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Qualidade de vida de doentes esofagectomizados: adenocarcinoma versus carcinoma epidermoide

Resumos

OBJETIVO: Avaliar e comparar a qualidade de vida de pacientes esofagectomizados para tratamento de adenocarcinoma da junção esofagogástrica e de carcinoma epidermoide. MÉTODOS: estudo transversal no pós-operatório de doentes esofagectomizados por adenocarcinoma da junção esofagogástrica (Adenoca) e carcinoma epidermóide (CEC), empregando o questionário SF-36 aplicado em 24 pacientes (10 por Adenoca e 14 por CEC), a partir do 5º mês de pós-operatório, incluindo os sintomas clínicos e a variação de peso. RESULTADOS: A avaliação da QV mostrou melhor resultado de capacidade funcional (p=0,018) para o grupo Adenoca. Houve correlação entre os domínios "saúde mental" e "limitação por aspectos emocionais" (p=0,003) e entre "dor" e "limitação por aspectos físicos" (p=0,003) nos dois tipos histológicos. A perda de peso foi maior nos esofagectomizados por Adenoca (45,9Kg), sem diferença significativa entre o IMC atual (p>0,66). A disfagia foi relatada por 83,3% dos pacientes, a anorexia por 58,3%, a dificuldade de mastigação por 42%, a náuseas e os vômitos por 41,7% e a diarréia por 29,2%, sem correlação com a QV relatada (p>0,05). CONCLUSÃO: O escore mais alto para capacidade funcional indica que o paciente com Adenoca foi capaz de realizar todo tipo de atividade física, incluindo as mais vigorosas em um nível maior que o paciente com CEC. Alguns sintomas persistiram no pós-operatório, porém não interferiram na qualidade de vida dos pacientes.

Adenocarcinoma; Carcinoma de células escamosas; Qualidade de vida; Esofagectomia; Transtornos de deglutição


OBJECTIVE: To evaluate and compare the quality of life (QOL) of patients undergoing esophagectomy for treatment of adenocarcinoma of the esophagogastric junction and squamous cell carcinoma. METHODS: We conducted a cross-sectional study in postoperative patients submitted to esophagectomy for adenocarcinoma of the esophagogastric junction (ACA) and squamous cell carcinoma (SCC), using the SF-36 questionnaire applied in 24 patients (10 ACAs and 14 SCCs), from the 5th months postoperatively, including clinical symptoms and weight change. RESULTS: The assessment of QOL showed the best functional capacity (p = 0.018) in the ACA group. There was a correlation between the fields "mental health" and "Role of Emotions" (p = 0.003) and between "pain" and "physical aspects limitation" (p = 0.003) in both histological types. Weight loss was greater in ACA (45.9 kg), with no significant difference between current BMI (p> 0.66). Dysphagia was reported by 83.3% of patients, anorexia by58.3%, chewing difficulty by 42%, nausea and vomiting by 41.7% and diarrhea by 29.2%, with no correlation with QOL reported (p> 0.05). CONCLUSION: The highest score for functional capacity indicates that ACA patients were able to perform all types of physical activity, including the more demanding, at a higher level than patients with SCC. Some symptoms persisted postoperatively, but did not affect the quality of life of patients.

Adenocarcinoma; Squamous Cell Carcinoma; Quality of life; Esophagectomy; Swallowing disorders


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida de doentes esofagectomizados: adenocarcinoma versus carcinoma epidermoide

Maricilda Regina PereiraI; Luiz Roberto Lopes, TCBC-SPII; Nelson Adami Andreollo TCBC-SPIII

INutricionista e Pós-Graduanda do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP- SP-BR

IIProfessor Livre-Docente da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo e Gastrocentro do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP- SP-BR

IIIProfessor Titular da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo e Gastrocentro do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP- SP-BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nelson Adami Andreollo E-mail: nandreollo@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar e comparar a qualidade de vida de pacientes esofagectomizados para tratamento de adenocarcinoma da junção esofagogástrica e de carcinoma epidermoide.

MÉTODOS: estudo transversal no pós-operatório de doentes esofagectomizados por adenocarcinoma da junção esofagogástrica (Adenoca) e carcinoma epidermóide (CEC), empregando o questionário SF-36 aplicado em 24 pacientes (10 por Adenoca e 14 por CEC), a partir do 5º mês de pós-operatório, incluindo os sintomas clínicos e a variação de peso.

RESULTADOS: A avaliação da QV mostrou melhor resultado de capacidade funcional (p=0,018) para o grupo Adenoca. Houve correlação entre os domínios "saúde mental" e "limitação por aspectos emocionais" (p=0,003) e entre "dor" e "limitação por aspectos físicos" (p=0,003) nos dois tipos histológicos. A perda de peso foi maior nos esofagectomizados por Adenoca (45,9Kg), sem diferença significativa entre o IMC atual (p>0,66). A disfagia foi relatada por 83,3% dos pacientes, a anorexia por 58,3%, a dificuldade de mastigação por 42%, a náuseas e os vômitos por 41,7% e a diarréia por 29,2%, sem correlação com a QV relatada (p>0,05).

CONCLUSÃO: O escore mais alto para capacidade funcional indica que o paciente com Adenoca foi capaz de realizar todo tipo de atividade física, incluindo as mais vigorosas em um nível maior que o paciente com CEC. Alguns sintomas persistiram no pós-operatório, porém não interferiram na qualidade de vida dos pacientes.

Descritores: Adenocarcinoma. Carcinoma de células escamosas. Qualidade de vida. Esofagectomia. Transtornos de deglutição.

INTRODUÇÃO

O carcinoma epidermóide de células escamosas (CEC) foi o principal alvo da atenção dos estudos sobre o câncer esofágico1. Entretanto, aumento da incidência do adenocarcinoma da junção esofagogástrica (Adenoca) tem sido relatado nas últimas quatro décadas2.

O CEC possui etiologia fortemente relacionada ao tabagismo e ao etilismo, e o adenocarcinoma da junção esofagogástrica está associado ao esôfago de Barrett e ao refluxo gastroesofagiano3. Há evidências sugerindo que a obesidade está positivamente associada ao risco de desenvolver o Adenoca esofágico, enquanto que a desnutrição tem sido associada ao CEC4.

Existem análises comparativas da qualidade de vida de pacientes esofagectomizados segundo alguns aspectos cirúrgicos, tais como a comparação entre a ressecção limitada trans-hiatal com a extensa ressecção transtorácica5; entre a reconstrução com o tubo gástrico e com a interposição com o cólon6, a comparação entre o tratamento curativo após a esofagectomia e o tratamento paliativo7,8 ou mesmo a comparação entre os domínios da qualidade de vida com os sintomas (físicos e emocionais) e fatores relacionados à doença e à operação9. Não foram encontradas na literatura consultada as possíveis diferenças existentes entre a qualidade de vida dos doentes esofagectomizados por Adenoca da transição esofagogástrica com os esofagectomizados por CEC.

De Boer et al. compararam a qualidade de vida de esofagectomizados por adenoca após três anos de ressecção trans-hiatal ou transtorácica5. Por outro lado, Rosmolen et al., em estudo longitudinal, analisaram a qualidade de vida entre sobreviventes de longo período8 (mínimo de dois anos) após ressecção transmediastinal e reconstrução com tubo gástrico, de 100 doentes, também em doentes prioritariamente com Adenoca. De Boer et al. em outro estudo longitudinal, incluíram 67% da amostra total estudada de Adenoca e 28% de CEC9.

Nos primeiros seis meses de pós-operatório o doente experimenta, durante um período de tempo variável, sintomas indesejáveis, como a pouca aceitação alimentar, náuseas, a contínua perda de peso, a sensação de fraqueza, a diarreia, a disfagia e dor10 e uma qualidade de vida que pode ser muito prejudicada, retornando aos níveis pré-operatórios7,11. Assim, sendo possível melhor avaliar e investigar estes sintomas, certamente eles poderão ser minimizados, mediante orientações e tratamentos, melhorando a qualidade de vida do doente.

O objetivo deste trabalho foi avaliar e comparar a qualidade de vida de doentes esofagectomizados por apresentarem adenocarcinoma da junção esofagogástrica e carcinoma epidermóide de células escamosas, a partir do quinto mês de pós-operatório, empregando o questionário genérico SF-36, além de investigar a variação de peso corpóreo, a presença de disfagia, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e constipação e relacioná-los à qualidade de vida .

MÉTODOS

Foram realizadas análises transversais de 24 pacientes esofagectomizados no período de setembro de 2004 a agosto de 2008, em decorrência de câncer de esôfago ou da cárdia, a partir do quinto mês de pós-operatório. As operações foram realizadas pelo Grupo de Cirurgia de Esôfago, Estômago e Duodeno do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (UNICAMP), conforme a técnica padronizada transmediastinal, seguido de esofagogastroplastia com tubo gástrico, anastomose esofagogástrica cervical, piloromiotomia e jejunostomia para alimentação em todos os casos.

Esta pesquisa foi desenvolvida atendendo às exigências da Resolução MS/CNS no 196, de 10 de outubro de 1996, e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da FCM-UNICAMP, conforme protocolo no 505/2003 em 20/07/2004.

Como critério de inclusão, selecionaram-se os pacientes que não estavam em tratamento de quimio ou radioterapia e não apresentavam metástases no momento do estudo. Nenhum paciente apresentou dificuldade de verbalização ou de memória para responder às questões solicitadas e todos concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

Não foram incluídos os pacientes esofagectomizados por doença benigna, pós-operatório imediato ou em tempo inferior a cinco meses, acamado e os que não puderam comparecer ao ambulatório para as avaliações.

Os pacientes foram convidados, via assistente social, para comparecerem no ambulatório na data estabelecida para responderem ao questionário SF-36 e para o exame físico, registro da história clínica, dos dados sócio-econômicos e culturais e dos sintomas clínicos.

Os dados analisados foram: idade, sexo, estado civil, raça, escolaridade, tipo histológico, o tempo decorrido entre a operação e a entrevista, peso e estatura para o cálculo do índice de massa corporal (IMC) obtidos em balança plataforma, com o indivíduo descalço e trajando roupas leves. Os resultados do IMC foram avaliados segundo a Organização Mundial da Saúde12 para os indivíduos adultos e segundo Lipschitz13 para idosos.

A perda de peso foi calculada pela análise da porcentagem de adequação entre o peso habitual ou usual do paciente antes da operação e o peso atual. A presença de disfagia, dificuldade de mastigação, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e constipação foram investigados durante a entrevista com o paciente.

A qualidade de vida dos pacientes foi avaliada através do questionário "Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey" (SF-36) utilizado na prática clínica em geral, em pesquisas, avaliação de políticas de saúde e análises populacionais, para medir qualidade de vida geral. Este questionário foi desenvolvido por Ware e Sherbourne14 e traduzido e validado para o português por Ciconelli et al.15.

O SF-36 é composto por 11 questões com subítens que totalizam 36 perguntas distribuídas por oito domínios. Estes domínios são agrupados em dois grandes componentes: o físico e o mental.

O componente físico envolve os domínios capacidade funcional, aspectos físicos, dor e estado geral de saúde, enquanto que o componente mental compreende os domínios saúde mental, vitalidade, aspectos emocionais e sociais. Os resultados obtidos serão comparados com os de Aaronson et al.16

Os resultados obtidos no questionário de avaliação da qualidade de vida SF-36 mais perto de 100 indicam melhor resultado e pior quanto mais perto de zero.

Devido à característica da doença, o tamanho da amostra foi estabelecido segundo a disponibilidade de pacientes no período levantado, a ocorrência de óbitos, a perda de seguimento e ponderação sobre os aspectos práticos, tais como limitações de tempo e questões de estatística. Foram utilizadas as frequências absolutas (n) e relativas (%) para as variáveis de natureza qualitativa nominal, e a média e desvio-padrão para as variáveis de natureza quantitativa e para a descrição dos valores encontrados.

O teste t de Student foi aplicado para o estudo das médias de IMC de cada tipo histológico e para as comparações dos resultados obtidos nos domínios: "Dor", "Estado Geral de Saúde" e "Saúde Mental" e o teste Mann-Whitney para os domínios: "Capacidade Funcional", "Limitação por aspectos físicos", "Vitalidade", "Aspectos Sociais" e "Limitação por Aspectos Emocionais".

A busca por associação entre o tempo decorrido após a operação até a entrevista e os resultados obtidos na avaliação da qualidade de vida foi realizada pelo teste de correlação de Pearson. Além disso, foi analisado se o tempo decorrido da operação até a entrevista influenciou nos resultados da qualidade de vida dos pacientes entrevistados. A comparação entre o tempo médio obtido para cada tipo histológico foi realizada pelo teste de Mann-Whitney.

A associação de anorexia, disfagia, náuseas/vômitos, hábitos intestinais e o tipo histológico de câncer foram realizados pelo teste de Fisher. Foram considerados significativos os valores de "p" inferiores a 0,05.

RESULTADOS

Os 24 participantes deste estudo foram na maioria homens (91,7%), da raça branca (70,8%), casados (83,3%), média de idade de 58,8 anos, mínimo de 44 e máximo 83 anos. Cabe destacar que 37,5% são idosos, ou seja, com idade superior a 60 anos. Quanto à escolaridade, a média encontrada para esta amostra foi de 4,9 anos estudados (Tabela 1).

Os pacientes elegíveis para a pesquisa foram distribuídos em dois grupos segundo o tipo histológico: o Adenoca (n=10) e o CEC (n=14). Todos foram avaliados com um mínimo de cinco meses de pós-operatório e o máximo de oito anos, 11 meses e quatro dias. O tempo médio de pós-operatório para os participantes da pesquisa foi dois anos, quatro meses e 26 dias e, segundo o tipo histológico, nos casos de Adenoca o tempo médio foi um ano, oito meses e cinco dias e para o CEC, dois anos, dez meses e 31 dias. Entretanto, esta diferença de tempo entre os dois tipos histológicos não foi significativa (p=0.8168).

A distribuição das variáveis de qualidade de vida e tempo decorrido da operação pode ser vista na figura 1.


A tabela 2 demonstra os valores dos componentes dos escores SF-36 obtidos e relacionados ao tempo decorrido de operação.

A média de porcentagem de perda de peso (Tabela 3) foi maior entre os pacientes com Adenoca (16,84%). Entretanto, a média do IMC atual para do grupo adenoca foi 21,5 (SD-2,7) e para o grupo CEC foi 21,0 (SD-2,8), diferença não significativa entre os dois resultados (p=0,6602).

Ao comparar a qualidade de vida dos dois tipos histológicos do câncer esofágico houve diferença significativa no domínio "Capacidade Funcional", e igualdade em todos os outros domínios.

Analisando as respostas coletadas nos oito componentes do SF-36 que foram apresentadas na tabela 4, pode-se afirmar que há diferença entre os dois tipos histológicos para o domínio "Capacidade Funcional" (p=0,017) e que, para todos os outros domínios não se rejeita a igualdade, e nos domínios "Dor", "Vitalidade", "Saúde Mental" e "Limitação por Aspectos Emocionais", existe uma forte evidência de igualdade entre os tipos histológicos.

O resultado obtido no domínio "Aspectos Sociais" mostra uma média um pouco diferenciada entre os dois tipos histológicos, porém não foi considerado significativo (p=0,2570), o mesmo ocorreu para "Estado Geral de Saúde" (p=0,3591), "Limitação por Aspectos físicos" (p=0,3614) e "Limitação por Aspectos Emocionais" (p=0,7317).

Os domínios "Limitações por Aspectos Emocionais" e "Limitação por Aspectos Físicos" têm o maior desvio padrão entre todas as categorias, sendo que a média do componente "Limitação por Aspectos Emocionais" foi 20 pontos maior que a média da variável "Limitação por Aspectos Físicos".

A análise da correlação entre a variável "Saúde Mental" e "Limitação por Aspectos Emocionais" tem como resultado p=0,587, com um p-valor de 0,003, e uma forte evidência de que há uma relação entre as duas variáveis. Resultados semelhantes foram obtidos nas variáveis "Limitação por Aspectos Físicos" e "Dor" ;(p=0, 586 e o p-valor de 0,003). E, analisando a correlação destas variáveis entre os pacientes com Adenoca e CEC separadamente, a correlação foi ainda maior.

Os resultados obtidos com os 24 doentes estudados após a aplicação do SF-36 estão inseridos na tabela 4. A análise estatística empregando o teste exato de Fischer mostrou que há diferenças estatísticas significantes no domínio dor (p=0,032) para o grupo Adenoca e, na capacidade funcional (p=0,003), limitação por aspectos físicos (p=0,027) e nos aspectos sociais (p=0,0468) para o grupo CEC.

A análise dos dados clínicos mostra que não houve associação entre a disfagia, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e constipação e o tipo histológico (Tabela 5). A disfagia foi referida por 83,3% dos pacientes e continua sendo um sintoma importante no pós-operatório, seguida da anorexia (58,3%), náuseas e vômitos (41,7%) e diarreia (29,2%).

Outros sintomas não relacionados ao pós-operatório de esofagectomia foram investigados e apresentaram porcentagens próximas a 42% para a dificuldade de mastigação e de 25% para a constipação.

DISCUSSÃO

O foco deste estudo foi comparar a qualidade de vida de pacientes esofagectomizados por dois tipos histológicos de câncer esofágico: o Adenoca esofágico ou de cárdia e o CEC. A crescente frequência do Adenoca justifica esta preocupação17-20. Outra questão a considerar é o mais pronunciado aumento da sobrevivência dos pacientes com Adenoca esofágico comparado com os pacientes com CEC, em estudo realizado na Suécia, na década de noventa21.

O questionário SF-36 tem sido mundialmente utilizado e validado para avaliar doentes com doenças benignas e malignas, tanto no pré como no pós-operatório14,15,22. E foi muito útil nesta população estudada, pois 79% dos doentes entrevistados apresentavam algum grau de analfabetismo funcional. O emprego de uma escala visual que pudesse ser utilizada nestas situações para corroborar com os resultados apresentados, iria contribuir para obtenção das informações com mais facilidade. Além disso, por tratar-se de estudo transversal, durante a realização da pesquisa ocorreram óbitos inevitáveis, sendo esta dificuldade também relatada por outros autores8.

O ponto forte deste estudo foi a comparação dos resultados obtidos com os dados apresentados por Aaronson et al.16 para uma população saudável da Holanda, demonstrando diferenças significativas no domínio dor (p=0,032) para o grupo Adenoca e, na capacidade funcional (p=0,003), limitação por aspectos físicos (p=0,027) e nos aspectos sociais (p=0,0468) para o grupo CEC.

A qualidade de vida dos pacientes com Adenoca apresentou resultados semelhantes com o da população saudável, segundo os estudos De Boer et al.9, sendo exceção o domínio dor que difere da população saudável. Zieren et al.23, demonstraram que a qualidade de vida de doentes com CEC submetidos à esofagectomia mostrou ser prejudicada por limitações físicas.

Nesta pesquisa, as pontuações mais baixas foram encontradas nos domínios "Limitação por Aspectos Físicos" e "Limitação por Aspectos Emocionais". As pontuações mais baixas nestes domínios significam que o paciente apresenta problemas com o trabalho ou outra atividade diária em função da sua saúde física e emocional. Estas considerações foram confirmadas pela correlação encontrada entre os domínios "Saúde Mental" e "Limitação por Aspectos Emocionais" e "Limitação por Aspectos Físicos" e "Dor" para todos os pacientes, de modo geral e também segundo o tipo histológico. E o melhor resultado para o tipo histológico Adenoca no dominio "Capacidade Funcional" sugere que este paciente esteja mais apto do que o outro a realizar todo tipo de atividade física incluindo as mais vigorosas. Por outro lado, considerando que média do componente "Limitação por Aspectos Emocionais" foi 20 pontos maior do que a média da variável "Limitação por Aspectos Físicos", pode-se concluir que, após a esofagectomia, a condição física do paciente é uma dificuldade maior que a condição psicológica.

A análise da qualidade de vida dos pacientes neste estudo, em diferentes pontos transversais (de cinco meses a mais de oito anos de pós-operatório) não mostrou ter sido influenciada pelo tempo, ou seja não houve uma relação de dependência entre eles. Estes resultados estão em concordância com o estudo prospectivo de Djärv et al., incluindo pacientes esofagectomizados entre seis meses e três anos, sem diferença na qualidade de vida relacionada à saúde após a operação24.

A análise da dispersão (Figura 1) entre as variáveis qualidade de vida e o tempo decorrido de pós-operatório até o momento da entrevista, também não mostrou diferença estatística (p>0,05), portanto, não influiu nos resultados finais da pesquisa. Entretanto, entendemos que este resultado deve ser interpretado com cautela por se tratar de uma amostra pequena, e a qualidade de vida é uma medida subjetiva e multidimensional e os resultados necessitam ser validados em uma amostra maior.

Não foi encontrada associação entre a qualidade de vida e disfagia, dificuldade de mastigação, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e constipação, embora estes dados tenham sido relatados nos dois tipos histológicos. A dificuldade de mastigação apresentada por 42% dos pacientes pode ser devido à ocorrência de 37% de idosos da amostra, em que a adequação de próteses dentárias e o cuidado com a saúde bucal poderia minimizar os problemas relatados.

Apesar de a esofagectomia por câncer de esôfago apresentar elevada morbidade operatória, é considerada como o tratamento padrão para pacientes com tumores ressecáveis e sem contra indicação clínica3,25. O conhecimento da qualidade de vida do paciente e dos pontos em que ela pode ser melhorada, certamente ajudará o paciente e a equipe de saúde a decidirem pelo melhor tratamento e de que forma enfrentarão a sua nova fase de vida.

É importante e indispensável que os doentes esofagectomizados recebam, no pós-operatório, orientações alimentares e comportamentais como parte do seu tratamento global. Neste sentido, a participação de equipe multiprofissional formada por nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos podem auxiliar o paciente na sua recuperação. O papel da família perante este enfrentamento contribuiu muito conforme as observações de Steinglass et al.26 na sua pesquisa da qualidade de vida em oncologia, destacando a necessidade de desenvolvimento de instrumentos para avaliação familiar.

Concluindo, este estudo mostrou melhor capacidade funcional para o grupo Adenoca em comparação com o grupo CEC e igualdade entre eles nos outros domínios da avaliação da qualidade de vida. A comparação destes grupos com uma população saudável mostra igualdade de vida desta população e o grupo Adenoca, com exceção de dor e piores resultados para a capacidade funcional, quando o grupo saudável é comparado com o CEC. Os pacientes dos dois grupos sofrem com disfagia, anorexia, dificuldade de mastigação, náuseas, vômitos, diarreia e constipação, que não se relacionaram com a qualidade de vida.

Recebido em 25/05/2012

Aceito para publicação em 30/07/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado na Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo e Gastrocentro do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas - SP-BR.

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  • Endereço para correspondência:
    Nelson Adami Andreollo
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2012
    • Aceito
      30 Jul 2012
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