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Avaliação da capilaroscopia usando Endotelina-1 como um marcador de ativação endotelial na lesão microvascular e úlceras cutâneas

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a presença da ET-1 em pacientes portadores de esclerodermia e a sua correlação com o nível de atividade da doença; verificar se os níveis de endotelina estão associados com o perfil clínico e de autoanticorpos da esclerodermia e, ainda, se há associação com lesão microvascular detectada pela capilaroscopia periungueal. MÉTODOS: Um total de 74 pacientes, sendo 37 portadores de esclerodermia e o restante controle, foram submetidos à dosagem de ET-1 por meio de teste de ELISA. Pacientes com esclerodermia foram analisados através de um questionário sobre características da doença e pesquisa de autoanticorpos. A gravidade da doença foi definida pelos critérios de Medsger e a doença microvascular foi acessada através de capilaroscopia periungueal. RESULTADOS: Dos 37 pacientes com esclerodermia três (8,1%) eram homens e 34 (91,89%) mulheres, com idade média de 48,97 ? 13,36 anos e tempo médio de doença de 42,54 ? 13,35 anos. Os valores da ET-1 nos controles foram de 0,41 a 5,65 pg/ml (mediana de 2,26 pg/ml) e nos com esclerodermia de 0,41 a 8.82 pg/ml (mediana de 0,41 pg/ml) com p de 0,0007. Não houve correlação com o tempo de doença, idade do paciente e com o nível de acometimento cutâneo. Não encontrou-se correlação entre nível de ET-1 sérica e gravidade da doença (p=0,13). Níveis maiores de ET-1 foram observados na forma de superposição (1,49 a 6,82 pg/ml). CONCLUSÃO: Os níveis de ET-1 em esclerodérmicos mostraram-se inferiores aos controles. Não houve associação dos níveis de ET-1 com as variáveis estudadas.

Esclerodermia difusa; Marcadores biológicos; Endotelina-1; Angioscopia microscópica; Úlcera cutânea


Objectives: To evaluate the presence of ET-1 in patients with scleroderma and its correlation with the level of disease activity; to verify if the levels of endothelin are associated with the clinical profile and autoantibodies of scleroderma, and even if there is an association with microvascular injury detected by nailfold capillaroscopy. METHODS: A total of 74 patients, 37 patients with scleroderma, the remaining being controls, were subjected to measurement of ET-1 by ELISA. Patients with scleroderma were evaluated through a questionnaire about characteristics of the disease and determination of autoantibodies. Disease severity was defined by the criteria of Medsger and microvascular disease was accessed through nailfold capillaroscopy. RESULTS: Of the 37 patients with scleroderma, three (8.1%) were men and 34 (91.89%) women, with a mean age of 48.97 ± 13.36 years and mean disease duration of 42.54 ± 13, 35. The amounts of ET-1 in the controls was 0.41 to 5.65 pg / ml (median of 2.26 pg / ml) and, in the scleroderma group, from 0.41 to 8.82 pg / ml (median, 0.41 pg / ml), with p = 0.0007. There was no correlation with disease duration, patient age and the degree of skin involvement. No correlation was found between serum levels of ET-1 and disease severity (p = 0.13). Higher levels of ET-1 were observed in the form of overlap (1.49 to 6.82 pg / ml). CONCLUSION: The levels of ET-1 in scleroderma were inferior to controls. There was no association of ET-1 levels with the variables studied.

Scleroderma, diffuse; Biological markers; Endothelin-1; Microscopic angioscopy; Skin ulcer


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da capilaroscopia usando Endotelina-1 como um marcador de ativação endotelial na lesão microvascular e úlceras cutâneas

Thiago MichaelisI; Marianne AndrettaII; Carolina AlbersII; Thelma Larocca SkareIII; Carmen Australia Paredes Marcondes RibasIII; Luciana Bugmann MoreiraIII

IMestre do Programa de Pós Graduação em Princípios da Cirurgia do Instituto de Pesquisas Médicas da Faculdade Evangélica do Paraná/Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil

IIAcadêmica de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná/Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil

IIIProfessor permanente do Programa de Pós Graduação em Princípios da Cirurgia do Instituto de Pesquisas Médicas da Faculdade Evangélica do Paraná/Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Thiago Michaelis E-mail: thimicha@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a presença da ET-1 em pacientes portadores de esclerodermia e a sua correlação com o nível de atividade da doença; verificar se os níveis de endotelina estão associados com o perfil clínico e de autoanticorpos da esclerodermia e, ainda, se há associação com lesão microvascular detectada pela capilaroscopia periungueal.

MÉTODOS: Um total de 74 pacientes, sendo 37 portadores de esclerodermia e o restante controle, foram submetidos à dosagem de ET-1 por meio de teste de ELISA. Pacientes com esclerodermia foram analisados através de um questionário sobre características da doença e pesquisa de autoanticorpos. A gravidade da doença foi definida pelos critérios de Medsger e a doença microvascular foi acessada através de capilaroscopia periungueal.

RESULTADOS: Dos 37 pacientes com esclerodermia três (8,1%) eram homens e 34 (91,89%) mulheres, com idade média de 48,97 ? 13,36 anos e tempo médio de doença de 42,54 ? 13,35 anos. Os valores da ET-1 nos controles foram de 0,41 a 5,65 pg/ml (mediana de 2,26 pg/ml) e nos com esclerodermia de 0,41 a 8.82 pg/ml (mediana de 0,41 pg/ml) com p de 0,0007. Não houve correlação com o tempo de doença, idade do paciente e com o nível de acometimento cutâneo. Não encontrou-se correlação entre nível de ET-1 sérica e gravidade da doença (p=0,13). Níveis maiores de ET-1 foram observados na forma de superposição (1,49 a 6,82 pg/ml).

CONCLUSÃO: Os níveis de ET-1 em esclerodérmicos mostraram-se inferiores aos controles. Não houve associação dos níveis de ET-1 com as variáveis estudadas.

Descritores: Esclerodermia difusa. Marcadores biológicos. Endotelina-1. Angioscopia microscópica. Úlcera cutânea.

INTRODUÇÃO

As lesões vasculares são causa importante de morbimortalidade em esclerodermia (ES)1,2. Tais lesões implicam em fenômenos isquêmicos que alteram a função de órgãos como rins, coração, pulmões e do aparelho músculo-esquelético. Neste último caso, o fenômeno de Raynaud é considerado um dos achados mais marcantes, podendo levar a isquemia e amputação de dígitos, lesões ulceradas em membros que não só alteram o seu desempenho funcional como a qualidade de vida de seu portador por serem extremamente dolorosas e de difícil cicatrização2,3.

A etiopatogenia da esclerodermia ainda é discutida. A base da lesão vascular parece ser a disfunção endotelial e o espessamento fibrótico da camada íntima2. Esse processo é visto inicialmente nas pequenas e médias artérias promovendo endurecimento e espessamento da parede dos vasos sanguíneos2. Com isso, os vasos sanguíneos perdem sua capacidade normal de relaxamento, tornando-se predispostos a episódios de vasoespasmo desencadeados, principalmente, por temperaturas frias e a outros estímulos como o estresse emocional. A hipóxia causada pela diminuição do fluxo sanguíneo leva à produção de algumas substâncias como radicais de oxigênio e citocinas que poderão causar dano tissular4. Prognóstico e evolução da doença são dependentes da extensão e da gravidade das lesões vasculares1.

Um endotélio lesado produz maior quantidade de fatores vasoconstritores, como a endotelina-1(ET-1) e menor quantidade de substâncias vasodilatadoras, como o óxido nítrico (NO) e a prostaciclina (PGI-2). Além disso, a lesão endotelial predispõe ativação plaquetária que, por sua vez, tem duas importantes consequências: 1) formação de microagregados de plaquetas nos capilares e vênulas e 2) liberação de um potente vasoconstritor (Tromboxano A2). Em suma, os vasos estão propensos à vasoconstrição e ao vasoespasmo provocando episódios repetidos de isquemia e reperfusão tecidual4.

Por outro lado, postula-se também que a injúria celular decorrente do dano vascular desencadearia resposta isquêmica, e consequentemente, resposta inflamatória. As citocinas pró-inflamatórias, os fatores de crescimento e a própria ET-1 gerados por este processo seriam os responsáveis finais pela atração e ativação dos fibroblastos5 .

A ET-1 é um peptídeo natural com múltiplos efeitos sobre a vasculatura. Tem funções essenciais de desenvolvimento e regulação da fisiologia normal, incluindo a homeostase cardiovascular, equilíbrio hidroeletrolítico e desenvolvimento da função respiratória6. No entanto, a endotelina também é um mediador patogênico com vários efeitos deletérios, incluindo vasoconstrição, fibrose por proliferação desordenada de fibroblastos e colágeno, hipertrofia vascular e inflamação6. Há ampla gama de efeitos fisiológicos observados em laboratório mostrando as manifestações da endotelina nas doenças reumatológicas sistêmicas6.

Assim sendo entende-se que a ET-1 é um mediador dos possíveis efeitos deletérios verificados em pacientes com ES e que o grau desse envolvimento vascular prediz o prognóstico nesta doença.

Neste contexto realizou-se o presente estudo que tem por objetivos: comparar os níveis da ET-1 sérica em pacientes portadores de ES em relação à população normal e verificar a sua correlação com o nível de gravidade da doença; verificar se os níveis de ET-1 estão associados com o perfil clínico e de auto anticorpos da ES; verificar se os níveis de ET-1 estão associados com lesão microvascular detectada pela capilaroscopia periungueal.

MÉTODOS

O presente estudo é transversal, observacional, caso-controle e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente (SEB - FEPAR). Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Incluíram-se 74 pacientes sendo que 37 apresentavam diagnóstico de ES e 37 pacientes pertenciam ao grupo controle. A escolha dos pacientes com ES foi feita por ordem de chegada para consulta no Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba e pela disposição em participar do estudo. Para inclusão dos pacientes com esclerodermia, eles deviam preencher os Critérios Classificatórios Preliminares do Colégio Americano de Reumatologia7 para diagnóstico dessa doença, assinar o termo de consentimento livre e esclarecido e possuir idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídas pacientes grávidas, abaixo de 18 anos ou com incapacidade cognitiva para entender e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. A amostra de controles foi obtida do ambulatório de Cirurgia Vascular do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, PR, Brasil e foi composta por pacientes que procuraram o serviço para tratamento de varizes e que não tinham doença inflamatória reumática conhecida.

Pacientes com ES e controles foram protocolados em ficha individual contendo nome, sexo, idade e fatores de risco para aterosclerose (diabete melito, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, obesidade, história familiar de doença cardiovascular, dislipidemia) e provas de atividade inflamatória (VHS e proteína C reativa).

Nos pacientes com ES foram coletados dados demográficos, do tipo de esclerodermia, dados acerca de envolvimento cutâneo-visceral, de presença de auto-anticorpos: fator antinuclear ou FAN, anticardiolipinas (aCls) IgG e IgM, LAC (anticoagulante lúpico), anti Ro, anti La, anti RNP (ribonucleoproteína), anti Scl 70 (ou anti-topoisomerase) e anticentrômero. A medida da gravidade da doença foi feita pelo índice de Medsger8.

O índice de gravidade de Medsger8 é uma escala que vai de zero até 36 e é pontuada conforme comprometimento de pele e aparelho locomotor, sintomas gerais como fraqueza e emagrecimento, envolvimento gastrintestinal, presença de Raynaud, envolvimento cardíaco e pulmonar e envolvimento renal, sendo zero a ausência de envolvimento e 36 a gravidade máxima.

Pacientes e controles foram submetidos à punção venosa para obtenção de 5 ml de sangue venoso o qual foi centrifugado para a separação do soro e aliquotado sendo conservado a -16ºC até a confecção dos testes. A dosagem de ET-1 foi executada com kit Human Endothelin-1 (EIA-3111 - DRG Internation Inc., USA),de acordo com as instruções do fabricante .

Capilaroscopia periungueal foi realizada por um único observador utilizando-se um estereomicroscópio com fonte de baixa irradiação térmica, incidindo a 45º sobre a superfície da pele e aumento de 10 vezes9. Após imersão da área a ser estudada em óleo secante de esmalte, analisou-se o leito periungueal do 2º ao 5º dígito de ambas as mãos, procedendo-se à contagem do número de alças/mm e observando-se presença de deleções e de alterações na morfologia capilar. Foi considerada como área de deleção focal ou avascular, a ausência de pelo menos dois capilares sucessivos9. Para fins estatísticos, o valor utilizado na contagem de alças de cada paciente foi o da média de todas as unhas analisadas.

Os dados obtidos foram tabulados em tabelas de frequência e de contingência. Utilizou-se como medida de tendência central a média e desvio-padrão para as variáveis paramétricas e a mediana para as não paramétricas. Para estudos de associações de dados nominais foram usados os testes de Fisher e de qui-quadrado, para dados numéricos os teste t não pareado e Mann-Whitney de acordo com distribuição paramétrica ou não da amostra. Para estudos de correlação foram usados os testes de Spearman. Os cálculos foram feitos com auxilio do software Graph Pad Prism versão 4.0 adotando-se 5% como nível de significância.

RESULTADOS

Características da amostra

A prevalência de achados clínicos pode ser vista na tabela 1 que evidencia os achados mais comuns: fenômeno de Raynaud, cicatrizes estelares,doença intersticial pulmonar e telangiectasias.

Dos 37 pacientes com esclerodermia três (8,1%) eram homens e 34 (91,89%) mulheres. A idade foi de 18 a 79 anos (média de 48,97+/-13,36) e o tempo de duração de doença de 10 a 69 anos (média de 42,54+/-13,35). Existia tabagismo em 11/37 ou 29,72%. A forma de maior prevalência foi a limitada que totalizou 54,05%, seguida pela forma difusa com 35,13% e pela forma de overlap com 10,8%.

O índice de gravidade de Medsger variou de 2 a 13; média de 6,472 / 2,893. A análise do perfil de autoanticorpos mostrou que o FAN estava presente em 75,6% dos pacientes: 13,5% (5/34) tinham o antitopoisomerase ou anti Scl-70; 34,3% (11/32) tinham o anticentrômero; 9,1% (3/33) tinham antirribonucleroproteína (ou anti RNP); 8,3% (3/36) tinham anticardiolipina IgG positivo; 11,7 % (4/34) tinham o anticardiolipina Ig M e 5,5% (1/18) tinham o anticoagulante lúpico.

Na tabela 2 encontram-se os dados dos achados de capilaroscopia periungueal na amostra estudada.

Dados do pareamento da amostra de ES com controles

Estudando-se o pareamento da amostra para fatores de risco de aterosclerose encontraram-se os dados da tabela 3. Só o HDL demonstrou diferença, o que seria esperado em uma população com doença inflamatória.

Comparação da endotelina sérica (ET-1) entre controle versus ES

Os valores da endotelina sérica nos controles foram de 0,41 a 5,65 pg/ml(mediana de 2,26 pg/ml) e nos pacientes com esclerodermia de 0,41 a 8,82 pg/ml (mediana de 0,41 pg/ml) com p de 0,0007.

Valores de endotelina na população de ES de acordo com variáveis demográficas, clínicas e sorológicas

Variabilidade dos níveis de endotelina sérica em pacientes com esclerodermia de acordo mostrou que homens tinham um valor mediano de 0,88 (de 0.41 a 2,73) e mulheres de 0,41 a 6,82 com p=0,61. Endotelina sérica em 37 pacientes com ES de acordo com a forma foram (valores limítrofes em pg/ml/ mediana em pg/ml): 1) froma limitada - 0,41 a 2,73 e 0,4250; 2) forma difusa - 0,41 a 4,23 e 0,4100; 3) forma de superposição - 1,49 a 6,82 e 2,315 (p = 0,0424 Kruskall Wallis)

A análise de acordo com o subtipo de esclerodermia mostrou que pacientes com forma de superposição têm níveis mais altos.

Estudando-se a correlação dos níveis de endotelina sérica com idade observou-se que essa variável não influiu nos níveis da endotelina (p=0,23; R de Spearmnn de -0,19; 95% IC de -0,49 a 0,14). O mesmo aconteceu com o tempo de duração de doença (p=0,67, R de Spearman de -0,072; 95% IC de -0,39 a 0,26)

A análise da variabilidade dos níveis de endotelina sérica de acordo com as principais manifestações clínicas estudadas pode ser vista na tabela 4.

A análise da correlação entre nível de endotelina sérica e gravidade da doença medida pelo índice de Medsger mostrou p=0,13, R de Spearman de 0,25, 95%IC de -0,091 a 0,54. A análise de correlação entre valores de capilaroscopia periungueal e níveis séricos de endotelina pode ser avaliada na tabela 5.

A análise dos achados de endotelina sérica de acordo com a presença de auto-anticorpos encontra- se na tabela 6.

DISCUSSÃO

Existem diversas evidências de que a ET-1 modula o tônus arterial periférico em seres humanos e de que o efeito vasoconstritor dela pode ser bloqueado por antagonistas dos receptores (ETa)10,11 Entretanto, apesar da ET-1 ser o mais potente dos vasoconstritores endógenos, seu papel na esclerodermia - uma doença em que a lesão vascular é o achado etiopatogenético chave para a grande maioria das manifestações clínicas - continua sendo investigado.

O conceito de que a ET-1 pode apresentar níveis elevados em pacientes com esclerodermia tem sido aventada em vários estudos, principalmente naqueles associados à hipertensão pulmonar12. Nesse contexto, diversos antagonistas dos receptores da endotelina vêm sendo desenvolvidos e têm mostrado resultados promissores para seu tratamento13. No entanto, os resultados obtidos em ensaios clínicos são de difícil interpretação devido à grande variabilidade de tipos e de densidade de receptores para ET-1 conforme o tecido estudado. Além disso, a endotelina é um agente com atividade autócrina e parácrina, atuações essas de difícil mensuração in vivo14.

No presente estudo, não foi possível verificar aumento de ET-1 na amostra composta por 37 pacientes portadores de esclerodermia. Os pacientes tinham média de duração da doença de 42 anos, eram predominantemente do sexo feminino (92% da amostra) sendo a forma mais prevalente a limitada - que comprometeu cerca de 54% do total dos pacientes. O padrão demográfico da amostra estudada reflete padrão típico daquele encontrado na doença de acordo com a literatura15,16. No grupo de pacientes assim composto, foram as formas de superposição que mostraram maiores índices de ET-1. Nessa amostra não foi possível encontrar associação entre níveis aumentados de ET-1 e grau de envolvimento cutâneo, presença de fenômeno de Raynaud ou hipertensão pulmonar. O fenômeno de Raynaud acometeu grande parte dos indivíduos estudados (92%) sendo poucos os sem esse achado; isso pode ter prejudicado a análise comparativa. Por outro lado, o inverso aconteceu com hipertensão pulmonar, manifestação presente em apenas nove dos 34 indivíduos da amostra. No caso do fenômeno de Raynaud observou-se tendência para que a ET-1 estivesse aumentada naqueles com esta manifestação clínica.

Estes resultados são semelhantes aos do estudo realizado por Smyth et al.11, que avaliou amostra de 18 pacientes com fenômeno de Raynaud primário e 14 associados à esclerodermia. Esses autores, através da pletismografia, identificaram o vasoespasmo induzido por resfriamento e, nesse momento, foram medidos os níveis séricos de ET-1 em comparação aos pacientes não expostos ao vasoespasmo. Nesse estudo não ocorreram alterações significativas nos níveis de ET-1 dos casos quando comparados ao controle.

Estes resultados e os de Smyth et al.11 se opõem aos de Biondi et al 2. Este último autor avaliou o nível sérico de ET em 14 pacientes sendo que sete deles apresentavam fenômeno de Raynaud primário e os outros sete secundários à esclerodermia sistêmica, encontrando níveis maiores nos indivíduos com Raynaud do que em controles.

Em outro estudo17 onde também foi analisado o nível plasmático de ET-1, 31 pacientes com ES obtiveram níveis maiores quando comparados com o controle. Nesse estudo, em contraste com o aqui apresentado, os pacientes com esclerose difusa que tinham níveis mais elevados foram os com a forma limitada. Também ficou evidente a variação da ET-1 com manifestações pulmonares, tendo os níveis de ET-1 correlação inversa para com a capacidade de difusão de monóxido de carbono. Devido a esses dados, os autores aventaram a possibilidade de ET-1 ser preditor de gravidade da doença. No presente estudo não foi possível confirmar este achado, uma vez que não houve associação de dados de endotelina sérica com doença intersticial pulmonar .

Além disso, Hettema et al.10 estudando 15 pacientes com ES limitada submetidos ao tratamento com bosentana por 16 semanas, observaram que o uso desse antagonista da ET-1 não demonstrou mudanças nem na resposta vasodilatadora, nem na mudança estrutural ou na função da microvasculatura após o tratamento.

A microvasculatura foi analisada no presente estudo através da capilaroscopia periungueal. Embora essa seja análise baseada apenas em dados morfológicos, ela reflete de maneira evolutiva os acontecimentos microvasculares na esclerodermia18. Neste estudo nem o grau de deleção nem o de ectasia capilar à capilaroscopia periungueal puderam ser associados a níveis de endotelina sérica, mostrando ausência de associação entre comprometimento microvascular morfológico em relação à dosagem de ET-1.

No presente estudo, foram encontrados valores de ET-1 menores nos pacientes com esclerodermia limitada quando comparado aos demais grupos, fato que poderia corroborar o menor efeito do bosentan nesses pacientes, já identificados por Hettema et al.10 em seus 15 pacientes com a forma limitada da doença.

A atuação da ET-1 depende não apenas do seu nível sérico como, também, do tipo e grau de higidez do tecido, uma vez que isso pode determinar variação tanto no número de receptores, como na mudança de sua sensibilidade19. Por exemplo, no tecido normal, o efeito do receptor de endotelina do tipo ET-B é vasodilatador, mas em condições patológicas, predomina a vasoconstrição. Esta inversão de efeito pode resultar de aumento nos níveis de endotelina, bem como da localização e regulação dos receptores ET-B em nível endotelial, concomitante ao aumento da regulação dos receptores ET-B em algumas células do músculo liso vascular7. Além disso, uma mudança nas proporções de receptor aparece em condições patológicas como isquemia miocárdica com reperfusão, onde se observa que há bloqueio pela ET-B e vasoconstrição em normotensos; em hipertensos causa vasodilatação20. Este fato também foi visto na esclerodermia, em tecido pulmonar fibrótico, onde os níveis dos receptores ET-A foram significativamente reduzidos, enquanto os níveis de receptor ET-B foram ligeiramente elevados, em comparação com o tecido saudável7.

Existem dados intrigantes acerca da complexa atuação da ET-1 na patogênese da ES. Se por um lado o antagonista da ET-1, o bosentan, ocasionou melhora significativa na prevenção e na formação de novas úlceras digitais, Korn et al.21, estudando 122 pacientes de 17 centros da Europa e América do Norte - demonstrou que ela não consegue melhorar o padrão de cicatrização das úlceras digitais já existentes. Não está claro por que uma droga que supostamente promove a vasodilatação periférica como um antagonista de ET-1 não poderia também promover a cicatrização da úlcera de uma forma mais eficaz. Os receptores de ET-1 também foram encontrados em queratinócitos, o que sugere que a ET-1 pode ser um modulador da função dessa célula e, portanto, o bloqueio do receptor poderia prejudicar a re-epitelização21. Assim sendo, não é só o nível sérico da ET que deve ser levado em consideração na etiopatogenia dos achados clínicos da esclerodermia, mas, também, os níveis e os tipos de receptores atuantes. Isso pode explicar a falta de associação encontrada entre níveis séricos de ET-1 e os principais achados clínicos de esclerodermia no presente estudo.

Este estudo tem um número pequeno de pacientes, o que é esperado em doenças relativamente raras como a esclerodermia. Tal fato pode ter conferido à presente amostra um poder muito pequeno no sentido de poder demonstrar determinadas associações. Pesquisas com maior número de pacientes (de preferência multicênticos) são necessários no intuito de reforçar os presentes achados. Além disso, análises mais detalhadas, envolvendo a ligação deste mediador vascular com seus receptores também são interessantes no sentido de ajudar a esclarecer a fisiopatologia dos processos vasculares envolvidos na esclerodermia.

Concluindo, pode-se afirmar que este estudo evidenciou que os níveis plasmáticos de ET-1 são menores nos pacientes com ES quando comparado aos controles; não houve associação desses níveis com a gravidade de doença; não se verificou associação significante de níveis de ET-1 com perfil clínico ou de anticorpos; não ocorreu correlação com o nível de endotelina com lesões da microvasculatura detectada pela capilaroscopia periungueal.

Agradecimentos

Aos laboratórios Álvaro de Curitiba, PR, pelo auxílio na dosagem de endotelina 1 sérica.

Recebido em 15/07/2011

Aceito para publicação em 23/09/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhum

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Princípios da Cirurgia da Faculdade Evangélica do Paraná/Hospital Universitário Evangélico de Curitiba/ Instituto de Pesquisas Médicas, Curitiba, PR, Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Thiago Michaelis
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Jul 2011
    • Aceito
      23 Set 2011
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