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Perversidade contra a publicação médica no Brasil

Perversity against medical publishing in Brazil

EDITORIAL

Perversidade contra a publicação médica no Brasil

Perversity against medical publishing in Brazil

TCBC Andy Petroianu

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Andy Petroianu E-mail: petroian@gmail.com

O conhecimento gerado pelo progresso científico dos últimos anos é maior do que toda a cultura humana acumulada em milênios. Ao constatar, apenas em Medicina, que os milhões de artigos publicados por mês, atualmente, superam em número as publicações anuais de trinta anos atrás, percebe-se a dimensão desse avanço.

Enquanto a facilidade de comunicação criada pela rede de informática eliminou fronteiras geográficas, a adoção do inglês, como idioma comum, permitiu a compreensão de grande parte da informação publicada. Com os meios eletrônicos, a ciência tornou-se acessível a todos, instantaneamente e quase sem custo.

Há meio século, aceitava-se o domínio científico dos Estados Unidos e dos países considerados alicerces da cultura ocidental, como França, Inglaterra e Alemanha. À medida que outras nações, a exemplo do Japão e dos países escandinavos, revelavam progresso em suas pesquisas, eram também aceitas nesse círculo restrito. Já nos últimos 15 anos, houve a maior explosão de conhecimento em quase todos os continentes. Essa situação obrigou os centros mais avançados a aumentarem sua produção científica, para não perderem a hegemonia, sem perceberem que ela havia deixado de existir. Hoje não interessam a autoria nem a procedência do conhecimento, mas sua importância e contribuição ao desenvolvimento humano, do planeta como um todo e, até, do espaço extraterrestre.

Na corrida científica mundial, o Brasil vem se destacando entre os países de maior desenvoltura, principalmente graças às Ciências da Saúde, com ênfase na Medicina. Em poucos anos, o Brasil subiu de uma posição mediana para o 12o lugar em produção médica mundial.

Mesmo contendo muitas publicações de relevada importância, os periódicos científicos brasileiros são pouco lidos e permanecem com fator de impacto baixo no cenário internacional. Há um grande número de trabalhos bons publicados em revistas nacionais, que não conseguem a atenção sequer dos brasileiros. Nesse sentido, a divulgação da nossa ciência nos meios de comunicação nacionais ainda não recebeu o reconhecimento que lhe é devido.

Em decorrência dessa circunstância desconfortável, os editores das revistas médicas brasileiras mais destacadas estão trabalhando de forma exemplar, para que seus periódicos sejam incluídos nas principais bases de dados internacionais. Por maior que seja o empenho editorial e das sociedades médicas, esse é um processo lento, que depende principalmente da qualidade dos artigos publicados e de um esforço unido da comunidade científica, com o apoio de organizações internacionais, instituições de fomento à pesquisa e do poder público.

Se, por um lado, existe o desejo da maioria de contribuir para a ciência brasileira alcançar o merecido lugar de destaque mundial, por outro lado, alguns professores universitários, com poder de normatizar e avaliar pesquisadores, dificultam cada vez mais o desenvolvimento da divulgação médica nacional.

Com a determinação, principalmente dos membros de comitês de assessores em Medicina, de que o valor de um trabalho deve ser avaliado pelo índice de impacto da revista em que ele é publicado, presta-se um desserviço à ciência médica brasileira. Há, provavelmente, boa intenção no estabelecimento dessas normas, porém, as premissas com relação à publicação científica e seus veículos de divulgação precisam ser reconsideradas.

Todas as grandes revistas iniciaram sem fator de impacto. Ele foi sendo criado e, posteriormente, elevado graças à persistência de seu corpo editorial em conseguir bons artigos, enviando convites e facilitando a publicação dos principais pesquisadores e profissionais de destaque na área de interesse, para atraí-los a esses periódicos. Instituições de fomento à pesquisa e órgãos governamentais foram, em todos os países, fundamentais para apoiar as revistas na busca de autores renomados e em sua divulgação nacional e internacionalmente. Sem essa visão social, política e científica superior, revista alguma teria adquirido fator de impacto e muito menos tornar-se-ia respeitada mundialmente.

Um exemplo recente que deve ser observado é o da China. Encontram-se trabalhos científicos produzidos por seus pesquisadores em periódicos de vários países, contudo, a maioria dos bons artigos é encontrada nas revistas chinesas, que criaram títulos atrativos em inglês e cujos artigos também são publicados nesse idioma. Graças ao apoio social e à intensa propaganda em nível mundial, por parte de órgãos oficiais, em curto período, muitos desses periódicos foram inseridos em bases de dados internacionais e adquiriram fatores de impacto elevados. Nesse país os pesquisadores auxiliam-se mutuamente e trabalham em favor de uma ciência melhor, para todos crescerem.

Outra premissa importante refere-se ao valor da pesquisa. É evidente que a qualidade de um trabalho científico não pode ser avaliada pelo veículo em que ele foi divulgado, pois, existem péssimas pesquisas publicadas em excelentes revistas, assim como, ótimas investigações, até vencedoras de Prêmio Nobel, publicadas em revistas consideradas de menor importância. Cabe ainda ressaltar que o trabalho científico deve ser publicado no periódico mais lido pelo público-alvo. Não faz sentido publicar uma boa investigação, que diz respeito apenas à comunidade brasileira e que pode contribuir para beneficiá-la, em revista do exterior com fator de impacto alto, porém pouco acessada no Brasil. Todos os trabalhos, mesmo os de extraordinária importância, quando publicados em nosso país são malconceituados pelos avaliadores. Não são raros os artigos de revistas brasileiras, desprestigiadas pelos assessores de diversos comitês, que se tornaram referências internacionalmente respeitadas. Qual será o pensamento dos pesquisadores de outros países ao tomarem conhecimento dessa realidade ?

Talvez seja prudente refletir sobre quem os membros dos comitês querem beneficiar quando valorizam um entre muitos autores incluídos, por vezes de forma fraudulenta, em um artigo qualquer publicado em revista de alto impacto, mas desprezam o autor principal de excelentes trabalhos publicados no Brasil. A tendência colonialista e a autofagia, que deveriam ter sido banidas da cultura nacional há quase um século, ganham nova força dentro do setor social mais nobre, o científico. Os pesquisadores são obrigados a publicar em periódicos de elevado impacto, portanto, do exterior, para não serem prejudicados. Os programas de pós-graduação e os institutos científicos são avaliados pelo fator de impacto das revistas em que seus professores, pesquisadores e alunos publicam. Não há a intenção, neste momento, de questionar a honestidade ou a qualidade científica dos avaliadores, mas a sua conduta.

Com essa normatização perversa, dificulta-se sobremaneira a publicação nas revistas nacionais justamente quando a ciência brasileira começa a ser vista com respeito no exterior e passa a ser referenciada. O mais correto seria apoiar e valorizar a publicação nos periódicos nacionais, para que os pesquisadores de outros países, ao avaliarem os artigos publicados no Brasil, percebam o nosso elevado nível científico e incluam essas revistas entre as lidas internacionalmente. Da forma como está ocorrendo, cria-se uma dicotomia aos olhos do mundo, o Brasil produz ciência de ponta, toda ela publicada no exterior, enquanto suas revistas trazem artigos de menor valia, não condizentes com a categoria superior de seus pesquisadores.

Estudos realizados por grandes pesquisadores brasileiros, patrocinados com verbas provenientes de fontes nacionais, beneficiam revistas de outros países, que em nada contribuíram para a ciência de nosso país, mas conseguem melhorar seu fator de impacto. Enquanto isso, parte de nossas boas revistas serão, em breve, obrigadas a desaparecer por falta de apoio das lideranças científicas, que se deixam influenciar pelos avaliadores, cujas normas são nocivas à divulgação científica nacional.

Os médicos brasileiros, ao serem desafiados, mostraram que são capazes de responder cientificamente, em profusão e qualidade. Espera-se dos ocupantes de posições privilegiadas, como avaliadores da ciência médica brasileira, que sejam dignos dos cargos em que estão e respeitem os pesquisadores responsáveis pelo presente e futuro da nação. Todos os médicos e professores universitários têm o dever de prestigiar nossos meios de comunicação científica em Medicina. Essa atitude não é favor, mas obrigação moral de solidariedade com os colegas e o meio social que nos sustenta. A atuação correta dos avaliadores evitará que, em futuro próximo, eles sejam repudiados pela comunidade científica internacional, como traidores que destruíram as revistas médicas do próprio país, por depreciá-las injustamente.

Recebido em 06/09/2011

Aceito para publicação em 05/10/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

  • Endereço para correspondência:
    Andy Petroianu
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011
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