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Infecção cirúrgica em colecistectomia videolaparoscópica usando ácido peracético como esterilizante dos instrumentais

Resumos

OBJETIVO: Determinar a frequência de infecção de sítio cirúrgico em pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica usando o ácido peracético como esterilizante. MÉTODOS: Foi realizado estudo retrospectivo descritivo do tipo coorte transversal. O ácido peracético foi usado para esterilização seguindo protocolo preconizado pelo fabricante. Foram observados os critérios e indicadores de processo e estrutura para prevenção de infecção de sítio cirúrgico no pré e intraoperatório. Para a vigilância epidemiológica, consultas ambulatoriais eram agendadas para o 15º e entre o 30º e 45º dias após a alta. RESULTADOS: Entre 247 pacientes foram diagnosticados dois casos de infecção de sítio cirúrgico (0,8%). Um paciente reinternou para antibioticoterapia sistêmica e punção percutânea; no outro, a infecção foi superficial e acompanhada ambulatorialmente. CONCLUSÃO: Eticamente não é permitida a realização de um estudo prospectivo pelo fato do ácido peracético ter sido proibido para a esterilização de instrumentais que penetrem em órgãos e cavidades; contudo, estes resultados encorajam estudo prospectivo caso-controle, comparando o uso dele (controle histórico) com a esterilização por óxido de etileno.

Infecção da ferida operatória; Infecção hospitalar; Colecistectomia laparoscópica; Ácido peracético; Esterilização


OBJECTIVE: To determine the frequency of surgical site infection in patients undergoing laparoscopic cholecystectomy with instruments sterilized by peracetic acid. METHODS: We conducted a retrospective, cohort, descriptive, cross-sectional study. Peracetic acid has been used for sterilization following the protocol recommended by the manufacturer. We observed the criteria and indicators of process and structure for preventing surgical site infection pre and intraoperatively. For epidemiological surveillance, outpatient visits were scheduled for the 15th and between the 30th and 45th days after discharge. RESULTS: Among the 247 patients, there were two cases of surgical site infection (0.8%). One patient was readmitted to systemic antibiotic therapy and percutaneous puncture; in the other the infection was superficial and followed at the clinic. CONCLUSION: Ethical issues prevent the conduction of a prospective study because of peracetic acid have been banned for the sterilization of instruments that penetrate organs and cavities. Nevertheless, these results encourage prospective case-control studies comparing its use (historical control) with ethylene oxide sterilization.

Surgical Wound Infection; Cross Infection; Cholecystectomy Laparoscopic; Peracetic Acid; Sterilization


ARTIGO ORIGINAL

Infecção cirúrgica em colecistectomia videolaparoscópica usando ácido peracético como esterilizante dos instrumentais

Edluza Maria Viana Bezerra de MeloI; Cristiano de Souza LeãoII; Luciana Marques AndretoI; Maria Júlia Gonçalves de MelloIII

IEnfermeira, do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP; Recife, Pernambuco, Brasil

IICirurgião Geral, Departamento de Cirurgia Geral do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP; Recife, Pernambuco, Brasil

IIIMédica Pediatra, Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP; Recife, Pernambuco, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Edluza Maria Viana Bezerra de Melo E-mail: edluzabmelo@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a frequência de infecção de sítio cirúrgico em pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica usando o ácido peracético como esterilizante.

MÉTODOS: Foi realizado estudo retrospectivo descritivo do tipo coorte transversal. O ácido peracético foi usado para esterilização seguindo protocolo preconizado pelo fabricante. Foram observados os critérios e indicadores de processo e estrutura para prevenção de infecção de sítio cirúrgico no pré e intraoperatório. Para a vigilância epidemiológica, consultas ambulatoriais eram agendadas para o 15º e entre o 30º e 45º dias após a alta.

RESULTADOS: Entre 247 pacientes foram diagnosticados dois casos de infecção de sítio cirúrgico (0,8%). Um paciente reinternou para antibioticoterapia sistêmica e punção percutânea; no outro, a infecção foi superficial e acompanhada ambulatorialmente.

CONCLUSÃO: Eticamente não é permitida a realização de um estudo prospectivo pelo fato do ácido peracético ter sido proibido para a esterilização de instrumentais que penetrem em órgãos e cavidades; contudo, estes resultados encorajam estudo prospectivo caso-controle, comparando o uso dele (controle histórico) com a esterilização por óxido de etileno.

Descritores: Infecção da ferida operatória. Infecção hospitalar. Colecistectomia laparoscópica. Ácido peracético. Esterilização.

INTRODUÇÃO

Apesar dos avanços importantes na área da cirurgia e no controle clínico do paciente cirúrgico, todo procedimento apresenta risco infeccioso que pode determinar graves complicações físicas, psíquicas e sociais e mesmo a morte1. No programa de prevenção desenvolvido pela Aliança Mundial para a Segurança do Paciente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os dez objetivos essenciais para a operação segura preconiza-se que a equipe irá consistentemente usar métodos conhecidos para minimizar os riscos de infecção do sítio cirúrgico (ISC)1.

As infecções relacionadas à assistência a saúde são consideradas um problema de saúde pública, sobretudo porque têm sido responsáveis por uma entre dez mortes hospitalares nos Estados Unidos da América e admite-se que nos países pobres esta estimativa seja duas a 20 vezes maior1. A infecção de sítio cirúrgico (ISC) é a mais comum das infecções em pacientes cirúrgicos, seguida da urinária e respiratória. O paciente infectado acarreta elevação dos custos e aumento do tempo de permanência em torno de 10 dias, o que economicamente significa custo extra por paciente para padrões americanos1-3.

Embora as bactérias Gram-positivas sejam os principais agentes causais, existem grandes variações, e cada serviço deve conhecer a microbiota relacionada com a assistência à saúde. Outros agentes, além dos germes da microbiota intestinal (Gram-negativo e anaeróbios), são os contaminantes provenientes de várias fontes exógenas, como instrumentos e próteses3.

Surtos de ISC por micobactéria de crescimento rápido (MCR) têm sido relatados em todo o mundo há mais de 20 anos. As infecções por esse grupo de bactérias foram associadas às falhas no processo de limpeza dos instrumentais e dispositivos médicos4. A partir de 2005, vários surtos de ISC por MCR foram descritos em diferentes estados brasileiros e tornando-se uma preocupação entre os órgãos fiscalizadores, sobretudo a Anvisa, pela necessidade de maior atenção com os protocolos de higienização e de esterilização dos materiais cirúrgicos. Foi observado nestes surtos o surgimento de bactérias resistentes aos saneantes utilizados4.

As infecções de pele e subcutâneo por MCR manifestam-se como lesões nodulares, abscessos piogênicos, fístulas, inflamação aguda com saída de exsudato na incisão de entrada das cânulas do laparoscópio ou na deiscência da cicatriz cirúrgica 5. A contaminação leva a quadros de ISC de difícil cicatrização, resistentes à antibioticoterapia usualmente empregada, sendo rara a cura espontânea5,6.

Durante uma fase de transição e de investigação epidemiológica, quando, para esterilização foi empregado o glutaraldeído e/ou o ácido peracético, a Anvisa divulgou a ocorrência de surtos por Mycobacterium abscessus, M. chelonae e M. fortuitum em pacientes de várias instituições públicas e privadas submetidos a procedimentos cirúrgicos, particularmente nos efetuados por videolaparoscopia7.

Reduzir custos na assistência à saúde é fundamental para a ampliação da oferta de serviços. O reprocessamento seguro dos equipamentos médicos e hospitalares colabora com essa redução8. A prática de reprocessamento pode acarretar na veiculação de contaminantes infecciosos e de biofilme no interior dos instrumentais, caso eles não sejam reprocessados de forma adequada após cada uso8.

Em fevereiro de 2009, a Anvisa, através da RDC nº 08, suspendeu a prática da realização de esterilização química por imersão dos instrumentais termossensíveis9.

Este estudo visa determinar a frequência de ISC nos pacientes submetidos à colecistectomias por videolaparoscopia (CVL) quando o ácido peracético era utilizado como esterilizante.

MÉTODOS

O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IMIP sob o número 2025-10. Foi obtida a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido dos pacientes, por se tratar de uma pesquisa retrospectiva em banco de dados secundários.

Foi realizado estudo descritivo, tipo coorte transversal retrospectivo, através da revisão de prontuários para investigação de ISC nos pacientes que foram submetidos à colecistectomias por videolaparoscopia no período de fevereiro de 2008 a fevereiro de 2009 na FPMF/IMIP (Fundação Prof. Martiniano Fernandes/ Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Recife, Pernambuco, Brasil). Esta instituição atende unicamente pacientes usuários do Sistema Único de Saúde. Foram incluídos no estudo os pacientes considerados ASA I e II (Escore da Sociedade Americana de Anestesiologia) e excluídos aqueles que tiveram múltiplas operações, que necessitaram de conversão do procedimento laparoscópico para laparotômico e os que precisaram de reintervenção.

No período do estudo, o ácido peracético era o método de esterilização seguindo protocolo preconizado pelo fabricante. Os critérios e indicadores de processo e estrutura para prevenção de ISC no pré e intraoperatório, como o tempo de internamento pré-operatório inferior ou igual há 24 horas, antissepsia do campo operatório, controle de circulação de profissionais na sala cirúrgica, porta da sala de operação fechada durante o procedimento cirúrgico, controle glicêmico e rastreamento das caixas cirúrgicas, foram observados pela equipe do Serviço.

Para a vigilância epidemiológica das ISC, uma consulta ambulatorial de retorno do paciente era agendada para o 15º e entre 30 e 45 dias após a alta hospitalar. O residente ou a enfermeira da Clínica Cirúrgica orientavam o paciente sobre os cuidados com a ferida operatória e alertavam para a necessidade de retornar ao Serviço para reavaliação quando houvesse febre ou qualquer alteração na ferida, como dor, vermelhidão, calor local ou presença de secreção. Entre o 30º e 45º dias pós-alta, era fornecido ao paciente o resultado do exame histopatológico da peça cirúrgica. O diagnóstico de ISC foi realizado no ambulatório pelo cirurgião após a inspeção da ferida seguindo os critérios diagnósticos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)8,

Uma listagem nominal foi fornecida pelo sistema de gerenciamento hospitalar dos pacientes submetidos à colecistectomia no período do estudo. Foi realizada conferência para confirmação da colecistectomia por vídeo. O preenchimento do formulário foi realizado por consulta em três fontes: prontuário do paciente, ficha anestésica, evolução médica e de enfermagem; o mapa cirúrgico e o livro de registro de retorno ao ambulatório.

Foram coletadas variáveis sócio-demográficas, fatores inerentes ao estado clínico do paciente no pré-operatório (presença hipertensão arterial sistêmica, diabete melito e outras doenças crônicas, uso de medicação de forma contínua, permanência hospitalar pré-operatória e escore ASA), fatores relacionados ao procedimento cirúrgico (antibioticoterapia profilática, tipo de anestesia, duração da operação, colangiografia, colocação de dreno e tipo de achado cirúrgico), ao tempo de permanência hospitalar e a necessidade de reintervenção. Em relação à ISC foi observada a classificação da infecção e a evolução clínica do paciente.

Após dupla digitação e correção das incongruências, obtiveram-se tabelas de distribuição de frequência para as variáveis categóricas e medidas de tendência central e intervalo interquartil para as variáveis contínuas. O teste de Fisher foi utilizado para a comparação entre as proporções e o Kruskal-Wallis para a comparação entre médias.

RESULTADOS

Foram analisados 595 prontuários de pacientes submetidos à colecistectomia e 283 foram excluídos porque a colecistectomia foi laparotômica. Dos 312 pacientes restantes, 13 foram excluídos por conversão da operação e 52 (17,4%) considerados como perdas por não terem retornado para seguimento. Restaram para análise 247 pacientes cujos prontuários foram revistos até dois anos após a alta.

Os dados correspondentes à caracterização da amostra são demonstrados na tabela 1. Houve predominância do sexo feminino 226 (91,5%) e de pacientes provenientes do Recife e região metropolitana (89,5%)10. A idade dos pacientes variou de 16 a 76 anos, com média de 39 e mediana de 40 anos. Na faixa etária entre 21 e 40 anos estavam compreendidos 127 pacientes, correspondendo a 51,4% da amostra. Colelitíase isolada foi observada em 163 pacientes (66%), porém cerca de 1/4 dos pacientes tinham hipertensão arterial sistêmica e 1,2% diabete. A associação destas duas doenças esteve presente em seis pacientes (2,4%)11.

Os pacientes foram internados até 24 horas antes da operação e tiveram tempo de permanência hospitalar que variou de um a dez dias, com intervalo interquartil de um a dois dias. Cerca de 9% (22) tiveram permanência igual ou superior a três dias11,12. Não houve óbitos.

Foram identificados pela classificação de risco cirúrgico como ASA II 136 (55,1%) dos 247 pacientes. No momento da indução anestésica, o antibiótico profilático foi administrado em 196 (79,4%); anestesia geral foi realizada em 244 (98,8%) procedimentos, raque e/ou peridural em três (1,2%), sempre em associação à anestesia geral13.

A duração do procedimento cirúrgico variou de 40 a 165 minutos, com mediana de 60, sendo que 72% das pacientes realizaram CVL em até 75 minutos11. A colangiografia intraoperatória foi realizada em três (1,2%) e o dreno foi colocado em sete (2,8%) pacientes14.

A laparoscopia não identificou achados transoperatórios significativos em 181 (73,3%) casos. Vesícula de paredes espessadas foi à alteração macroscópica mais relatada nas descrições das operações (22,7%). Nesta amostra apenas um (0,4%) paciente necessitou de reintervenção.

Entre os 247 que retornaram à instituição para acompanhamento no ambulatório de consulta pós-operatória, foram diagnosticados dois casos de ISC (Tabela 2). Um paciente teve ISC profunda (abscesso subfrênico); foi reinternado para antibioticoterapia sistêmica, punção percutânea e drenagem por catéter de pigtail. Durante o internamento foram coletados espécimes para BAAR (pesquisa de bacilos álcool ácido resistentes), cultura para germes piogênicos e de MCR cujos resultados foram negativos. O tempo de permanência hospitalar para o tratamento de ISC profunda foi 14 dias. Outro paciente teve ISC superficial e foi acompanhado ambulatorialmente com tratamento local.

Pacientes que não fizeram uso de antibioticoprofilaxia (1/51) tiveram 3,9 vezes maior frequência de ISC quando comparados com os que fizeram antibioticoprofilaxia (1/196), porém a razão de prevalência não foi estatisticamente significativa (p=0,37)5.

Os dois pacientes que apresentaram ISC tiveram maior tempo médio de duração da operação em minutos (tempo mínimo=90; média=105; tempo máximo=120) quando comparados com os 245 que não apresentaram ISC (tempo mínimo=40; média=60; tempo máximo=165)1. A comparação entre as médias, de acordo com o teste de Kruskal-Wallis, foi próximo da significância estatística (p=0,054).

DISCUSSÃO

Em países ocidentais a frequência relativa das ISC correspondia de 15-20% de todos os casos de infecções relacionadas à assistência à saúde, com incidência de dois a 15 casos de infecção para cada 100 pacientes submetidos à Cirurgia Geral13. Em 2009, foi lançado um desafio global da OMS para a segurança do paciente, que tem como lema "Cirurgias Seguras Salvam Vidas" visando minimizar ou eliminar os riscos de ISC. Este estudo retrospectivo que analisa dados dos anos 2008 e 2009 evidenciou duas (0,8%) ISC em 247 pacientes submetidos à colecistectomias videolaparoscópicas sem diagnóstico clínico ou bacteriológico de MCR.

Deve se considerar as limitações inerentes a um estudo retrospectivo com revisão de prontuários médicos que podem ter vários vieses decorrentes da ausência de dados e/ou confiabilidade dos existentes. Para minimizar estes vieses, os autores recorreram à consulta de outras fontes, como o registro e evolução de enfermagem além do livro de consultas do ambulatório de consulta pós-operatória.

A colecistectomia videolaparoscópica comparada à laparotômica tem como característica principal diminuir o trauma cirúrgico, menor repercussão orgânica, menor reação metabólica, inflamatória e imunológica e representa benefício para o paciente7. O uso da esterilização pelo ácido peracético ofereceu, de forma segura ao paciente, uma nova tecnologia que foi capaz de minimizar os custos15. Ressalte-se que o uso do ácido peracético para esterilização do material videocirúrgico era a prática vigente permitida pela Anvisa e que a frequência de 0,8% de ISC nas colecistectomias videolaparoscópicas encontrada neste estudo pode ser considerada como abaixo da estimada (2,8%) para a época. Observou apenas os pacientes operados em uma única instituição e especialidade cirúrgica estando esta avaliação limitada à rotina e processos de limpeza e esterilização desta instituição e da colecistectomia.

A vigilância pós-alta das ISC refletirá necessariamente a variedade de operações de um hospital, os recursos humanos e as necessidades de informações com níveis variados de sucesso.

Os métodos incluem exame direto das feridas dos pacientes durante as visitas de acompanhamento, revisão dos registros médicos e pesquisas por telefone ou e-mail com os pacientes e cirurgiões1,16. Na vigilância epidemiológica das ISC da FPMF/IMIP a consulta de retorno do paciente ocorre em dois períodos, 15 e 30 a 45 dias de pós-operatório, mas o paciente pode retornar ao Serviço a qualquer momento, quando identificar qualquer alteração na ferida operatória. O retorno ao ambulatório não foi observado em 17,4% dos casos e considerado como perda. Estes pacientes podem não ter procurado o Serviço por não apresentarem intercorrências infecciosas ou apresentarem ISC, por serem de região distante, terem dificuldade de acesso ou obtiveram assistência em outro serviço. Estratégias para aumentar este retorno estão sendo estudadas pela equipe cirúrgica.

De acordo com os dados da Rede Nacional de Investigação de Surtos e Eventos Adversos em Serviços de Saúde (RENISS) a mediana do tempo para aparecimento dos sintomas de ISC se situa em torno de 31 dias17. A segunda avaliação ambulatorial obrigatória é prevista dos 30 aos 45 dias de pós-operatório. Os prontuários hospitalares foram revistos pelos pesquisadores cerca de um a dois anos após a realização da colecistectomia videolaparoscópica, tempo suficiente para que qualquer retorno do paciente com intercorrência infecciosa tenha sido notificado no prontuário17. Os dados epidemiológicos dos pacientes em relação ao sexo não diferem da literatura, onde a frequência de mulheres submetidas à colecistectomia tem variação de 62-90%10. Nesta casuística a frequência de mulheres foi 91,4%, com proporção de aproximadamente 11 mulheres para um homem (Tabela 1). Em relação à idade, estudos epidemiológicos baseados em necrópsias realizadas em adultos mostraram colelitíase com maior prevalência nos maiores de 50 anos de idade. A ocorrência em crianças é rara e passa a ser mais comum a partir da adolescência10.

Embora sejam atendidos no FMPF-IMIP pacientes maiores de 14 anos de idade, neste estudo apenas 2,4% tinham menos de 19 anos de idade, o que está de acordo com a literatura. No entanto, cerca de metade dos submetidos à colecistectomia videolaparoscópica tinham entre 21 e 40 anos de idade, população mais jovem que a esperada, sugerindo que outros estudos devam ser realizados para verificar a associação com hábitos alimentares, gravidez precoce e outros fatores10,14.

A probabilidade de infecção pós-operatória leva em consideração as características e as condições clínicas do paciente além dos fatores associados com o tipo de operação e o transoperatório4. As comorbidades desempenham importante papel na determinação da infecção13. Como o objetivo principal do estudo era determinar a frequência de ISC em pacientes de baixo risco, cujo material videolaparoscópico foi esterilizado com o ácido peracético, utilizou-se os escores ASA I e II que refletem o estado pré-operatório visando minimizar os fatores de confusão13. As operações realizadas são predominantemente eletivas, e colelitíase sem doença associada foi observada em cerca de 2/3 dos casos.

O CDC e a Anvisa, reforçam a orientação de que o tempo de internamento pré-operatório prolongado favorece a substituição da flora endógena do paciente, aumentando o risco de adquirir micro-organismos multirresistentes1,3. Estes pacientes tiveram apenas um dia de internamento pré-operatório e alta precoce1.

O efeito benéfico da antibioticoprofilaxia na prevenção da ISC é controverso na colecistectomia videolaparoscópica, porém neste estudo foram identificados dois casos (0,8%) de ISC, onde um paciente realizou antibioticoprofilaxia e o outro não18,19. Embora tenha havido maior risco de ISC entre os pacientes que não fizeram antibioticoprofilaxia a razão entre as prevalências não foi estatisticamente significativa.

Operações prolongadas têm maior probabilidade de infecção e o aumento do tempo operatório pode estar relacionado à técnica e destreza do cirurgião, deficiência na organização do bloco cirúrgico, materiais e recursos humanos disponíveis.

Para operações do aparelho digestivo com duração inferior a 120 minutos relata-se taxa de 1,5%, comparado com 10,7% nas que se prolongaram por mais de quatro horas5. Nos pacientes que apresentaram ISC neste estudo, os procedimentos cirúrgicos duraram entre 90 e 120 minutos, duração superior à média observada nos pacientes que não tiveram infecção, com diferença próxima da significância estatística (p=0,054).

Em 247 casos estudados de forma retrospectiva detectamos a ocorrência de ISC em dois casos (0,8%) o que provavelmente reflete a qualidade do produto e do processo empregado na esterilização dos equipamentos utilizados para a realização da colecistectomia videolaparoscópica. Sugere-se que estudos futuros contemplem outras instituições que tenham o mesmo perfil de atendimento para verificar a incidência de ISC e que possibilitem a comparação entre métodos de esterilização dos instrumentais de videocirurgia.

Eticamente não é permitida a realização de um estudo prospectivo pelo fato do ácido peracético ter sido proibido para a esterilização de instrumentais que penetrem em órgãos e cavidades; contudo, estes resultados encorajam estudo prospectivo caso-controle, comparando o uso dele (controle histórico) com a esterilização por óxido de etileno.

Recebido em 10/07/2012

Aceito para publicação em 25/08/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Este trabalho foi realizado na Fundação Prof. Martiniano Fernandes IMIP/Hospitalar Recife - PE.

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  • Endereço para correspondência:
    Edluza Maria Viana Bezerra de Melo
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Jul 2012
    • Aceito
      25 Ago 2012
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