Acessibilidade / Reportar erro

Ingestão de glutamina e maltodextrina duas horas no pré-operatório imediato melhora a sensibilidade à insulina pós-operatória: estudo aleatório, duplo-cego e controlado

Resumos

OBJETIVO: investigar se a abreviação do jejum pré-operatório com uma bebida contendo glutamina e dextrinomaltose melhora a resposta orgânica ao trauma cirúrgico. MÉTODOS: trinta e seis pacientes adultas, (18-62 anos) candidatas à colecistectomia videolaparoscópica eletiva foram aleatoriamente divididas em três grupos: grupo jejum convencional (grupo Jejum), ou em dois grupos para receber duas dietas diferentes, oito horas (400ml) e duas horas antes da indução anestésica (200ml): grupo carboidrato (12,5% de dextrinomaltose) e glutamina (12,5% de dextrinomaltose e, respectivamente, 40 e 10g de glutamina). As amostras de sangue foram coletadas no período pré e pós-operatório. RESULTADOS: vinte e oito pacientes completaram o estudo. Nenhuma complicação pulmonar ocorreu durante o estudo. O volume residual gástrico foi similar entre os grupos (p=0,95). No pós-operatório, todas as pacientes do grupo jejum apresentaram glicemia anormal (>110mg/dl), sendo essa anormalidade 50% para o grupo CHO (p=0,14) e, apenas, 22,2% para o grupo GLN (p=0,01). No pós-operatório, todas as pacientes que abreviaram o jejum (grupo CHO + GLN) apresentaram insulinemia normal, contrastando com 66,7% no grupo jejum (p=0,02). A sensibilidade anormal à insulina subiu no pós-operatório de 32,1% para 46,4% dos casos (p=0,24). A sensibilidade anormal à insulina, no pós-operatório, ocorreu em apenas 11,1% das pacientes do grupo GLN comparado com 55,5% do grupo jejum (p=0,02). CONCLUSÃO: a abreviação do jejum pré-operatório para duas horas com glutamina e dextrinomaltose melhora a sensibilidade à insulina de pacientes submetidas à colecistectomia videolaparoscópica eletiva.

Jejum; Glutamina; Carboidratos; Cuidados pré-operatórios; Insulina


OBJECTIVE: To investigate whether the abbreviation of preoperative fasting with a drink containing glutamine and dextrinomaltose improves organic response to surgical trauma. METHODS: Thirty-six female patients adult (18-62 years) candidates for elective laparoscopic cholecystectomy were randomly divided into three groups: conventional fasting (fasting group), and two groups receiving two different diets, eight hours (400ml) and two hours before induction of anesthesia (200ml): carbohydrate (CHO) group (12.5% dextrinomaltose) and the glutamine (GLN) group (12.5% dextrinomaltose and 40 and 10g of glutamine, respectively). Blood samples were collected pre and postoperatively. RESULTS: Twenty-eight patients completed the study. No pulmonary complication occurred. Gastric residual volume was similar between groups (p = 0.95). Postoperatively, all patients from the fasting group had abnormal glucose (> 110mg/dl), this abnormality being of 50% when compared to the CHO group (p = 0.14), and of 22.2% when compared to the GLN group (p = 0.01). All patients who had the fasting period shortened (CHO + GLN) had normal postoperative insulin, contrasting with 66.7% in the fasted group (p = 0.02). The abnormal sensitivity to insulin postoperatively rose from 32.1% to 46.4% of cases (p = 0.24), and it occurred in only 11.1% of patients in GLN group when compared to 55.5% in the fasting group (p = 0.02). CONCLUSION: the abbreviation of preoperative fasting for two hours with dextrinomaltose and glutamine improves insulin sensitivity in patients undergoing elective laparoscopic cholecystectomy.

Fasting; Glutamine; Carbohydrates; Preoperative care; Insulin


ARTIGO ORIGINAL

Ingestão de glutamina e maltodextrina duas horas no pré-operatório imediato melhora a sensibilidade à insulina pós-operatória: estudo aleatório, duplo-cego e controlado

Diana Borges Dock-NascimentoI; Jose Eduardo de Aguilar-Nascimento, TCBC-MTII; Dan Linetzky Waitzberg, TCBC-SPIII

IProfessora Doutora da Faculdade de Nutrição (FANUT) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) do Departamento de Alimentos e Nutrição MT-BR

IIProfessor Titular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) do Departamento de Clínica Cirúrgica da área de cirurgia

IIIProfessor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Diana Borges Dock-Nascimento E-mail: dianadock@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: investigar se a abreviação do jejum pré-operatório com uma bebida contendo glutamina e dextrinomaltose melhora a resposta orgânica ao trauma cirúrgico.

MÉTODOS: trinta e seis pacientes adultas, (18-62 anos) candidatas à colecistectomia videolaparoscópica eletiva foram aleatoriamente divididas em três grupos: grupo jejum convencional (grupo Jejum), ou em dois grupos para receber duas dietas diferentes, oito horas (400ml) e duas horas antes da indução anestésica (200ml): grupo carboidrato (12,5% de dextrinomaltose) e glutamina (12,5% de dextrinomaltose e, respectivamente, 40 e 10g de glutamina). As amostras de sangue foram coletadas no período pré e pós-operatório.

RESULTADOS: vinte e oito pacientes completaram o estudo. Nenhuma complicação pulmonar ocorreu durante o estudo. O volume residual gástrico foi similar entre os grupos (p=0,95). No pós-operatório, todas as pacientes do grupo jejum apresentaram glicemia anormal (>110mg/dl), sendo essa anormalidade 50% para o grupo CHO (p=0,14) e, apenas, 22,2% para o grupo GLN (p=0,01). No pós-operatório, todas as pacientes que abreviaram o jejum (grupo CHO + GLN) apresentaram insulinemia normal, contrastando com 66,7% no grupo jejum (p=0,02). A sensibilidade anormal à insulina subiu no pós-operatório de 32,1% para 46,4% dos casos (p=0,24). A sensibilidade anormal à insulina, no pós-operatório, ocorreu em apenas 11,1% das pacientes do grupo GLN comparado com 55,5% do grupo jejum (p=0,02).

CONCLUSÃO: a abreviação do jejum pré-operatório para duas horas com glutamina e dextrinomaltose melhora a sensibilidade à insulina de pacientes submetidas à colecistectomia videolaparoscópica eletiva.

Descritores: Jejum. Glutamina. Carboidratos. Cuidados pré-operatórios. Insulina.

INTRODUÇÃO

As últimas décadas têm testemunhado esforços para adequar condutas perioperatórias tradicionais aos resultados obtidos por investigações de alta qualidade metodológica. Paradigmas como o uso de sonda nasogástrica, preparo de cólon, fluídos intravenosos e nutrição oral tardia têm sido desafiados e modificados. Este também é o caso do jejum pré-operatório 1-6.

Operações eletivas, rotineiramente, mantêm o paciente em jejum noturno, de "nada pela boca", por seis a oito horas até o momento da indução anestésica. Seu objetivo foi prevenir complicações pulmonares associadas a vômitos e a bronco aspiração do conteúdo gástrico para árvore brônquica, conhecido como Síndrome de Mendelson7.

Com o advento da medicina baseada em evidência, estudos prospectivos e randomizados com grau de evidência "A" mostraram, repetidamente, que reduzir o tempo de jejum pré-operatório para apenas duas horas, com a ingestão de líquidos claros com carboidratos (CHO), não resulta em aumento do risco de bronco aspiração do conteúdo gástrico associado à anestesia8-10. O jejum pré-operatório adiciona um estresse metabólico ao trauma cirúrgico e contribui para a piora da resistência periférica à insulina que é proporcional à magnitude do trauma cirúrgico11.

A queda da sensibilidade da insulina, no período pós-operatório, ocorre por consequência da intervenção cirúrgica e do jejum prolongado no pré-operatório. E isso pode resultar em hiperglicemia, aumento do tempo de internação, de complicações infecciosas, morbidade e mortalidade12.

Não existe mais base científica que sustente a conduta do jejum pré-operatório de "nada pela boca" para pacientes candidatos a operações eletivas até o momento da indução anestésica1-10.

A ingestão de bebida com carboidrato, no pré-operatório imediato, está associada à melhora da sensibilidade à insulina, que, por sua vez, melhora a resposta metabólica ao trauma cirúrgico, reduz o tempo de internação e pode resultar em benefícios clínicos como diminuição de náuseas, vômitos, fome, sede, ansiedade, como também pode acelerar a recuperação pós-operatória1-16.

Com as vantagens da abreviação do jejum pré-operatório para duas horas, surgiu o interesse em associarmos um imunofarmacomodulador, a glutamina (gln), à fórmula, contendo 12,5% de dextrinomaltose.

O uso de gln em pacientes cirúrgicos está associado à diminuição da taxa de complicações infecciosas no pós-operatório, do tempo de internação e, além disso, pode melhorar o balanço nitrogenado17,18.

Em particular, a gln, atenua a resistência à insulina19, melhora sua sensibilidade periférica com consequente redução da hiperglicemia, favorece maior disponibilidade de glicose20 e, ainda, estimula diretamente a produção de insulina pelas células beta do pâncreas21.

Assim, o objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos da abreviação do jejum pré-operatório, para duas horas, sobre a sensibilidade à insulina, com a ingestão de fórmula líquida, contendo dextrinomaltose e glutamina em pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica eletiva.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, aleatório, controlado e duplo cego, realizado com 43 pacientes adultas. Os dados foram coletados entre outubro de 2008 e outubro de 2010. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, em Cuiabá MT (nº0468/09) e todas as pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Participaram do estudo as pacientes que preencheram os seguintes critérios de inclusão: sexo feminino, idade entre 18 a 65 anos, apresentar diagnóstico de colecistopatia crônica calculosa e ser candidata à colecistectomia videolaparoscópica eletiva, apresentar índice de massa corporal (IMC; kg/m2) entre e"18 e d" 29,9kg/m2 e possuir escore ASA (American Society of Anesthesiologist) I e II. Foram excluídas as pacientes que não aderiram ao protocolo em qualquer fase do estudo e que apresentaram: no ato operatório, colecistite aguda ou colangite, necessidade de intervenção cirúrgica adicional, tempo de operação superior a duas horas, diagnóstico de diabetes melitus (glicemia de jejum >110mg/dl), doença do refluxo gastroesofágico, comprovado pela endoscopia e gastroparesia ou uso rotineiro de prócinetico.

O protocolo de intervenção nutricional contemplou três grupos de estudo: grupo jejum (Jejum), grupo carboidrato (CHO) e glutamina (GLN). Para o grupo Jejum, foi adotada a rotina de jejum convencional de oito horas na noite anterior à operação. O grupo CHO recebeu uma fórmula líquida, contendo 12,5% de dextrinomaltose, (NidexÒ, Nestlé, São Paulo, Brasil) sendo, respectivamente, 50g na tomada1 (T1) e 25g na tomada 2 (T2); o grupo GLN recebeu a dextrinomaltose, 50g (T1) e 25g (T2) adicionadas de 40g (T1) e 10g (T2) de gln livre (Resource glutamin Ò, Nestlé, São Paulo, Brasil). As pacientes aptas a participarem do estudo foram orientadas pela secretária (esta já pode orientar paciente, não é mais o médico?), por meio de um receituário impresso explicativo, em relação aos horários de diluição e ingestão do conteúdo dos frascos. A primeira tomada de 400ml (T1) ocorreu às 23 horas (oito horas antes da indução anestésica) e a segunda tomada de 200ml (T2) ocorreu às cinco horas da manhã (duas horas antes da indução anestésica). Dez horas após a intervenção cirúrgica, todas as pacientes receberam uma dieta líquida (sopa liquidificada, suco, gelatina, água).

Conforme protocolo perioperatório e de anestesia, as pacientes foram orientadas a acordar às 04h30min da manhã e seguir os procedimentos descritos no receituário previamente entregue pela secretária. Todas as pacientes seriam operadas por uma mesma equipe de cirurgiões e anestesistas às sete horas. Optou-se pela anestesia geral do tipo balanceada (alfentanil, 300mg/kg; propofol, 2,5mg/kg e atracúrio, 0,5mg/kg e manutenção com sevoflurane 5%) sem bloqueio epidural. Durante o ato anestésico, foi infundido por veia periférica apenas solução salina 0,9% e/ou solução de Ringer simples. Todas as pacientes receberam uma dose de 1,0g de cefazolina ou de cefalotina na indução anestésica. Nos primeiros minutos que se seguiu a entubação oro traqueal, foi introduzida uma sonda nasogástrica (SNG) de 20F para aspirar e determinar o volume residual gástrico (VRG). A aspiração do VRG foi realizada pelo anestesista com auxílio de uma seringa de 20ml. A localização da SNG foi avaliada pela ausculta com estetoscópio posicionado na região do epigástrico seguido da injeção de 10 a 20cc de ar. Após o posicionamento gástrico da SNG, o VRG foi aspirado, medido e anotado. No período pós-operatório, foi prescrito cefazolina 2,0g, dexametasona 10mg, cetoprofeno 100mg, dipirona 2,0g e não foram prescritos antieméticos de rotina (nos casos de risco, em virtude do aumento de náuseas e vômitos, foram prescritos droperidol 0,5-1,0mg ou metoclopramida 10mg).

A variável de resultado principal foi à sensibilidade à insulina calculada pelo teste Quicki (quantitative insulin sensitivity check index: 1÷(Log10 insulina + Log10 glicemia)22. Considerou-se sensibilidade à insulina normal, valores do teste Quicki superiores a 0,35. Dosagens da glicemia (mg/dl; método enzimático) e da insulina (IU/ml; método eletroquimioluminescência) foram realizadas para o cálculo do teste Quicki no período pré e no pós-operatório. As amostras de sangue foram coletadas em dois momentos distintos: imediatamente, antes da indução anestésica (período pré-operatório) e, na décima hora de pós-operatório, antes da liberação da dieta líquida via oral. As pacientes foram orientadas a não ingerir qualquer alimento ou líquido antes da segunda coleta de sangue. Para a análise da glicemia sérica perioperatória, foi considerada glicemia normal valores abaixo de 110mg/dl. Para a insulina perioperatória, considerou-se insulina normal valores abaixo de 24,9U/ml. Foi também avaliado o VRG entre os três grupos estudados.

O tamanho da amostra foi calculado de acordo com estudos anteriores do nosso grupo23,24. Estimou-se que um número mínimo de nove pacientes, por grupo, seria suficiente para encontrar redução de 60% da sensibilidade à insulínica calculada pelo Quicki com um poder de 70% (erro â) e erro alfa de 0,05%25. O teste do qui-quadrado ou de Fisher foi utilizado para análise das variáveis categóricas. Todas as variáveis contínuas foram, inicialmente, analisadas pelo teste de Levene para averiguar a homogeneidade, seguida do teste de Kolmogorov-Smirnov para determinar a normalidade. Para dados contínuos, aplicou-se a ANOVA de medidas repetidas para avaliação em conjunto da diferença intragrupo e entre os grupos, seguido do teste de Tukey, quando era significativa, para averiguar onde estava a diferença estatística. Estabeleceu-se um limite de significância estatística de 5% (pd"0,05). Os resultados foram expressos em média, seguidos do erro médio padrão (ERM) ou ainda da mediana e variação quando apropriados.

RESULTADOS

O fluxograma de inclusão, exclusão e aleatoriedade das pacientes estudadas está representado pela figura 1. Das 43 pacientes elegíveis, 15 foram excluídas e restaram 28 para as analises (grupo jejum n=9, grupo CHO n=10 e grupo glutamina n=9) com idade mediana de 42 (18-62) anos. Todas as pacientes incluídas no estudo ingeriram todo o volume das fórmulas líquidas prescritas, exceto o grupo jejum, o qual permaneceu em jejum convencional pré-operatório. No presente estudo, não houve nenhum evento de aspiração ou regurgitação do conteúdo gástrico manifesto por sinais e sintomas clínicos durante a indução anestésica, ou em qualquer outro momento do estudo. Também não houve nenhum óbito ou complicação pós-operatória. Todas as pacientes receberam alta hospitalar 12 ou 24 horas após a operação.


A mediana do volume residual gástrico (VRG) foi 6ml e variou entre zero e 20ml. A comparação entre os três grupos estudados apresentou valores de VRG não diferentes (p=0,95) entre o grupo Jejum (mediana= 3,0ml [0-20]), CHO (mediana= 7,0 [0-10]) e GLN (mediana= 5ml [0-15]). Os resultados do VRG estão representados pela figura 2.


Como premissa de inclusão no estudo, todas as pacientes (n=28) apresentavam glicemia normal na consulta ambulatorial que antecedia a operação. Na dosagem aferida na indução anestésica os valores de glicemia permaneceram inalterados e, portanto, nenhum caso acima de 110mg/dl (Tabela 1). Entretanto, após dez horas de pós-operatório de colecistectomia videolaparoscópica, 53,6% (n=15) passaram a apresentar glicemia acima de 110mg/dl. Na comparação entre grupos, todas as pacientes do grupo jejum apresentaram glicemia anormal (>110mg/dl), sendo essa anormalidade em 50% para o grupo CHO (p=0,14) e, apenas, 22,2% no grupo GLN (p=0,01).

Não houve casos de insulina sérica elevada no grupo GLN nas duas coletas de sangue. Na indução anestésica, apenas um caso no grupo jejum e dois casos no grupo CHO apresentavam insulinemia elevada (p>0.05). No pós-operatório, todas as pacientes que receberam a bebida duas horas antes da indução anestésica (grupo CHO + grupo GLN) apresentaram insulinemia normal (<24,9U/ml), enquanto que 33,3% (n=3) dos casos operados em jejum convencional apresentaram elevação da insulina sérica (p=0,02). Na comparação entre os três grupos, não houve diferença estatística.

No pré-operatório, 32,1% (n=9) das pacientes apresentou sensibilidade anormal à insulina (três no grupo jejum, cinco no grupo CHO e um no grupo GLN, p=0,19). Com dez horas de pós-operatório, houve um aumento não significativo do grupo de pacientes com sensibilidade anormal da insulina (46,4% dos casos; p=0,24). Entretanto, quando se comparou a frequência de casos com sensibilidade anormal à insulina, medida pelo teste Quicki, verificou-se que o grupo GLN apresentou apenas um (11,1%) caso com sensibilidade anormal, enquanto que o grupo jejum apresentou cinco casos (55,5%) (p=0,02) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O presente trabalho mostrou que a ingestão de fórmula líquida com 12,5% de dextrinomaltose, enriquecida com glutamina(gln), foi capaz de atenuar a resposta orgânica à colecistectomia videolaparoscópica eletiva. A relevância deste estudo consiste na adição de gln livre à fórmula líquida com dextrinomaltose, já consagrada, na literatura, para abreviação do jejum pré-operatório para duas horas.

A ingestão de fórmula com proteína ou gln associadas à dextrinomaltose não resulta em aumento do VRG, garantindo a segurança de sua ingestão até duas horas antes da indução anestésica26,27. Nota-se, em nosso estudo, que o VRG não foi diferente para as pacientes que permaneceram em jejum convencional de oito horas e para as que a abreviaram o jejum pré-operatório com gln e dextrinomaltose e dextrinomaltose pura. No entanto, nosso estudo é limitado pela técnica de aspiração gástrica empregada para a medida do VRG. Atualmente, considera-se padrão ouro para essa medida, a avaliação do esvaziamento gástrico com marcadores radioisótopos28 ou método de imagem, como a ressonancia magnética26.

Lobo et al. mostraram, por meio de ressonância magnética, que o esvaziamento gástrico para 300 a 400ml de bebida com 12,5% de dextrinomaltose ocorre em 120 minutos e, quando 15 gramas de gln e antioxidantes são acrescentados a essa fórmula, o esvaziamento ocorre em aproximadamente 180 minutos26.

Vários estudos com grau de evidência "A" mostraram que o VRG gástrico, após uma hora de ingestão de líquidos, retorna ao seu valor basal (10-30ml)8-10,13,14.

O risco de pneumonia aspirativa, vômitos ou regurgitação não aumenta, quando se compara pacientes que permanecem em jejum total na noite anterior à operação com pacientes que abreviam o jejum para duas horas antes da indução anestésica14,27,29.

Desde o início dos estudos realizados com a abreviação do jejum, nenhuma morbidade ou evento adverso foi relatado. Isso é confirmado pela observação de mais de 2000 pacientes em estudos clínicos e mais de dois milhões de pacientes que já abreviaram o jejum na prática clínica30.

Os resultados do nosso estudo indicam que a abreviação do jejum pré-operatório com água enriquecida com dextrinomaltose e glutamina é segura e está associada à redução da resposta orgânica ao trauma cirúrgico pela melhora da sensibilidade à insulina avaliada pelo teste Quicki.

Em outro estudo do nosso grupo, realizado com pacientes submetidos a um protocolo de abreviação do jejum com a mesma fórmula contendo dextrinomaltose e gln, a resistência periférica à insulina aumentou, no período pós-operatório, apenas para as pacientes que permaneceram em jejum de "nada pela boca" quando comparada com o grupo CHO e GLN31. No presente estudo todas as pacientes em jejum convencional apresentaram glicemia anormal após 10 horas da colecistectomia e somente as pacientes que abreviaram o jejum com uma bebida enriquecida com dextrose ou glutamina associada não apresentaram insulinemia anormal.

A associação de gln, dextrinomaltose e antioxidantes pode interferir beneficamente na mudança plasmática mais fisiológica do metabolismo da glicose e da insulina devido ao aumento da produção de insulina e à melhora de sua sensibilidade32. A gln também pode modificar o metabolismo da glicose ao ser convertida em arginina com melhora da sensibilidade da insulina19 e aumento da secreção de insulina33,.

Nossos resultados mostraram que o jejum pré-operatório convencional reduziu a sensibilidade à insulina, mesmo após um procedimento minimamente invasivo, como videocolecistectomia eletiva. A sensibilidade da insulina reduz-se em 50%, mesmo nas colecistectomias não complicadas34. Em pacientes submetidos ao transplante duplo de rim e pâncreas, o teste Quicki revelou ser um teste confiável para avaliar a sensibidade à insulina quando comparado com o clamp euglicêmico hiperinsulinêmico35.

Assim os resultados do presente estudo contribuem com acréscimo de novas informações ao tratamento nutricional perioperatório, com abreviação do tempo de jejum pré-operatório para duas horas e com a inclusão de gln aos líquidos claros contendo dextrinomaltose.

A abreviação do jejum pré-operatório para duas horas, com a ingestão de fórmula líquida contendo glutamina e dextrinomaltose é segura e melhora a sensibilidade à insulina em pacientes submetidas à colecistectomia videolaparoscópica eletiva.

Recebido em 15/05/2012

Aceito para publicação em 18/07/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: FAPEMAT (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso).

Trabalho realizado na Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo , São Paulo, SP, Brasil.

  • 1. Gustafsson UO, Ljungqvist O. Perioperative nutritional management in digestive tract surgery. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2011;14(5):504-9.
  • 2. Ljungqvist O. ERAS - enhanced recovery after surgery. J Visc Surg. 2011;148(3):e157-9.
  • 3. Aguilar-Nascimento JE, Bicudo-Salomão A, Caporossi C, Silva RM, Cardoso EA, Santos TP, et al. Abordagem multinodal em cirurgia colorretal sem preparo mecânico de cólon. Rev Col Bras Cir. 2009;36(3):204-9.
  • 4. de Aguilar-Nascimento JE, Diniz BN, do Carmo AV, Silveira EA, Silva RM. Clinical benefits after the implementation of a protocol of restricted perioperative intravenous crystalloid fluids in major abdominal operations. World J Surg. 2009;33(5):925-30.
  • 5. Bicudo-Salomão A, Meireles MB, Caporossi C, Crotti PLR, Aguilar-Nascimento JE. Impacto do projeto acerto na morbi-mortalidade pós-operatória em um hospital universitário. Rev Col Bras Cir. 2011;38(1):3-10.
  • 6. Aguilar-Nascimento JE, Bicudo-Salomão A, Caporossi C, Silva RM, Cardoso EA, Santos TP. ACERTO pós-operatório: avaliação dos resultados da implantação de um protocolo multidisciplinar de cuidados peri-operatórios em cirurgia geral. Rev Col Bras Cir. 2006;33(3):181-8.
  • 7. Mendelson CL. The aspiration of stomach contents into the lungs during obstetric anesthesia. Am J Obstet Gynecol. 1946;52:191-205.
  • 8. Soop M, Nygren J, Myrenfors P, Thorell A, Ljungqvist O. Preoperative oral carbohydrate treatment attenuates immediate postoperative insulin resistance. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2001;280(4):E576-83.
  • 9. Brady M, Kinn S, Stuart P. Preoperative fasting for adults to prevent preoperative complications. Cochrane Database Syst Rev. 2003;(4):CD004423.
  • 10. Svanfeldt M, Thorell A, Hausel J, Soop M, Rooyackers O, Nygren J, et al. Randomized clinical trial of the effect of preoperative oral carbohydrate treatment on postoperative whole-body protein and glucose kinetics. Br J Surg. 2007;94(11):1342-50.
  • 11. Thorell A, Nygren J, Ljungqvist O. Insulin resistance: a marker of surgical stress. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 1999;2(1):69-78.
  • 12. Soop M, Nygren J, Thorell A, Ljungqvist O. Stress-induced insulin resistance: recent developments. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2007;10(2):181-6.
  • 13. Hausel J, Nygren J, Thorrell A, Lagerkranser M, Ljungqvist O. Randomized clinical trial of the effects of oral preoperative carbohydrates on postoperative nausea and vomiting after laparoscopic cholecystectomy. Br J Surg. 2005;92(4):415-21.
  • 14. Faria MS, de Aguilar-Nascimento JE, Pimenta OS, Alvarenga LC Jr, Dock-Nascimento DB, Slhessarenko N. Preoperative fasting of 2 hours minimizes insulin resistance and organic response to trauma after video-cholecystectomy: a randomized, controlled, clinical trial. World J Surg. 2009;33(6):1158-64.
  • 15. Aguilar-Nascimento JE, Salomão AB, Caporossi C, Diniz BN. Benefícios clínicos após a implementação de um protocolo multimodal perioperatório em pacientes idosos. Arq gastroenterol. 2010;47(2):178-83.
  • 16. Varadhan KK, Neal KR, Dejong CH, Fearon KC, Ljungqvist O, Lobo DN. The enhanced recovery after surgery (ERAS) pathway for patients undergoing major elective open colorectal surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Clin Nutr. 2010;29(4):434-40.
  • 17. Zheng YM, Li F, Zhang MM, Wu XT. Glutamine dipeptide for parenteral nutrition in abdominal surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. World J Gastroenterol. 2006;12(46):7537-41.
  • 18. Zheng Y, Li F, Qi B, Luo B, Sun H, Liu S, et al. Application of perioperative immunonutrition for gastrointestinal surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Asia Pac J Clin Nutr. 2007;16 Suppl 1:253-7.
  • 19. Grau T, Bonet A, Miñambres E, Piñeiro L, Irles JA, Robles A, et al. The effect of L-alanyl-L-glutamine dipeptide supplemented total parenteral nutrition on infectious morbidity and insulin sensitivity in critically ill patients. Crit Care Med. 2011;39(6):1263-8.
  • 20. Déchelotte P, Hasselmann M, Cynober L, Allaouchiche B, Coëffier M, Hecketsweiler B, et al. L-alanyl-L-glutamine dipeptide-supplemented total parenteral nutrition reduces infectious complications and glucose intolerance in critically ill patients: the French controlled, randomized, double-blind, multicenter study. Crit Care Med. 2006;34(3):598-604.
  • 21. Li C, Buettger C, Kwagh J, Matter A, Daikhin Y, Nissim IB, et al. A signaling role of glutamine in insulin secretion. J Biol Chem. 2004;279(14):1393-401.
  • 22. Katz A, Nambi SS, Mather K, Baron AD, Follmann DA, Sullivan G, et al. Quantitative Insulin sensitivity check index: a simple, accurate method for assessing insulin sensitivity in humans. J Clin Endocrinol Metab. 2000;85(7):2402-10.
  • 23. de Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimento DB, Varea EM, Yonamine F, Silva MR, Adler T. Ingestão de bebida com carboidrato duas horas antes da operação confere menor resistência periférica à insulina em pacientes colecistectomizados. Rev Bras Med. 2006;63:112.
  • 24. Perrone F, da-Silva-Filho AC, Adôrno IF, Anabuki NT, Leal FS, Colombo T, et al. Effects of preoperative feeding with a whey protein plus carbohydrate drink on the acute phase response and insulin resistance. A randomized trial. Nutr J. 2011;10:66.
  • 25. Machin D, Campbell M, Fayers P, Pinol A. Sample size tables for clinical studies. 2th ed. Oxford, UK: Blackwell Science; 1997.
  • 26. Lobo DN, Hendry PO, Rodrigues G, Marciani L, Totman JJ, Wright JW, et al. Gastric emptying of three liquid oral preoperative metabolic preconditioning regimens measured by magnetic resonance imaging in healthy adult volunteers: a randomised double-blind, crossover study. Clin Nutr. 2009;28(6):636-41.
  • 27. Borges Dock-Nascimento D, Aguilar-Nascimento JE, Caporossi C, Sepulveda Magalhães Faria M, Bragagnolo R, Caporossi FS, et al. Safety of oral glutamine in the abbreviation of preoperative fasting: a double-blind, controlled, randomized clinical trial. Nutr Hosp. 2011;26(1):86-90.
  • 28. Collins PJ, Horowitz M, Cook DJ, Harding PE, Shearman DJ. Gastric emptying in normal subjectsa reproducible technique using a single scintillation camera and computer system. Gut. 1983;24(12):1117-25.
  • 29. Ljungqvist O, Søreide E. Preoperative fasting. Br J Surg. 2003;90(4):400-6.
  • 30. Ljungqvist O. Modulating postoperative insulin resistance by preoperative carbohydrate loading. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2009;23(4):401-9.
  • 31. Dock-Nascimento DB, de Aguilar-Nascimento JE, Magalhaes Faria MS, Caporossi C, Slhessarenko N, Waitzberg DL. Evaluation of the effects of a preoperative 2-hour fast with maltodextrine and glutamine on insulin resistance, acute-phase response, nitrogen balance, and serum glutathione after laparoscopic cholecystectomy: a controlled randomized trial. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2012;36(1):43-52.
  • 32. Awad S, Fearon KC, Macdonald IA, Lobo DN. A randomized cross-over study of the metabolic and hormonal responses following two preoperative conditioning drinks. Nutrition. 2011;27(9):938-42.
  • 33. Coëffier M, Claeyssens S, Lecleire S, Leblond J, Coquard A, Bôle-Feysot C, et al. Combined enteral infusion of glutamine, carbohydrates, and antioxidants modulates gut protein metabolism in humans. Am J Clin Nutr. 2008;88(5):1284-90.
  • 34. Thorell A, Efendic S, Gutniak M, Häggmark T, Ljungqvist O. Insulin resistance after abdominal surgery. Br J Surg. 1994;81(1):59-63.
  • 35. Perseghin G, Caumo A, Sereni LP, Battezzati A, Luzi L. Fasting blood sample-based assessment of insulin sensitivity in kidney-pancreas-transplanted patients. Diabetes Care. 2002;25(12):2207-11.
  • Endereço para correspondência:
    Diana Borges Dock-Nascimento
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Maio 2012
    • Aceito
      18 Jul 2012
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br