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Punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo para a criação do pneumoperitônio: valor diagnóstico das provas de posicionamento da agulha em pacientes não selecionados

Resumos

OBJETIVO: Verificar a eficiência da punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo, a acurácia dos testes descritos para o correto posicionamento intraperitoneal da ponta da agulha de Veress em população não selecionada. MÉTODOS: Noventa e um pacientes, sem quaisquer critérios de exclusão, consecutivamente agendados para procedimentos videolaparoscópicos, tiveram a parede abdominal puncionada no hipocôndrio esquerdo. Os pacientes receberam anestesia geral e ventilação controlada mecânica segundo o protocolo. Após a punção foram utilizadas cinco provas para testar o posicionamento da ponta da agulha no interior da cavidade peritoneal: prova da aspiração - PA, da resistência à infusão - Pres, da recuperação do líquido infundido - Prec, prova do gotejamento - PG, e a prova da pressão intraperitoneal inicial - PPII. Os resultados foram considerados para cálculo da sensibilidade (S) e da especificidade (E) e valores preditivos positivos (VPP) e valores preditivos negativos (VPN). Métodos inferenciais estatísticos foram utilizados na análise dos achados. RESULTADOS: Ocorreram 13 fracassos. A PA teve E=100% e VPN=100%. Pres teve S=100%; E=0; VPP=85,71% VPN= não se aplica. Prec: S=100%; E= 53,84%; VPP= 92,85%; VPN= 100%. PG: S=100%; E= 61,53%; VPP= 93,97% VPN= 100%. Na PPII, a S, E, VPP e VPN foram de 100%. CONCLUSÃO: A punção no hipocôndrio esquerdo é eficiente, as provas realizadas orientam o cirurgião a despeito do gênero, IMC ou operações prévias.

Pneumoperitônio artificial; Biópsia por agulha; Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos; Laparoscopia; Laparoscopia, Efeitos adversos


Objective: To assess the effectiveness of the Veress needle puncture in the left hypochondrium and the accuracy of the tests described for the intraperitoneal correct positioning of the tip of the Veress needle in an unselected population. Methods: Ninetyone patients consecutively scheduled for Videolaparoscopy had the abdominal wall punctured in the left hypochondrium. There were no exclusion criteria. The patients received general anesthesia and mechanical ventilation according to the protocol. After puncturing five tests were used to confirm the positioning of the needle tip within the peritoneal cavity: aspiration test - AT; resistance to infusion - Pres; recovery of the infused fluid - Prec, dripping test - DT, and test of initial intraperitoneal pressure - IIPP. The test results were compared with results from literature for groups with defined exclusion criteria. The results were used for calculating sensitivity (S) specificity (E), positive predictive value (PPV) and negative predictive value (NPV). Inferential statistical methods were used to analyze the findings. Results: There were 13 failures. AT had E = 100% and NPV 100%. Pres had S = 100%, E = 0; PPV = 85.71%; NPV does not apply. Prec: S = 100%, E = 53.84%, PPV = 92.85%, NPV = 100%. DT: S = 100%, E = 61.53%, PPV = 93.97% NPV 100%. In IIPP, S, E, PPV and NPV were 100%. Conclusion: The puncture in the left hypochondrium is effective and the performed tests guide the surgeon regardless of sex, BMI, or previous laparotomy.

Pneumoperitoneum, Artificial; Biopsy, Needle; Surgical Procedures, Minimally invasive; Surgical Procedure, Laparoscopy; Adverse effects, Laparoscopy


ARTIGO ORIGINAL

Punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo para a criação do pneumoperitônio: valor diagnóstico das provas de posicionamento da agulha em pacientes não selecionados

Otávio Monteiro Becker Junior, ACBC-SPI; João Luiz Moreira Coutinho Azevedo, ECBC-SPII; Otávio Cansanção de AzevedoI; Octávio Henrique Mendes HypólitoI; Susana Abe MiyahiraIII; Gustavo Peixoto Soares Miguel, TCBC-ESIV; Afonso Cesar Cabral Guedes Machado, TCBC-SPV

IDoutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - SP-BR

IIProfessor Livre-Docente do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - SP- BR

IIIAluna do Curso de Doutorado da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - SP-BR

IVProfessor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Espirito Santo - ES-BR

VMestrando da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - SP- BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Rafael Jacques Ramos Prof. Dr. João Luiz Moreira Coutinho de Azevedo E-mail: jozevedo.dcir@epm.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a eficiência da punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo, a acurácia dos testes descritos para o correto posicionamento intraperitoneal da ponta da agulha de Veress em população não selecionada.

MÉTODOS: Noventa e um pacientes, sem quaisquer critérios de exclusão, consecutivamente agendados para procedimentos videolaparoscópicos, tiveram a parede abdominal puncionada no hipocôndrio esquerdo. Os pacientes receberam anestesia geral e ventilação controlada mecânica segundo o protocolo. Após a punção foram utilizadas cinco provas para testar o posicionamento da ponta da agulha no interior da cavidade peritoneal: prova da aspiração - PA, da resistência à infusão - Pres, da recuperação do líquido infundido - Prec, prova do gotejamento - PG, e a prova da pressão intraperitoneal inicial - PPII. Os resultados foram considerados para cálculo da sensibilidade (S) e da especificidade (E) e valores preditivos positivos (VPP) e valores preditivos negativos (VPN). Métodos inferenciais estatísticos foram utilizados na análise dos achados.

RESULTADOS: Ocorreram 13 fracassos. A PA teve E=100% e VPN=100%. Pres teve S=100%; E=0; VPP=85,71% VPN= não se aplica. Prec: S=100%; E= 53,84%; VPP= 92,85%; VPN= 100%. PG: S=100%; E= 61,53%; VPP= 93,97% VPN= 100%. Na PPII, a S, E, VPP e VPN foram de 100%.

CONCLUSÃO: A punção no hipocôndrio esquerdo é eficiente, as provas realizadas orientam o cirurgião a despeito do gênero, IMC ou operações prévias.

Descritores: Pneumoperitônio artificial. Biópsia por agulha. Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos. Laparoscopia. Laparoscopia, Efeitos adversos.

INTRODUÇÃO

A criação do pneumoperitônio é o primeiro passo para a realização da videolaparoscopia. A maioria das complicações associadas a esse procedimento ocorre durante a sua etapa mais crítica, o acesso à cavidade peritoneal1, em razão do risco significativo de lesões vasculares e viscerais2.

Os ferimentos vasculares representam as causas mais comuns de morte em procedimentos laparoscópicos (15 a 75%)3,4 seguidos por lesões intestinais despercebidas (25%). Danos em grandes vasos e nas alças intestinais podem ocorrer quando a agulha de Veress é inserida às cegas no abdome, antes da insuflação, como o que ocorre na técnica fechada3. Relatos de processos por erro médico relacionados à videolaparoscopia referem que 18% das reclamações ocorreram como decorrência de acidentes na produção do pneumoperitônio e calcula-se que cerca da metade de todas as complicações laparoscópicas foi atribuída a problemas técnicos ocorridos nesta fase4.

Apesar de não existir consenso quanto ao melhor método para o acesso à cavidade peritoneal5, a punção com agulha de Veress6 é a técnica mais frequentemente utilizada2,7. Estudo considerando 155.987 procedimentos laparoscópicos, em 81% deles foi utilizada a agulha de Veress7.

O local clássico da punção é a linha mediana do abdome, junto à cicatriz umbilical8. Nessa região, a punção apresenta riscos de lesão de grandes vasos, em função da pequena distância da parede anterior do abdome com essas estruturas vasculares retroperitoneais9. Em pessoas magras, essa distância pode ser menor que dois centímetros3. A aorta abdominal e a veia cava inferior, assim como os vasos ilíacos comuns, são particularmente propensos a ferimentos durante a punção com agulha de Veress, nas proximidades da cicatriz umbilical10. Apesar da prevalência dessa ocorrência ser baixa (0,05% a 0,5%), a mortalidade atinge índices entre 8% e 17%, podendo chegar a 21% por lesões intestinais desapercebidas4-11. A gravidade da ocorrência desse tipo de lesão iatrogênica é minimizada quando as punções são feitas em locais afastados da linha mediana12-15.

Adicionalmente, pacientes com operação abdominal prévia têm risco aumentado de lesões viscerais por agulha de Veress, por causa de aderências peritoneais que tipicamente ocorrem no nível da cicatrização da incisão cirúrgica no peritônio parietal anterior. Estudos necroscópicos encontraram aderências em 74% a 95% de pacientes com intervenções cirúrgicas abdominais prévias3. As incisões medianas são as que apresentam o maior risco de aderências em torno da cicatriz umbilical. Não obstante, mesmo incisões abdominais afastadas do umbigo podem determinar a formação de aderências na região periumbilical.3

A punção no hipocôndrio esquerdo tem sido mencionada como sendo segura, sem risco de lesão iatrogênica maior12-16. Ressalte-se que, especificamente na região do hipocôndrio esquerdo, é muito rara a ocorrência de aderências peritoneais na parede abdominal, pois é sabido que os movimentos respiratórios do diafragma mobilizam constantemente as estruturas nessa região e dificultam a adesão das mesmas à parede abdominal anterior. Por isso a punção no hipocôndrio esquerdo é a preferida por alguns cirurgiões, em pacientes com laparotomia prévia13. Há também cirurgiões que realizam intervenções cirúrgicas bariátricas e preferem o hipocôndrio esquerdo para a criação do pneumoperitônio em seus pacientes14. Tal preferência se deve ao fato de que em pacientes obesos, a técnica aberta apresenta dificuldades adicionais devido ao excesso de peso, e a punção na linha mediana é considerada perigosa devido à espessura do tecido adiposo e da posição alta do umbigo no abdome. Tais características dificultam a punção e podem propiciar lesões, interessando principalmente os grandes vasos retroperitoneais15.

Em ensaios clínicos envolvendo pacientes selecionados16-18, a eficácia da punção do hipocôndrio esquerdo para a criação do pneumoperitônio artificial foi equivalente a da punção na linha mediana16-17 (considerada por muitos a técnica padrão-ouro), e sua segurança foi demonstrada18.

Adicionalmente, as provas preconizadas para confirmar a posição intraperitoneal da ponta da agulha de Veress mostraram-se adequadas nessa população específica, com dados demográficos e antropomórficos seletos16-18. De forma semelhante, em relação à amostra estudada naquelas pesquisas16-18, ficou demonstrado que a pressão intraperitoneal e os volumes de gás injetados nos diversos momentos pré-determinados da pesquisa, são parâmetros úteis e suficientes para orientar o cirurgião quanto ao correto posicionamento da ponta da agulha de Veress, nos diversos momentos do decorrer da insuflação16-18.

Nessa ordem de idéias, resta estabelecer se na população geral, com características demográficas e antropomórficas diversas, as provas de posicionamento da agulha na punção no hipocôndrio esquerdo possam ser universalmente adotadas como parâmetros necessários e suficientes da segura produção do pneumoperitônio.

Há diferenças sobre o valor inicial da pressão intraperitoneal que indicaria o correto posicionamento, variando entre 520 e 8 mmHg16, considerando-se que valores superiores indicariam posicionamento errôneo (na parede ou em víscera sólida).

Este estudo teve por objetivo verificar a eficiência na criação de pneumoperitônio mediante punção com agulha de Veress no hipocôndrio esquerdo em amostragem extraída indiscriminadamente da população de pacientes submetidos à videolaparoscopia.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté (nº0039/07) e pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (nº1310/07). Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Noventa e um pacientes, sem quaisquer critérios de exclusão, consecutivamente agendados para serem submetidos a procedimentos videolaparoscópicos no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal José de Carvalho Florence tiveram a parede abdominal puncionada no hipocôndrio esquerdo, com agulha de Veress visando à criação de pneumoperitônio artificial mediante insuflação de gás carbônico. A agulha utilizada foi de 12 cm de comprimento e 2 mm de diâmetro externo, de uso permanente, de marca Storz®. A amostra constituiu-se de 69 mulheres (75,8%) e 22 homens (24,2%), com idade média de 47,92 anos (DP+-15,06, mediana=46, entre 16 e 86 anos). A média do Índice de Massa Corporal (IMC) foi 26,16 (+4.97), com mediana de 25,71, e amplitude entre 18,37 e 48,11. Quarenta pacientes (44%) foram considerado saudáveis pelo IMC (<25), enquanto que 34 (37.4%) tinham sobrepeso (IMC entre 25 e 30), e 17 (18.7%) eram obesos (IMC>30). Sessenta pacientes (65.9%) tinham operação abdominal prévia. Nenhum critério de exclusão foi adotado.

Os pacientes foram submetidos à anestesia geral com intubação orotraqueal e ventilação controlada mecânica. Receberam previamente 0,1 mg/Kg de midazolam 30 minutos antes do ato anestésico. A indução anestésica foi realizada com 2 mg/Kg de propofol e 0,5 mcg/Kg de fentanil, e a curarização com 0,5 mg/Kg de atracúrio. Logo após a intubação foi introduzida uma sonda orogástrica e aspirado o conteúdo do estômago.

Em decúbito dorsal horizontal, e com proclive de 30º. realizou-se a técnica de punção no hipocôndrio esquerdo. Fez-se incisão de 2 mm na pele ao nível do rebordo costal, a cerca de 8 cm da linha mediana, pela qual foi introduzida uma agulha perpendicularmente à parede abdominal anterior (Figura 1).


Após a punção foram utilizadas cinco provas para testar o posicionamento da ponta da agulha no interior da cavidade peritoneal (Figura 2).


Os testes obedeceram à seguinte sequência: prova da aspiração - PA, da resistência à infusão - Pres, da recuperação do líquido infundido - Prec, prova do gotejamento PG, e a prova da pressão intraperitoneal inicial (PPII) (Figura 2).

A prova da aspiração (PA) consistiu na aspiração com seringa de 10 ml contendo 5 ml de solução salina através da agulha de Veress, a qual era considerada positiva quando qualquer tipo de material se fazia presente na seringa e rotulada como negativa quando nenhum tipo de material lá existisse

Prova da resistência à infusão (Pres): injeção de 5 ml de solução fisiológica através da agulha, verificandose moderada resistência ao fluir do líquido (prova positiva) ou, ao contrário, constatando-se importante aumento dessa resistência (prova negativa).

Prova da recuperação do líquido infundido (Prec): após a infusão de 5 ml de solução fisiológica, aspirava-se a seringa, considerando-se positiva a prova quando não se recuperava o líquido infundido ou negativa quando todo ou parte do líquido infundido era recuperado.

Prova do gotejamento (PG): após gotejamento no reservatório da agulha, observava-se o desaparecimento imediato das gotas (prova positiva) ou, ao contrário, o acúmulo de líquido no reservatório (prova negativa).

Prova da pressão intraperitoneal inicial (PPII): era considerada positiva (agulha em posição adequada no interior da cavidade peritoneal e com orifício de saída de gás livre de obstrução) caso a pressão fosse igual ou menor que 8 mmHg nos primeiros 10 segundos, e considerada negativa (agulha em posição inadequada ou com orifício obstruído) se a pressão fosse maior que esse valor e assim permanecesse por 10 segundos.

As Pres, Prec e PG foram realizadas e registradas conforme o protocolo pré-determinado, uma após a outra, quer se mostrassem positivas ou negativas. Após as provas, o insuflador foi regulado para emitir um fluxo de 1,2 l/min e a pressão intraperitoneal máxima foi programada para atingir 12 mmHg. Após a mangueira do insuflador ser conectada à agulha e após a manobra conhecida como "shaking"(pequena sacudidela para livrá-la de embaraços nos omentos) este era acionado, sendo então realizada a PPII. Caso a PPII fosse acima de 8 mmHg e assim se mantivesse, era considerada então negativa, o procedimento era rotulado como fracasso e a agulha de Veress retirada e todo o procedimento reiniciado.

Com a PPII positiva, prosseguia-se com a insuflação de gás carbônico até a pressão atingir a marca de 12 mmHg, anotando-se o procedimento como bem sucedido após a introdução do trocarte e da óptica laparoscópica no interior da cavidade peritoneal.

A sensibilidade (S) das provas realizadas foi definida como a proporção dos pacientes comprovadamente portadores da condição investigada capazes de serem detectados pelas provas, segundo a fórmula: S = [verdadeiro-positivos/ (verdadeiro-positivos + falso-negativos)] x 100%.

A verificação de que o paciente era de fato portador da condição investigada foi conferida pela efetiva criação do pneumoperitônio artificial, diagnosticado por visão direta através de óptica laparoscópica introduzida na cavidade peritoneal.

A especificidade (E) das provas foi definida como sendo a proporção dos pacientes sem a condição que foram corretamente diagnosticados como tal mediante a realização da prova, segundo a fórmula: E = [verdadeiro-negativos/(verdadeiro-negativos + falso-positivos)] x 100%.

A verificação de que o paciente não era de fato portador da condição foi conferida pela impossibilidade efetiva de se insuflar a cavidade peritoneal.

Foi considerado como o valor preditivo positivo (VPP) a probabilidade da agulha estar bem posicionada entre os resultados positivos de uma prova. O valor preditivo negativo (VPN) foi a probabilidade da agulha estar de fato mal posicionada entre os resultados negativos de uma prova. Ambos os valores prestaram-se para a avaliação da confiabilidade dos resultados das provas e foram calculados mediante as seguintes equações: VPP = [verdadeiropositivos/(verdadeiro-positivos + falso-positivos)] x 100%; VPN = [verdadeiro-negativos/(verdadeiro-negativos + falso-negativos)]x100%.

Estudou-se a existência de correlação entre as variáveis pressão intraperitoneal e volume injetado nos pacientes do grupo como um todo, dentro de um limite de confiança de 95%.

As variáveis qualitativas foram representadas por frequência absoluta e relativa e as quantitativas por média, desvio-padrão e valores mínimos e máximos. A equivalência ou não entre os grupos de estudo foi estabelecida pelo estudo da ocorrência ou não da sobreposição dos intervalos de confiança (IC95%).

RESULTADOS

Não ocorreram complicações nas punções realizadas nesta pesquisa.

Houve 13 fracassos de estabelecer o pneumoperitônio na primeira tentativa de punção. Esses fracassos foram todos detectados pela prova de pressão intraperitoneal inicial (PPII). Nenhuma outra prova teve essa eficiência de 100% demonstrada pela PPII na detecção dos fracassos realmente ocorridos (Tabela 1).

De uma maneira geral, a sensibilidade (S), a especificidade (E), o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) das provas de posicionamento intraperitoneal da ponta da agulha de Veress utilizadas nesta pesquisa foram os seguintes: teste de aspiração: S=não aplicável; E=100%; VPP=não aplicável; VPN=100%; teste de injeção: S=100%; E=0%; VPP=85.71%; VPN=não aplicável; teste de recuperação: S=100%; E=53.84%; VPP=92.85%; VPN=100%; teste do gotejamento: S=100%; E=61.53%; VPP=93.97%; VPN=100%; teste da pressão intraperitoneal inicial: S=100%; S=100%; VPP=100%; VPN=100% (Tabela 2).

DISCUSSÃO

A validade das provas para a localização da ponta da agulha de Veress na criação do pneumoperitônio já foi bem demonstrada18. Um estudo de comparação entre as duas técnicas de punção (umbilical versus hipocôndrio esquerdo) com nível suficiente de evidência, necessita de amostragem superior a 100.000 pacientes19 para detectar a redução de acidentes (prevalência de 0,05% a 0,5%) e complicações maiores. Dessa forma, o aprimoramento dos métodos de identificação do posicionamento da agulha e de lesões, mediante as provas de confirmação após a punção e durante a produção do pneumoperitônio, passa a ser de capital importância20. Também é útil a adoção de parâmetros de volume de gás injetado em cada momento e a pressão intraperitoneal resultante durante a insuflação para assegurar a locação correta do gás no interior da cavidade peritoneal21. Também foi demonstrado que a evolução da criação do pneumoperitônio se dá tão bem com a punção alternativa no hipocôndrio esquerdo como com a clássica, na linha mediana do abdome17.

Reitere-se que para comparar o risco desta punção com o risco da punção na linha mediana do abdome ao nível da cicatriz umbilical (0,05 a 1,8%), seria necessário um estudo prospectivo interessando 100.000 pacientes19. Entretanto, a maior segurança da punção do hipocôndrio esquerdo em comparação à punção clássica na cicatriz umbilical pode apenas ser deduzida a partir de considerações a respeito das relações topográficas das estruturas em risco, com vistas especiais para os grandes vasos retroperitoneais da linha mediana9 e para a topografia preferencial na linha mediana das aderências peritoneais. Há relatos de menor risco de lesão iatrogênica12-15 quando a punção é efetuada no hipocôndrio esquerdo, pelo fato desta situação ser fora da linha média, onde há maior chance de ocorrer lesões dos grandes vasos retroperitoneais12-13.

Porém,na punção no hipocôndrio esquerdo devese ter em conta eventuais lesões dos vasos epigástricos superiores e das estruturas imediatamente posteriores à parede abdominal anterior no local da punção, como é o caso do corpo gástrico, cólon transverso e omento maior. Entretanto, os troncos e os ramos de maior calibre dos vasos epigástricos superiores nunca se situam a distância maior que oito centímetros da linha média do abdome, de forma que as punções realizadas além dessa distância evitam lesões dos referidos vasos21-23.

O valor das provas e parâmetros estabelecidos para avaliar a segurança no desenvolvimento do pneumoperitônio foi demonstrado, por Azevedo16-18, em pacientes sem operações abdominais prévias, passado de afecções inflamatórias intra-abdominais e com IMC abaixo de 30. O referido autor encontrou valores de sensibilidade, especificidade, predição positiva e negativa para cada prova realizada e demonstrou aquela que atinge 100 % em todos estes quesitos: a Prova Pressão Intraperitoneal Inicial (PPII). Azevedo definiu como PPII não só a pressão medida pelo insuflador antes de iniciar-se a insuflação, mas também a constatada após os 10 segundos iniciais. Estabeleceu como limite superior de segurança o valor de 8 mmHg - valores que permanecessem acima significariam posicionamento errôneo-, e encontrou valor médio inicial em torno de 4 mmHg.

Em conclusão, a punção com agulha de Veres no hipocôndrio esquerdo na criação do pneumoperitônio é segura e eficiente em amostragem extraída indiscriminadamente da população de pacientes submetidos à videolaparoscopia. As cinco provas testadas em conjunto são adequadas para orientar o cirurgião quanto ao posicionamento correto da ponta da agulha no início da insuflação a despeito de gênero, índice de massa corporal ou operações prévias.

Os autores agradecem à administração do Hospital Municipal José de Carvalho Florence, de São José dos Campos, São Paulo, e à Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), o apoio financeiro e logístico para a realização desta pesquisa.

Recebido em 04/01/2010

Aceito para publicação em 28/02/2010

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Setor de Cirurgia Minimamente Invasiva da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo e . Serviço de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital Municipal José de Carvalho Florence, São José dos Campos, São Paulo-BR.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Rafael Jacques Ramos
    Prof. Dr. João Luiz Moreira Coutinho de Azevedo
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Jan 2010
    • Aceito
      28 Fev 2010
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