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Pseudocisto pancreático com envolvimento esplênico: relato de caso

Resumo

The authors present a case report of a pancreatic pseudocyst with an unusual spleen involvement. The aspects of this rare complication are discussed, as well as the probable etiologic factors. The outcome was satisfactory and the surgical treatment consisted of the resection of its thick capsule, since the local anatomic conditions would not permit a splenectomy with distal pancreatectomy, considered to be the ideal surgery.

Pancreatic pseudocyst; Pancreatic pseudocyst; Spleen


RELATO DE CASO

Pseudocisto pancreático com envolvimento esplênico. relato de caso

Pietro Accetta, TCBC-RJI; Italo Accetta, TCBC-RJII; Renato AccettaIII; Keila Borba CamposIV; Manoel Fernando O. Rodrigues, TCBC-RJV

IProfessor Titular de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói RJ- BR

IIProfessor Titular de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFF - Niterói RJ- BR

IIIMédico do CTI do Hospital Universitário Antonio Pedro UFF - Niterói RJ- BR

IVMédica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) Rio de Janeiro RJ- BR

VProfessor Adjunto de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói RJ- BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Pietro Accetta Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral I do Hospital Universitário Antonio Pedro UFF Niterói RJ- BR. E-mail: pietroaccetta@globo.com

INTRODUÇÃO

O pseudocisto pancreático é uma das complicações fre- quentes das pancreatites, mas boa parte deles quando pequenos e não complicados nem requerem tratamento. Entretanto, alguns podem causar muitos problemas dependendo da localização, do trajeto e do efeito causado pela ação lítica do seu conteúdo enzimático. A sua rotura para o peritônio, a hemorragia, infecção intracisto, compressões ou fistulas para órgãos vizinhos são as complicações mais comuns1. Outros casos inusitados encontrados na literatura registram fístulas para sítios distantes como pescoço, mediastino, cavidade torácica e bolsa escrotal2.

O baço, ainda que muito próximo do pâncreas, raramente é envolvido no processo e até o ano de 2001, existiam menos de 50 casos relatados na literatura de língua inglesa3. A hemorragia intensa proveniente do baço é a evolução mais comum e a mais grave, podendo exigir cirurgião tratamento cirúrgico de urgência.

O presente caso e seus comemorativos, mesmo que operado eletivamente, caracterizam bem esse tipo de complicação e as dificuldades encontradas no seu tratamento.

RELATO DE CASO

Homem branco, 42 anos, natural do RJ, internado no HU Antonio Pedro com diagnóstico de atelectasia de pulmão esquerdo e pneumonia; queixava-se de dor na região subescapular esquerda, há 45 dias, irradiada para o ombro do mesmo lado, sem relação com a respiração, mas que piorava ao deitar; informava que já fora atendido em outro hospital e o diagnóstico foi de pneumonia com derrame pleural à esquerda. Foi tratada com antibióticos e toracocentese, recebendo alta após 15 dias de internação; oito dias depois passou a apresentar febre alta, mal estar geral, emagrecimento e palidez; não referia tosse ou expectoração. Relatava como antecedentes: laparotomia exploradora por pancreatite aguda com necrosectomia, em 1999, causada por dislipidemia; em 2003 foi submetido à correção cirúrgica de eventração provocada pela peritoneostomia realizada na operação anterior; quatro supostos episódios de pneumonia esquerda a partir de 1999; diabético controlado com insulina e tratando a hipertrigliceridemia com ácido nicotínico. O exame físico mostrava um paciente em bom estado geral, hipocorado, mas normotenso, apirético e eupnêico; MV abolido na base pulmonar esquerda e som maciço à percussão; o abdome era flácido e indolor, com Traube ocupado e massa palpável mal definida e de contornos irregulares na topografia do baço. Exceto pelo hematócrito de 30,8%, pela glicemia de 140 mg e reticulócitos de 7,1%, todos os exames de sangue e bioquímica eram normais, inclusive as enzimas pancreáticas. As radiografias de tórax mostravam uma acentuada elevação do diafragma esquerdo e velamento da base pulmonar (Figura 1); a ultrassonografia do abdome (US) mostrava coleção heterogênea com áreas hiper e hipoecóicas, adjacente ao baço, com 21,0x9,2 cm, sugerindo hematoma em diferentes fases de evolução, semelhantes com as imagens obtidas com a tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (Figura 2), conforme demonstram as figuras 1 e 2. Com diagnóstico de pseudocisto pancreático envolvendo o baço ou de cisto esplênico, foi submetido à laparotomia exploradora. Uma volumosa massa cística e fixa envolvia o baço e impedia a sua visualização, ocupava o quadrante superior esquerdo, com firmes aderências ao diafragma e a outras vísceras próximas; o andar superior do abdome estava congelado o que tornou impossível qualquer abordagem aos vasos esplênicos ou ao tronco celíaco; a região da topografia do pâncreas era muito endurecida. As tentativas de ressecção foram frustradas pela ausência de planos de clivagem seguros e a operação de constituiu de ressecção mais ampla possível da espessa cápsula do cisto; saída de grande quantidade de liquido achocolatado além de material semelhante a coágulos antigos; o baço era bem aumentado e sua superfície externa rugosa e muito friável, o que acabou provocando grande hemorragia intra-operatória, controlada com tamponamento e esponjas de hemostáticos tópicos; a região do cisto foi drenada com grosso dreno de borracha, retirado dois meses depois. A alta hospitalar ocorreu no 14° dia. A amilase do liquido foi de apenas 700 U/L e o histopatológico da cápsula compatível com pseudocisto pancreático. Na revisão após quatro meses, encontrava-se bem, ainda que a TC de controle mostrasse uma fina lâmina de liquido próxima ao baço.



DISCUSSÃO

O comprometimento de órgãos vizinhos ao pâncreas durante a evolução de um pseudocisto apesar de relativamente frequente costuma preservar o baço, tornando o seu envolvimento bastante incomum, mas de conseqüências por vezes dramáticas.

A pouca frequência e a pouca experiência com esses casos não permitem conclusões definitivas, mas acredita-se que esse envolvimento do baço no processo se daria por três fatores etiológicos4,5 1) vascular: a trombose da veia esplênica é apontada com complicação possível na evolução da pancreatite crônica. Ela não costuma causar sangramento do baço, mas pode evoluir com hiperesplenismo e até mesmo hipertensão portal do tipo fugal; 2) mecânico: essa teoria considera que as aderências periesplênicas tornam o baço mais vulnerável aos traumatismos, mesmo os de pouca gravidade; 3) enzimático: ocorre pela ação direta de enzimas pancreáticas sobre o parênquima esplênico ou pela invasão, através do hilo, ao longo dos vasos sanguíneos.

Ainda que tais pacientes possam evoluir com grave quadro de hemorragia interna, a apresentação clínica não costuma ser muito diferente daquelas observadas com pseudocistos não complicados. Dor abdominal pouco característica, episódios eventuais de náuseas, febre e perda de peso são as queixas mais relatadas. Os exames laboratoriais pouco contribuem e a massa palpável não é muito comum, pois a larga utilização do US e da TC fazem com que tais pseudocistos sejam diagnosticados antes de apresentarem expressão ao exame físico, como era comum no passado. Nesse sentido, alguns autores defendem a indicação cirúrgica mais precoce pelo maior potencial de complicações que sua evolução pode acarretar4.

Para a maioria dos autores o tratamento definitivo é a esplenectomia com pancreatectomia distal1,3, ainda que sujeito a complicações como a hemorragia e infecção. Heider3, apresentando uma revisão de 238 pseudocistos encontrou apenas 14 (6%) comprometendo o baço. Esse mesmo autor considera que a drenagem percutânea não é efetiva, pois três deles necessitaram repetir o procedimento e, outros tantos, acabaram sendo operados; do mesmo modo, também apontou falhas na conduta expectante, já que sete de seus 10 pacientes acabaram necessitando de tratamento cirúrgico.

Infelizmente a ausência do exame anátomo-patológico do baço dificultou caracterizar com mais clareza o tipo de envolvimento esplênico, mas os aspectos anátomo-radiológicos idênticos aos de outros casos, assim como uma espessa cápsula envolvendo todo o conjunto e deixando toda a face convexa do baço em contato direto com o conteúdo, não faz pensar num pseudocisto corriqueiro.

No presente caso a sua longa evolução talvez explique a extrema dificuldade de encontrar planos cirúrgicos seguros que pudessem permitir a remoção do baço e de parte do pâncreas. Vale registrar que a esplenectomia recomendada envolve grande risco de hemorragia intra-operatória e cabe ao cirurgião estabelecer os limites para realizá-la.

A evolução foi bastante satisfatória não obstante o impedimento em realizar a esplenectomia com pancreatectomia distal.

Recebido em 06/10/2006

Aceito para publicação em 08/12/2006

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Como citar este artigo: Accetta P, Accetta I, Accetta R, Campos KB, Rodrigues MFO. Pseudocisto pancreático com envolvimento esplênico. Relato de caso. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2010; 37(6). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

  • 1. Sitzmann JV, Imbembo AL. Splenic complications of a pancreatic pseudocyst. Am J Surg. 1984;147(2):191-6.
  • 2. McMahon NG, Norwood SH, Silva JS. Pancreatic pseudocyst with splenic involvement: a uncommon complication of pancreatitis. South Med J 1988; 81: 910-2.
  • 3. Heider R, Behrns KE. Pancreatic pseudocysts complicated by splenic parenchymal involvement: results of operative and percutaneous management. Pancreas. 2001;23(1):20-5.
  • 4. Scherer K, Kramann B. Rupture of the spleen by penetration of pancreatic pseudocysts. Eur J Radiol. 1987;7(1):67-9.
  • 5. Yano T, Kaneda M, Yamamoto T, Suzuki T, Fujimori K, Itoh H. Pancreatic pseudocyst involving the spleen. Gastroenterol Jpn. 1988;23(1):73-7.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Pietro Accetta
    Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral I do Hospital Universitário Antonio Pedro UFF
    Niterói RJ- BR.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Out 2006
    • Aceito
      08 Dez 2006
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