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Análise da diversidade da microbiota intestinal de ratos submetidos à ressecção da valva ileocecal e criação de esfíncter artificial

Resumos

OBJETIVO: analisar através de biologia molecular a diversidade da microbiota da junção ileocecal antes e após a ressecção da válvula ileocecal e reconstrução do trânsito com e sem a criação de "neoesfíncter". MÉTODOS: Os animais foram distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único, e Grupo B (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único e confecção do esfíncter artificial. Reoperados com 20 dias coletou-se novamente conteúdo intraluminar do íleo e do cólon. Das amostras coletadas, extraiu-se DNA para reação de PCR-DGGE. Os padrões de bandas eletroforéticas , gerados na reação, foram submetidos ao programa Bionumerics para análise da similaridade e da diversidade da microbiota. RESULTADOS: a diversidade da microbiota foi maior e em mais amostras do íleo do que as do cólon. O grupo com a válvula apresentou os maiores valores e variações no cólon de 2,11 a 2,93. Em três animais de cada grupo estabeleceu-se comparação da similaridade e não se assemelharam ao controle. CONCLUSÃO: a ressecção da válvula ileocecal levou à mudanças da microbiota ileal e, com a criação de novo esfíncter, as variações foram maiores.

Intestinos; Canal anal; Valva ileocecal; Reação em cadeia da polimerase; Biologia molecular


OBJECTIVE: To analyze, through molecular biology, the diversity of the intestinal microbiota before and after resection of the ileocecal junction and reconstruction of intestinal transit with and without the creation of a neosphincter. METHODS: Fourteen Wistar rats were divided into two groups: Group A (n = 7), submitted to resection of the ileocecal valve and end-to-end, single-layer ileocolic anastomosis; and Group B (n = 7) with resection of the ileocecal valve and end-to-end, single-layer ileocolic anastomosis followed by construction of an artificial sphincter. Intraluminal contents were collected from both groups. The animals were reoperated 20 days after the first procedure, with new collection of intraluminal contents of the ileum and colon. From the samples collected, DNA was extracted for PCR-DGGE. The electrophoretic banding patterns generated in the reaction were analyzed for similarities and diversities of the microbiota. RESULTS: The diversity of microorganisms was larger and in more samples when collected from the ileum than from the colon. The group with the neosphincter showed the highest variation in the colon, from 2.11 to 2.93. In three animals from each group was established comparing the similarity and not resembled the control. CONCLUSION: ileocecal resection led to changes in ileal microbiota and, with the creation of new sphincter, the changes were even greater.

Intestines; Anal canal; Ileocecal valve; Polymerase chain reaction; Molecular biology


ARTIGO ORIGINAL

Análise da diversidade da microbiota intestinal de ratos submetidos à ressecção da valva ileocecal e criação de esfíncter artificial

Ângela Aparecida Barra, TCBC-MGI; Alcino Lázaro da Silva, ECBC-MGII; Cícero de Lima Rena, ECBC-MGIII; Maria Cristina Vasconcelos FurtadoIV; Alessandra Barbosa FerreiraV; Marcelo NagenVI; Fernanda de Souza FreitasVII

IProfessora Adjunta do Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa.- MG-BR

IIProfessor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais-MG-BR

IIIProfessor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora

IVProfessora Adjunto da Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora

VDoutora em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa

VIMestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa

VIIGraduada em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ângela Aparecida Barra E-mail: barra.angela@oi.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar através de biologia molecular a diversidade da microbiota da junção ileocecal antes e após a ressecção da válvula ileocecal e reconstrução do trânsito com e sem a criação de "neoesfíncter".

MÉTODOS: Os animais foram distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único, e Grupo B (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único e confecção do esfíncter artificial. Reoperados com 20 dias coletou-se novamente conteúdo intraluminar do íleo e do cólon. Das amostras coletadas, extraiu-se DNA para reação de PCR-DGGE. Os padrões de bandas eletroforéticas , gerados na reação, foram submetidos ao programa Bionumerics para análise da similaridade e da diversidade da microbiota.

RESULTADOS: a diversidade da microbiota foi maior e em mais amostras do íleo do que as do cólon. O grupo com a válvula apresentou os maiores valores e variações no cólon de 2,11 a 2,93. Em três animais de cada grupo estabeleceu-se comparação da similaridade e não se assemelharam ao controle.

CONCLUSÃO: a ressecção da válvula ileocecal levou à mudanças da microbiota ileal e, com a criação de novo esfíncter, as variações foram maiores.

Descritores: Intestinos. Canal anal. Valva ileocecal. Reação em cadeia da polimerase. Biologia molecular.

INTRODUÇÃO

A junção ileocecal é uma estrutura muscular com função de esfíncter1. Regula o fluxo ileal para o ceco, contribuindo para o processo absortivo. Dificulta o refluxo cecoileal reduzindo a colonização do íleo por bactérias do cólon2,3.

A perda anatômica e/ou funcional da região ileocecal cursa com quadro de disbiose. Trata-se do supercrescimento bacteriano de espécies fora dos seus respectivos sítios habituais. A manifestação clínica da disbiose corresponde à síndrome disabsortiva4,5.

O sistema digestório é colonizado por mais de 30.000 espécies de bactérias, sendo mais de 60% não cultiváveis fora do ambiente intestinal por técnicas convencionais. Com o emprego de novas técnicas de biologia molecular, como extração de DNA e reação em cadeia de polimerase (RCP), tem-se demonstrado sucesso na identificação de microrganismos, principalmente, os não cultiváveis ou que não sobrevivem às técnicas de transporte e estocagem para o cultivo6-8.

A criação de válvulas ou esfíncteres artificiais no intestino busca reduzir a velocidade do trânsito e impedir o refluxo do conteúdo colônico para o intestino delgado. Várias técnicas foram descritas, tais como, constrição externa, por meio de anel ou sutura, intussuscepção segmentar do intestino, tunelização submucosa, miectomias, seromiectomias ou por seromiotomias. Essas técnicas são empregadas para reduzir as manifestações clínicas de situações como a síndrome do intestino curto3,9-15. A partir da modificação da técnica de Lázaro da Silva16,17, Rena et al. criaram válvula artificial em 20 pacientes, com bons resultados. Usaram duas seromiotomias circunferenciais, com anel seromuscular intermediário sepultado constituindo um piloro com inervação intrínseca preservada18.

A proposta desse trabalho experimental foi analisar através de biologia molecular a diversidade da microbiota da junção ileocecal antes e após a ressecção da válvula ileocecal e reconstrução do trânsito com e sem a criação de "neoesfíncter".

MÉTODOS

Foram utilizados 14 ratos Wistar (Rattus norvegicus albinusmachos com seis meses de vida, da colônia do biotério do Centro de Biologia da Reprodução (CBR), da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG. Este centro é cadastrado no Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética na Experimentação Animal da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil sob o nº 02/2010.

Os animais foram distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único, e Grupo B (n=7) com ressecção da válvula ileocecal e anastomose ileocólica término-terminal em plano único e confecção do esfíncter artificial pela técnica de Rena et al.18.

Os animais ficavam alojados em gaiolas de polipropileno, com maravalhas selecionadas, mamadeira para água e cocho para ração. As gaiolas estavam em armários climatizados, com controle de temperatura, luminosidade, umidade e troca de ar programado. No pré-operatório os animais permaneceram em jejum para sólidos de seis horas, porém era oferecida água com açúcar (5g/100ml) ad libitum. Após pesados, os animais eram anestesiados. A técnica anestésica, idêntica entre os grupos, constituiu-se de injeção intraperitoneal de 10mg/kg de xilazina, associadas à 90mg/kg de ketamina. Durante o período pós-operatório, os animais eram mantidos em gaiolas e ambiente apropriados e recebiam apenas água no primeiro dia de pós-operatório. Nos dois dias seguintes, recebiam ração triturada e umedecida em água. No quarto dia a alimentação pastosa era substituída por ração peletizada19.

Na primeira intervenção cirúrgica, certificado o plano anestésico, realizava-se antissepsia da área do abdome com álcool a 70oGL. Sob rigorosa técnica asséptica, executava-se uma incisão longitudinal mediana, de 3cm, na linha média do abdome abrangendo pele e tela subcutânea. Os músculos eram separados no plano mediano e a cavidade peritoneal era alcançada; o segmento ileocólico identificado era exteriorizado da cavidade peritoneal. O pedículo vascular ileocecocólico era ligado com fio inabsorvível (Nylon 4.0), junto à face mesentérica. A seguir, era seccionado o íleo terminal, a 2cm da junção ileocecal, para coleta do conteúdo entérico em tubo esterilizado. A quantidade coletada dependia do conteúdo que ali se encontrava. Ressecava-se o segmento do íleo demarcado pela isquemia, o ceco e 2cm do colo ascendente. Da extremidade do colo, também, era coletado conteúdo intraluminar em volume aproximado com o do íleo, reservado em outro tubo estéril (Figura 1 A). Os tubos eram identificados com o número do animal e o segmento de origem do material e armazenado em refrigeração a -4ºC.


No grupo A realizou-se a anastomose ileocólica término-terminal e fechamento da cavidade (Figura 1 B).

No grupo B, após a anastomose término-terminal, confeccionou-se o esfíncter artificial conforme a técnica de Rena et al.18, 5cm a montante da anastomose, sendo que, entre as seromiotomias distal e proximal, o anel seromuscular possuía 2mm de extensão (Figura 2 A, B, C e D).


Os animais foram acompanhados por um período de 20 dias e submetidos à segunda intervenção cirúrgica. Sob a mesma técnica e dose anestésica foram posicionados para a abertura da cavidade peritoneal e liberação de aderências a região que envolvia a anastomose ileocólica ficou exposta para enterotomia e coleta de amostras de conteúdo intraluminal do segmento do cólon e segmento ileal pré-anastomose nos grupos A e B. Também foi coletada amostra no segmento intermediário entre a anastomose e a válvula do grupo B, sob as mesmas condições de rigorosa técnica asséptica (Figura 3 A e B).


As amostras de conteúdo intraluminal coletadas com espátula e tubo estéreis individuais foram identificadas por número do animal e segmento a que pertenciam e conservadas em refrigeração a -4ºC. Posteriormente, foram transferidas para o Laboratório de Microbiologia Industrial do Departamento de Microbiologia no Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária da Universidade Federal de Viçosa, para análise molecular da microbiota pelo método PCR-DGGE.

A amostra controle foi determinada a partir da retirada e transferência do volume de 0,02g do conteúdo dos segmentos do íleo e dos segmentos do cólon, dos sete animais de cada grupo, na primeira intervenção, adicionados em outro tubo, totalizando quatro amostras. Do conteúdo entérico de cada frasco da segunda intervenção, foi separada uma amostra de 0,150g correspondente a cada segmento, gerando 35 amostras. Dessa forma, foram obtidas 39 amostras para extração do DNA, distribuídas conforme os grupos, os animais e o segmento da coleta do conteúdo intraluminar.

O DNA bacteriano total foi extraído a partir das 39 amostras, utilizando o QIAamp DNA Stool Mini kit. As amostras de DNA extraídas foram analisadas em gel de agarose 0,8% em tampão TAE 1X [Tris-HCl 40mM, ácido acético 20mM e EDTA 1mM (pH 8,3)]. Após a eletroforese, o gel foi mantido sob agitação em solução de brometo de etídio (0,25ìgmL-1)20. A quantificação realizada em Nanodrop 2000. O DNA extraído foi submetido à visibilização em sistema de digitalização de imagem.

Do DNA extraído das amostras, fragmentos do gene codificador dos rRNAs16S de eubacterias foram amplificados pela reação em cadeia de polimerase utilizando os primers específicos 1392R e 27F e condições da reação21 (Tabela 1). Os amplicons resultantes da amplificação por RCP foram analisados em gel de agarose 1,2% tampão TAE (Trisacetato 40mM e EDTA 1mM). Após a eletroforese, o gel foi mantido sob agitação em solução de brometo de etídio (0,25ìgmL-1)20. Marcador de tamanho 100pb DNA Ladder foi utilizado para estimativa dos tamanhos dos diferentes amplicons21.

Utilizando um termociclador e os primers Nested contendo o grampo GC (1378R e 984)22 (Tabela 2), a PCR-DGGE foi realizada em tubos de 200ìL para um volume final de 25ìl. A mistura de reação foi preparada com 5ìl de tampão GoTaq® Reaction Buffer (Promega, Madison, USA), 1,5 mM de cloreto de magnésio (MgCl2) (Promega, Madison, USA), 200ìM de desoxirribonucleotídeo-trifosfatados, 0,2ìM de cada oligonucleotídeo iniciador, 5ìg de albumina sérica bovina (ASB), 2% (v/v de formamida desionizada, 1,5U de Taq DNA polimerase, 20ng de DNA total e água desionizada esterilizada para completar o volume final. Para a separação dos diferentes amplicon sem DGGE foram aplicados 18ìL dos produtos da PCR, em gel de poliacrilamida vertical em tampão TAE, sendo o gradiente de ureia/formamida de 40% a 60%. Para a separação dos amplicons obtidos na primeira reação da PCR foi utilizado gel de poliacrilamida a 6% (p/v o que significa?), e para os amplicons da segunda reação, gel de poliacrilamida a 8% (p/v). A eletroforese foi conduzida em temperatura de 60oC e voltagem constante de 60V durante 16 horas, e o gel corado com SYBR® Gold. As eletroforeses foram feitas em um equipamento "DCode™ Universal Mutation Detection System" (Bio-Rad Califórnia USA).

A comparação estatística dos perfis de bandas dos géis das 39 amostras obtidos após a DGGE foi realizada utilizando o programa Bionumerics. A variável "bactérias totais" foi estimada com base em uma matriz binária, na qual a presença da banda correspondente a cada unidade taxonômica operacional (UTO) foi codificada como "1" e ausência como "0" A estrutura da comunidade microbiana foi avaliada com base no coeficiente "Dice" de similaridade e no método de UPGMA (Unweighted Pair Group Method with Arithmetic) para análise dos agrupamentos. Os dados obtidos com o auxílio do programa Bionumerics, foram utilizados para calcular a riqueza, o índice de diversidade Shannon-Weaver (H), e a equitabilidade (E). A riqueza representa o número de bandas no gel do PCR-DGGE, que se refere às unidades taxonômicas operacionais (operational taxonomicunits UTO). O índice de diversidade (H) é calculado como: H=2,3/N(NlogN-) sendo N= soma da massa de todas as bandas de DNA; ni= massa de banda de DNA. A equitabilidade (E) é expressa como E=H/logR, em que H é o índice de diversidade e R representa o número de bandas. A diversidade "Shannon-Weaver" é o índice de diversidade geral que aumenta com o número de espécies e é maior quando a massa de indivíduos é distribuída mais uniformemente entre as espécies. A equitabilidade indica se existem bandas dominantes.

RESULTADOS

Na análise multivariada da estrutura da comunidade bacteriana disposta no dendograma de similaridade de "Dice", em apenas três animais da cada grupo houve agrupamento de bandas dos segmentos na eletroforese em comparação com as das amostras controle. No grupo A as amostras dos animais "3", "4" e "5" se agruparam, assim como, as amostras dos segmentos ileal e colônico do controle. A similaridade analisada pelo dendrograma de coeficiente de Dice, considerando as amostras de segmento ileal e colônico foi 65%, 75% e 80% nos animais "5", "3" e "4", respectivamente. Nas amostras do grupo controle a similaridade entre os segmentos foi 45% e ficaram externas aos agrupamentos dos três animais do grupo A (Figura 4).


No grupo B o agrupamento pelo perfil de bandas das amostras dos segmentos ileal, intermediário e colônico dos animais "5", "7" e "9" permitiu análise comparativa com as amostras-controle. A similaridade foi 80% entre os segmentos colônicos e intermediário e 62% no segmento ileo do animal "5". No animal "7" foi 70% para o segmento ileal e intermediário e 66% para o cólon. No animal "9" foi 56% entre os segmentos colônico e ileal e 54% para o intermediário. Em relação ao controle a similaridade dos segmentos foi 55% e este também ficou a parte dos outros animais (Figura 5).


A partir da eletroforese das amostras foram calculados valores para a diversidade, equitabilidade e riqueza. Entre amostras do mesmo animal para a variável diversidade, foram encontrados valores maiores em sete amostras ileais, em cinco amostras o segmento colônico apresentou valores maiores e em três as comparações foram muito próximas. No entanto, o maior valor encontrado da diversidade correspondeu ao segmento colônico do animal "6" do grupo A. O menor valor encontrado correspondeu ao segmento colônico do animal "9" do grupo B. Para o atributo equitabilidade valores maiores foram encontrados em oito amostras do cólon, valores próximos em seis amostras-controle e em duas do íleo os valores foram maiores. O valor mais elevado, da equitabilidade, 2,94, foi encontrado na amostra colônica do animal 4A e o menor, 2,23 na amostra ileal do animal 7B. A riqueza variou de 6UTOs à 18UTOs e os valores de extremidade foram de amostras do cólon de animais pertencentes ao grupo B. No grupo A, a amostra-controle do íleo apresentou maior diversidade em relação no segmento do cólon. A média da diversidade das amostras pós-intervenção foi menor do que a do controle para o segmento ileal, e maior para o segmento do cólon. No grupo B, a média da diversidade foi maior no pós-operatório de ambos os segmentos (Tabelas 3 e 4).

DISCUSSÃO

A criação de mecanismos esfincterianos no intestino delgado é relacionada com o controle da velocidade de trânsito intestinal, principalmente nas ressecções extensas do intestino. Estudos em ratos, cães e humanos mostraram que as válvulas artificiais tornam o trânsito intestinal mais lento e promovem ganho ponderal após ressecções intestinais18,23-26. Aliado a esses resultados, algumas técnicas descritas, mostram a redução da colonização dos segmentos proximais do intestino delgado, identificando o crescimento bacteriano por meio de cultura de fezes ou coleções intraluminares. O método possui a limitação de não abranger o universo da microbiota intestinal, pois as espécies cultiváveis representam 20% a 40% das existentes no intestino3,10,11,15,16.

O emprego de método de biologia molecular com maior especificidade e sensibilidade têm revelado mais informações sobre esse ecossistema21. No experimento desenvolvido após a confirmação da extração do DNA, a ampliação dos fragmentos genéticos foi realizada a reação PCR-DGGE para estabelecer a diversidade da microbiota nas diversas amostras. O método de PCR-DGGE é técnica utilizada nos estudos de ecologia microbiana com resultados representativos na identificação da riqueza e abundância de diferentes filótipos das amostras e possibilita estimativas reais da diversidade microbiana27,28.

A disposição comparativa da similaridade das amostras com a amostra-controle, em três dos sete animais, revela que a intervenção, tanto no grupo onde foi retirada a válvula ileocecal quanto no que, além de ressecção, foi criado um "esfíncter artificial", a diferença foi 45%, indicando que a intervenção pode colaborar para a modificação da diversidade de bactérias totais. A diversidade elevada na maioria das amostras ileais nos vários animais, independente do grupo, nos remete a pensar que os métodos até o momento utilizados para essa análise subestimaram esse dado ou, mesmo o cólon tendo uma maior concentração de micro-organismos, a diversidade de gêneros e espécies identificadas pode ser menor. A diferença significativa da diversidade encontrada para a amostra do segmento ileal do grupo B quando comparada com a do pré-operatório necessita de ampliação da pesquisa para definição se essa ocorrência foi em função da ascensão de bactérias do cólon para o íleo. Outra questão a ser pesquisada está relacionada à diminuição da velocidade do trânsito intestinal com a criação do "novo esfíncter" contribuindo para modificar o perfil da microbiota.

Permanece ainda o desafio de abordagem da junção ileocecal para investigação da microbiota. Não só a perda anatômica, mas disfunções da junção ileocecal também podem cursar com alterações da distribuição da microbiota. Machado et al., em estudo retrospectivo de enema opaco, identificaram prevalência de 25% de refluxo do cólon para o íleo, independente de idade e sexo29. Quais são as consequências dessas alterações? Elaborar estratégias e alternativas para investigar a microbiota intestinal é de extrema importância, dado que, hoje, ela é considerada um órgão funcionalmente ativo, com capacidade de promover a saúde28,30. Pesquisas com a utilização de pré e pró-bióticos e têm apresentado resultados satisfatórios para situações como doença inflamatória intestinal, obesidade e câncer de cólon4. No entanto, é necessário reconhecer que a microbiota intestinal apresenta comportamento peculiar, que se descreve como forma de biometria, e que, mesmo as intervenções clínicas, nutricionais e cirúrgicas devem ser investigadas profundamente para oferecer maior subsídio para pesquisas futuras7. Nesta linha de pensamento esse trabalho pretende elucidar os achados da diversidade por meio de sequenciamento para identificação de possíveis gêneros e espécies bacterianas do DNA extraído além de sua quantificação.

Em conclusão, a diversidade da microbiota ileal encontrada foi maior do que a do cólon. A criação do esfíncter artificial potencializou essa diversidade.

Recebido em 23/04/2012

Aceito para publicação em 20/07/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Cirurgia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Realizado com a contribuição do Centro de Biologia e Reprodução do Biotério da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Departamento de Microbiologia Industrial BIOAGRO da Universidade Federal de Viçosa.

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  • Endereço para correspondência:
    Ângela Aparecida Barra
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      23 Abr 2012
    • Aceito
      20 Jul 2012
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