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Avaliação dos resultados de intervenção após mudanças realizadas nos cuidados peri-operatórios em pacientes submetidos a operações abdominais eletivas

Evaluation of changes made in the peri-operative care in patients submitted to elective abdominal surgery

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os resultados da introdução de novas medidas visando acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos à cirurgia abdominal eletiva. MÉTODOS: Foram observados e entrevistados 162 pacientes e entrevistados durante dois períodos distintos: o primeiro, entre outubro a dezembro de 2009 (n=81) formado por pacientes submetidos à condutas convencionais de acompanhamento peri-operatório (período pré-intervenção) e o segundo, entre março a maio de 2010 (n=81), formado por um novo grupo de pacientes submetidos, então, ao novo protocolo de condutas de acompanhamento peri-operatório. A coleta de dados nos dois períodos ocorreu sem o conhecimento dos profissionais do serviço. As variáveis observadas foram: indicação de suporte nutricional pré-operatório; tempo de jejum pré e pós-operatório; volume de hidratação; uso de sondas e drenos; tempo de internação e morbidade pós-operatória. RESULTADOS: Na comparação entre os dois períodos, observou-se no período pós-intervenção uma diminuição de 2,5 horas no tempo de jejum pré-operatório (p=0,0002). Em relação à reintrodução da dieta por via oral houve diferença entre os dois períodos (p=0,0007). Considerando os pacientes que não apresentaram complicações no pós-operatório houve diminuição significativa no tempo de internação (p=0,001325). Houve uma redução de aproximadamente 50% no uso de antibiótico no período pós-intervenção (p=0,00001). CONCLUSÃO: A adoção de medidas multidisciplinares peri-operatórias é exequível dentro da nossa realidade e embora não tenha havido alterações com significância estatística no presente estudo, pode melhorar a morbidade e diminuir tempo de internação em cirurgia geral de modo significante.

Avaliação de resultados (cuidados de saúde); Protocolos; Cuidados pré-operatórios; Cuidados pós-operatórios; Terapia nutricional


OBJECTIVE: To evaluate the results of the introduction of new measures to accelerate the postoperative recovery of patients undergoing elective abdominal surgery. METHODS: We observed 162 patients and interviewed them on two distinct periods: the first between October to December 2009 (n = 81) comprised patients who underwent conventional perioperative monitoring (pre-intervention) and the second between March and May 2010 (n = 81), formed by a new group of patients, submitted to the new protocol of perioperative monitoring. Data collection in the two periods occurred without the knowledge of the professionals in the service. The variables were: indication for preoperative nutritional support, duration of fasting, post-operative volume of hydration, use of catheters and drains, length of stay and postoperative morbidity. RESULTS: when comparing the two periods we observed a decrease of 2.5 hours in the time of preoperative fasting (p = 0.0002) in the post-intervention group. As for the reintroduction of oral diet, there was no difference between the two periods (p = 0.0007). When considering the patients without postoperative complications, there was a significantly decreased length of stay (p = 0.001325). There was a reduction of approximately 50% in antibiotic use in the post-intervention group (p = 0.00001). CONCLUSION: The adoption of multidisciplinary perioperative measures is feasible within our reality, and although there was no statistically significant changes in the present study, it may improve morbidity and reduce length of stay in general surgery.

Outcome assessment (health care); Protocols; Preoperative care; Postoperative care; Nutrition therapy


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação dos resultados de intervenção após mudanças realizadas nos cuidados peri-operatórios em pacientes submetidos a operações abdominais eletivas

Evaluation of changes made in the peri-operative care in patients submitted to elective abdominal surgery

Mayra da Rosa Martins WalczewskiI; Ariane Zanetta JustinoII; Eduardo André Bracci WalczewskiIII; Tatiane CoanIV

IProfessora de Gastroenterologia do Curso de Medicina da UNISUL-SC-BR

IIMédica Clínica Geral da Prefeitura de Palhoça no ESF Cambirela - Praia de Fora-S- SC-BR

IIIProfessor de Cirurgia Geral do Curso de Medicina da UNISUL-SC-BR

IVNutricionista do Hospital Nossa Senhora da Conceição - SC-BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mayra Martins Walczewski E-mail: mayrarmartins@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os resultados da introdução de novas medidas visando acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos à cirurgia abdominal eletiva.

MÉTODOS: Foram observados e entrevistados 162 pacientes e entrevistados durante dois períodos distintos: o primeiro, entre outubro a dezembro de 2009 (n=81) formado por pacientes submetidos à condutas convencionais de acompanhamento peri-operatório (período pré-intervenção) e o segundo, entre março a maio de 2010 (n=81), formado por um novo grupo de pacientes submetidos, então, ao novo protocolo de condutas de acompanhamento peri-operatório. A coleta de dados nos dois períodos ocorreu sem o conhecimento dos profissionais do serviço. As variáveis observadas foram: indicação de suporte nutricional pré-operatório; tempo de jejum pré e pós-operatório; volume de hidratação; uso de sondas e drenos; tempo de internação e morbidade pós-operatória.

RESULTADOS: Na comparação entre os dois períodos, observou-se no período pós-intervenção uma diminuição de 2,5 horas no tempo de jejum pré-operatório (p=0,0002). Em relação à reintrodução da dieta por via oral houve diferença entre os dois períodos (p=0,0007). Considerando os pacientes que não apresentaram complicações no pós-operatório houve diminuição significativa no tempo de internação (p=0,001325). Houve uma redução de aproximadamente 50% no uso de antibiótico no período pós-intervenção (p=0,00001).

CONCLUSÃO: A adoção de medidas multidisciplinares peri-operatórias é exequível dentro da nossa realidade e embora não tenha havido alterações com significância estatística no presente estudo, pode melhorar a morbidade e diminuir tempo de internação em cirurgia geral de modo significante.

Descritores: Avaliação de resultados (cuidados de saúde). Protocolos. Cuidados pré-operatórios. Cuidados pós-operatórios. Terapia nutricional.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the results of the introduction of new measures to accelerate the postoperative recovery of patients undergoing elective abdominal surgery.

METHODS: We observed 162 patients and interviewed them on two distinct periods: the first between October to December 2009 (n = 81) comprised patients who underwent conventional perioperative monitoring (pre-intervention) and the second between March and May 2010 (n = 81), formed by a new group of patients, submitted to the new protocol of perioperative monitoring. Data collection in the two periods occurred without the knowledge of the professionals in the service. The variables were: indication for preoperative nutritional support, duration of fasting, post-operative volume of hydration, use of catheters and drains, length of stay and postoperative morbidity.

RESULTS: when comparing the two periods we observed a decrease of 2.5 hours in the time of preoperative fasting (p = 0.0002) in the post-intervention group. As for the reintroduction of oral diet, there was no difference between the two periods (p = 0.0007). When considering the patients without postoperative complications, there was a significantly decreased length of stay (p = 0.001325). There was a reduction of approximately 50% in antibiotic use in the post-intervention group (p = 0.00001).

CONCLUSION: The adoption of multidisciplinary perioperative measures is feasible within our reality, and although there was no statistically significant changes in the present study, it may improve morbidity and reduce length of stay in general surgery.

Key words: Outcome assessment (health care). Protocols. Preoperative care. Postoperative care. Nutrition therapy.

INTRODUÇÃO

O trato digestório é o responsável pela digestão e absorção dos alimentos. Além dessa importante função dada ao intestino, este funciona também como "um órgão central de estresse" e como uma barreira para evitar que microorganismos e toxinas no lúmen se propaguem para tecidos e órgãos distantes1.

As consequências da desnutrição no pré-operatório foram, pela primeira vez, reconhecidas na década de 19302. Segundo Studley, há uma relação direta no pré-operatório entre perda de peso e taxa de mortalidade operatória3. Pacientes submetidos à operações gastrintestinais estão em risco de depleção nutricional por inadequada ingestão alimentar, tanto no pré-operatório como no pós-operatório. Por isso, a terapia nutricional vem sendo utilizado há mais de quarenta anos principalmente no cuidado peri-operatório de pacientes cirúrgicos4. Múltiplos estudos têm abordado o tema, descrevendo métodos para avaliar o estado nutricional, determinando quais pacientes devem receber apoio nutricional e como os mesmos devem recebê-lo5. No entanto, alguns aspectos ainda continuam a ser alvo de inúmeras controvérsias que envolvem alguns dos paradigmas existentes em medicina, especialmente em cirurgia, que geram, por sua vez, angústia e medo aos profissionais envolvidos no tratamento de pacientes operados6.

A recuperação pós-operatória de pacientes submetidos à operações no aparelho digestivo continua sendo um grande desafio para o cirurgião. Nas operações de maior porte, os índices de complicações mantêm-se alto, variando de 20 a 40%7. No entanto, observa-se que grande parte das rotinas voltadas aos cuidados peri-operatórios em cirurgia abdominal vem se mantendo pouco alteradas ao longo do tempo6. Em cirurgia do aparelho digestivo, os principais pontos a serem considerados e analisados dizem respeito à abordagem nutricional, limitação ao uso de drenos, sonda nasogástrica; menor hidratação venosa perioperatória, e utilização sistemática do preparo pré-operatório do cólon8.

Atualmente, o grande foco da assistência peri-operatória tem sido assegurar adequada ingestão alimentar, assim como, se tem investigado métodos de prestação de apoio nutricional e suas vantagens clínicas em relação à diminuição das alterações metabólicas associadas com o trauma cirúrgico2. A resposta orgânica apresenta-se aumentada em pacientes submetidos ao jejum noturno, quando comparada a pacientes que receberam infusão de carboidratos9,10. A liberação da dieta no pós-operatório é outro ponto controverso que tem gerado inúmeras discussões. Em geral, os cirurgiões aguardam a resolução do chamado íleo pós-operatório. Essa prática não só pode contribuir com a piora do estado nutricional de pacientes previamente desnutridos, como aumenta o tempo de internação hospitalar11. Por outro lado, pacientes submetidos a grandes intervenções e alimentados precocemente apresentam melhor oxigenação da mucosa intestinal12, diminuição da resposta orgânica e do número de complicações no pós-operatório13-15, assim como, redução do tempo de dismotilidade intestinal16,17.

Apesar de importantes avanços nos cuidados cirúrgicos, complicações pós-operatórias são ainda de grande preocupação. Nos últimos anos, tradicionalmente vários aceites de regras e "verdades" em relação a cuidados nutricionais peri-operatórios têm sido contestados. A atual meta tem sido a luta para reduzir as complicações advindas da desnutrição e seus efeitos nocivos em favor do paciente e do sistema de saúde18. Reduzir o tempo do jejum pré e pós-operatório está entre as questões que têm atraído mais atenção nos estudos recentes, que nos comprovam a importância do apoio nutricional peri-operatório no que diz respeito à diminuição de morbidade e mortalidade. A diminuição de custos hospitalares pela não necessidade de vários procedimentos também é importante dentro desse contexto.

Com base no exposto, o presente estudo tem como objetivo avaliar os resultados após uma intervenção de novas condutas em cirurgia abdominal, fundamentadas na prática baseada em evidências visando acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos à cirurgias abdominais no Hospital Nossa Senhora da Conceição, visto que, não existe atualmente uma padronização quanto a condutas em cirurgia abdominal.

MÉTODOS

Foram estudados de modo prospectivo 162 pacientes maiores de 18 anos submetidos à operações abdominais eletivas no Hospital Nossa Senhora da Conceição. O projeto foi submetido e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da UNISUL sob o registro nº 09.395.4.01.III.

Os pacientes foram observados e entrevistados durante dois períodos distintos: o primeiro, entre outubro a dezembro de 2009 (n=81) formado por pacientes submetidos a condutas convencionais de acompanhamento peri-operatório (período pré-intervenção) e o segundo, entre março a maio de 2010 (n=81), formado por um novo grupo de pacientes submetidos, então, ao novo protocolo de condutas de acompanhamento peri-operatório. No intervalo desses dois períodos foi feita uma intervenção onde se realizou um treinamento com exposição de seminários e discussão de artigos sobre o assunto baseado em diretrizes atuais onde são preconizadas novas condutas em cirurgia abdominal. Nesses seminários, foram abordados os seguintes temas: Nutrição peri-operatória; Hidratação venosa peri-operatória; Importância da analgesia e redução de vômitos na redução da resposta metabólica ao trauma; Cuidados com o paciente (informação pré-operatória, drenos, sondas e deambulação ultra-precoce); Evidência contrária ao preparo mecânico do cólon e racionalização do uso de antibióticos em cirurgia. A coleta de dados nos dois períodos ocorreu sem o conhecimento dos profissionais do serviço antes e após o treinamento (cegamento ou mascaramento). Não houve coerção ao uso do novo protocolo. Os cirurgiões tiveram livre arbítrio para optarem pelos cuidados peri-operatórios em seus pacientes.

A tabela 1 mostra o conjunto de medidas estabelecidas segundo o treinamento realizado durante a intervenção e as condutas convencionais que vinham sendo aplicadas antes da implantação da mesma. As operações foram divididas conforme o potencial de complicações em porte I (operações envolvendo parede abdominal e laparotomias sem abertura de alças e/ou manipulação de vias biliares) e porte II (operações envolvendo laparotomias com abertura de alças e/ou manipulação de vias biliares).

As variáveis coletadas em relação aos períodos pré e pós-intervenção foram: indicação e realização de suporte nutricional pré-operatório; tempo de jejum pré e pós-operatório; volume de hidratação venosa no pós-operatório; dia de re-alimentação por via oral ou enteral no pós-operatório; uso de dreno cavitário (drenagem aberta ou fechada) e sonda nasogástrica no pós-operatório; tempo de internação pós-operatório; uso de antibiótico. Visando avaliar o impacto de tais medidas na morbidade cirúrgica dos pacientes analisou-se nos dois grupos a morbidade (com ênfase na infecção do sitio cirúrgico) e o tempo de internação pós-operatório. As variáveis foram analisadas em relação ao total de operações realizadas (n=162), e ao total de cirurgias porte II (n=51).

Para análise de dados foi utilizado o pacote estatístico SPSS 12. As variáveis contínuas foram descritas por medidas de tendência central e dispersão e testadas através do teste t-Student ou Kruskal-Wallis, quando apropriado. As variáveis qualitativas foram testadas através do teste qui-quadrado ou exato de Fisher, quando apropriado. A força de associação entre os desfechos foi realizada através do risco relativo com respectivo intervalo de confiança de 95% (p < 0,05).

RESULTADOS

Ao longo do tempo de observação, foram incluídos no nosso estudo 162 pacientes submetidos à laparotomia com intervenção sobre órgãos do aparelho digestivo ou operações de parede abdominal conforme pode ser observado na tabela 2 (111 operações porte I e 51 operações porte II), tendo havido dois óbitos no pós-operatório (índice de mortalidade global de 1,2%), um em cada período de estudo (p=1,0). Igualmente em cada período foram operados 81 pacientes.

Terapia de suporte nutricional pré-operatória

Vinte pacientes apresentaram percentual de perda de peso de 10% e foram considerados em risco nutricional, não houve diferença entre os dois grupos. Observou-se também que não houve diferença significativa quanto aos pacientes que receberam suporte nutricional entre os 2 períodos (7,4% vs 9,9%; p=0,57) (Tabela 3).

Jejum e hidratação peri-operatórios

Constatou-se que os pacientes ficavam, em média, 14 horas em jejum e muito mais, portanto, do que as preconizadas oito horas de jejum pré-operatório antes da intervenção. Na comparação entre os dois períodos, observou-se no período pós-intervenção uma diminuição de 2,5 horas no tempo de jejum pré-operatório (14 [5-28] horas vs. 10 [5-24] horas; p=0,0002). Considerando apenas operações porte II, houve queda de 1,5 horas no tempo de jejum pré-operatório (12 [5-24] horas vs 13 [5-17] horas; p=0,24) no período pós-intervenção em relação ao período pré-intervenção. Em relação à reintrodução da dieta por via oral houve diferença entre os dois períodos (1 [1-2] dias vs. 1 [1-2] dias; p=0.0007), diferente do volume de fluidos intravenosos infundidos por paciente que não houve alteração estatística (4 [1-23] litros vs 4 [1-28] litros; p=0,66). Esses dados podem observados na tabela 4.

Drenos e sondas

Em relação ao uso de drenos cavitários não foram observadas diferenças estatísticas entre os pacientes operados nos dois períodos (42% vs 32,1%; p=0,19), assim também como o uso de sonda nasogástrica (6,2% vs 7,4%; p=0,75).

Tempo de internação pós-operatória

Não houve diferença estatística nos períodos observados (3 [1-13] dias vs 2 [1-11] dias; p=0,09). Considerando os pacientes que não apresentaram complicações no pós-operatório houve diminuição significativa no tempo de internação (3 [1-13] dias vs 2 [1-10]; p=0,001325).

Uso de antibiótico

Houve uma redução de aproximadamente 50% no uso de antibiótico no período pós-intervenção (RR=0,50; IC 95%: 69,1% vs 34,6%); p=0,00001).

Morbidade pós-operatória

Em relação aos percentuais de infecção do sítio cirúrgico (1,2% vs 2,5%; p=0,56) e de complicações pós-operatórias (3,7% vs 4,9%; p=0,70) não houve diferença estatística em ambos os períodos observados. Da mesma forma ocorreu considerando apenas operações porte II em relação à infecção do sítio cirúrgico (3,6% vs 8,3%; p=0,44) e complicações pós-operatórias (7,1% vs 16,7%; p=0,26). Dentre as complicações pós-operatórias houve seis casos de deiscências anastomóticas (fístulas pós-operatórias), sendo dois na primeira fase e quatro na segunda fase, considerando apenas operações porte II (p=0,26).

Preparo mecânico do cólon

Foram realizadas 17 operações colorretais no período pré-intervenção e oito no segundo período do estudo. O preparo do cólon continuou sendo realizado no período pós-intervenção.

DISCUSSÃO

A aplicação de programas padronizados objetivando a otimização da recuperação pós-operatória tem apresentado bons resultados6. Estudos clínicos consistentes têm feito com que velhos paradigmas sejam questionados e substituídos por práticas mais modernas, respaldadas em evidência20.

A nutrição tanto no pré como no pós-operatório tem papel relevante, diminuindo a resposta orgânica ao estresse, interferindo de maneira significativa na evolução dos pacientes6. Neste trabalho pôde-se observar que, com os cuidados implantados, foi possível a redução do tempo de jejum peri-operatório, com uma significância estatística maior em relação ao período de jejum pós-operatório. Conjuntamente, houve também uma discreta diminuição da infusão endovenosa de fluidos, sem que isso alterasse negativamente os resultados cirúrgicos. Entretanto, os resultados mostraram que os pacientes ainda ficaram mais de dez horas em jejum aguardando uma operação. Isso mostra que houve melhora, porém, pelo que se preconiza hoje na literatura, este tempo ainda está prolongado.

Com relação à morbidade global e infecção do sítio cirúrgico observou-se uma pequena elevação no percentual estatístico observado, tanto na casuística global quanto nas operações de maior porte. Embora nesse estudo não tenha sido verificada redução da morbimortalidade nos pacientes operados, em comparação a outros trabalhos pôde-se observar uma menor taxa de complicações pós-operatórias e redução no tempo de internação hospitalar8. Assim, a adoção de um programa multidisciplinar com medidas cientificamente embasadas visando melhorar a recuperação pós-operatória relacionou-se como uma redução do tempo de internação pós-operatória.

Ferraz et al19 preconizam o uso racional e padronizado de antibióticos em cirurgia. Houve uma importante redução estatística em relação ao emprego de antibióticos na segunda fase do estudo. Deve ser considerada, também, nos resultados encontrados a importância de outros pontos contemplados nesse projeto, tais como controle efetivo da dor e vômitos pós-operatórios, informação mais detalhada do procedimento ao paciente diminuindo sua ansiedade, mobilização ultraprecoce e a interação multidisciplinar. Isso aliado à redução de fluidos e tempo de internação representa diminuição de gastos hospitalares.

É conhecida a importância do suporte nutricional pré-operatório para pacientes desnutridos, porém, mesmo com normas que preconizam o suporte nutricional pré-operatório nesses doentes, ele não era empregado na maioria dos casos6. Pode-se observar que antes da intervenção cirúrgica nem todos os pacientes desnutridos receberam suporte nutricional, o inverso ocorreu na segunda fase do estudo, onde todos receberam suporte nutricional.

O jejum pré-operatório prolongado, habitualmente entre seis e oito horas, é prática aceita desde a introdução da anestesia, em 1840. Isso ocorria devido à garantia do esvaziamento gástrico, evitando assim a broncoaspiração no momento da indução anestésica. Contudo, esta conduta tem sido questionada, pois parece não haver evidência de que uma diminuição do período de jejum para líquido em comparação ao regime convencional determine risco de aumento de aspiração pulmonar ou de morbidade relacionada com este evento21. Soma-se a este argumento constatações de que o jejum pré-operatório, além de bastante desconfortável e desnecessário, pode ser prejudicial ao potencializar ou perpetuar a resposta orgânica ao trauma22. Atualmente as sociedades de anestesia recomendam regras mais liberais em relação ao jejum, permitindo o uso de líquidos claros até duas horas antes da operação. Estudos mais recentes indicam que o uso de uma solução de líquido enriquecida com carboidrato determinaria maior satisfação, menor irritabilidade, menor número de vômitos, aumento do pH gástrico e, especialmente, uma menor resposta orgânica ao estresse cirúrgico23. Embora o tempo de jejum diminuísse neste estudo não se utilizou bebidas com CHO e nem redução importante do tempo de jejum.

A liberação da dieta e o tipo de alimentos permitidos (líquidos claros progredindo até alimentos sólidos) após a resolução do íleo não têm sido apoiados pela luz da Medicina Baseada em Evidências. O jejum pós-operatório faz parte dos cuidados de rotina prescritos até que haja eliminação de flatos ou de fezes. Isso, em geral, ocorre em torno do terceiro ou quarto dia pós-operatório. Logo, o tempo de internação hospitalar é maior, pois se aguarda que o doente se alimente e tolere a dieta para ter alta6. O impacto da dieta precoce na recuperação pós-operatória e todos esses paradigmas têm sido desafiados e questionados. Alguns estudos têm mostrado que, após a realização de operações colorretais, é possível alimentar os doentes precocemente e dar alta no 2º e 3º dias pós-operatórios24. Essa prática diminui o desconforto dos doentes, o tempo de internação e, consequentemente, os custos hospitalares6. No nosso estudo, o retorno da dieta deu-se com sucesso no primeiro dia de PO na segunda fase do estudo. Essa medida além de não ter sido prejudicial, juntamente com outras adotadas, foi responsável em uma casuística global por melhores resultados no período pós-intervenção.

Em relação à hidratação venosa em pacientes cirúrgicos submetidos à operações eletivas, as evidências apontam que o balanço positivo de água e sódio prejudica o retorno das funções gastrintestinais no pós-operatório, assim como, afetam o organismo como um todo, determinando aumento do período de íleo, da morbidade e mortalidade25. Este estudo corrobora na idéia de efetiva redução da carga hídrica administrada no pós-operatório de cirurgias abdominais eletivas. Neste estudo, observou-se uma discreta diminuição da quantidade de fluidos administrados de forma parenteral. Entretanto, isso foi notável nas operações de menor porte. Ressalta-se além dos pontos já levantados, a importância da relação desta questão com custos, com a mobilização precoce do paciente (sem cateteres de reposição hídrica o paciente sente-se em melhores condições para se movimentar livremente) e com o estímulo (sede) ao retorno à alimentação por via oral8.

Observamos uma discreta alteração em relação à frequência de uso de sonda nasogástrica e drenos cavitários. Acreditamos que drenos na cavidade abdominal representam um enorme impedimento para o paciente movimentar-se e ter alta mais precoce. Algumas metanálises têm demonstrado que o uso de drenos em operações envolvendo anastomoses colônicas não reduz a incidência de complicações nem a gravidade de deiscências de anastomoses26. O uso de sondas nasogástricas como rotina também não tem suporte na evidência e acredita-se que podem até mesmo prejudicar o paciente no pós-operatório8. Seu uso tem sido desestimulado em muitos serviços de cirurgia27. Analisando nossos resultados, o uso de sonda nasogástrica foi da ordem de 7,4%, relativamente baixo, embora tenha sido utilizada com maior frequência no período pós-intervenção. O mesmo não pode ser dito em relação ao uso de drenos cavitários, utilizado em 34% das operações da primeira fase do estudo vs 26% na segunda fase. Notou-se, portanto, uma redução na sua utilização. Acreditamos que a maior utilização de drenos deve-se ao pensamento dos cirurgiões de utilizá-los na tentativa de diagnosticar precocemente complicações, sobretudo as anastomóticas, ou diminuir as suas repercussões.

Atualmente, vem crescendo o número de estudos que envolvem mudanças nas rotinas peri-operatórias de pacientes cirúrgicos. No presente estudo, essas mudanças foram conduzidas por práticas baseada em evidências que vêm sendo introduzidas também por outros serviços de cirurgia geral, que, assim como nós, acreditam que fará em breve parte do dia a dia das enfermarias de cirurgia de instituições do nosso país.

Em conclusão, a adoção de medidas multidisciplinares peri-operatórias é exequível dentro da nossa realidade e, embora não tenha havido alterações com significância estatística no presente estudo, pode melhorar a morbidade e diminuir tempo de internação em cirurgia geral de modo significante.

Recebido em 08/06/2011

Aceito para publicação em 18/08/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhum

Trabalho realizado no Departamento de Clínica Cirúrgica, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Mayra Martins Walczewski
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Jun 2011
    • Aceito
      18 Ago 2011
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