes com MELD acima de 15, procedimentos cir´rugicos são contra-indicados. A presença de hipertensão portal (varizes de esôfago, ascite, esplenomegalia com plaquetopenia) deve ser avaliada, pois é fator preditor de pior prognóstico que os critérios de CTP em pacientes submetidos à ressecções hepáticas19.

Em um estudo prospectivo foram analisados 55 pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC). Quarenta e seis eram CPT A e 9 B. O volume hepático foi medido através de TC com contraste em duas fases com cortes de 10 mm. Foi calculada a porcentagem de fígado remanescente. A cirrose hepática na área sem tumor foi dividida em quatro graus de acordo com a TC: grau 0 - densidade homogênea, sem distorção na forma, baço de tamanho moderado (índice até 300) e ausência de sinais de hipertensão portal; grau 1 - densidade heterogênea, alterações na forma do fígado com atrofia (fissura hepática até 1,5 cm), especialmente segmento 4, índice esplênico 300-600 e dois a três sinais de hipertensão portal; grau 2 - nódulos de regeneração, fígado atrofiado (fissura hepática > 1,5 cm), índice esplênico acima de 600 e dois a quatro sinais de hipertensão portal com moderada ascite (menos de 2 cm); grau 3 - maior número de nódulos de regeneração, fígado muito atrofiado (fissura > 2 cm) mais de quatro sinais de hipertensão portal, ascite volumosa (>2 cm). Quanto maior o grau da cirrose avaliado pela TC e quanto menor a PRH (porcentagem do remanescente hepático) maior a probabilidade de morte após a hepatectomia. O erro foi de 2,6% entre o cálculo da PRH no pré-operatório pela TC e o encontrado no pós-operatório.5 Tu et al. (2007) desenharam método para analisar a distribuição da sobrevida em relação à PRH e grau de cirrose pela TC juntos e encontraram uma linha oblíqua que pode ser usada como preditor de sobrevida baseado nesses dois parâmetros. Essa linha sugere que 40% de PRH é seguro em fígado grau 0 mas não menos de 90% de PRH pode ser deixado em cirróticos grau 3. É método não invasivo, barato e facilmente aplicável5.

Volumetria hepática

A reserva funcional hepática é altamente relacionada à quantidade e qualidade das células hepáticas. O volume hepático e sua forma refletem essa condição20,21. Muitos pesquisadores afirmam que quanto maior a ressecção hepática, maior a chance de insuficiência no pós-operatório. Por outro lado, quanto menor a ressecção, maior a chance de recorrência tumoral. É muito difícil predizer o volume do remanescente hepático, assim como é muito difícil estimar o volume ressecado durante a operação22. No momento não há consenso sobre qual é o volume hepático remanescente necessário para se evitar insuficiência hepática. Muitos estudo20,23,24. são focados no volume ressecado, porém deve-se levar em consideração não somente a quantidade de fígado remanescente como também sua qualidade. O estudo de Tu et al. de 2007 não encontrou diferença entre o volume de fígado ressecado, mas sim entre a PRH5.

A ressecção de 50% tem sido utilizada como segura, porém, observou-se que mesmo pequenos tumores ressecados podem levar à insuficiência hepática, enquanto a ressecção de grandes tumores podem apresentar longa sobrevida25,26. Isso sugere que a PRH não deve ser a mesma nos diferentes graus de cirrose. Deve-se combinar esses dois parâmetros para determinar qual o tamanho seguro da hepatectomia.

A volumetria hepática mostra-se como forma fiel e segura quando grandes ressecções são mandatórias. A maneira racional para se utilizar a volumetria hepática é ter o volume hepático mensurado pelo próprio cirurgião.

Lu et al. (2004) realizam essa medida com o uso do photoshop em computadores pessoais. Utilizou-se o photoshop 5.0, Windows 98, câmera digital 1,31 megapixels ou um scanner Acer 620UT para digitalizar as imagens. A TC com e sem contraste foi digitalizada pela câmera digital ou scanner em formato JPEG em cortes de 10 mm. As áreas contendo o fígado e o tumor foram delineadas. Foi aberto o histograma na imagem e medidos os pixels da área específica. Após criar-se área de 1 cm2 o valor dos pixels dessa área foi copiado e colocado no Excel. Comparando-se 10 volumes hepáticos realizados por esse método e por volumetria por TC, houve concordância entre os grupos. Três lobos direitos calculados por esse método foram coincidentes com as peças operatórias após hepatectomia direita, com variação de 5%15.

Outro estudo utiliza um programa de computador (ImageJ) para realização de volumetria pelo próprio cirurgião. Foram escolhidos 70 pacientes submetidos a major hepatectomias (três ou mais segmentos) para metástase colorretal. TC em quatro fases em CD foram realizadas. Após a ressecção, a peça era medida e pesada para comparação. A fase portal foi utilizada para medir o plano de ressecção. Foram escolhidas três áreas de interesse: área hepática total, área da metástase, área de ressecção. As áreas de metástases e área a ser ressecada foram delineadas manualmente e calculadas pelo programa. Toda análise levou de 25 a 28 minutos. Os resultados mostraram que o ImageJ foi capaz de reproduzir o volume hepático. Para pacientes referenciados, que já possuem TC em CD, o ImageJ elimina a necessidade de nova TC para cálculo da volumetria. Pode ser realizada pelo cirurgião, sem necessidade de radiologista. O ImageJ pode ser utilizado para cálculo de volumetria hepática, é gratuito e traz a volumetria para o computador pessoal do cirurgião, independente do suporte do radiologista16.

Segundo estudos, o mínimo de fígado remanescente para adequada função hepática para ressecções em metástases colorretais foi de 25% a 30%10,11,27. É sabido que fígados cirróticos, esteatóticos e pós-quimioterapia suportam apenas ressecções menores27,28. Estudos recentes utilizam combinação de volumetria hepática por TC com testes funcionais como o verde de indocianina e cintilografia29,30. O valor preditivo da retenção do verde de indocianina é aumentado se o volume do fígado remanescente for mensurado por TC no pré-operatório de hepatectomias31.

Insuficiência hepática pós-operatória

Em um estudo com 158 pacientes cirúrgicos, 111 submetidos à ressecção hepática, foram realizadas provas de função hepática como CTP, retenção do verde de indocianina em 15 minutos, total de receptores hepáticos e o volume do parênquima hepático e foram comparados entre pacientes com e sem sinais de falência hepática no pós-operatório. A regressão logística multivariável mostrou apenas o número de receptores hepáticos remanescentes como um significativo parâmetro para insuficiência hepática no pós-operatório32.

Para Fan (2000) o clearance do verde de indocianina é o teste de maior acurácia para reserva funcional hepática. Retenção do verde de 14% em 15 minutos é limite seguro para major hepatectomias em cirróticos. Até 60% do fígado pode ser ressecado com segurança. Esteatose e idade do paciente também afetam a reserva funcional hepática e são fatores de risco em hepatectomias7.

Kanzler et al. (2007) afirmam que em cirróticos, somente pacientes Child A com bilirrubinas normais e sem hipertensão portal, devem ser candidatos à ressecções hepáticas6. Para Yamagiwa et al., (1997) as operações eletivas são possíveis em pacientes Child A, operações com pouca perda sanguínea são possíveis em pacientes Child B, porém em Child C apenas casos de emergência devem ser operados. Os limites para procedimento cirúrgico em cirróticos são: verde de indocianina e" 0.04/min, bilirrubina d" 3mg/dL, AP > 50% e R15 e" 40%33. Segundo Pisani AC et al, o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE III) foi superior ao Chid-Pugh para prognóstico de sobrevida em cirróticos submetidos a hepatectomias34.

Um estudo com 466 pacientes hepatectomizados por CHC em cirróticos foi realizado com o objetivo de criar algoritmo para ressecção hepática segura baseado em fatores de falência hepática irreversível (FHI) no pós-operatório. O índice geral de FHI foi de 4,9%. MELD (<9, 9-10 e >10) e a extensão da hepatectomia foram fatores significantes. Meld <9 mostrou FHI de 0,4%, Meld 9-10 1,2% para menos de um segmento ressecado, 5,1% para um ou dois segmentos e 11,1% para três ou mais segmentos ressecados. Nessa faixa de MELD, Na >140 estiveram em menor risco. Para Na<140, com ressecção de um segmento a FHI foi de 2,5% e um ou + segmentos de 5%. Em pacientes com Meld >10 houve índice de 15% de FHI em todas as hepatectomias. Chegaram à conclusão que um algoritmo simples, baseado no MELD e Na pode indicar o máximo tolerado na extensão da hepatectomia para CHC em cirróticos35.

O MELD foi criado para refletir a reserva hepatocelular em cirróticos. Um estudo dividiu pacientes operados por CHC em dois grupos: grupo A com 21 pacientes sem cirrose e grupo B com 25 pacientes com cirrose. Oitenta e seis por cento dos pacientes do grupo A foram submetidos a major hepatectomias e 40% no grupo B. A morbidade e mortalidade foram de 24% e 4,8% no grupo A e 64% e 20% no B. Valores de MELD no pré-operatório, pós-operatório e delta MELD no grupo A foram respectivamente 7, 13, e 5 e no grupo B foram 9,6, 16,8 e 7,2. No grupo A, o MELD não foi preditivo de complicações, apesar do grande número de major hepatectomias. No grupo B, MELD maior ou igual a nove foi associado a maior morbimortalidade (84% x 41%). A mortalidade foi significativamente maior em MELD maior ou igual a 15. Concluiram que o MELD do pré-operatório falhou em predizer complicações pós-operatórias após hepatectomias para CHC em não-cirróticos, sendo fator preditivo em cirróticos36.

Extensão da ressecção

O número de segmentos ressecados tem profundo impacto sobre a morbimortalidade. O índice de complicações foi de 32% e mortalidade de menos de 1% com zero ou um segmento ressecado progredindo até 75% de complicações e 7,8% de mortalidade em pacientes com ressecção de seis segmentos. Em pacientes com três ou mais segmentos ressecados houve o dobro da mortalidade quando era associado outro procedimento cirúrgico complexo, de 3% para 6%. A perda sanguínea estimada durante a operação e o número de segmentos ressecados foram os únicos preditores de maior morbidade e mortalidade. Pacientes submetidos à ressecções de menos de três segmentos não tiveram aumento no número de transfusões ou mortalidade se um outro procedimento complexo fosse realizado; por outro lado, quando outro procedimento foi realizado juntamente com ressecção de três ou mais segmentos houve aumento da perda sanguínea, transfusões, morbidade e mortalidade. A presença de icterícia e trombocitopenia durante a operação representaram maior risco de óbito durante as ressecções hepáticas2.

Belghiti et al. (2002) analisaram 747 hepatectomias e concluíram que o único preditor independente de mortalidade operatória em pacientes não cirróticos foi a realização de procedimento extra-hepático concomitante3.

Complicações infecciosas

Jarnagin et al. (2002) mostraram taxa de complicações de 45% após hepatectomias, sendo metade delas infecciosas. As infecções mais comuns foram relacionadas com o fígado e as vias biliares, seguidas de perto pelas pulmonares. A complicação mais comum foi a presença de coleção peri-hepática. A taxa de mortalidade foi de 3,1%. As infecções representaram 42% das causas de morte2.

Associação tão alta entre infecção e mortalidade após hepatectomias traz questionamentos a respeito da participação do fígado na homeostase do paciente e no funcionamento da resposta imune contra micro-organismo de trato gastrointestinal, especialmente em idosos37.

Em 207 hepatectomias realizadas, Garwood et al.41 (2004) obtiveram índice de infecção de 3,3% com mortalidade de 33% nos infectados. As complicações infecciosas foram responsáveis por 25% das mortes nas hepatectomias, em contrapartida, representaram 9% das causa de óbito nas operações gerais. O maior número de infecções foi encontrado em ressecções por colangiocarcinoma e trauma. As infecções aumentaram o tempo de internação em média em seis dias e o uso de antibióticos em 11 dias com acréscimo nos custos de US$ 55.000 por paciente infectado. Os com infecção pós-hepatectomia eram em média cinco anos mais velhos e os que foram a óbito em consequência da infecção tinham cerca de 15 anos a mais. O número de comorbidades também foi maior nos pacientes infectados. O único exame laboratorial associado à infecção pós-operatória foi a albumina. Em relação ao procedimento cirúrgico, os únicos fatores que aumentaram o risco de infecção foram a extensão e o tempo do procedimento. Dois terços dos pacientes infectados foram submetidos à ressecção de pelo menos três segmentos. O aumento da cavidade residual pode servir de sítio para infecção, além do maior tecido desvitalizado e maior chance de fístula biliar38,39. O tempo cirúrgico acima de seis horas também foi relacionado com maior chance de infecção40. O sítio mais frequente foi intra-abdominal, seguido dos casos de pneumonia. Os germes mais prevalentes em infecções pós-hepatectomias foram os gram-negativos entéricos e os coccos gram-positivos, sendo o Enterobacter sp. e Enterococcus sp. os maiores causadores de bacteremia após ressecções hepáticas. Nos pacientes que foram a óbito, o germe mais encontrado foi o Staphylococcus sp. meticilina-resistente. As infecções fúngicas por Candida albicans foram encontradas com frequência nas culturas. Todas as classes de antibióticos foram utilizadas, sem diferença entre eles41.

Segundo Kobayashi e Tanimura (2001) as cefalosporinas de terceira e quarta gerações e os carbapenêmicos devem ser os antibióticos de escolha devido à gravidade das infecções e ao risco de desenvolvimento de infecções pós-operatórias. As bactérias mais comumente identificadas são as Pseudomonas, MRSA e Enterococcus. Tratamento empírico deve ser realizado com carbapenêmicos associado à vancomicina ou teicoplamina na suspeita desses agentes42. Os pacientes infectados que foram a óbito pós-hepatectomias tiveram início da antibioticoterapia com atraso de 5,3 dias em média em relação aos que sobreviveram41.

Os avanços da segunda metade do século XX impulsionaram a cirurgia hepática moderna. Cada vez mais centros desenvolvem-se na cirurgia do fígado pelo mundo, com um número de complicações decrescentes. Estudos continuam sendo feitos em relação à técnica cirúrgica, anestesia, infectologia, oncologia e terapia intensiva, que possibilitam ressecções em doentes tidos como inoperáveis no passado e proporcionarão resultados cada vez melhores.

Recebido em 08/05/2009

Aceito para publicação em 15/07/2009

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Como citar esse artigo:

Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Planejamento pré-operatório em hepatectomias. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2010; 37(5). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

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  • Endereço para correspondência:

    Fábio Colagrossi Paes-Barbosa
    Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
    São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2009
    • Aceito
      15 Jul 2009
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