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Herniorrafia inguinal com anestesia local em regime ambulatorial

Resumos

OBJETIVO: Comprovar a viabilidade da técnica de herniorrafia inguinal com anestesia local, em regime ambulatorial, com segurança, eficácia e curta curva de aprendizado. MÉTODOS: Analisamos prospectivamente 454 pacientes submetidos à herniorrafias inguinais sob anestesia local em regime ambulatorial entre novembro de 2004 e agosto de 2008. Do total de hérnias tratadas cirurgicamente neste período, 285 foram operadas à direita, 163 à esquerda e seis bilaterais. Foram utilizados critérios clínicos, cirúrgicos e psicossociais para inclusão no procedimento. Os parâmetros para exclusão foram hérnia complexa ou irredutível, hérnia recidivada, obesidade (IMC maior que 30 Kg/m²), recusa do paciente e pacientes psiquiátricos. Todos os pacientes foram operados eletivamente e analisados quanto ao resultado cirúrgico, suas complicações e tempo de internação hospitalar. RESULTADOS: Todas as operações foram concluídas com êxito. Em nenhum dos casos foi necessário a mudança do método anestésico. O tempo cirúrgico foi semelhante ao realizado com outros métodos de anestesia, não havendo casos de efeitos adversos dos anestésicos locais. As complicações intra-operatórias totalizaram aproximadamente 2,64% (12/454) dos casos. Não houve necessidade de internações hospitalares superiores ao período de 24 horas. CONCLUSÃO: O procedimento é viável sem dor per - operatória significativa, com segurança, podendo ser realizada por residentes sob supervisão, com satisfatória aceitação pelos pacientes, com complicações semelhantes às observadas em uma herniorrafia convencional, possibilitando um tempo e custo de internação menor e acesso mais rápido dos pacientes ao tratamento.

Hérnia inguinal; Anestesia local; Procedimentos cirúrgicos ambulatórios


OBJECTIVE: To demonstrate the feasibility of inguinal hernia repair with local anesthesia in an outpatient regime, with safety, efficacy and short learning curve. METHODS: We prospectively evaluated 454 patients undergoing inguinal hernia repair under local anesthesia on an outpatient basis between November 2004 and August 2008. Of the total number of hernias surgically treated in this period, 285 were operated on the right, 163 on the left and six bilateral. We used clinical, surgical and psychosocial criteria for inclusion in the procedure. The parameters for exclusion were complex, irreducible or recurrent hernia, obesity (BMI greater than 30 kg/m²), patient's refusal and psychiatric disorder. All patients underwent elective surgery and were analyzed regarding surgical outcome, complications and hospital stay. RESULTS: All operations were completed successfully. In no case there was need to change the anesthetic method. Surgical time was similar to that conducted with other methods of anesthesia and there were no cases of adverse effects of local anesthetics. Intra-operative complications amounted to approximately 2.64% (12/454). There was no need for hospital admissions greater than 24 hours. CONCLUSION: The procedure is feasible and causes no perioperative significant pain, is safe, can be performed by residents under supervision, has satisfactory patient acceptance and complications similar to those observed in a conventional herniorrhaphy, allowing lower time and cost of hospitalization and faster access to treatment.

Hernia, Inguinal; Anesthesia, local; Ambulatory surgical procedures


ARTIGO ORIGINAL

Herniorrafia inguinal com anestesia local em regime ambulatorial

Flavio Antonio de Sá Ribeiro, TCBC- RJI; Fernanda PadronII; Tiago Duarte Magalhães CastroIII; Lucio Carlos de Azevedo Torres FilhoIII; Baltazar de Araujo Fernandes, TCBC-RJIV

IMestre-Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ- Rio de Janeiro - RJ-BR

IIResidente (R2) da 1ª Clinica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso /MS- Rio de Janeiro - RJ-BR

IIIInterno da 1ª Clinica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso /MS, aluno da Universidade Severino Sombra (Vassouras,RJ)

IVChefe de Serviço da 1ª Clinica Cirúrgica Hospital Geral de Bonsucesso /MS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Flavio Antonio de Sá Ribeiro Trabalho realizado pela 1ª Clinica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso Ministério da Saúde Rio de Janeiro, RJ- BR. E-mail: flavioasribeiro@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comprovar a viabilidade da técnica de herniorrafia inguinal com anestesia local, em regime ambulatorial, com segurança, eficácia e curta curva de aprendizado.

MÉTODOS: Analisamos prospectivamente 454 pacientes submetidos à herniorrafias inguinais sob anestesia local em regime ambulatorial entre novembro de 2004 e agosto de 2008. Do total de hérnias tratadas cirurgicamente neste período, 285 foram operadas à direita, 163 à esquerda e seis bilaterais. Foram utilizados critérios clínicos, cirúrgicos e psicossociais para inclusão no procedimento. Os parâmetros para exclusão foram hérnia complexa ou irredutível, hérnia recidivada, obesidade (IMC maior que 30 Kg/m2), recusa do paciente e pacientes psiquiátricos. Todos os pacientes foram operados eletivamente e analisados quanto ao resultado cirúrgico, suas complicações e tempo de internação hospitalar.

RESULTADOS: Todas as operações foram concluídas com êxito. Em nenhum dos casos foi necessário a mudança do método anestésico. O tempo cirúrgico foi semelhante ao realizado com outros métodos de anestesia, não havendo casos de efeitos adversos dos anestésicos locais. As complicações intra-operatórias totalizaram aproximadamente 2,64% (12/454) dos casos. Não houve necessidade de internações hospitalares superiores ao período de 24 horas.

CONCLUSÃO: O procedimento é viável sem dor per - operatória significativa, com segurança, podendo ser realizada por residentes sob supervisão, com satisfatória aceitação pelos pacientes, com complicações semelhantes às observadas em uma herniorrafia convencional, possibilitando um tempo e custo de internação menor e acesso mais rápido dos pacientes ao tratamento.

Descritores: Hérnia inguinal/cirurgia. Anestesia local. Procedimentos cirúrgicos ambulatórios.

INTRODUÇÃO

A herniorrafia inguinal com uso de anestesia local é amplamente utilizada em todo o mundo1,2. No Brasil, mesmo com o incentivo do uso desta técnica há mais de duas décadas3, a mesma ainda é pouco difundida e aceita, apesar dos benefícios constatados por diversos centros de excelência globais4-5.

A anestesia local, mais sedação, aplicada a este tipo de cirurgia constitui um método com menor impacto na função de órgãos e sistemas, seguro, efetivo, de fácil execução, com incidência menor de efeitos colaterais como instabilidades cardiovasculares, náuseas, vômitos ou retenção urinária, permitindo rápida mobilização, além de ocasionar menor tempo de internação hospitalar 2-6 , geralmente inferior a 24 horas.

O objetivo deste estudo é comprovar a viabilidade da realização de herniorrafias inguinais com anestesia local, sem internação, com segurança, eficácia e com curta curva de aprendizado para o residente iniciante de cirurgia geral.

MÉTODOS

Foram analisados 454 prontuários de pacientes submetidos à herniorrafias inguinais com uso de anestesia local em regime ambulatorial, entre novembro de 2004 e agosto de 2008, todos operados pela técnica de Lichtenstein7,8, associada à sedação intravenosa, na 1ª Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Foi utilizada escala numérica subjetiva, unidimensional de onze pontos, proposta por "HUSKISSON" em 19749, para avaliação da dor per- operatória (0 - ausência de dor, 10 - dor insuportável) . A avaliação foi realizada junto aos pacientes durante a 1ª consulta ambulatorial, ocasião em que era solicitado que, utilizando a referida escala, atribuíssem uma nota que melhor representasse a intensidade da dor percebida durante o procedimento cirúrgico.

A equipe cirúrgica do procedimento era composta por dois residentes (1º e 2º anos) no campo cirúrgico, e pelo cirurgião supervisionando o procedimento. Outro residente, geralmente de 2º ano, ficava responsável pela monitorização do paciente; o procedimento se deu sempre no centro cirúrgico principal, estando um anestesista a postos, presente no centro cirúrgico, não necessariamente na sala de cirurgia, para dar suporte quando necessário. As atividades desenvolvidas pelos residentes estão definidas no Programa de Residência em Cirurgia Geral, aprovado pelo Comitê Nacional de Residência Médica10.

Os critérios utilizados para inclusão no procedimento foram: a) Clínico: ausência de co-morbidades não controladas - até ASA II e idade inferior a 70 anos; b) Cirúrgico: hérnia inguinal redutível primária e IMC menor que 30kg/m2; c) Psicossocial: compreensão do procedimento e estabilidade emocional.

Critérios utilizados para exclusão: hérnia complexa ou irredutível; hérnia recidivada; obesidade (IMC maior que 30 kg/m2); pacientes psiquiátricos.

Durante os procedimentos os pacientes foram monitorizados através da oximetria de pulso, monitorização cardíaca, pressão arterial não invasiva, acesso venoso periférico e oxigênio terapia em macronebulização 3 L /min.

Foi utilizada infusão endovenosa em bolus, com o uso de 1 a 10mg de midazolan, 20mg de tenoxicam, 20 a 100 mg de meperidina e 1g de cefazolina. Após atingir-se a profundidade de sedação desejada, realizava-se a técnica de bloqueio de campo, com a utilização de solução anestésica composta de 20ml de ropivacaína 0,75%, 20ml de lidocaína 2%, 0,4 ml de adrenalina 0,1%, diluídos em 30 ml de água destilada, perfazendo- se volume total de 70 ml da solução.

Técnica do bloqueio de campo

O bloqueio anestésico do campo operatório era feito obedecendo às seguintes etapas: marcação dos pontos na pele para início do procedimento com injeção de anestesia local (Figura 1); 10 ml na espinha ilíaca, 05 ml visando o anel profundo e inervação femoral superficial; 05 ml na incisão; 05 ml no púbis e anel externo; 05 ml diretamente sobre a aponeurose do obliquo externo (Figura 2), visando o cordão; 05 ml no púbis após a abertura da aponeurose do obliquo externo; Deve-se obrigatoriamente respeitar o tempo de latência de 20 minutos até o início do procedimento operatório.



A Curva de Aprendizado é avaliada pelo tempo necessário para o residente de 1º ano realizar o procedimento cirúrgico completo, com domínio da anatomia e da técnica escolhida e o bloqueio com anestésico local. Durante este período o "staff" da Clinica Cirúrgica avalia, durante o procedimento, a conduta do residente, seu conhecimento anatômico, sua capacidade realizar o bloqueio anestésico, de identificar as estruturas do canal inguinal, além da desenvoltura na realização da técnica de Lichtenstein8 padrão adotada pela Clínica.

RESULTADOS

Do total de pacientes operados, 22(4,8%) eram do gênero feminino e 432(95,2%) do masculino. Foram realizadas 285 herniorrafias à direita (62,8%), 163(35,9%) à esquerda e seis bilaterais (1,3%).

Com relação à classificação de Nyhus, 55% dos casos foram classificados como do tipo 2, 24% do tipo 3-A, 14% do tipo 3-B e 7% do tipo um.

Todas as operações foram concluídas com êxito. Em nenhum dos casos foi necessário a mudança do método anestésico. O tempo cirúrgico variou entre 40min e 1h 30min , com média de 65min, não havendo caso de efeito adverso dos anestésicos locais.

Ocorreram sete situações (sete pacientes) onde houve necessidade de atendimento pelo anestesista, com rápida resolução do problema (complicações per - operatórias), especificadas a seguir: Quatro casos de efeitos colaterais do sedativo (agitação), revertido com uso de antagonista específico; Três casos de hipotensão; Não houve necessidade de internações hospitalares maiores que 24 horas.

Em relação à percepção de dor, 92% dos pacientes negaram sentir qualquer dor, enquanto 8% relataram alguma sensação dolorosa, como descrita abaixo: Grau um em seis pacientes; Grau dois em três pacientes; Grau três em um paciente; Grau seis em dois pacientes.

A totalidade dos pacientes operados, mesmo os incluídos nos 8% que relataram alguma sensação dolorosa, quando indagados sobre a experiência cirúrgica sob anestesia local, afirmaram estar satisfeitos com o tratamento recebido e que, no caso de outra situação clínica que necessitasse de tratamento cirúrgico,concordariam em submeter-se ao mesmo, com uso de anestesia local.

Nenhum paciente foi a óbito, decorrente do procedimento efetuado.

Complicações pós-operatórias imediatas, definidas por se apresentarem entre o termino da operação e a alta hospitalar do paciente: Um caso de sangramento na ferida, resolvido com a troca do curativo, sem comprometimento para a alta hospitalar.

Complicações pós-operatórias tardias, definidas por serem identificadas a partir da 1ª consulta pós - operatória, até a última consulta registrada no período de estudo:

· Cinco pacientes apresentaram recidivas da hérnia (1%), a mais precoce no 6º mês e a mais tardia após 1º ano de pós - operatório;

· Quatro pacientes referiram dor crônica (0,9%);

· Em 20 pacientes foi observada a presença de infecção de parede (subcutâneo), sem comprometimento da prótese, ou do resultado cirúrgico (4,4%);

· 01 paciente evoluiu com rejeição da prótese (0,2%);

· 53 pacientes (12%) apresentaram seroma em ferida cirúrgica, que não evoluiu para infecção;

· 29 pacientes (6,4%) relataram queixa de parestesias;

· 35 pacientes (8%) evoluíram com hematoma de ferida operatória;

· 13 pacientes (3%) apresentaram edema da cicatriz cirúrgica, sem a presença de seroma ou infecção;

· Foram observados14 casos (3,1%) de orquite.

DISCUSSÃO

O trabalho de Lichtenstein6, desenvolvido em sua clinica na Califórnia, mostra 2000 pacientes operados, pela sua técnica, sem internação e com anestesia local a ausência de complicações graves e óbitos, e um índice de recidiva menor de 1%.

No âmbito nacional; o trabalho de Silva, 11 realizado em Porto Alegre, na Santa Casa de Misericórdia, comparando a herniorrafia inguinal convencional a ambulatorial sem internação, apresentou índices de complicações semelhantes entre os procedimentos, com e sem internação, com custos para instituição 20% menores. Este mesmo trabalho assinalou o impacto na redução significativa da fila de espera, resultados semelhantes ao encontrado neste presente estudo. Ratificando a impressão acerca deste aspecto, mencionamos o trabalho publicado por Neto12, que também enfatiza, de maneira consistente o método apresentado.

A normatização para atividade e organização de unidades de cirurgia ambulatorial é encontrada em uma série de documentos oficiais produzidos pelo governo federal, como a resolução RDC n. 50 de 21 de fevereiro de 2002, e as diversas resoluções do Conselho federal de Medicina ( resoluções CFM n. 1409/94 e CFM n. 1802/2006; e ainda as resoluções do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro n. 180/2001 e n. 215/06 com seus anexos). Em relação às fontes internacionais, a Organização Mundial de Saúde13 e a International Association for Ambulatory Surgery14, com sede na Bélgica, produzem grande quantidade de material normativo, gerencial e técnico-clínico para o planejamento e desenvolvimento de programas de cirurgia ambulatorial.

No Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), como o Programa de Herniorrafia com Anestesia Local em Regime Ambulatorial faz parte do treinamento dos jovens residentes, era esperado um grau de dificuldade acima do que foi encontrado, com índices de recidiva e complicações mais altas, o que não foi verificado. Tal fato comprova que o método é o que apresenta menor impacto na função de órgãos e sistemas, mostrando-se seguro, efetivo, de fácil execução, apresentando ainda um menor custo pois o paciente é operado sem utilizar a hotelaria da instituição. Observa-se também a incidência menor de efeitos colaterais, como instabilidade cardiovascular, náuseas, vômitos ou retenção urinária. O paciente submetido a anestesia local é rapidamente mobilizado no pós-operatório, além de resultar em menor tempo de internação hospitalar.

O tratamento cirúrgico das hérnias inguinais é realizado ambulatorialmente em torno de 70% dos pacientes com diagnóstico de hérnia inguinal, em continentes como a Europa e América do Norte desde os anos oitenta1. No Brasil, mesmo com o conhecimento desta técnica cirúrgica e o incentivo para seu uso há mais de duas décadas, ela ainda é pouco difundida e aceita e apresentado sempre nas publicações nacionais com ar de novidade e não como procedimento habitual2.

Keyes15 publicou em 2008, uma revisão realizada pela "American Association for Accreditation of Ambulatory Surgery Facilities" sobre 1.141.418 procedimentos cirúrgicos realizados em múltiplos centros cirúrgicos ambulatoriais, encontrando 23 óbitos, sendo 13 atribuídos, por laudo de necropsia, a embolia pulmonar, um caso apenas foi atribuído a complicações do procedimento operatório; o procedimento mais associado ao episódio tromboembólico é a abdominoplastia realizada em regime de hospital dia. Não existem relatos na literatura de mortes decorrentes de hérnias operadas em regime ambulatorial 2.

Recentemente Barros F. et al16 procuraram evidenciar motivos ou situações nas quais a necessidade de internação (não programada) surge e relataram a experiência de seu serviço em Portugal com mais de 6000 casos operados em cirurgia ambulatorial, na tentativa de identificar fatores preditivos ou relacionados a internações não programadas. Foram significativos do ponto de vista estatístico foram: procedimentos em ginecologia; náuseas e vômitos; sangramento; dor intensa; duração da anestesia acima de cento e vinte minutos. Neste trabalho mais de trinta por cento dos procedimentos eram de videolaparoscopia e quarenta por cento eram de hérnia inguinal, esta tinha como fator significativo a ocorrência de sangramento da ferida imediatamente ao final do procedimento, em torno de 0,2% do total de hérnias operadas com anestesia local em regime ambulatorial2 .

A necessidade de ter um canal efetivo para o tratamento de doenças cirúrgicas menos complexas, porém de grande impacto socioeconômico, junto ao reconhecimento da hérnia inguinal como um importante problema de saúde pública no Brasil, que afasta um número muito grande de indivíduos dos seus postos de trabalho e ainda considerando a necessidade de garantir treinamento adequado à formação dos nossos residentes, fez com que, em 2004, a 1ª Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso desenvolvesse ações para garantir a realização destes procedimentos sem, contudo, comprometer a necessidade de vagas dos pacientes mais graves; neste contexto surge o "Programa de Cirurgias com Anestesia Local sem Internação", no qual o tratamento cirúrgico da hérnia inguinal foi inserido, junto a outros procedimentos tais como: hérnias abdominais, cirurgias orificiais proctológicas e tratamento cirúrgico do cisto pilonidal. O referido Programa foi inspirado e adaptado para a realidade da Instituição, a partir da experiência bem sucedida da cirurgia ambulatorial desenvolvida na Policlínica Piquet Carneiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A carência de recursos, a demanda hospitalar focada na alta complexidade, a assistência ao paciente oncológico, além da necessidade crescente de transplantes de órgãos, mobilizavam de forma quase exclusiva a estrutura hospitalar do Hospital Geral de Bonsucesso. Para agravar a situação, a falta de políticas claras de atendimento primário e o forte "marketing" hospitalocêntrico de cuidados à saúde se associam para praticamente inviabilizar o atendimento de pacientes com doenças que necessitam de um tratamento cirúrgico menos complexo, porém de grande impacto sócio econômico.

Observa-se, na maioria as unidades públicas de saúde do Rio de Janeiro, fila de espera para tratamento cirúrgico para pacientes com hérnia inguinal,que se estende por aproximadamente cinco anos , comprometendo as esferas social e financeira dos pacientes e de suas famílias , bem como sobrecarregando o sistema previdenciário.

A hérnia inguinal acomete um percentual muito significativo da população ativa, além de comprometer a qualidade de vida da população com idade acima dos 60 anos, constituindo um grande problema de Saúde Pública. Estes pacientes freqüentam várias unidades de atendimento, em procura pelo tratamento definitivo que permita o retorno as suas atividades habituais. No Hospital Geral de Bonsucesso o resultado mais imediato do programa foi o fim da fila de espera para o tratamento cirúrgico da hérnia inguinal.

A introdução do projeto de cirurgia das hérnias da parede abdominal sem internação com anestesia local, iniciado em 2004 pela 1ª Clinica Cirúrgica do HGB, em consoante com a iniciativa do então diretor do Hospital, Dr. Victor Grabois, que havia criado o setor de Curta Permanência da Unidade diminuiu acentuadamente a fila de espera, que era de seis anos, uma realidade que ainda persiste na maioria dos hospitais públicos brasileiros.

O programa levou a uma melhora significativa no treinamento cirúrgico do corpo de residentes e de internos do HGB2 , que de 24 hérnias operadas por ano, em 2003, no serviço, passaram a operar 240 hérnias /ano em 2009.

Os residentes de 1º ano começam suas atividades em fevereiro (1º dia útil) acompanhando os residentes de 2º ano em suas atividades. Este residente que inicia suas rotinas desempenha a função de 1º auxiliar nos procedimentos sem internação; entre maio e junho começa a desenvolver, sob supervisão, todo o procedimento: ato operatório, anestesia local, sedação e controle do paciente, monitorização e por fim a seleção do paciente a ser operado. Nesta ordem, vai paulatinamente assumindo o controle de todo o processo. Em media, terminam o ano com cerca de 30 hérnias operadas, cada um.

O Residente de 2º ano nunca se afasta desta atividade e, ao final da residência é capaz de repetir o programa onde a estrutura permitir e existir vontade política para tal.

A hérnia inguinal torna-se para um percentual importante e produtivo da população, uma barreira a um posto de trabalho, gerando prejuízo ao paciente e aos seus dependentes, onerando o Estado e tumultuando ambulatórios de unidades hospitalares, em vindas e idas, aguardando em filas de espera, que podem levar anos.

Este trabalho evidencia que, um serviço cirúrgico de um hospital terciário, focado em oncologia do tubo digestivo, cirurgia endócrina e videocirurgia avançada, sem prejuízo da sua rotina e dos objetivos assistenciais da Instituição, com internação durando menso de 24 horas sem aumentar custos ou ainda, aumentar a ocupação de leitos, pode conseguir de forma exitosa, implantar um programa de alto impacto social, atendendo as demandas imensas do entorno do hospital, com maximo de produtividade, implementando a utilização do recurso humano do hospital, otimizando a ocupação de leitos e melhorando o treinamento do grupo de residentes.

Assim sendo, o procedimento "Cirurgia da Hérnia Inguinal com Anestesia Local em Regime Ambulatorial" é viável, sem dor per - operatória significativa, realizado com segurança por residentes sob supervisão, proporcionando uma curva de aprendizado segura e rápida, foi bem aceito pelos pacientes, com complicações semelhantes às observadas em uma herniorrafia convencional, possibilitando um tempo de internação menor, consequentemente, um menor custo e um acesso mais rápido dos pacientes ao tratamento; sendo também facilmente reproduzido em qualquer local do País, onde possa ser estabelecida, uma boa retaguarda hospitalar com o mínimo de recursos disponíveis.

Esperamos de forma sincera que outros serviços brasileiros possam adotar esta modalidade de tratamento, segura e mais econômica, como outros países já fazem a algumas décadas, com amplo sucesso.

A Organização Mundial da Saúde13, o Serviço de Saúde Britânico17 e Português têm publicações 16,18 recentes em seus sites na internet, estimulando a cirurgia ambulatorial, apresentando sugestões, algorritimos e protocolos para facilitar o crescimento da pratica e adoção destes procedimentos de forma ambulatorial sem internação.

Recebido em 20/10/2009

Aceito para publicação em 22/12/2009

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Como citar este artigo: Ribeiro FS, Padron F, Castro TDM, Torres Filho LCA, Fernandes BA. Herniorrafia inguinal com anestesia local em regime ambulatorial. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2010; 37(6). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

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  • Endereço para correspondência:
    Flavio Antonio de Sá Ribeiro
    Trabalho realizado pela 1ª Clinica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso
    Ministério da Saúde
    Rio de Janeiro, RJ- BR.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Out 2009
    • Aceito
      22 Dez 2009
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