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Diverticulopexia no tratamento do divertículo de Zenker

Diverticulopexy for the treatment of Zenker's diverticulum

Resumos

O divertículo de Zenker é um pseudodivertículo que se origina de um defeito muscular na parede posterior da faringe, na área de transição entre o músculo constritor inferior da faringe e o músculo cricofaringeo. Apesar do avanço das técnicas endoscópicas, o tratamento cirúrgico persiste como o tratamento padrão. Duas técnicas são possíveis: diverticulectomia (ressecção do divertículo) e a diverticulopexia. As vantagens da diverticulopexia estão ligadas à ausência de anastomose esofágica e suas possíveis complicações: fistulas cervicais, mediastinite, estenose esofágica e infecção de ferida. Em ambas as técnicas a secção das fibras musculares do músculo cricofaringeo (ou, esfíncter superior do esôfago) é fundamental. O objetivo do presente artigo é descrever em detalhes a técnica de diverticulopexia junto ao ligamento pré-vertebral associada à miotomia do músculo cricofaríngeo.

Divertículo; Divertículo esofágico; Divertículo de Zenker; Terapêutica; Procedimentos cirúrgicos operatórios


Zenker´s diverticulum is a pseudodiverticulum through a muscular defect in the posterior pharyngeal wall at the area between the inferior pharyngeal constrictor muscles of the pharynx and the cricopharyngeus muscle. Although endoscopic techniques have made significant progress, the surgical treatment remains the gold standard. There are two main techniques: diverticulectomy (resection of the diverticulum) and diverticulopexy. The main advantages of diverticulopexy are mostly linked to the absence of an esophageal anatomosis and its possible complications: cervical fistulae, mediastinitis, esophageal stenosis and wound infection, which allows a rapid recover with satisfactory oral intake. The purpose of this article is to describe in details the technique for diverticulopexy to the prevertebral ligament in association with a miotomy of the cricopharyngeus muscle.

Diverticulum; Diverticulum, esophageal; Zenker diverticulum; Therapeutics; Surgical procedures, operative


NOVA TÉCNICA

Diverticulopexia no tratamento do divertículo de Zenker

Diverticulopexy for the treatment of Zenker's diverticulum

Renato Micelli LupinacciI; Antonio Carlos Pereira LimaII; Renato Arioni LupinacciIII

IAssistant Spécialiste, Service de Chirurgie Générale, Viscérale et Endocrinienne - Hôpital Pitié Salpétrière, Paris - FRANCE

IIMédico do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital do Servidor Público Estadual-São Paulo

IIICirurgião do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital do Servidor Público Estadual-São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Renato Micelli Lupinacci E-mail: rmlupinacci@gmail.com

RESUMO

O divertículo de Zenker é um pseudodivertículo que se origina de um defeito muscular na parede posterior da faringe, na área de transição entre o músculo constritor inferior da faringe e o músculo cricofaringeo. Apesar do avanço das técnicas endoscópicas, o tratamento cirúrgico persiste como o tratamento padrão. Duas técnicas são possíveis: diverticulectomia (ressecção do divertículo) e a diverticulopexia. As vantagens da diverticulopexia estão ligadas à ausência de anastomose esofágica e suas possíveis complicações: fistulas cervicais, mediastinite, estenose esofágica e infecção de ferida. Em ambas as técnicas a secção das fibras musculares do músculo cricofaringeo (ou, esfíncter superior do esôfago) é fundamental. O objetivo do presente artigo é descrever em detalhes a técnica de diverticulopexia junto ao ligamento pré-vertebral associada à miotomia do músculo cricofaríngeo.

Descritores: Divertículo. Divertículo esofágico. Divertículo de Zenker. Terapêutica. Procedimentos cirúrgicos operatórios.

ABSTRACT

Zenker´s diverticulum is a pseudodiverticulum through a muscular defect in the posterior pharyngeal wall at the area between the inferior pharyngeal constrictor muscles of the pharynx and the cricopharyngeus muscle. Although endoscopic techniques have made significant progress, the surgical treatment remains the gold standard. There are two main techniques: diverticulectomy (resection of the diverticulum) and diverticulopexy. The main advantages of diverticulopexy are mostly linked to the absence of an esophageal anatomosis and its possible complications: cervical fistulae, mediastinitis, esophageal stenosis and wound infection, which allows a rapid recover with satisfactory oral intake. The purpose of this article is to describe in details the technique for diverticulopexy to the prevertebral ligament in association with a miotomy of the cricopharyngeus muscle.

Key words: Diverticulum. Diverticulum, esophageal. Zenker diverticulum. Therapeutics. Surgical procedures, operative.

INTRODUÇÃO

O divertículo de Zenker é um pseudodivertículo, ou divertículo não verdadeiro, que se origina através de defeito muscular na parede posterior da faringe, na área de transição entre o músculo constritor inferior da faringe e o músculo cricofaringeo. Esta zona de fragilidade muscular é também conhecida como triângulo de Killian. Dois tratamentos conceitualmente distintos são propostos para os pacientes portadores de divertículo de Zenker sintomático: cirúrgico (diverticulectomia ou diverticulopexia) ou endoscópico (através de endoscópio rígido ou flexível).

O objetivo deste artigo é descrever em detalhes a técnica de diverticulopexia junto ao ligamento pré-vertebral associada à miotomia do músculo cricofaringeo.

Técnica operatória

Nós preferimos realizar este procedimento sob anestesia geral, que permite melhor controle da via aérea e monitorização hemodinâmica intraoperatória, entretanto, este pode ser realizado através de anestesia local.

Após indução anestésica e intubação orotraqueal, o paciente é posicionado para melhor exposição do esôfago cervical. A cânula de intubação é colocada à direita da boca, a cabeça é colocada sobre um coxim e retornada para a direita, outro pequeno coxim é colocado sob os ombros.

A incisão cutânea, iniciada a aproximadamente 3cm acima da clavícula e com seis a oito centímetros de comprimento, é realizada ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastoide. O músculo esternocleidomastoide e a bainha carotídea são afastados lateralmente. Nós sempre dividimos o músculo omo-hioideo na tentativa de buscar uma melhor exposição do esôfago cervical. A veia tireoidiana média e a artéria tireoidiana inferior são ligadas.

Uma dissecção cuidadosa é realizada para liberar o esôfago posterior e a faringe do espaço pré-vertebral. Neste momento é importante que a dissecção se dirija diretamente aos planos posteriores e ao espaço pré-vertebral, evitando dissecção do plano anterior e possível lesão do nervo laríngeo recorrente (Figura 1).


Uma vez identificado o divertículo, este é liberado completamente das estruturas adjacentes através de dissecção romba ou com eletrocautério. Nós preferimos começar esta dissecção do esôfago superior em direção à faringe, tracionando o divertículo gradualmente, liberando-o por completo até atingirmos a sua origem na junção dos músculos constritor inferior da faringe e cricofaríngeo. É fundamental a dissecção completa do divertículo e a exposição do seu colo livre de qualquer fibra muscular, desta maneira ele será facilmente mobilizado em direção cranial no momento da sua fixação ao espaço pré-vertebral permitindo a obstrução completa da sua luz.

Uma pinça tipo Kelly ou Mixter é utilizada para a dissecção cuidadosa do músculo cricofaríngeo, separando-o da mucosa e submucosa do esôfago proximal. Realizamos, então, uma miotomia do músculo cricofaríngeo de 3cm em direção ao esôfago distalmente. Uma miotomia completa é essencial, pois a descoordenação do relaxamento do músculo cricofaríngeo é, provavelmente, o principal fator patofisiológico ligado ao aparecimento do divertículo (Figura 2).


A fascia pré-vertebral é dissecada a fim de criar espaço suficiente para que o divertículo possa "deitar-se" quando tracionado cranialmente. Nós começamos a fixação por três pontos de prolene 3-0 junto ao ligamento pré-vertebral (atenção deve ser tomada para evitar o disco pré-vertebral e a cortical óssea para não causar espondilodiscite ou osteíte), e depois, um a um, através do tecido peridiverticular (Figuras 3 e 4). Finalmente, os nós são amarrados com o objetivo de suspender a totalidade do divertículo, ocluir o colo diverticular e acomodá-lo corretamente sobre a fáscia. Dois outros pontos são acrescentados no intuito de fixar a borda lateral esquerda do divertículo ao ligamento pré-vertebral (Figura 5).




Após a revisão cuidadosa da hemostasia, o músculo omo-hioideo é reaproximado através de ponto em "U" de fio absorvível 2-0. O plano do músculo platisma é aproximado com pontos separados de polyglactin 910 (4-0). A sutura cutânea é realizada com postos contínuos intradérmicos de poliglecaprone 25 (4-0). Embora não seja necessário, nós frequentemente deixamos um dreno de Penrose junto ao espaço pré-vertebral, próximo ao esôfago, durante dois dias.

Dieta líquida é iniciada no primeiro dia pós-operatório, a liberação para alimentos sólidos ocorre após duas semanas. Apesar de não realizarmos controle radiológico pós-operatório rotineiro, este pode ser solicitado ao primeiro ou segundo dia pós-operatório para certificar-se que o divertículo não é preenchido durante a deglutição (Figura 6).


DISCUSSÃO

Ambas as técnicas rotineiras no tratamento do divertículo de Zenker: cirúrgicas ou endoscópicas, melhoram a disfagia em até 90% dos pacientes1. Em relação à remissão completa dos sintomas, os resultados também parecem ser comparáveis, muito embora os dados publicados sejam pouco elucidativos, posto que escores de disfagia são raramente utilizados e a maioria dos trabalhos apresentam resultados retrospectivos. Outra limitação importante acontece pela variação no tempo de seguimento, apresentando os estudos endoscópicos os menores tempos de seguimento1,2.

A diverticulostomia (endoscópica) é segura, rápida e eficiente para a maioria dos pacientes portadores de divertículos de Zenker de tamanho médio, porém o tratamento cirúrgico oferece melhores resultados, em longo prazo, como primeiro tratamento, apresentando resultados confiáveis e raramente necessitam de um segundo procedimento. Pequenos divertículos podem representar uma contraindicação formal aos tratamentos endoscópicos, pois um septo excessivamente pequeno não permite uma divisão completa das fibras musculares esfincterianas2,3.

A quase totalidade dos autores concorda que um tempo fundamental no tratamento cirúrgico do divertículo de Zenker reside na secção das fibras musculares do músculo cricofaringeo (ou, esfíncter superior do esôfago). Embora pareça evidente atualmente, este conceito é uma aquisição relativamente recente, baseada empiricamente nos achados de níveis significativamente menores de complicações (fístulas) e recidivas quando associa-se a miotomia à simples diverticulectomia4.

As vantagens da diverticulopexia estão ligadas à ausência de anastomose esofágica e suas possíveis complicações: fistulas cervicais, mediastinite, estenose esofágica e infecção de ferida, o que permite uma recuperação rápida com aceitação de dieta oral satisfatória2,3,5,6. O risco de cancer epidermoide de esôfago não deve ser considerado uma contraindicação às técnicas endoscópicas e, tão pouco, à diverticulopexia, pois, além de uma ocorrência extremamente rara, está associado à divertículos de longa data3,7,8.

Embora alguns autores não considerem a diverticulopexia uma alternativa para divertículos volumosos (>5cm), nós acreditamos que através de completa mobilização do divertículo, exposição do colo diverticular livre de fibras musculares, miotomia longa do músculo cricofaringeo e ampla dissecção do espaço pré-vertebral permitindo que o divertículo seja confortavelmente suspenso propiciando um resultado funcional satisfatório e com menos complicações.

Recebido em 10/01/2012

Aceito para publicação em 05/02/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia; Hospital do Servidor Público Estadual.

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  • Endereço para correspondência:
    Renato Micelli Lupinacci
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2012
    • Aceito
      05 Fev 2012
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